Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1927/15.0T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: AÇÃO DE PETIÇÃO DE HERANÇA
EXERCÍCIO DE DIREITOS SOCIETÁRIOS
REPRESENTAÇÃO DA HERANÇA
Data do Acordão: 02/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO LOCAL CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 2075º, Nº 1 DO C. CIVIL; 222º, Nº 1, E 223º DO C. SOC. COMERCIAIS.
Sumário: I – O que o registo da aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito faz presumir é que o bem pertence a uma determinada herança.

II – O artº 2075º, nº 1 do C. Civil, consagrando a ação de petição da herança que distintamente da ação de reivindicação de bens hereditários individualizados se destina a dirimir eventuais litígios existentes entre aquele que se considera herdeiro e com direito aos bens da herança e aquele que os possui, confere legitimidade ao herdeiro para solicitar o reconhecimento da sua qualidade de herdeiro, sendo consequência do mesmo a entrega dos bens da herança que se encontravam na posse do demandado.

III - O art.º 222º, nº 1, do CSC determina que os contitulares de quota devem exercer os direitos a ela inerentes através de um representante comum, representante esse que nos termos do n.º 1 do art.º 223º do mesmo código será o cabeça de casal, uma vez que no caso o mesmo se encontra designado por disposição testamentária, não podendo neste caso de acordo sem observância das regras particulares do cabeçalato ser destituído do cargo ou ver os seus poderes reduzidos pelos herdeiros.

Decisão Texto Integral:











Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra
O Autor intentou a presente acção declarativa contra os Réus, pedindo a condenação destes a reconhecer que:
a) as duas quotas de mil novecentos e sete euros e noventa cêntimos cada, da sociedade ré, deixadas por óbito de A..., falecida no dia 05/02/2010, no estado de viúva e que residiu em ..., são da titularidade e propriedade, em comum e sem determinação de parte ou direito, das pessoas elencadas no artigo 2.º;
 b) registadas na Conservatória do Registo Comercial, as aquisições de tais quotas, a favor das pessoas elencadas no artigo 2º, estas serão representadas na sociedade Ré por quem os consortes definirem, tendo estes deliberado, por maioria qualificada, que o seu representante perante a sociedade Ré era e é o Autor.
Para fundamentar a sua pretensão alegou, em síntese:
-  Conjuntamente com ... são titulares, em comum e sem determinação de parte ou direito, de duas quotas, no valor nominal de mil novecentos e sete euros e noventa cêntimos cada, da sociedade Ré.
- Tais quotas chegaram  à titularidade do Autor e dos seus consortes por herança da falecida A..., sendo os únicos herdeiros legítimos da mesma, tendo  registado em seu nome, em comum e sem determinação de parte ou direito, na Conservatória do Registo Comercial a aquisição, por herança, das mesmas.
- No exercício dos direitos que lhes assistem  os consortes que identifica, representando 86,662% dos direitos relativos às aludidas quotas, deliberaram nomear o Autor como representante comum dos consortes das citadas quotas, conforme ata avulsa dos consortes, o que foi comunicado à Ré sociedade por carta datada de 6 de Março de 2012.
- A Ré sociedade, por carta de 6 de Agosto de 2014, confirmou o conhecimento daquela carta e negou o solicitado pelo Autor, invocando um testamento da falecida A..., informou que o 1º Réu é que representaria as mencionadas quotas, em função da sua designação como cabeça de casal naquele testamento, pelo que negou a marcação de Assembleia Geral Extraordinária com a Ordem de Trabalhos constante do doc. 4.
- O Réu G... foi nomeado cabeça de casal no aludido testamento mas não representante  comum na sociedade, até porque não é um dos contitulares das quotas em causa pelo que nunca poderia ser representante das quotas.
- De qualquer modo  desde que foi efectuado o registo das quotas, em comum e sem determinação de parte ou direito a favor de todos os seus contitulares, cessaram de imediato quanto a esses direitos as funções de cabeça de casal.
- A interpretação do testamento em causa de forma alguma permite que se julguem conferidas ao réu G..., no que às quotas diz respeito, quaisquer funções ou poderes de administração, funções e poderes que cabem atual e exclusivamente aos herdeiros legítimos da falecida A...
Os Réus contestaram excepcionando a ilegitimidade do Autor e dos Réus R... e V... e o abuso de direito, acabando por impugnarem a qualidade do Autor e demais consortes por ele identificados como únicos herdeiros da falecida titular das quotas, concluindo que as funções cometidas no testamento ao 1º Réu de cabeça-de-casal abrangem as de representante das quotas.
Deduzem pedido reconvencional, pedindo a condenação do Autor no reconhecimento de que o 1º Réu é o cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de A..., cabendo-lhe o cargo de representante comum das quotas.
O Autor replicou, pugnado pela improcedência da reconvenção, alegando em síntese, que há a obrigação de dedução separada do pedido reconvencional pelo que a reconvenção deduzida não pode ser admitida, acabando por impugnar a respectiva factualidade, excepcionando o abuso de direito na formulação do pedido reconvencional.
No despacho saneador:
- a reconvenção foi admitida;
- o Autor foi julgado parte legítima ;
- os Réus R... e V... foram, por ilegitimidade, absolvidos da instância.
Veio a ser proferida sentença que julgou a causa nos seguintes termos:
Em face do exposto:
a) Julgo a ação improcedente e, em consequência, absolvo os Réus dos pedidos.
b) Julgo a reconvenção improcedente, absolvendo o Autor dos pedidos.
O Autor interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
1 - O cerne da sentença proferida consiste em negar ao A. legitimidade material para os pedidos formulados
2 - Decorrendo a absolvição dos RR., após verdadeira apreciação das questões de fundo, à determinação acerca de quem é o válido comum representante dos herdeiros de A... na sociedade R., e das respectivas consequências quanto aos pedidos formulados pelo A.
3 - O A. formulou na sua petição inicial, em primeiro lugar (alínea a), pedido que consiste em condenação dos RR. a reconhecerem que as duas quotas de mil novecentos e sete euros e noventa cêntimos, cada, são da titularidade e propriedade, em comum e sem determinação de parte ou direito, das pessoas elencadas no artigo 1º (já corrigido o lapso de escrita existente na petição inicial).
4 - As pessoas elencadas são os herdeiros legítimos da falecida A..., entre as quais se inclui o A. e a questão é uma questão de direitos societários que envolve tanto a propriedade como a posse dessas quotas.
5 - Em questões com a natureza do litígio que se verifica nos presentes autos o reconhecimento da qualidade de herdeiro é pressuposto da decisão, e tem que ser determinada na sentença.
6 - Não deixando de se estar no âmbito do pedido de reconhecimento judicial e consequente legitimidade substantiva previsto na primeira parte do nº 1 do artº 2075º do Código Civil e do artº 32º nº 1 do CPC.
7 - Disposições que, no modesto entendimento do recorrente, atribuem ao A. por si só legitimidade material para formular tal pedido.
8 - Tendo o Tribunal “a quo” decidido, após produção de prova e análise dos factos assentes que as quotas em causa nos autos pertencem aos herdeiros de A..., que o A. e os signatários da ATA (II.1.A14) aceitaram a herança, que inclusivamente foram já transmitidas para os herdeiros as quotas que A... detinha na sociedade R. e que há, hoje, uma situação de comunhão hereditária, o Tribunal “a quo” não podia ter absolvido os RR. deste pedido ( o formulado sobre alínea a)
9 - Decidida a pertença das quotas à herança, determinados os herdeiros, afirmada a não aquisição pela sociedade no prazo peremptório legal com a consequente preclusão desse direito, agora só poderão, no máximo, suscitar-se questões de não estar provada a aceitação de todos os herdeiros da respectiva parte na comunhão hereditária, o que, por se tratar exclusivamente de uma questão interna - entre herdeiros - em nada releva para a sorte deste pedido e em nada retira legitimidade ao A
10 - Pelo que, com a absolvição em causa, ocorreu uma errada aplicação e interpretação dos artºs 2075º, 2050º e 2051º do Código Civil e 32º nº 1 do CPC, que importa reparar.
11 - No que diz respeito aos pedidos formulados sob as alíneas b) e c), que foram totalmente conhecidos, de facto e de Direito, em sede de apreciação da legitimidade material do A. verificasse que o Tribunal decidiu absolver os RR. com base nas regras do cabeçalato consagrado na lei civil.
12 - Mesmo que se admita - o que se faz sem conceder - que se verifica a manutenção em funções do cabeça de casal G..., nomeado testamenteiro e nomeado cabeça de casal em testamento e que essas funções se estendem para além dos legados, atingindo portanto questões como a representação das quotas em causa nos presentes autos (herdadas ao abrigo das regras da sucessão legítima).
13 - O que é facto é que o Código Civil, no já citado artº 2075º, nº 1, também estabelece que o herdeiro pode pedir judicialmente o reconhecimento da sua qualidade sucessória, e a consequente restituição de todos os bens da herança ou de parte deles, contra quem os possua como herdeiro, ou por outro título, ou mesmo sem título.
14 - É bem conhecida a regra interpretativa de que “o que permite o mais permite o menos”.
15 - Daí que, tendo ficado reconhecida a qualidade sucessória do A. nos termos já antes expostos, e podendo um herdeiro sindicar junto de terceiros a posse de bens.
16 - Por maioria de razão um herdeiro, para além do mais mandatado e em representação da maioria absoluta dos herdeiros, poderá sindicar junto de terceiros (a sociedade) questões de exercício de meros direitos sociais numa sociedade comercial (ou seja “o menos”, nomeadamente aqueles que constam do artº 10º da petição inicial e que lhe foram negados pela sociedade Ré.
17 - O que de forma alguma invalidaria a possibilidade de condenação dos RR. nos termos em que intervêm na acção pois na verdade há legitimidade material suficiente do A. para a procedência dos pedidos que formulou.
18 - Com o que resultou violado, na sentença em crise, o mesmo artº 2075º do Código Civil.
19 - Mesmo que assim não se entendesse ainda assim os pedidos formulados sob as alíneas b) e c) não poderiam ter deixado de ser julgados parcialmente procedentes.
20 - Pois o representante comum de contitulares junto de uma sociedade pode ver os seus poderes reduzidos por quem ele representa.
21 - O que aliás se percebe perfeitamente uma vez que, em caso algum, o poder de administrar se pode sobrepor ao poder do proprietário, sob pena de total inversão dos institutos e dos valores jurídicos da propriedade e da representação, e porque quem actua “em representação” não pode deixar nunca de estar limitado no exercício dos seus poderes pela vontade e pelos interesses da maioria das pessoas que representa, estando permanentemente obrigado a conformar-se com a vontade da maioria desse mesmo conjunto de pessoas.
22 - Sendo o Código das sociedades comerciais direito especial relativamente ao direito civil, com finalidades e disciplina próprias, autonomizado deste e prevalecendo sobre este, sobrepõe-se necessariamente sobre os poderes de administração que o Código Civil confere genericamente ao cabeça de casal quanto à administração do património que ainda permanece em comunhão hereditária.
23 - Pode ser usado e sobrepõe-se a quaisquer mecanismos ou “válvulas de escape” que a lei Civil consagre para este efeito (maxime, a remoção do cabeça de casal, para a qual tem legitimidade qualquer interessado).
24 - Daí que a indicação de que os herdeiros serão representados na Sociedade 4ª Ré por quem os consortes designem maioritariamente, caiba dentro da possibilidade de redução dos poderes do representante comum na sociedade que assistem aos herdeiros
25 - E, nesta vertente de redução de poderes do representante comum admitindo-se que não seria possível ao A., nas condições em que se encontra de representação maioritária (e comunicada por escrito à sociedade) mas não total de todos os herdeiros, obter a condenação dos RR. à redução total e “ad eternum” de poderes de representação do cabeça de casal na sociedade.
26 - Não deixaria de ser possível, e desejável - de acordo com a filosofia subjacente ao actual CPC que determina que, sempre que possível o fundo deva prevalecer sobre a forma, que deva ser feita a sanação dos obstáculos, nomeadamente processuais, com vista ao normal prosseguimento da instância e que se procura sempre o máximo aproveitamento dos actos processuais - que 1º 4º Réus tivessem sido pelo menos sido condenada a reconhecer o direito do A. a convocar Assembleias Gerais Extraordinárias da Sociedade e a nelas participar.
27 - Todas as demais condições legais e processuais permitem essa condenação “reduzida” face ao pedido formulado na petição inicial que, nas suas alíneas b) e c) é indubitavelmente mais amplo.
28 - Estão reunidos e provados todos os demais requisitos para que estes, com essa redução, uma vez que a representação maioritariamente (86,662%) conferida pelos demais herdeiros ao A. resulta da certidão do registo comercial junta, de factos provados 12 e 13 e de mera operação matemática sobre tais elementos de facto, o capital relativo às quotas em causa respeita os mínimos dos artºs 375º, nº 2, e 248º do CSC e a redução de poderes do representante comum ( aqui o cabeça de casal) é legalmente possível, encontrando-se essa mesma da vontade da maioria dos herdeiros expressa na Acta Avulso de 2/10/2011.
29 - Acontecendo que o cabeça de casal nos presentes autos não foi directamente designado por lei pelo que não são absolutamente irredutíveis os seus poderes até à cessação do cargo, por desnecessidade ou por remoção.
30 - Deveriam assim ter sido os 1º e 4º Réus condenados a reconhecer o direito do A., a enquanto representante comum dos herdeiros, e no âmbito da redução dos poderes do cabeça de casal decorrentes dos poderes a este concedidos pela maioria dos herdeiros por acta de 02/10/2011, a convocar Assembleias Gerais Extraordinárias da Sociedade e a nelas participar.
31 - Com o que resultaram violados, na sentença em crise, os artºs 223º, 248º e 375º, nº 2, do CSC e 2080º do Código Civil.
Nestes termos - e nos melhores de Direito - deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por Acórdão que condene os Réus (1º e 4º) totalmente quanto ao pedido formulado na petição inicial sob a alínea a) e total ou parcialmente no que diz respeito às alíneas b) e c), daí se extraindo também as inerentes e legais consequências quanto a custas.
Não foi apresentada resposta.
1. O objecto do recurso
Considerando que a delimitação do objecto do recurso resulta das conclusões apresentados as questões a apreciar são as seguintes:
a) O pedido formulado em a) deve ser julgado procedente?
b) A existência de cabeça de casal não impede o exercício por um dos herdeiros, neste caso o Autor de direitos sociais?
2. Os factos:
Os factos julgados provados são:
1. A... faleceu a 05/02/2010, no estado de viúva de J..., sem ascendentes ou descendentes.
2. No dia 27 de setembro de 2005 fez testamento, que consta por cópia a fls. 46-50, cujo teor que se dá aqui por reproduzido.
3. Nele consta além do mais, que por ela foi dito que revoga quaisquer outros testamentos que tenha feito até tal data e que, “não tendo descendentes nem ascendentes vivos, faz o seu testamento, pela forma seguinte:
A:
LEGA todo o dinheiro, títulos, certificados de dívida pública e quaisquer aplicações financeiras que tiver à data da sua morte, bem como quaisquer créditos que lhe sejam devidos nessa data, deduzidos a remuneração do testamenteiro e os encargos de administração, incluindo todos os impostos, designadamente o Imposto de Selo (sucessório), a cada uma das seguintes pessoas, em partes iguais para cada uma delas:
1-Seu sobrinho Á..., filho da sua cunhada já falecida M..., irmã de seu falecido marido;
2- Sua sobrinha L..., também filha da sua cunhada já falecida M..., irmã de seu falecido marido;
3- Seu sobrinho G..., filho de seu cunhado J..., casado, (…);
4- Sua sobrinha M..., filha de seu referido cunhado J...;
5- Seu sobrinho V..., também ele filho de seu cunhado J...
(…)
Nomeia testamenteiro o Dr. … a quem encarrega de:
Cumprir os legados referidos em A) e para tanto proceder à partilha do dinheiro, títulos, certificados e aplicações financeiras, podendo no caso dos títulos, certificados e aplicações convertê-los em dinheiro, alienando-os, mesmo antecipadamente em relação à sua data de vencimento.
Sustentar, se for caso disso, a validade deste testamento em juízo e cobrar judicial e extrajudicialmente os créditos. (…)
B:
Os imóveis da sua titularidade à data da sua morte deverão ser vendidos e o produto da venda, deduzidos os encargos de administração, incluindo todos os impostos, designadamente o Imposto de Selo (sucessório), deverá ser partilhado por cada uma das seguintes pessoas, em partes iguais para cada uma delas:
1-Seu sobrinho Á..., filho da sua cunhada já falecida M..., irmã de seu falecido marido;
2- Sua sobrinha L..., também filha da sua cunhada já falecida M..., irmã de seu falecido marido;
3- Seu sobrinho G..., filho de seu cunhado J..., casado, (…);
4- Sua sobrinha M..., filha de seu referido cunhado J...;
5- Seu sobrinho V..., também ele filho de seu cunhado J…
Nomeia testamenteiro para conjuntamente cumprirem os legados referidos em B), Á... e G..., que devem proceder à venda e/ou promessa de venda dos bens imóveis, celebrando e assinando os correspondentes contratos e escrituras públicas, requerendo registos, averbamentos, rectificações e outros actos necessários ao cumprimento dos legados, devendo ainda proceder á distribuição do dinheiro produto dessas vendas.
C:
LEGA ainda todos os bens móveis da sua propriedade que constituam o recheio da sua casa de habitação e ainda quaisquer automóveis, em partes iguais aos seus referidos sobrinhos: (…)
Nomeia testamenteiro o indicado G... e, sucessivamente, o indicado Á... a quem encarrega de:
Exercer as funções de cabeça de casal, de vigiar o cumprimento do testamento em tudo o que exceda as tarefas atribuídas aos demais testamenteiros, e cuidar do funeral da testadora e pagar todas as despesas e respectivos sufrágios.
D:
LEGA ainda o seu cordão de ouro a sua segunda sobrinha (…).”
4. J..., L.da foi constituída por escritura pública celebrada em 19 de setembro de 1984, no Cartório Notarial da ..., iniciada a folhas 133 verso do livro de notas para escrituras diversas 12-E daquele Cartório, tendo como únicos sócios J... e A..., casados sob o regime de comunhão geral de bens, residentes no lugar de ...
5. Em 18 de abril de 1988, por escritura pública, celebrada no Cartório Notarial da ..., exarada de folhas 85 a folhas 89 do livro de notas para escrituras diversas número 112-A daquele Cartório, cada um dos sócios constituintes da J..., L.da (J... e mulher A...) dividiu a respetiva quota, no valor nominal de 750.000$00 (7.481,79€), em quatro quotas, sendo uma no valor nominal de 382.500$00 (1.907,90€) e três no valor nominal de 122.500$00 (611,03€).
6. Por essa mesma escritura, o sócio J..., reservando para si a quota no valor nominal de 382.500$00, cedeu cada uma das quotas no valor nominal de 122.500$00, a Á..., a M... e a A...
7. Por seu turno, a sócia A... reservou para si a quota no valor nominal de 382.500$00, e cedeu uma das quotas, no valor nominal de 122.500$00, a M..., a V... e a G...
8. Após essas cessões, através da mesma escritura pública, os sócios da J..., L.da deliberaram alterar parcialmente o pacto social, consagrando, entre o mais, a seguinte redação para o artigo nono:
“Por morte do sócio J... ou da sócia A... a quota do falecido será atribuída ao cônjuge sobrevivo pelo respetivo valor nominal e pela morte deste as quotas serão finalmente adquiridas pelos restantes sócios aos respetivos herdeiros, pelo valor do último balanço”.
9. Em 14 de fevereiro de 1991 faleceu no estado de casado com A..., em primeiras núpcias de ambos, J..., sem deixar ascendentes ou descendentes.
10. Após o falecimento do seu marido, A... passou a ser titular de duas quotas, cada uma delas no valor nominal 1.907,90€ no capital social da ré J..., L.da, situação que se mantinha à data da sua morte.
11. No Av.2 - Ap. 3/2010031, da matrícula da ré sociedade consta a cessação de funções de A..., por falecimento.
12. O Autor, conjuntamente com ..., foram habilitados como herdeiros legítimos de A..., por escritura de habilitação de herdeiros outorgada em 08/04/2011, constante a fls. 24 e segs., cujo teor se dá aqui por reproduzido, por G..., no Cartório Notarial de ..., da Notária ...
13. Os referidos ... deliberaram conceder e nomear o Autor A... como representante comum das supra citadas quotas da sociedade Ré.
14. O documento relativo a tal deliberação - “Acta Avulso” -, datado de 02/10/2011, junto a fls. 32-33, cujo teor se dá aqui por reproduzido, foi comunicado à Ré sociedade por carta datada de 6 de Março de 2012, subscrita por A..., carta esta com o seguinte teor:
 “De acordo com o Art.º Nono do pacto social da J..., L.da (…) considerando que por morte de A... as quotas de que esta e seu falecido marido foram titulares integram agora o acervo das respectivas heranças, somos a solicitar a V.Exas. se manifestem, no prazo máximo de 30 dias, no sentido da respectiva aquisição, de acordo com as regras consignadas no supracitado dispositivo do contrato de sociedade.
Agradecemos a fineza de dirigir a v/resposta para A..., na morada acima indicada o qual foi designado para futuros actos em que o mesmo deva estar presente em representação dos herdeiros daquelas quotas.
Somos ainda a informar que do silêncio de V.Exas. retiraremos a ilação do vosso desinteresse na aquisição das aludidas participações.
(…)”.
15. As pessoas referidas em II.1.A.12. fizeram registar em seu nome, “em comum e sem determinação de parte ou direito”, na Conservatória do Registo Comercial a aquisição, por herança, das quotas em causa, por Dep. 598/2014-06-05 e Dep. 599/2014-06-05.
16. A Ré sociedade, por carta de 6 de Agosto de 2014, confirmou o conhecimento da ata referida em II.1.A.14. e invocou o testamento da falecida A..., dizendo que o réu G..., nomeado cabeça de casal no mesmo, é que representaria as quotas aludidas em II.1.A.10., negando o solicitado pelo Autor, ou seja a convocação de Assembleia Geral Extraordinária da ré sociedade, com Ordem de Trabalhos indicada na carta de 18 de Junho de 2014, junta a fls. 36-37, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
17. De acordo com a escritura de habilitação de herdeiros de J... junta por cópia a fls. 93vº e segs., faleceu “no estado de casado sob o regime da comunhão geral e em primeiras núpcias de ambos com A…. Que (…) não tinha ascendentes nem descendentes, e outorgou além do testamento lavrado neste cartório em 17 de Janeiro de mil novecentos sessenta e nove, a folhas dez verso, do livro número cinco, em que institui a sua referida mulher como única herdeira, ainda testamentos lavrados neste Cartório em vinte dois de Junho de mil novecentos e noventa, a folhas vinte e nove verso e trinta e duas do livro número Dezoito, em que fez diversos legados;
Que neste último testamento, a folhas trinta e duas, legou aos herdeiros de J..., A... e M..., irmãos já falecidos da sua mulher alguns bens. (…).
Que nos termos expostos a referida cônjuge, A..., actualmente viúva (…) é a única e universal herdeira do autor da herança, não havendo quem legalmente lhe prefira ou com ela concorra à sucessão.”
2. O direito
O autor interpôs este recurso, visando a revogação da 1ª instância que, julgando a acção improcedente, absolveu os Réus de todos os pedidos formulados.
Assim, insurge-se quanto à improcedência do primeiro pedido, defendendo a sua procedência face ao conteúdo dos factos provados e a legitimidade que o n.º 1 do art.º 2075º do C. Civil lhe confere para o formular.
Na decisão recorrida a este respeito consta:
Do exposto resulta que a viúva A... herdou a quota de que J... era titular na Ré sociedade.
Está também provado que A... à data do seu óbito era titular daquela quota e de outra, cada uma no valor nominal de 1.907,90€, quotas cuja titularidade se discute na presente ação.
Dos factos provados descritos em II.1.A.1., 2. e 3. resulta que A... faleceu no estado de viúva do referido J..., sem descendentes ou ascendentes, tendo feito testamento em que instituído vários legados, nada dispondo quanto às referidas quotas sociais. Daqui que caberão as mesmas aos respetivos herdeiros, de acordo com as regras da sucessão (art. 2133º, nº1).
Assim, não tendo à data da abertura da sucessão marido, pais ou filhos, serão herdeiros sucessíveis os irmãos e seus descendentes (arts. 2132º, 2133º, nº1, c), 2138º, 2039º, 2040º, 2042º, 2044º e 2045º).
Conforme se mostra provado em II.1.A.12. os únicos herdeiros de A... são sobrinhos, filhos de irmãos pré-falecidos, e sobrinhos-netos filhos de sobrinhos pré falecidos, por sua vez filhos de irmãos também pré-falecidos, todos melhor identificados na escritura de habilitação ali referida, enquadrando-se na 3ª classe de sucessíveis prevista no art. 2133º, nº1, concretamente na respetiva al. c).
Os legatários, instituídos no testamento da mesma, a que se alude em II.1.A.2. e 3, sobrinhos do seu falecido marido, têm apenas a qualidade de legatários e não de herdeiros.
Assim, não têm qualquer direito relativamente às quotas em causa nos autos.

Provando-se que em 18/03/2010 foi averbada a cessação de funções de A..., por óbito ocorrido em 05/02/2010, importa concluir que muito antes da propositura da presente ação já tinha decorrido o prazo previsto no art. 225º, nº 2, parte final, do CSC, considerando-se, em consequência, transmitidas as quotas ao/s sucessor/es de A... a quem couber por partilha, já não podendo a Ré sociedade fazê-las adquirir pelos sócios nos termos da cláusula 9ª do pacto social e da 1ª parte daquele normativo.
De tudo o que consta de decisão recorrida resulta isento de dúvidas que as pessoas identificadas pelo Autor são os únicos herdeiros de A..., integrando-se na herança aberta pelo seu óbito as quotas em causa, quotas essas que cuja transmissão se encontra registada a favor dos mesmos, desde 5.6.2014, na Conservatória do Registo Comercial em comum e sem determinação de parte ou direito.
Não resulta deste registo que as pessoas enumeradas pelo Autor sejam proprietárias das quotas em causa nem mesmo em compropriedade mas somente que até à sua partilha são titulares de um direito sobre a herança que incide sobre uma quota ou fracção da mesma para cada herdeiro, mas sem que se conheça quais os bens concretos que preenchem tal fracção. [1]
O que o registo da aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito faz presumir é que o bem pertence a uma determinada herança [2], pelo que não pode ser julgado procedente o pedido formulado pelo Autor sob a alínea a), revelando-se acertada a decisão de improcedência do mesmo.
Defende ainda o recorrente quanto aos pedidos formulados em b) e c) que os mesmos deveriam, no mínimo ser julgados parcialmente procedentes uma vez que o representante comum de contitulares junto de uma sociedade pode ver os seus poderes reduzidos por quem ele representa, concluindo que a indicação de que os herdeiros serão representados na Sociedade 4ª Ré por quem os consortes designarem maioritariamente, caiba dentro da possibilidade de redução dos poderes do representante comum na sociedade que assistem aos herdeiros.
O argumentário do recorrente radica num equívoco que consiste no facto dos herdeiros da falecida não serem titulares de quaisquer bens, mas sim de uma quota do património hereditário onde se incluem as quotas sociais, não representando, deste modo, o cabeça-de-casal mais ninguém que não a herança indivisa da Ré na parte em que as inclui.
O art.º 2075º, n.º 1  do C. Civil dispõe:
O herdeiro pode pedir judicialmente o reconhecimento da sua qualidade sucessória, e a consequente restituição de todos os bens da herança ou de parte deles, contra quem os possua como herdeiro, ou por outro título, ou mesmo sem título.
Este preceito, consagrando a acção de petição da herança que distintamente da acção de reivindicação de bens hereditários individualizados se destina a dirimir eventuais litígios existentes entre aquele que se considera herdeiro e com direito aos bens da herança e aquele que os possui, confere legitimidade ao herdeiro para solicitar o reconhecimento da sua qualidade de herdeiro, sendo consequência do mesmo a entrega dos bens da herança que se encontravam na posse do demandado.[3]
Ora, não é esta a finalidade que o Autor visa ao formular os pedidos a que aludem as alíneas b) e c), sendo uma realidade substancialmente diversa, pelo que não se podendo comparar o que não é comparável, o preceito em causa não contém qualquer relevância para se apurar quem é o representante de uma herança indivisa, questão decidida com acerto na decisão sob recurso, considerando que havendo cabeça-de-casal é a este a quem compete essa representação.
Efectivamente, o art.º 222º, nº 1, do CSC determina que os contitulares de quota devem exercer os direitos a ela inerentes através de um representante comum, representante esse que nos termos do n.º 1 do art.º 223º do mesmo código será o cabeça de casal, uma vez que no caso o mesmo se encontra designado por disposição testamentária, não podendo neste caso de acordo sem observância das regras particulares do cabeçalato ser destituído do cargo ou ver os seus poderes reduzidos pelos herdeiros.
A pretendida procedência parcial dos pedidos formulados nos moldes propostos – condenação dos 1º e 4º Réus a reconhecer o direito do Autor a convocar Assembleias Gerais Extraordinárias da Sociedade e nelas participar – a não se contem nos pedidos formulados, sendo uma modificação dos mesmos, pelo que não se contendo no objecto da acção necessariamente não se pode conter no objecto do recurso.
Assim, improcede o recurso interposto.
Decisão
Nos termos expostos, julgando-se improcede o recurso confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Tribunal da Relação de Coimbra, em 27/02/2018


[1] Ac. do S. T. J. relatado por Álvaro Rodrigues de 30.01.2013 e acessível em www.dgsi.pt.

[2]  Neste sentido o Parecer do Conselho Técnico dos Registo e Notariado de 28.1.2009, acessível em www.irn.mj.pt .
[3] Código Civil Anotado, Ana Prata e outros, Volume II, edição de 2017, pág. 983, Almedina.