Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
65/12.2TAMMV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CORREIA PINTO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO AMBIENTAL
REGIME
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 07/03/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE MONTEMOR-O-VELHO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 22.º, N. 3, ALÍNEA B), DA LEI N.º 50/2006, DE 29 DE AGOSTO, ALTERADA E REPUBLICADA PELA LEI N.º 89/2009, DE 31 DE AGOSTO
Sumário: A norma do artigo 22.º, n.º 3, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, revista pela Lei n.º 89/2009, de 31 de Agosto - ao punir, em caso de negligência, as contra-ordenações graves, quando praticadas por pessoas colectivas, com coima entre € 15000 e € 30000 -, porque se limita ao necessário e é perfeitamente adequada e proporcional à importância dos objectivos visados pelo referido diploma - ou seja, a criação de um novo regime específico para as contra-ordenações ambientais, capaz de dar pleno cumprimento às tarefas que, em matéria ambiental, estão confiadas ao Estado, nos termos da Constituição e da Lei de Bases do Ambiente -, não é violadora do artigo 18.º, n.º 2, da CRP.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I)

Relatório

1.         O Ministério da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território, através da Inspecção-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território, lavrou auto de notícia relativamente à sociedade arguida, A..., L.da, melhor identificada nos autos, por alegada prática de contra ordenação ambiental grave, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 59.º, n.º 6, do Decreto-lei n.º 270/2001, de 6 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-lei n.º 340/2007, de 12 de Outubro, e 22.º, n.º 3, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, alterada e republicada pela Lei n.º 89/2009, de 31 de Agosto.

No prosseguimento do processo de contra-ordenação n.º CO/001030/10, a entidade administrativa – Inspecção-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território – proferiu decisão, em 27 de Outubro de 2011 (fls. 104 a 118); aí, considerando que a arguida praticou, de forma negligente, a contra-ordenação que determinou a instauração do procedimento, aplicou à mesma uma coima no valor de € 15.000,00.

A arguida, não se conformando com tal decisão, dela interpôs recurso de impugnação judicial, dando origem ao processo n.º 65/12.2TAMMV, do Tribunal Judicial de Montemor-o-Velho. Aí concluiu afirmando não se verificar a infracção em causa, pelo que deveria ser absolvida; sem prescindir e a não se entender assim, requereu a aplicação da sanção de admoestação; afirmou a inconstitucionalidade da norma que determina a coima, por violação do princípio da proporcionalidade, equidade, necessidade e adequação.

Admitido o recurso e realizada audiência de discussão e julgamento, veio a ser proferida sentença, na qual o tribunal decidiu julgar totalmente improcedente o recurso de contra-ordenação e, consequentemente, manter nos seus precisos termos a decisão administrativa.

2.         A arguida, não se conformando também com esta decisão, interpôs o presente recurso.

Na respectiva motivação, formula as seguintes conclusões:
1) Por decisão da entidade administrativa, foi a recorrente condenada ao pagamento de uma coima de 15.000,00€ pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelo artigo nº 6 do artigo 59º do DL270/2001 de 6 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo DL340/2007, de 12 de Outubro, sancionável com coima de 15.000,00€ a 30.000,00€.
2) A autoridade administrativa, totalmente desprovida de razão, alicerça a condenação da arguida na putativa violação do PARP ao modelar o terreno com o enchimento parcial da corta com outros materiais, nomeadamente outros resíduos para além dos estéreis da exploração.
3) Ora, apesar do enchimento parcial da corta dever ser efectuado mediante a utilização de estéreis resultantes da exploração das massas minerais arenosas como consta do PARP, o certo é que não está vedado o recurso a outro tipo de materiais que, perante o caso concreto, se revelem mais adequados ao fim visado.
4) Com efeito, prescreve o ponto 7.5.3 do PARP que «todos os restantes materiais a utilizar na obra não previstos no caderno de encargos deverão apresentar as características definidas pela legislação que lhes for aplicável, ou, na falta desta, as que melhor satisfaçam os fins em vista».
5) Ou seja, o próprio plano prevê a possibilidade de serem utilizados outros materiais não descritos no aludido caderno de encargos.
6) E porque assim é, a arguida utilizou os materiais adequados para o enchimento da corta, além dos descritos no PARP.
7) Na verdade, o recurso a estes materiais (resíduos resultantes da queima de biomassa florestal) é um procedimento aprovado e recomendado pela CCDR no que toca à recuperação de pedreiras.
8) Mais, a referida operação tratou-se sim da primeira fase da valorização com vista a reestruturar o solo ao nível das camadas existentes dos terrenos adjacentes, de forma a permitir uma reabilitação e reestruturação agrícola correcta.
9) E a utilização dos referidos materiais em espaços de anteriores explorações mineiras é – repete-se – o tecnicamente adequado por se tratar de resíduos submetidos a processos térmicos de altas temperaturas que os tornam inócuos e potencialmente inertes.
10) O que a Autora efectivamente fez – e em seu entender bem – foi repor a estrutura interna do solo, devolvendo-lhe a sua integridade e conferindo-lhe a homogeneidade geológica que inicialmente existia.
11) Por outro lado, o enchimento da corta visa também a criação de uma base de sustentação para as plantas que serão colocadas naquele local, conforme continua a constar do Plano Ambiental e de Recuperação Paisagística aprovado pela entidade recorrida.
12) Tais procedimentos, repete-se, além de serem aprovados e recomendados pela entidade recorrida para a recuperação de pedreiras, constam do pedido de autorização que deu originem ao alvará de licença em causa nos autos.
13) Tal actuação constitui um abuso do direito, na sua vertente venire contra factum proprium.
14) Ora, se as operações realizadas e procedimentos utilizados foram apresentados à entidade recorrida aquando do pedido de licença e não mereceram nessa altura qualquer oposição, não pode a entidade administrativa vir alegar – como alega – que foi utilizado qualquer material não autorizado no Plano e que deveria ter sido comunicada qualquer alteração ao PARP.
15) Alteração ao PARP essa que, aliás não existiu, uma vez que, como se disse já, nele se encontra prevista a possibilidade de utilização de outros materiais.
16) Ou seja, a conduta da arguida não se afasta dos propósitos do PARP, estando completamente alinhada com os objectivos deste.
17) Não se vislumbrando factos merecedores de censurabilidade, visto as medidas adoptadas serem totalmente compatíveis com os objectivos do PARP.
18) A tudo acresce que o Plano Ambiental e de Recuperação Paisagística se encontra actualmente praticamente concluído, estando toda a zona do areeiro reabilitada, com plantas e árvores de fruto.
19) A aplicação de um montante tão elevado de coima poderá estar a pôr em causa a sobrevivência da recorrente, sendo para a mesma incomportável o pagamento de tal valor.
20) A recorrente nunca cometeu outra contra-ordenação.
21) Não se descortinando factos censuráveis que possam consubstanciar qualquer comportamento ilícito, não lhe podendo ser imputada qualquer contra-ordenação, nem aplicada qualquer coima.
22) Mas, ainda que assim não fosse – e é – o que apenas por mera cautela de patrocínio se aflora, não há sanção mais adequada para o caso sub iudice, do que a pena de admoestação.
23) De facto, a gravidade da contra-ordenação imputada à recorrente é praticamente nula, na medida em que o método utilizado foi o mais adequado, não prejudicou de qualquer forma o meio ambiente, e a conduta não foi dolosa.
24) Mais, a aplicação de uma coima no montante de 15.000,00€ é desproporcional, injusta, podendo mesmo conduzir ao encerramento da recorrente, não se descortinando como pode ver-se cumprido o objectivo do DL n.º 340/2007 – equilíbrio entre os interesses públicos do desenvolvimento económico e a protecção do ambiente.
25) Sendo a norma que determina tal coima para a prática da contra-ordenação em causa nos autos manifestamente violadora do Princípio da proporcionalidade, da equidade, da necessidade e da adequação constitucionalmente consagrados.
26) Não sendo compreensível para o cidadão comum que a falta de comunicação de um facto, ainda que não provoque qualquer prejuízo ao ambiente ou a quem quer que seja, determine o pagamento de uma coima de 15.000,00€ a 30.000,00€.
27) O que, diga-se é sintomático, aliás, de uma evidente incongruência do ordenamento jurídico.
28) O legislador desconsiderou, relativamente às contra-ordenações ambientais, as enormes diferenças quanto à ofensividade e necessidade de tutela existentes entre o direito penal e o direito contra-ordenacional, conferindo à tutela contra-ordenacional uma eficácia preventiva muito superior à tutela penal, o que não é admissível no ordenamento jurídico, já que configura uma drástica e distorcida alteração da hierarquia da ofensividade dos bens jurídicos, logo contrária à Lei Fundamental.
29) O legislador não deveria poder punir de forma mais gravosa quem pratica uma contra-ordenação em relação a quem pratica um crime. Ora, com o montante de coima a que a recorrente foi condenada, está a fazê-lo, pois atribui-se maior desvalor à conduta do agente que pratique uma contra-ordenação do que à daquele que pratique um crime.
30) Não podendo deixar de se considerar que a norma em causa é violadora da Constituição da República Portuguesa, o que expressamente se invoca para os devidos e legais efeitos.
31) Ora, tendo em vista a gravidade da contra-ordenação, que é diminuta, bem como a gravidade da culpa, que é reduzida, uma vez que não se pode afirmar a respondente actuou dolosamente, é manifesta a aplicabilidade da sanção de admoestação.
32) Na realidade, como se disse já, a gravidade da contra-ordenação tout court depende do bem ou interesse que tutela e do benefício retirado e do resultado ou prejuízo causado pelo agente.
33) E o certo é que a actuação da recorrente – ou omissão – não revestiu particular gravidade, em nada prejudicando a qualidade ambiental, sendo diminuta a sua culpa e sendo certo que nenhum benefício retirou com a sua conduta.
34) Acresce que a sanção a aplicar à ora recorrente deverá pautar-se pelo estrito cumprimento dos Princípios da Culpa, da Proporcionalidade e da Legalidade constitucionalmente consagrados.
35) Sendo a admoestação a medida justa, equilibrada e proporcional para a actuação em causa.
36) A tudo acresce que a respondente sempre julgou que estava a agir a coberto da legalidade.
37) A ora recorrente sempre foi uma empresa responsável e conscienciosa em termos ambientais, sendo cuidadosa e respeitadora das normas legais e nada faz prever que volte a praticar a infracção por que vem acusada.
38) Face ao exposto, é notório que a autoridade administrativa ao reger-se de acordo com a lei, não poderia jamais exceder a aplicação da pena de admoestação, na medida em que os seus pressupostos estão cumulativamente reunidos.

Termina afirmando que deve o presente recurso ser julgado procedente, com a consequente absolvição da arguida dos autos, ou caso assim não se entenda, deve-lhe ser aplicada a pena de admoestação por esta satisfazer de forma suficiente e adequada as necessidades de prevenção geral e especial.

3.1       O Ministério Público apresentou resposta, concluindo nos seguintes termos:

1)         Atentos os fundamentos de facto e de direito expostos na douta decisão proferida, com cuja argumentação se concorda na íntegra, deve a decisão administrativa manter-se nos seus precisos termos.

2)         Assim, na medida em que a factualidade fundadora da decisão em crise resultou baseada em factos concretos;

3)         Além de tal decisão se mostrar fundamentada de acordo com o que os elementos de prova evidenciam, e não segundo impressões ou juízos particulares, em obediência a ditames constitucionais;

4)         Sendo igualmente certo que a arguida recorrente com a operação de aterro/depósito de escórias resultantes da queima de biomassa florestal, na pedreira denominada “ X... ”, em 18 de Março de 2010 actuou em desrespeito pelo PARP, com nocivos efeitos ambientais, agindo ainda com descuido, imprevidência e sem ter tomado os cuidados que legalmente lhe eram impostos.

5)         Ademais, tendo em vista a gravidade da contra-ordenação, que é elevada, o que decorre da importância do bem ambiental tutelado, bem como a gravidade da culpa, é manifesta a adequação da coima fixada, dando resposta necessária e proporcional às prementes necessidades de prevenção, dada a frequência e gravidade das violações à lei e das lesões produzidas em matéria de ambiente.

Termina afirmando que o recurso interposto deve ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.

3.2       Neste Tribunal da Relação, o Ministério Público, com vista nos autos, acompanhando a resposta em 1.ª instância, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Notificada, a arguida nada disse.

4.         Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Nos termos do artigo 59.º do regime geral das contra-ordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, com subsequentes alterações, a decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é susceptível de impugnação judicial; da sentença proferida no âmbito da impugnação, pode recorrer-se para a Relação quando, nomeadamente, for aplicada ao arguido uma coima superior a € 249,40 – conhecendo a 2.ª instância apenas de direito (artigos 73.º e 75.º do RGCO).

É pacífico – à luz do disposto no artigo 412.º do Código de Processo Penal – que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que são de conhecimento oficioso, nomeadamente as que estão previstas no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Face às conclusões da motivação do recurso, importa apreciar, essencialmente, as seguintes questões:
§ A inexistência da contra-ordenação cuja prática é imputada à recorrente.
§ O alegado abuso do direito, na sua vertente venire contra factum proprium.
§ A inadequação da sanção aplicada (coima) e a alegada suficiência da admoestação, aqui se apreciando a pretensa violação do princípio da proporcionalidade, da equidade, da necessidade e da adequação, constitucionalmente consagrados.

II)

Fundamentação

1.         Factos relevantes.

Com interesse para a decisão a proferir, importa começar por considerar que, discutida a causa em audiência de julgamento, na sentença recorrida foram julgados provados e não provados os factos que se transcrevem, tal como a respectiva motivação.

«FACTOS PROVADOS

Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos:

1.                     A arguida é uma sociedade comercial com sede na Rua ... , Condeixa-a-Nova, constituída em 1989, cujo objecto social é o transporte rodoviário de mercadorias por conta de outrem, incluindo resíduos, construção civil e obras públicas, comercialização de materiais de construção, exploração e lavagem de inertes, prestação de serviços com máquinas e aluguer das mesmas e de outros equipamentos para a construção a recolha e gestão de resíduos agrícolas, florestais e industriais.

2.                     A arguida explora a pedreira denominada “ X... ”, sita em ... , na freguesia e concelho de Montemor-o-Velho, com o número de ordem nacional 6557, com vista à extracção de areias comuns destinadas essencialmente ao fabrico de cimento pela empresa F... , S.A., sendo titular do alvará de licença de exploração com o n.º 02/2006, emitido pela Câmara Municipal de Montemor-o-Velho.

3.                     A propriedade onde se insere a mencionada pedreira tem uma área 26235 m2, dos quais 7825 m2 são afectos à exploração propriamente dita, a qual se encontra praticamente no seu limite.

4.                     A arguida é titular de Plano Ambiental de Recuperação Paisagística (PARP), relativo à mencionada exploração.

5.                     Nesse PARP estão discriminados, ademais, os seguintes pontos:

- 7.1. Projecto de modelação do terreno;

- 7.2. Plano de desactivação;

- 7.3. Plano da recuperação;

- 7.4. Faseamento e monitorização;

- 7.5. Caderno de encargos.

6.                     Nas especificações do ponto 7.1. – Projecto de modelação do terreno – consta que “… o projecto previsto para a modelação do terreno consiste no enchimento parcial da corta com os estéreis resultantes da exploração das massas minerais arenosas, suavização dos taludes e preparação do terreno com vista à plantação de um pomar”.

7.                     Nas especificações do ponto 7.2. – Plano de desactivação – consta que: “…. Considerando as características intrínsecas do local da pedreira a empresa pretende implementar um amplo enquadramento com os espaços limítrofes, criando condições de estabilização e instalação de coberto vegetal nos taludes suavizados criados pela exploração, modelação final da restante zona de intervenção para uso agrícola, direccionado para a fruticultura …”.

8.                     Nas especificações do ponto 7.4. – Faseamento e Monitorização – consta que: “Em função das condicionantes impostas pelos trabalhos de lavra e de recuperação paisagística, o faseamento prevê que as operações de modelação e preparação do terreno, assim como as de sementeira, se distribuam por diversas fases de trabalho.

Uma 1ª fase objectivará o esgotamento das reservas exploráveis num sector limitado da jazida (sector Sul), em que os estéreis resultantes da exploração serão mantidos em escombreira para posterior utilização nesta unidade extractiva e neste mesmo sector após o seu esgotamento.

Numa 2ª fase a lavra mineira prosseguirá segundo o método de exploração em extensão, com o aproveitamento e encaminhamento das matérias primas arenosas para os parques respectivos ou comercialização directa e a deposição dos estéreis nas zonas anteriormente esgotadas, evoluindo assim a lavra mineira simultaneamente ao processo de recuperação.

A 3ª fase corresponderá ao esgotamento da jazida e, simultaneamente, à conclusão da recuperação paisagística da área de trabalhos.

Logo que nalgumas zonas de trabalho se atinja o perfil de remodelação previsto no PARP proceder-se-á à recuperação dos taludes e à sua remodelação final, espalhamento das terras vegetais conservadas em pargas e à respectiva sementeira.

Este procedimento prosseguirá até ao total esgotamento das reservas exploráveis e à implementação global do Plano Ambiental de Recuperação Paisagística.

A monitorização do Plano Ambiental de Recuperação Paisagística (PARP) consistirá, essencialmente, na observação da consolidação e estabilidade dos taludes e do sucesso do revestimento vegetal”.

9.                     Nas especificações do ponto 7.5. – Caderno de encargos – consta:

“7.5.1. Objecto da empreitada

A empreitada tem por objectivo a execução do Plano Ambiental de Recuperação Paisagística da pedreira do ... , pertencente à empresa A... , L.da, cujo adjudicatário será adiante designado por executante.

A natureza dos trabalhos e fornecimentos são os seguintes:

a) Limpeza e regularização das zonas destinadas à recuperação.

b) Modelação e preparação do terreno.

c) Transporte e espalhamento da terra vegetal.

d) Fertilização.

e) Execução do plano de sementeira.

f) Manutenção e conservação das zonas recuperadas.

7.5.2. Condições Gerais

O executante:

a) Compromete-se a fornecer todos os materiais, adubos e sementes em boas condições e a assegurar o desenvolvimento dos trabalhos segundo as condições estabelecidas no presente caderno de encargos

(…).

7.5.3. Condições especiais

(…)

d) Os materiais a utilizar nos trabalhos que constituem objecto desta empreitada deverão ser de boa qualidade e apresentar as seguintes características:

Água: (….)

Terra viva: (…)

Correctivos: (…).

Fertilizantes: (…).

Fixador ou estabilizador de solo: (…).

Protector de sementes: (…)

Sementes: (…).

Materiais diversos: Todos os restantes materiais a utilizar na obra e que não se encontrem referidos no presente Caderno de Encargos deverão apresentar as características definidas pela legislação que lhe for aplicável ou, na falta desta, as que melhor satisfaçam os fins em vista.

(…)”.

10.                   O referido Plano Ambiental e de Recuperação Paisagística obteve aprovação pela CCDR do Centro, a coberto da informação técnica n.º 01/2006/PARP/DL, em 12.01.2006, subordinada à observância pelo explorador, das seguintes condições:

“7.1. Dar cumprimento integral ao plano de pedreira aprovado, do qual o PARP faz parte integrante;

7.2. Serem cumpridas as disposições do anexo II do DL 270/2001, de 06 de Outubro, no que diz respeito a zonas de defesa.

(…)

7.4. Sempre que o explorador pretenda proceder a alterações ao plano de pedreira, deve submetê-lo previamente, a aprovação pelas entidades competentes”.

11.                   No dia 18 de Março de 2010, pelas 10.00 horas, foi realizada uma acção inspectiva à supra referida pedreira denominada “ X... ”, pela Inspecção-Geral do Ambiente e Ordenamento do Território.

12.                   No âmbito dessa acção inspectiva foi constatado que na zona já explorada, para a modelação do terreno e enchimento parcial da corta, não estavam a ser utilizados só os estéreis resultantes da exploração, mas também resíduos de escórias resultantes da queima de biomassa florestal.

13.                   Tendo sido depositadas 2121,800 toneladas de resíduos de escórias em 2009 e 4480,900 toneladas em 2010, até à data da acção inspectiva, totalizando 6602,7 toneladas.

14.                   Para o efeito, a arguida não solicitou a alteração ao Plano de Pedreira.

15.                   A deposição daqueles resíduos estava a ser feita a coberto do Alvará de Licença para a Realização de Operações de Gestão de Resíduos n.º 54/2009/CCDR, emitido pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDR) à empresa B... , L.da.

16.                   No ponto 3.5 do referido Alvará estabelece-se que “A deposição de resíduos em pedreiras terá que obedecer rigorosamente ao estabelecido nos respectivos Planos Ambientais de Recuperação Paisagística ….”.

17.                   Ao não cumprir as condições impostas na licença de exploração relativas ao Plano Ambiental de Recuperação Paisagística (PARP) aprovado, a arguida não agiu com o cuidado a que estava obrigada por se encontrar a laborar, e de que era capaz.

18.                   A arguida, exercendo uma actividade específica e lucrativa, da qual resulta necessariamente impacto no meio natural, tinha a obrigação de procurar conhecer todos os enquadramentos legais em que a mesma poderia de facto ser exercida.

19.                   A arguida não agiu com a diligência necessária, que se lhe impunha, para cumprir com as obrigações legais inerentes ao exercício da actividade por si prosseguida, e de que era capaz.

20.                   Na declaração IES referente ao ano de 2008, a arguida apresentou um resultado líquido de exercício no valor de € 15.476,57.

21.                   A arguida tem ao seu serviço 12/13 funcionários que auferem vencimentos médios de € 600,00/700,00 mensais.

22.                   O encarregado geral aufere o vencimento mensal de € 1.000,00.

23.                   O gerente declara o vencimento mensal de € 1.000,00.

24.                   A arguida funciona em escritório arrendado, pagando a renda de € 200,00 mensais.

25.                   Não consta dos autos que a arguida tenha averbada a prática de outras contra-ordenações.

26.                   Em 21.07.2010 a CCDR – Centro revogou o Alvará de Licença para a Realização de Operações de Gestão de Resíduos n.º 54/2009/CCDR, emitido a favor da empresa B... , L.da.

FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provaram outros factos com relevo para a decisão da causa e, nomeadamente, que:

1.1.                      A arguida utilizou os materiais adequados para o enchimento da corta, além dos descritos no PARP.

2.2.                      O recurso aos resíduos resultantes da queima de biomassa florestal é um procedimento aprovado e recomendado pela CCDR no que respeita à recuperação de pedreiras.

3.3.                      A referida operação tratou-se da primeira fase de valorização com vista a reestruturar o solo ao nível das camadas existentes dos terrenos adjacentes, de forma a permitir uma reabilitação e reestruturação agrícola correcta.

4.4.                      A utilização dos referidos materiais – resíduos resultantes da queima de biomassa florestal – em espaços de anteriores explorações mineiras é o tecnicamente adequado por se tratar de resíduos submetidos a processos térmicos de altas temperaturas que os tornam inócuos e potencialmente inertes.

5.5.                      O que a arguida fez foi repor a estrutura interna do solo, devolvendo-lhe a sua integridade e conferindo-lhe a homogeneidade geológica que inicialmente existia.

6.6.                      O procedimento adoptado pela arguida consta do pedido de autorização que deu origem à emissão do alvará de licença, não tendo merecido nessa altura qualquer oposição pela CCDR.

7.7.                      A conduta da arguida não se afasta dos propósitos do PRAP, estando completamente alinhada com os objectivos deste, sendo as medidas adoptadas totalmente compatíveis com os objectivos do PARP.

8.8.                      O PARP encontra-se actualmente praticamente concluído, estando toda a zona do areeiro reabilitada, com plantas e árvores de fruto.

9.9.                      O método utilizado pela arguida foi o mais adequado e não prejudicou de qualquer forma o meio ambiente, ou quem quer que fosse.

10.10.                  A arguida nenhum benefício retirou com a sua conduta.

11.11.                  A arguida sempre julgou que actuava a coberto da legalidade.

12.12.                  A arguida sempre foi uma empresa responsável e conscienciosa em termos ambientais, sendo cuidadosa e respeitadora das normas legais, nada fazendo prever que volte a praticar a infracção por que vem acusada.


*

MOTIVAÇÃO

Relativamente à matéria de facto provada, o tribunal fundou a sua convicção na conjugação crítica e sua valoração à luz das normais regras da experiência comum, dos seguintes elementos de prova:

-                  Documentos juntos aos autos.

-                  Depoimento da testemunha C... , inspector na Inspecção Geral do Ambiente e Ordenamento do Território, subscritor do auto de notícia de fls. 4 e segs., e relatório de fls. 8 e segs., que confirmou em audiência, que de forma clara, concisa, coerente e consistente relatou sobre o que presenciou no local aquando da acção inspectiva à pedreira denominada “ X... ” (que se inseriu no âmbito de uma operação global a várias empresas, com vista a investigar para onde estavam a ser encaminhadas escórias provenientes da Central Termoeléctrica da Figueira da Foz, recebidas pela firma B... , L.da, que depois as encaminhava para outros locais), nomeadamente, que na zona já explorada da pedreira, para a modelação do terreno e enchimento parcial da corta, haviam sido depositados resíduos de escórias, resultantes da queima de biomassa florestal, provenientes da Central Termoeléctrica da Figueira da Foz, retratando as fotografias juntas por cópia aos autos, algumas das quais (que concretizou) por si tiradas na ocasião da acção inspectiva, a pedreira e depósito de resíduos em questão, esclarecendo que previamente colheram amostras na Central Termoeléctrica da Figueira da Foz, tendo, após, no local, aquando da inspecção, sido feita a comparação.

Referiu que o PARP referente à mencionada pedreira, que previa que a modelação do terreno consistisse no enchimento parcial da corta com os estéreis resultantes da exploração, suavização dos taludes e preparação do terreno com vista à plantação de um pomar, obteve aprovação condicionada pela CCDR, nomeadamente, condicionava a dar cumprimento integral ao plano de pedreira aprovado, do qual o PARP faz parte integrante, e que sempre que o explorador pretendesse proceder a alterações ao plano de pedreira deveria submetê-lo, previamente a aprovação pelas entidades competentes, não satisfazendo os resíduos depositados as prescrições do PARP.

Esclareceu que a operação a que se procedia na pedreira em questão constatada aquando da acção inspectiva não consistia em qualquer incorporação/valorização do solo (operação de recuperação), mas simples aterro/depósito de escórias resultantes da queima de biomassa florestal (operação de deposição), que poderia ter efeitos ambientais negativos porque as partículas que compõem as escórias poderiam originar que sólidos fossem encaminhados para lençóis freáticos, sendo que tais escórias foram analisadas no âmbito da fiscalização global a que se procedeu, tendo sido constatado que um parâmetro não estava em conformidade, e que os inertes que estavam depositados nunca seriam autorizados no âmbito de uma recuperação paisagística, devendo antes serem depositados em aterro, carecendo o seu depósito de prévio licenciamento/autorização, que a arguida não detinha, concedido após estudos geológicos para avaliar os riscos de permeabilidade do solo, que no caso não foram feitos.

Deu a definição de “escórias”, afirmando peremptoriamente que “escória” não pode ser classificada como “material”, mas sim como “resíduo”, e que a previsão constante do PARP no seu ponto 7.5.3. – materiais diversos – nunca se poderia reportar aos resíduos depositados, quer porque os mesmos não são “materiais”, quer porque tal especificação – materiais diversos – nunca se poderia reportar a material de enchimento para modelação do terreno.

Relatou que a empresa B... , L.da, havia celebrado um contrato com a Central Termoeléctrica da Figueira da Foz, no âmbito do qual esta lhe adjudicou os serviços de retirada e valorização de cinzas e escórias produzidas pela Central, constando nesse contrato os códigos atribuídos a cinzas e escórias, esclarecendo que o código aí constante referente a escórias não era o correcto, sendo que no auto de notícia que elaborou utilizou os códigos constantes desse contrato, seguindo o que nele constava, sendo que nas diligências que efectuou confirmou que apenas foram vendidas cinzas e escórias.

Que a deposição daqueles resíduos estava a ser feita pela firma B... , L.da, a coberto de alvará de licença para a realização de operações de gestão de resíduos emitido pela CCDR à empresa B... , L.da, como aliás lhe foi referido aquando da acção inspectiva, alvará esse que exigia que a deposição de resíduos em pedreiras obedecesse ao estabelecido nos PARP’s, e que tal alvará foi cancelado por decisão da autoridade administrativa.

-                  Depoimento da testemunha D..., chefe de divisão de licenciamento e promoção ambiental na CCDR, há 21 anos, que de forma coerente e consistente referiu que a firma B... , L.da, era titular de alvará de licença para a realização de operações de gestão de resíduos emitido pela CCDR, que entretanto foi revogado por incumprimento associado a práticas proibidas, alvará esse que exigia que a deposição de resíduos em pedreiras obedecesse ao estabelecido nos PARP’s.

Esclareceu que o depósito de resíduos em aterros carece de licenciamento, estando sujeito a vários procedimentos para evitar a contaminação dos solos e da água, e que a empresa B... , L.da, não era detentora de licenciamento para depósito de resíduos em aterros.

Confrontada com as fotos de fls. 197 e segs., afirmou peremptoriamente que a operação nelas documentada não é operação de valorização do solo, mas sim, deposição/espalhamento de resíduos.

-                  Depoimento da testemunha E..., sócio gerente da firma B... , L.da, na parte em que esclareceu sobre o objecto social da firma de que é sócio gerente, e na que confirmou que foi a firma B... , L.da, que procedeu ao depósito em questão na pedreira explorada pela arguida, e ainda que o alvará de licença para a realização de operações de gestão de resíduos emitido pela CCDR, à empresa B... , L.da, foi cancelado por decisão da autoridade administrativa.

-                  Depoimento de G..., encarregado geral na arguida, que relatou sobre a actividade desta, número de trabalhadores e respectivos vencimentos, bem como sobre a situação económica da arguida.

A falta de prova dos factos supra enunciados ficou a dever-se à insuficiência de prova produzida, conjugada ainda e valorada criticamente e à luz das normais regras da experiência comum a globalidade da prova documental e testemunhal produzida.

Cumpre referir que não valorou o tribunal o depoimento da testemunha E... , na parte em que referiu que a arguida utilizou os materiais adequados para o enchimento da corta, cumprindo os mesmos todos os requisitos previstos no PARP, troando-se os materiais em questão de areias de leito fluidizado (que disse ser o mesmo que escórias, e estarem, em sua opinião, contemplados no ponto 7.5.3. do PARP - materiais diversos) que são submetidos a altas temperaturas que os tornam inócuos e potencialmente inertes, sendo exactamente do mesmo tipo e com as mesmas características dos estéreis resultantes da exploração, tendo a deposição no local desses materiais visado a reestruturação do solo de forma a permitir a sua reabilitação e reestruturação agrícola, conferindo-lhe as características agronómicas que antes tinha, sendo que o procedimento adoptado pela arguida consta do pedido de autorização que deu origem à emissão do alvará de licença, não tendo merecido qualquer oposição pela CCDR, que a tal operação apenas se veio a opor posteriormente, quando o processo já estava em curso e licenciado, de má-fé, e que nunca lhe foi dito que para procederem a tal operação teriam de alterar o PARP, tendo ele testemunha agido de que tal operação era consentida pelo PARP e respectivo alvará, independentemente da alteração ou não do alvará.

Com efeito, o depoimento da identificada testemunha (que no início do seu depoimento se identificou como tendo sido trabalhador na sociedade B... , L.da, omitindo que foi seu sócio-gerente), apresentou-se globalmente inconsistente, incongruente e evasivo, e manifestamente interessado e comprometido, visando manifestamente o vingamento da tese defendida pela arguida, e por aí também a “desresponsabilização” da sociedade de que é sócio gerente, o que foi patente em todo o seu depoimento, depoimento esse, diga-se, num primeiro momento, perfeitamente incompreensível, precisamente pela tentativa manifesta e não lograda de vigamento da versão da arguida, realçando-se que a testemunha apenas “deu a conhecer” ao tribunal que era sócio gerente da sociedade B... , L.da, e que o alvará em questão dessa sociedade havia sido suspenso, quando reinquirido de novo, na sequência dos esclarecimentos adicionais prestados pela testemunha, C... , que afirmou que a testemunha E... era sócio gerente da B... , L.da, e que o alvará dessa empresa havia sido suspenso, sendo que confrontado sobre os motivos da omissão de tais factos, se limitou a dizer, sem ter convencido, que não achou relevante referenciá-los.

Não mereceu, pois, qualquer crédito o depoimento da identificada testemunha na parte supra referida, sendo que o mesmo foi definitivamente infirmado pela prova testemunhal e documental produzida em julgamento, da qual resultou, sem margem para dúvidas, que na zona já explorada da pedreira em questão, para a modelação do terreno e enchimento parcial da corta, haviam sido depositados resíduos de escórias, resultantes da queima de biomassa florestal, violando dessa forma o estabelecido no PARP, que mereceu aprovação condicionada pela CCDR, que não previa a utilização de tais resíduos, o que era do conhecimento da arguida, que como tal não pode invocar que actuou a coberto da legalidade.

Resulta ainda à evidência da prova testemunhal e documental produzida, vista até a inserção sistemática do ponto 7.5.3. do PARP, conjugado com os pontos 7.1. e segs., que a referência a “materiais diversos” prevista naquele ponto 7.5.3., nunca se poderia reportar a material de enchimento para modelação do terreno, a que se refere o ponto 7.1., sendo certo que do depoimento isento e consistente da testemunha C... , resulta que “escórias”, que era o que estava depositado na pedreira explorada pela arguida, não se pode classificar como “materiais”, mas antes como “resíduos”.

2.         Como se mencionou em momento anterior, com referência ao disposto no artigo 75.º do RGCO (que na ausência de norma específica na Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, e respectivas alterações, releva no caso em apreciação), o presente recurso visa apenas o conhecimento da matéria de direito.

Esse facto não obsta, no entanto, a que, mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada [alínea a)], a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão [alínea b)] ou erro notório na apreciação da prova [alínea c)] – artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Analisado o texto da sentença recorrida que se deixou transcrito, não se verifica qualquer um dos vícios antes referidos, cujo conhecimento é oficioso.

Na verdade, observada a matéria de facto provada e não provada e a respectiva fundamentação, não se vê que ocorra insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (entendida como uma lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito), contradição insanável da fundamentação ou entre os fundamentos e a decisão (entendida como incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão) ou erro notório na apreciação da prova (consubstanciado em falha ostensiva na análise da prova que resulte do próprio texto da sentença, perceptível pelo cidadão comum e denunciadora de que se deram como provados factos inconciliáveis entre si).

3.         A alegada inexistência da contra-ordenação cuja prática é imputada à recorrente.

A recorrente questiona a prática – que lhe é atribuída no âmbito dos presentes autos – de uma contra-ordenação ambiental grave, com referência ao disposto nos artigos 59.º, n.º 6, do Decreto-lei n.º 270/2001, de 6 de Outubro, na redacção resultante do Decreto-lei n.º 340/2007, de 12 de Outubro (diploma que estabelece o regime que se aplica à revelação e aproveitamento de massas minerais, compreendendo a pesquisa e a exploração), e 22.º, n.º 3, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, alterada e republicada pela Lei n.º 89/2009, de 31 de Agosto, com ulterior declaração de rectificação n.º 70/2009, de 1 de Outubro (diploma que estabelece o regime aplicável às contra-ordenações ambientais, sem prejuízo da aplicação subsidiária do regime geral das contra-ordenações, conforme dispõe o artigo 2.º, n.º 2, daquele diploma).

A aludida contra-ordenação consubstancia-se na violação do PARP (Plano Ambiental e de Recuperação Paisagística) pela recorrente, concretizada no facto de ter modelado o terreno com o enchimento parcial da corta com outros materiais para além dos estéreis resultantes da exploração, especificamente, pela utilização de resíduos de escórias resultantes da queima de biomassa florestal.

A recorrente pretende que não ocorre a referida violação.

Relativamente à exploração e recuperação de pedreiras, o explorador não pode conduzir e realizar as operações de exploração, fecho e recuperação sem plano de pedreira aprovado, o qual constitui condição a que está sujeita a respectiva licença, nomeadamente quanto à preparação dos respectivos planos trienais e aos objectivos finais da exploração, processos, e eventuais acções de monitorização durante e após aquelas operações; o plano de pedreira compreende, entre outros itens, o plano de lavra e o PARP (Plano Ambiental e de Recuperação Paisagística), os quais devem estar devidamente articulados entre si, devendo o seu acompanhamento ser efectuado ao longo do tempo através da entrega obrigatória de planos trienais e respectivas vistorias nos termos do artigo 31.º, quando aplicável – artigo 41.º do Decreto-lei n.º 270/2001, de 6 de Outubro, na redacção actual.

O artigo 2.º, alínea r), deste diploma define o «Plano Ambiental e de Recuperação Paisagística (PARP)» como o documento técnico constituído pelas medidas ambientais, pela recuperação paisagística e pela proposta de solução para o encerramento da pedreira.

Nos termos do artigo 59.º, n.º 6, do mesmo diploma legal e na parte que aqui interessa, constitui contra-ordenação ambiental grave, punível nos termos da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, o incumprimento das condições impostas nas licenças de exploração relativas ao PARP aprovado.

A arguida é titular de Plano Ambiental de Recuperação Paisagística (PARP), relativo à exploração da pedreira a que se reportam os autos.

Aí consta, quanto ao projecto de modelação do terreno, que o mesmo consiste no enchimento parcial da corta com os estéreis resultantes da exploração das massas minerais arenosas, suavização dos taludes e preparação do terreno com vista à plantação de um pomar.

Quanto ao plano de desactivação, consta que a empresa, considerando as características intrínsecas do local da pedreira, pretende implementar um amplo enquadramento com os espaços limítrofes, criando condições de estabilização e instalação de coberto vegetal nos taludes suavizados criados pela exploração, modelação final da restante zona de intervenção para uso agrícola, direccionado para a fruticultura.

No dia 18 de Março de 2010, no âmbito de acção inspectiva, constatou-se que na zona já explorada, para a modelação do terreno e enchimento parcial da corta, não estavam a ser utilizados só os estéreis resultantes da exploração, mas também resíduos de escórias resultantes da queima de biomassa florestal – o que, em princípio e perante os elementos antes enunciados, configuraria a aludida infracção.

Importará então ver se, como pretende a recorrente, a utilização dos resíduos de escórias não consubstancia qualquer incumprimento das condições impostas nas licenças de exploração relativas ao PARP aprovado, na medida em que neste se prevê o recurso a outro tipo de materiais que, perante o caso concreto, se revelem mais adequados ao fim visado.

A recorrente remete para o efeito para o teor do “Caderno de encargos” do aludido Plano Ambiental de Recuperação Paisagística (item 7.5.), em cujo ponto 7.5.3., após a referência a diferentes materiais a utilizar nos trabalhos que constituem objecto da empreitada, mencionando que deverão ser de boa qualidade e apresentar as características aí enunciadas, consta sob a epígrafe “Materiais diversos” que «Todos os restantes materiais a utilizar na obra e que não se encontrem referidos no presente Caderno de Encargos deverão apresentar as características definidas pela legislação que lhes for aplicável, ou, na falta desta, as que melhor satisfaçam os fins em vista».

A leitura do ponto em questão evidencia que o caderno de encargos não contém de forma exaustiva os materiais admissíveis no âmbito do PARP e, quanto aos materiais a utilizar na obra e que não se encontrem referidos no aludido caderno, deverão apresentar as características definidas; daí não se extrai no entanto que se esteja a admitir por esta via a utilização de materiais não previstos no âmbito do PARP, considerado na sua globalidade.

Dito de outra maneira e reportando-nos ao ponto 7.5.3. do PARP, invocado pela recorrente, quanto aos materiais a utilizar na obra e que, integrando o Plano de Pedreira, não se encontrem referidos no aludido caderno de encargos, deverão os mesmos apresentar as características definidas pela legislação que lhes for aplicável, ou, na falta desta, as que melhor satisfaçam os fins em vista. De fora ficam materiais que, não se encontrando referidos no caderno de encargos, também não integram o Plano de Pedreira, considerado na sua globalidade.

Daqui resulta que o procedimento da recorrente contraria o que se mostra enunciado no respectivo plano ambiental: constando aí que o projecto previsto para a modelação do terreno consiste no enchimento parcial da corta com os estéreis resultantes da exploração das massas minerais arenosas, suavização dos taludes e preparação do terreno com vista à plantação de um pomar, veio a constatar-se, em 18 de Março de 2010, que não estavam a ser utilizados só os estéreis resultantes da exploração, mas também resíduos de escórias resultantes da queima de biomassa florestal – em valores que totalizavam 6602,7 toneladas.

Contrariamente ao que pretende a recorrente e perante o alcance do disposto no ponto 7.5.3 do PARP, antes afirmado, a conduta da arguida afasta-se dos propósitos do PARP, não estando completamente alinhada com os objectivos deste.

A recorrente sustenta ainda a este propósito que o recurso aos resíduos resultantes da queima de biomassa florestal que utilizou é um procedimento aprovado e recomendado pela CCDR no que toca à recuperação de pedreiras; que a referida operação consubstanciou a primeira fase da valorização com vista a reestruturar o solo ao nível das camadas existentes dos terrenos adjacentes, de forma a permitir uma reabilitação e reestruturação agrícola correcta e que a utilização dos referidos materiais em espaços de anteriores explorações mineiras é o tecnicamente adequado por se tratar de resíduos submetidos a processos térmicos de altas temperaturas que os tornam inócuos e potencialmente inertes.

Afirma ainda que aquilo que efectivamente fez foi repor a estrutura interna do solo, devolvendo-lhe a sua integridade e conferindo-lhe a homogeneidade geológica que inicialmente existia e que tais procedimentos, além de serem aprovados e recomendados pela entidade recorrida para a recuperação de pedreiras, constam do pedido de autorização que deu originem ao alvará de licença em causa nos autos.

Não relevam estas afirmações. Na verdade, conforme se evidencia pela leitura da matéria de facto, especificamente, os pontos 2.2 a 6.6, o tribunal recorrido julgou tais não provados.

Assim, prevendo-se no Plano de Pedreira, especificamente, no projecto de modelação do terreno – Plano Ambiental e de Recuperação Paisagística – o enchimento parcial da corta com os estéreis resultantes da exploração das massas minerais arenosas, suavização dos taludes e preparação do terreno com vista à plantação de um pomar e estipulando-se na aprovação pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, a coberto da informação técnica n.º 01/2006/PARP/DL, de 12 de Janeiro de 2006, que sempre que o explorador pretenda proceder a alterações ao plano de pedreira, deve submetê-lo previamente, a aprovação pelas entidades competentes, o comportamento da arguida, ao instalar resíduos resultantes da queima de biomassa florestal, configura a contra-ordenação definida no artigo 59.º, n.º 6, do Decreto-lei n.º 270/2001, de 6 de Outubro, na redacção resultante do Decreto-lei n.º 340/2007, de 12 de Outubro, e devidamente caracterizada na sentença recorrida, na medida em que tal comportamento representa incumprimento das condições impostas nas licenças de exploração relativas ao PARP aprovado.

4.         O alegado abuso do direito, na sua vertente venire contra factum proprium.

O abuso de direito configura-se como o exercício do poder formal conferido pela ordem jurídica a determinada pessoa ou entidade, em contradição com o fim a que esse poder se encontra adstrito ou com o condicionalismo ético e jurídico que envolve o seu reconhecimento. Numa perspectiva subjectiva, há abuso de direito quando este é utilizado com o propósito exclusivo de prejudicar outrem; num ponto de vista objectivo, o abuso manifesta-se na grave oposição à função social do direito, isto é, no facto de se exceder o uso normal do direito.

Uma das manifestações do abuso de direito é o princípio de proibição do venire contra factum proprium – o que se verifica quando uma pessoa age de modo a criar noutra a legítima convicção de que terá um certo comportamento, positivo ou negativo, e depois procede contrariamente a essa expectativa.

Segundo o ensinamento do Prof. Baptista Machado, ainda que numa perspectiva de direito civil («Tutela da Confiança e “Venire Contra Factum Proprium”», in “Obra Dispersa”, volume I, página 406), a aplicação da proibição do «venire contra factum proprium» exige, além da imputabilidade do facto gerador da confiança e da boa-fé da contraparte que confiou e, com base nessa confiança legítima, planeou a sua vida, fez disposições ou investimentos, tomou ou deixou de tomar outras iniciativas, que os danos que essa contraparte viria a sofrer sejam por outro modo «irremovíveis».

A ideia imanente da proibição do «venire contra factum proprium» assente nos seguintes pressupostos: deve verificar-se, em primeiro lugar, uma situação objectiva de confiança; a confiança digna de tutela tem de radicar em algo de objectivo (numa conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura). O ponto de partida é, pois, uma anterior conduta de um sujeito jurídico que, objectivamente considerada, é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele também no futuro se comportará, coerentemente, de determinada maneira.

A ilegitimidade do abuso de direito legitima a oposição fundada nesse facto.

No caso dos autos, ao afirmar a existência de abuso de direito, a recorrente pretende que os procedimentos que configuram a prática da contra-ordenação, além de serem aprovados e recomendados pela entidade recorrida para a recuperação de pedreiras, constam do pedido de autorização que deu originem ao alvará de licença em causa nos autos; e, se não mereceram nessa altura qualquer oposição, não pode a entidade administrativa vir agora alegar que foi utilizado material não autorizado no Plano e que deveria ter sido comunicada qualquer alteração ao PARP.

Perante o teor do ponto 6.6 dos factos não provados (“O procedimento adoptado pela arguida consta do pedido de autorização que deu origem à emissão do alvará de licença, não tendo merecido nessa altura qualquer oposição pela CCDR”), logo avulta que não se demonstrou o pressuposto em que a recorrente sustentava, nesta parte a sua pretensão.

Assim, sem necessidade de maiores considerandos, improcede o alegado abuso de direito.

5.         A inadequação da sanção aplicada (coima) e a alegada suficiência da admoestação; a pretensa violação do princípio da proporcionalidade, da equidade, da necessidade e da adequação, constitucionalmente consagrados.

5.1       A recorrente afirma a este propósito que a aplicação de uma coima no montante de € 15.000,00 é desproporcional e injusta, podendo mesmo conduzir ao seu encerramento; a gravidade da contra-ordenação que lhe é imputada é praticamente nula, na medida em que o método utilizado foi o mais adequado, não prejudicou de qualquer forma o meio ambiente e a conduta não foi dolosa, não se descortinando como pode ver-se cumprido o objectivo do Decreto-lei n.º 340/2007 (equilíbrio entre os interesses públicos do desenvolvimento económico e da protecção do ambiente); a norma que determina tal coima para a prática da contra-ordenação em causa nos autos é manifestamente violadora dos princípios da proporcionalidade, da equidade, da necessidade e da adequação constitucionalmente consagrados.

O artigo 59.º, n.º 6, do Decreto-lei n.º 270/2001, de 6 de Outubro, na redacção resultante do Decreto-lei n.º 340/2007, de 12 de Outubro, qualifica como contra-ordenação ambiental grave, punível nos termos da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, entre outros procedimentos, o incumprimento das condições impostas nas licenças de exploração relativas ao PARP aprovado e a inobservância do disposto no n.º 3 do artigo 26.º, nos termos do qual, findos os trabalhos de pesquisa, o explorador deve selar os poços e sanjas, enchendo -os com o material entretanto extraído e depositado e repondo a topografia e o solo em situação equivalente à inicial [alínea a)] e selar os furos de sondagem de forma a evitar eventual contaminação de aquíferos [alínea b)].

O artigo 22.º, n.º 3, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, estabelece que às contra-ordenações graves, se praticadas por pessoas colectivas correspondem as coimas de € 15.000 a € 30.000 em caso de negligência e de € 30.000 a € 48.000 em caso de dolo.

Conforme resulta da matéria de facto provada e da própria decisão administrativa, a arguida agiu com negligência, tendo-lhe sido aplicada a coima pelo valor mínimo legalmente estabelecido.

Mesmo perante o valor mínimo, a recorrente pretende que, caso se considere haver a prática da contra-ordenação, nunca a sanção deve ultrapassar a admoestação.

Dispõe o artigo 51.º, n.º 1, do RGCO que, quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.

Apesar da inserção sistemática do preceito em causa no Capítulo III, do RGCO (“Da aplicação da coima pelas autoridades administrativas”), não há justificação dogmática que impeça a aplicação da admoestação como medida de substituição à coima na fase jurisdicional do processo de contra-ordenação, desde que verificados os pressupostos substantivos da sua aplicação, tendo em consideração a concretização do princípio da necessidade das sanções que atravessa o ordenamento sancionatório penal e contra-ordenacional.

No processo de contra-ordenação, a admoestação é proferida por escrito (artigo 51.º, n.º 2, do RGCO), na fase administrativa e verbalmente na fase judicial, consistindo neste caso numa solene censura oral feita ao agente, em audiência, pelo tribunal (artigo 60.º, n.º 4, do Código Penal).

A aplicação da admoestação, no processo de contra-ordenação, só deverá ocorrer em casos de reduzida a gravidade da infracção e da culpa do agente.

No caso em apreciação, o tribunal recorrido ponderou tal sanção mas não a aplicou, fundando-se nas seguintes razões:

«Isto assente, mostrando-se a arguida correctamente autuada, cumpre agora apreciar se se justifica a substituição da coima aplicada por uma admoestação.

Quanto à requerida substituição da coima por uma admoestação, entendemos que esta não atingiria as finalidades de prevenção geral e especial.

Com efeito, a contra-ordenação em questão é grave, atentos os valores que se visam proteger com a sua punição.

A admoestação não seria proporcional aos objectivos que se visam alcançar com o licenciamento e fiscalização das pedreiras, ou seja, alcançar o necessário equilíbrio entre os interesses públicos do desenvolvimento económico, por um lado, e da protecção do ambiente, por outro, sendo que nem sequer se provaram factos intensamente relevantes para a diminuição daquelas exigências preventivas, nem a ausência de benefício económico para arguida, nem a ausência de prejuízos para o meio ambiente.

Por isso, não se substituirá a coima aplicada por uma admoestação».

Importa considerar que, como resulta da norma que incrimina a conduta da arguida e que antes se deixou enunciada, o próprio legislador qualifica a mesma como contra-ordenação grave.

A circunstância de estarmos perante uma conduta negligente, justificando a diferenciação afirmada no artigo 22.º, n.º 3, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, não determina de forma automática a substituição da coima pela admoestação.

Por outro lado, não foi demonstrado que os materiais que a arguida utilizou além dos descritos no PARP fossem adequados, particularmente em termos técnicos, para o enchimento da corta; que o método por ela utilizado tenha sido o mais adequado e não prejudicado de qualquer forma o meio ambiente, ou quem quer que fosse.

Conclui-se assim, sem necessidade de outras considerações, que não se verificam os requisitos de que depende a aplicação da admoestação no processo de contra-ordenação.

5.2       A recorrente pretende ainda que há violação de princípios constitucionalmente consagrados – proporcionalidade, equidade, necessidade e adequação.

Afirma a este propósito que a norma que determina a coima para a prática da contra-ordenação que está em causa nos autos – reporta-se, de modo implícito, ao artigo 22.º, n.º 3, alínea b) da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto – é manifestamente violadora dos aludidos princípios, não sendo compreensível para o cidadão comum que a falta de comunicação de um facto, ainda que não provoque qualquer prejuízo ao ambiente ou a quem quer que seja, determine o pagamento de uma coima de 15.000,00 € a 30.000,00 €.

Não menciona, por qualquer forma, qual a concreta norma constitucional que assim foi violada.

A Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, estabelece o regime aplicável às contra-ordenações ambientais.

O direito ao ambiente e à qualidade de vida são valores que têm tutela constitucional, conforme resulta do artigo 66.º da Constituição da República Portuguesa, e que impõem uma efectiva e real protecção – que justifica a existência de coimas de valor elevado em matéria contra-ordenacional.

Sem prejuízo, impõe-se a observância do princípio da proporcionalidade, sendo este, no ensinamento do Prof. Gomes Canotilho, um princípio normativo-constitucional, que se aplica a todas as espécies de actos dos poderes públicos e que vincula o legislador, a administração e a jurisdição, no sentido de evitar cargas coactivas excessivas ou actos de ingerência desmedidos na esfera jurídica dos particulares.

O princípio da proporcionalidade está consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição; nos termos desta norma, a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses.

Pressupõe-se assim, relativamente às restrições, a necessidade, a adequação e a racionalidade, traduzindo-se a falta dos dois primeiros pressupostos em arbítrio e a do terceiro em excesso.

A norma do artigo 22.º, n.º 3, alínea b), da citada Lei n.º 50/2006, com as alterações entretanto introduzidas pela Lei n.º 89/2009, de 31 de Agosto, ao punir, em caso de negligência, as contra-ordenações graves, quando praticadas por pessoas colectivas, com uma coima que varia entre € 15 000 e € 30 000, limita-se ao necessário e é perfeitamente adequado e proporcional à importância dos objectivos visados pelo diploma em causa, ou seja, a criação de um novo regime específico para as contra-ordenações ambientais, capaz de dar pleno cumprimento às tarefas que, em matéria ambiental, estão confiadas ao Estado, nos termos da Constituição e da Lei de Bases do Ambiente.

A propósito dos aludidos princípios constitucionais, considerou o Tribunal Constitucional:

«(…) [C]omo tem este Tribunal entendido, a fixação da dosimetria sancionatória, maxime, em sede contra-ordenacional, encontra-se no âmbito de um amplo espaço de conformação do legislador, só devendo ser censuradas “as soluções legislativas que cominem sanções que sejam desnecessárias, inadequadas ou manifesta e claramente excessivas, pois tal proíbe o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição” (cfr. Acórdão n.º 574/95, …).

Tal asserção é sobretudo significativa no domínio do ilícito de mera ordenação social, porquanto – pode ler-se no mesmo aresto – “as sanções não têm a mesma carga de desvalor ético que as penas criminais – para além de que, para a punição, assumem particular relevo razões de pura utilidade e estratégia social”.

Como se refere no acórdão n.º 67/2011:

“(…) o legislador ordinário goza de ampla liberdade de fixação dos montantes das coimas aplicáveis, desde que respeitados os limites fixados pelo regime geral do ilícito contra-ordenacional e que as sanções aplicadas sejam “efectivas”, “proporcionadas” e “dissuasoras”, de modo a garantir o efeito preventivo daquelas, sob pena de os destinatários das normas não se sentirem compelidos a cumpri-las (com efeito, a fixação de coimas com montantes irrisórios face ao benefício colhido da prática do ilícito contra-ordenacional tende a enfraquecer o próprio cumprimento da lei; assim, ver Paulo Otero / Fernanda Palma, Revisão do Regime Legal do Ilícito de Mera Ordenação Social, in «RFDUL» (Separata), 1996, n.º 2, pp. 562 e 563).

Neste sentido, o Tribunal Constitucional tem reconhecido ao legislador ordinário uma livre margem de decisão quanto à fixação legal dos montantes das coimas a aplicar (ver Acórdãos n.º 304/94, n.º 574/95 e n.º 547/00, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), ainda que ressalvando que tal liberdade de definição de limites cessa em casos de manifesta e flagrante desproporcionalidade ou de excessiva amplitude entre os limites mínimo e máximo.

(…)

Na linha da jurisprudência consolidada neste Tribunal, a propósito da fixação dos montantes das coimas a aplicar (a título de exemplo, ver Acórdãos n.º 304/94, n.º 574/95 e n.º 547/2000, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), o Tribunal Constitucional deve coibir-se de interferir directamente nesse espaço de livre conformação legislativa, apenas lhe cabendo – sempre que necessário – acautelar que tais opções legislativas não ferem, de modo flagrante e manifesto, o princípio da proporcionalidade. A este propósito, deve sempre ter-se presente que “Só um método interpretativo rigoroso e controlado limita a invasão pelos tribunais constitucionais da esfera legislativa e impede a actividade judicativa de se tornar um «contra-poder legislativo»” (Fernanda Palma, O legislador negativo e o intérprete da Constituição, in «O Direito», 140º (2008), III, 523)”.

O mesmo Acórdão conclui:

“Ora, a agravação do montante mínimo da coima a suportar pelas pessoas colectivas, em 11.500 €, não pode considerar-se manifestamente desproporcionada, visto que tem por finalidade promover o cumprimento voluntário de um dever legalmente imposto que, por sua vez, visa acautelar os direitos dos consumidores constitucionalmente consagrados (artigo 60.º, n.º 1, da CRP. Conforme já supra notado, tal cumprimento voluntário apenas é promovido mediante a aplicação de sanções “efectivas” e “dissuasoras”. – Acórdão n.º 132/2011 do Tribunal Constitucional, proferido em 3 de Março de 2011, no âmbito do processo n.º 76/10, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20110132.html.

No caso em apreciação, estão em causa interesses sociais relevantes que impõem uma disciplina capaz de assegurar a sua defesa.

Nos termos da exposição de motivos que acompanhou a proposta de lei que veio a dar origem à Lei n.º 50/2006, a “referida lei quadro pretende disciplinar de uma forma sistemática as várias matérias que obrigatoriamente um regime deste âmbito tem de abarcar, enquadradas por princípios sólidos e doutrinalmente aceites, bem como apresentar uma tramitação para os processos de contra-ordenação ambiental adaptada à sua especificidade. (…) Do articulado agora proposto merecem especial destaque pela sua importância algumas matérias. Assim, estabelecem-se novos valores para as coimas a aplicar no contexto de infracções ambientais, respondendo à desactualização dos montantes das coimas constantes do artigo 17.º do Regime Geral das Contra-Ordenações ora em vigor. De acordo com experiências recentes e bem sucedidas de Regimes Gerais de Contra-Ordenações sectoriais, apoiadas em importantes contributos dogmáticos, as contra-ordenações ambientais passam a classificar-se como «leves», «graves» e «muito graves». A responsabilidade contra-ordenacional das pessoas colectivas encontra-se agora estabelecida de uma forma precisa, seguindo de perto os modernos desenvolvimentos dogmáticos nesta matéria» (parágrafos 5 e 6 da exposição de motivos constante da proposta de lei n.º 20/X, disponível em http://www.parlamento.pt/).

Na sentença recorrida, considerou-se a este propósito:

«Alega ainda a arguida que as normas previstas nos artigos 59.º, n.º 6 e 22.º, n.º 3, al. b) da Lei n.º 50/2006, de 29.08, são inconstitucionais por violação dos princípios da proporcionalidade, da equidade, da necessidade e da adequação.

A este propósito, cumpre trazer à colação o princípio da proporcionalidade.

Dispõe o art. 18.º, n.º 2 da CRP que “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.

O princípio da proporcionalidade consagrado no art.º 18.º, n.º 2, da CRP, analisa-se em três subprincípios: necessidade (ou exigibilidade), adequação e racionalidade (ou proporcionalidade em sentido restrito).

Como vem sendo entendido, a necessidade supõe a existência de um bem juridicamente protegido e de uma circunstância que imponha intervenção ou decisão. A adequação significa que a providência se mostra adequada ao objectivo almejado, se destina ao fim da norma e não a outro. A racionalidade implica justa medida; que o órgão competente proceda a uma correcta avaliação da providência em termos quantitativos (e não só qualitativos), que a providência não fique aquém ou além do que importa para se obter o resultado devido. A falta de necessidade ou de adequação traduz-se em arbítrio. A falta de racionalidade traduz-se em excesso – cfr. Jorge Miranda/Rui Medeiros, CRP Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, p. 148-163, bem como Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, p. 144-154, e ainda Santiago Mir Puig, in “O princípio da proporcionalidade enquanto fundamento constitucional de limites materiais do Direito Penal, publicado na RPCC, Ano 19, n.º 1, Janeiro-Março 2009, Coimbra Editora, p. 7-38.

A contra-ordenação p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 59.º, n.º 6 e 22.º n.º 3, al. b) da Lei nº 50/2006, de 29.08, republicada através da Declaração de Rectificação nº 70/2009, de 01.10, é punível com coima de € 15.000,00 a € 30.000,00, tratando-se de pessoa colectiva.

Conforme decorre da evolução legislativa sobre a matéria, explanada no preâmbulo do DL n.º 340/2007, o DL n.º 270/2001, de 6 de Outubro, procurou introduzir no procedimento de licenciamento e fiscalização das pedreiras normas que garantissem a adequação das explorações existentes à lei e a necessária ponderação dos valores ambientais.

Contudo, este diploma veio a revelar-se, na prática, demasiado exigente ao pretender regular através de um regime único um universo tão vasto e diferenciado como é o do aproveitamento das massas minerais das diversas classes de pedreiras. Assim, foi publicado o DL n.º 340/2007 de 12 de Outubro, que tem como objectivo essencial adequar o Decreto-Lei n.º 270/2001, de 6 de Outubro, à realidade do sector, o que permitirá que sejam cumpridos os fins a que inicialmente se propôs, tornando possível o necessário equilíbrio entre os interesses públicos do desenvolvimento económico, por um lado, e da protecção do ambiente, por outro.

Daí, pelos objectivos visados, e não olvidando os benefícios económicos que poderão advir da exploração de pedreiras, a explicação para uma moldura de coima situada num patamar relativamente elevado, não enfermando na nossa opinião os citados normativos legais de qualquer inconstitucionalidade, designadamente, não ofendendo o invocado princípio da proporcionalidade, limitando-se ao necessário e sendo perfeitamente adequado e proporcional à importância dos objectivos visados pelos normativos em causa.

Entendemos, assim, não ocorrer a arguida inconstitucionalidade.»

Não se vê que haja objecções relevantes a fazer ao entendimento expendido na sentença recorrida, pelo que necessariamente improcede o recurso.

III)

Decisão

Pelo exposto, acordam, em conferência, os juízes da 5.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se em 5 (cinco) UC o valor da taxa de justiça.


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(Joaquim Correia Pinto)

(Fernanda Ventura)