Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6/10.1IDCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: FRAUDE FISCAL;
AVALIAÇÃO INDIRECTA DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL
Data do Acordão: 04/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DA ...)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 103.º DO RGIT; ARTS. 81.º, N.º 1, 83.º, N.º 1, 85.º, 87.º, 88.º E 90.º DA LEI GERAL TRIBUTÁRIA
Sumário:
I - A (ir)relevância da avaliação indirecta dos rendimentos ou bens tributáveis para efeitos penais, não dispensando a ponderação do caso concreto, exige a distinção entre a situação em que a determinação da matéria tributável é feita exclusivamente com recurso a métodos indirectos, e aqueloutra – caso dos autos – em que a margem de estimativa, em função dos elementos de prova, por ser de tal modo reduzida, não deixa espaço para a incerteza quanto a um juízo positivo da verificação dos elementos do ilícito típico de natureza fiscal.
II – Se a primeira das duas situações é incompatível com o princípio da presunção de inocência, designadamente, na vertente do in dubio pro reo, a outra – revelada no processo em causa –, em razão da prova produzida sobre as operações económicas realizadas e, bem assim, os valores envolvidos e respectivos meios de pagamento, à luz dos princípios gerais de direito processual penal, não deixa margem para indefinições relevantes sobre a matéria tributável.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório
1. No âmbito do PCS n.º 6/10.1IDCBR do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, F. Foz – JL Criminal, mediante acusação pública, foram os arguidos A1 e A2, ambos melhor identificados nos autos, submetidos a julgamento, sendo-lhes então imputada a prática de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 7.º, n.ºs 1 e 3, 103.º, n.ºs 1, alínea b), e 2 do Regime Jurídico das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho.

2. Realizada a audiência de discussão e julgamento, por sentença de 05.05.2017, o tribunal decidiu [transcrição parcial do dispositivo]:
Face ao exposto, julgo a acusação parcialmente procedente, e em consequência, decide-se:
1) Condenar o arguido A1 pela prática, de um crime de fraude fiscal previsto e punido pelas disposições conjugadas dos art.ºs 103.º, n.ºs 1, al. b), e 2, do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei 15/2001, de 5 de Junho na pena de 200 dias, à razão diária de 7,50€, o que totaliza a pena de multa no valor global de 1.500,00 € (mil e quinhentos euros).
2) Condenar a sociedade arguida A2 pela prática, de um crime de fraude fiscal previsto e punido pelas disposições conjugadas dos art.ºs 7.º, n.º 1, e 3, 103.º, n.ºs 1, al. b), e 2, do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei 15/2001, de 5 de Junho na pena de 300 dias de multa à taxa diária de € 7,00 o que totaliza a pena de multa no valor total de 2.100,00 € (dois mil e cem euros).
[…].

3. Inconformados recorreram os arguidos, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:
a) Foi por sentença proferida em 05 de Maio de 2017, por um lado, o arguido A1 condenado na pena de 200 dias, à razão diária de 7,50 €, o que totaliza a pena de multa no valor global de 1.500,00 €, pela prática de um crime de fraude fiscal previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 103.º n.º 1 alínea b) e 2.º do Regime Geral das Infrações Tributárias aprovado pela Lei n.º 15/2001 De 5 de Junho. Por outro lado, a sociedade Arguida A2 condenada na pena de 300,00 dias de multa à taxa diária de 7,00€ o que totaliza a pena de multa no valor total de 2.100,00 € pela pratica de um crime de fraude fiscal previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 7.º n.º 1 e 3 e 103.º n.º 1 alínea b) e 2.º do Regime Geral das Infrações Tributárias aprovado pela Lei n.º 15/2001 De 5 de Junho.
b) Salvo o devido respeito, trata-se todavia, de uma decisão inaceitável porque desprovida de fundamento, com a qual os ora Recorrentes não se podem conformar, uma vez que a prova produzida em sede de julgamento é insuficiente para sustentar a referida condenação, ainda assim os factos dados como provados não permitiriam a solução de direito a que se chegou relativamente aos crimes imputados aos ora Recorrentes. Da referida sentença que ora se recorre, é no ponto II do mesmo, intitulado Fundamentação de Facto enumerada a factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo, e que sobre a qual os oras recorrentes irão proceder à sua análise indicando assim os pontos que consideram incorretamente julgados como provados e em que prova ou falta dela, os mesmos se suportam.
c) O Tribunal a quo deu como provado os seguintes factos: Facto provado n.º 18: Provado apenas que relativamente ao ano de 2007, a sociedade arguida omitiu proveitos, em sede de IRC, de pelo menos, cerca de um milhão de euros;
Facto Provado n.º 19: Que nesse ano originou um montante de IRC em falta de valor não concretamente apurado, mas não inferior, pelo menos, a 15.000,00 € (já considerando aqui deduzido o valor pago em 24/03/2009 de 5.965,45. Cfr facto seguinte); Facto Provado n.º 21 Sendo que o restante imposto devido está a ser exigido coercivamente no processo de execução fiscal n.º ... (IRC 2007); Facto provado 40: Ponto i) IRC do ano de 2007, reclamação graciosa e recursos das decisões do órgão de execução fiscal nos termos do artigo 276.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (liquidação adicional n.º ..., de 2010-04-14, no valor de 396.768,03€ e processo de reclamação de órgãos de execução fiscal n.º 711/10.2BECBR, extinta por improcedência em 07/02/2011, transitada em julgado em 21/02/2011 (Fls.378/380); Ora e no entender dos recorrentes não podiam os referidos pontos ser dados como provados, desde logo é evidente a contradição que emana da leitura destes,
d) Pois se por um lado o Tribunal reconhece que não pode dar como integralmente provado que tenham os recorrentes omitido proveitos em sede de IRC no montante de mais de um milhão de euros, conforme constava em sede de libelo acusatório. Considerando em sede de motivação de sentença, que: “Todavia, quanto ao benefício obtido pelos arguidos, por referência ao ano de 2007, não obstante, se concordar com a forma como foi determinado os custos associados à venda e permuta dos 52 lotes e do arrendamento do imóvel sito na ... (e que cuja explicitação consta de fls. 67 a 70 do dito relatório), entende o tribunal, ao abrigo do principio da liberdade da prova e do principio da interpretação mais favorável ao arguido, não aderir in totum ao valor final de “proveitos omitidos” considerado pela Sra. Administradora (1.754.800,00€), tendo em conta também a conjugação das declarações do arguido e o facto, como melhor desenvolveremos na análise critica.”
e) Por outro lado reitera e dá como provado que no entanto houve por parte dos recorrentes um montante de IRC, que apesar de não apurado é superior a 15.000,00 € considerando por este facto a conduta dos recorrentes como passível de criminalização e consequente condenação. No entanto, cumpre perguntar, se não consta dos factos provados qual o valor exato que os recorrentes omitiram em sede de tributação de IRC referente ao ano de 2007, e qual a vantagem patrimonial ilegítima, como pode considerar-se ser a mesma superior a 15.000,00€?
f) Ora atentemos, Aquando da motivação da convicção do Tribunal a quo, se por um lado e a fls. 15 da sentença proferida é referido que: “Na convicção do tribunal considerou-se a essencialidade do Relatório de inspeção que se encontra juntos aos autos a fls. 57 e segs e respetivos anexos documentais (cfr. art. 77º da LGT), máxime quanto ao ano de 2007 e aos rendimentos prediais dos anos 2007 e 2008, o qual constituindo um suporte de informação técnica, elaborado por uma entidade competente em razão da matéria – a inspeção tributária (arts. 61º e 63º da LGT e arts. 16º e ss do RCPIT) – está dotado da força probatória que lhe é atribuída pela norma do art. 76º, nº1 da LGT, e se serviu no plano inspetivo de suporte à prática dos atos tributários, no plano penal (tendo sido junto como anexo, as liquidações oficiosas de 2007, a notificação para exibição de escrita de fls. 77/78, o auto de ocorrência de fls. 79 a notificação quanto à inexistência de escrita de fls. 80, o auto de ocorrência de fls. 81, a escritura pública de compra e venda de 04-06-2007 de fls. 82 a 88, a escritura pública de permuta de 04/06/2007, de fls. 89 a 94, a escritura pública de compra e venda de 29- 12-1999 e documento complementar de fls. 95/100, o print de rácios de IRC de fls. 101, e ainda o parecer fundamentado a que se refere o art. 43º, nº3 do RGIT de fls. 138 e ss) serviram, também, à quantificação da vantagem patrimonial indevida, com os reajustamentos e adaptações que resultaram também da prova produzida em audiência de julgamento e também das decisões proferidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, máxime quanto ao ano de 2008.
g) Assim, resulta da concatenação da informação de fls. 367, remetida na sequência do ofício nº4404094, datado de 08/10/2012 (fls. 364, 365, 366, 367, 368, 370, 371, 372), e da informação carreada pelos próprios arguidos em 03-03-2015 (fls. 882 e 886), com relevância que se, quanto ao ano de 2007, a reclamação graciosa/recurso das decisões do órgão da execução fiscal nos termos do art. 276º do Código do Procedimento e Processo Tributário (liquidação adicional nº..., de 2010-04-14, no valor de 396.768,03€) e a impugnação judicial nº711/10.2BECBR, foram extintas por improcedência.
h) Já quanto ao ano de 2008, no âmbito do processo de Impugnação nº666/11.6BECBR, respeitante à liquidação adicional oficiosa de 2008 no valor de €25.441,96, com o nº ..., de 2009-11-26, foi julgada procedente tal impugnação e consequentemente anulou a liquidação impugnada por vício de forma, conforme sentença proferida em 18/06/2013, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, transitada em julgado em 05/07/2013; Impugnação nº 82/12.2BECBR, respeitante à liquidação adicional de IRC nº ..., de 2010-07- 14, no valor de 112.233,17€, apresentada em 25-11-2012, sobre a qual veio a recair a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra proferida em 08/05/2013, e transitada em julgado em 21/06/2013 (cfr. fls. 757, 765, 815, 816, 876) que absolveu a Fazenda Pública, por julgar verificada a exceção dilatória consistente na falta de mandato judicial; Impugnação nº412/13.0BECBR, respeitante à liquidação adicional de IRC de 2008 e juros no valor de 112.233,17€ e das decisões da reclamação graciosa e recurso hierárquico, sobre a qual recaiu a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, proferida em 26/04/2016, transitada em julgado em 12/05/2016 (cfr. fls. 907 e segs., 937 e 941), a qual julgou procedente a impugnação e anulou o ato de liquidação de IRC e respetivos juros moratórios de 2008.
i) Assim, parece resultar da leitura da douta sentença, que se por um lado o relatório de inspeção para os factos que criminalizam os ora recorrentes e relativos ao ano de 2007 é suficiente para sustentar a sua condenação, o mesmo já não acontece em relação ao ano de 2008, sendo completamente afastada tal prova uma vez que a mesma foi posta em causa/ rejeitada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que a conheceu e julgou procedente a defesa efetuada pelos Recorrentes. Ora entendem os ora Recorrentes que andou bem o Tribunal a quo ao emitir tal conclusão, no que respeita ao IRC de 2008.
j) Não pode é no entanto aceitar-se que por contraposição a tais factos, o Tribunal a quo parta para a conclusão inversa, ao considerar que no que se refere à vantagem patrimonial ilegítima relativa ao ano de 2007 e uma vez que as defesas em sede de reclamações graciosas e impugnação judicial porque julgadas improcedentes quanto ao ano de 2007, sejam por si só fundamento bastante para assim se dar por integralmente provado o relatório de inspeção, e se concluir que os recorrentes lograram alcançar vantagem patrimonial superior a 15.000,00 €. Pois e conforme resulta de documentos constantes de fls. 603 e ss dos presentes autos, a referida improcedência das ações não reafirmou os referidos valores, sendo que os mesmos não vieram a ser sequer conhecidos. Pois e conforme consta de fls. nos autos do processo 711/10.2BECR, no qual foi julgada improcedente a reclamação apresentada, sendo que nessa sede discutia-se o valor da garantia com vista à suspensão da execução fiscal, por dividas de IRC e IVA.
k) Não tendo a referida decisão administrativa conhecido ou por qualquer forma reconhecido a existência de uma vantagem patrimonial ilegítima obtida pelo recorrentes, e em que valor tal vantagem se fundava. Pelo que, não pode a improcedência das reclamações deduzidas ou impugnações ser a confirmação de que os recorrentes efetivamente incorreram numa vantagem patrimonial ilegítima.
l) Assim não pode compreender-se a conclusão em sede de sentença quando diz: “Já quanto à liquidação de IRC do ano de 2007, a situação é distinta, sendo que da conjugação de toda a prova produzida, é possível concluir que existem elementos mais do que suficientes, para fazer proceder, só por si, o libelo acusatório. Com efeito, no que concerne à matéria coletável do ano de 2007, decorre, desde logo, da certidão da informação da DGF que a reclamação graciosa foi improcedente e da sentença proferida pelo TAF sob o nº711/10.2BCCBR a impugnação deduzida foi também improcedente em relação à A2.”
m) Interrogam-se os Recorrentes quais são esses elementos? Mais uma vez encontra-se patente a existência de contradição uma vez que factos dados como provados designadamente pontos supra indicados, não se encontram fundados em qualquer documento que não seja o relatório emitido pela DGF, que como vimos foi o mesmo em sede de impugnação judicial e reclamações graciosas posto quase na totalidade em causa, sendo que foram na integralidade julgadas procedentes as impugnações referentes ao ato tributário em sede de IRC de 2008. Assim, poderíamos interrogar-nos se a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal não tivesse julgado a improcedência da impugnação e reclamação graciosa nos autos do processo n.º 711/10.2BCCBR, e conhecido dos vícios do ato tributável e da fixação da matéria tributável em sede de IRC em 2007, outra teria sido a decisão do Tribunal a quo? Daí que, não sendo possível remover a dúvida razoável, positiva, racional, sobre a vantagem patrimonial ilegítima pelos recorrentes, dos factos descritos no pontos já supra assinalados, impeditiva da convicção do Tribunal de 1.ªinstância nos termos em que se revelou, deve tal dúvida favorecer o arguido, por força do princípio in dubio pro reo, impondo-se, em consonância, nesse contexto e bem assim quanto ao arguidos na parte respetiva, a alteração da matéria de facto, devendo os referidos factos serem considerados não provados.
n) Com efeito padece o referido acórdão cuja sindicância se requer de erro de julgamento a que se refere o artigo 412.º n.º 3 do CPP, ocorre quando o Tribunal considere provado um determinado fato, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado. Por outro lado, no crime de fraude fiscal tutela-se diretamente os valores da verdade e da transparência para com o Estado Fisco e reflexamente o património fiscal do Estado, tendo em vista a obtenção das receitas fiscais. O referido art.103.º n.º2 do RGIT fixa como pressuposto da criminalização da fraude fiscal, que esta não é punível se “a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a €15.000”. Sendo um crime de perigo, “apenas será possível conceber o n.º 2 deste artigo 103.º, partindo-se do pressuposto que só é punível a conduta de defraudação fiscal se a mesma for suscetível e se mostrar idónea a causar uma diminuição de receitas tributárias cuja vantagem patrimonial ilegítima corresponda a, pelo menos, € 15.000.
o) Nesta conformidade, trata-se de uma circunstância que foi adicionada aos elementos do tipo do crime de fraude fiscal, que não chega a integrar a sua descrição objetiva e muito menos subjetiva do tipo base, mas que fundamenta a sua punibilidade, tratando-se, por isso, de uma condição objetiva de punibilidade.” – Ac. R. Porto de 16/3/2011, proc. n.º 65/05.9IDAVR, relatado pelo Desembargador Joaquim Gomes, disponível em wwww.dgsi.pt
p) Assim e quer se entenda que corresponde a uma condição objetiva de punibilidade ou integra antes um elemento do crime de fraude fiscal, o certo é que esse limite de € 15.000, em nossa opinião, é sempre exigível para a criminalização da fraude fiscal. Ponderados os argumentos da doutrina e da jurisprudência, entendemos que há várias razões que apontam no sentido da exigência do limite de €15.000 para que a fraude seja punível. Pelo que, e por maioria de razão não há punibilidade quando o montante da vantagem patrimonial ilegítima for “inferior a 15.000 €”.
q) “Ao falar em fraude, está certamente a referir-se a uma fraude punível, ou seja, que tenha causado uma diminuição de receitas de valor superior a 15.000 €, já que abaixo desse valor o comportamento é punível e qualificado apenas como contraordenação e não como “fraude” fiscal (art. 118º do RGIT).” – Ac. R. Porto de 23/3/2011, supra citado.
r) Pelo que, e face a tudo o exposto, entendemos que o douto julgador errou na valoração da prova e na determinação das normas a aplicar ao caso “sub judice”, pois da prova produzida e já rebatida em sede de matéria de facto, não se infere qual o montante de imposto que o sujeito passivo, neste caso sociedade Arguida deixou de pagar, não resultando dos autos qual o valor exato do cálculo da liquidação do imposto, para a posterior quantificação da vantagem patrimonial ilegítima.
s) Assim partiu erroneamente o Tribunal de um valor de cerca de um milhão de euros, para firmar conclusão de que a vantagem patrimonial alcançada seria superior a 15.000,00 € e dai a necessidade de punição da conduta. Quando esse valor tem por base relatório de inspeção que foi contraditado em sede superior, designadamente Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, e considerada procedente a sua impugnação e para o qual Tribunal a quo considera não estarem os valores ai descritos suficientemente fundamentados.
t) Isto na vertente objetiva do preenchimento do crime, importando agora verificar o preenchimento ou não dos seus elementos subjetivos. Entendeu o Tribunal a quo que: “Também o próprio arguido admitiu que o TOC se absteve de enviar tais declarações, alegadamente por falta de pagamento da sua avença. Todavia, esta explicação, que poderia ter algum reflexo ao nível dos elementos subjetivos do tipo, também não convence, porquanto resulta do relatório de inspeção tributária de fls. 63 que os serviços do TOC continuaram a ser prestados, já que aí consta textualmente que no que respeita ao “IVA o contribuinte continuou a cumprir as obrigações fiscais, entregando com regularidade as declarações periódicas”.
u) O elemento subjetivo do tipo-de-ilícito imputado aos arguidos na douta decisão recorrida, pressupõe a resolução de cometer uma infração penal, ou seja, a vontade ou intenção de praticar um crime. E agiria o arguido com dolo direto, se nas referidas circunstâncias de tempo, lugar e ação, se pudesse afirmar que representou um facto (a obtenção de uma vantagem patrimonial) que preenche um tipo de crime, e atuou com vontade de o realizar.
v) Logo, na factualidade descrita não está presente, não só o elemento intelectual ou cognitivo do dolo – traduzido na existência da representação do facto descrito no tipo legal de crime e no perfeito conhecimento da situação objetiva -, como também o não está o seu elemento volitivo – uma vez que o arguido não teve vontade, nem tão pouco previu ou realizou, atento estar a ultrapassar dificuldades económicas e não ter liquidado avença o seu TOC procedido à entrega dos elementos, sem que este tivesse conhecimento da falta de entrega dos mesmos, sendo e conforme resulta da douta sentença, a entrega de outros elementos contabilísticos pelo TOC não podem por si só evidenciar que não corresponde a verdade o afirmado pelo arguido e que não foi por qualquer forma contraditado.
w) Sem prescindir e por todo o exposto, devem os Recorrentes ser absolvidos da pena constante da sentença recorrida. Na medida em que não existirem factos suficientes para se considerar que a conduta dos ora recorrentes era passível de ser criminalizada por falta de a vantagem patrimonial alcançada ser superior a 15.000,00 €, nos termos supra alegados. Entendendo que a douta sentença violou o disposto no artigo 103.º do RGIT, razão pela qual deve ser revogada.
Termos Em QUE:
Deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, devendo ser a revogada a sentença proferida.
Fazendo dessa forma V. Ex.ª (s) a costumada justiça.

4. Por despacho exarado a fls. 1094 foi o recurso admitido.

5. Ao recurso respondeu o Ministério Público, concluindo:
1. Invocando o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude o artigo 410.º, n.º 2, al. a), do CPP, os recorrentes confundem, no entanto, a insuficiência da prova para a matéria de facto provada (cuja verificação aventam) com a temática da insuficiência da matéria de facto provada para fundamentar a decisão de direito;
2. Como seja, tal vício não se vislumbra no texto da decisão judicial recorrida: analisando o texto da sentença recorrida, concretamente os factos dados como provados nos pontos 1 a 41, não se vislumbra, desde logo, que se esteja face a vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, pois que a facticidade assente ancora de forma bastante o preenchimento dos elementos do tipo objetivo e subjetivo de ilícito do crime de fraude fiscal e, bem assim, a medida da pena aplicada aos recorrentes pelo crime em questão;
3. Há erro de julgamento quando o tribunal considera provado um determinado facto sem que tivesse sido feita prova do mesmo e como tal deveria ter sido considerado como não provado; ou quando se dá como não provado um facto, que em face da prova produzida, deveria antes, ter sido considerado provado;
4. No que ao crime de fraude fiscal diz respeito, a prestação tributária devida, para que seja punível, necessita de ser igual ou superior a € 15.000,00, «qual limiar mínimo de punição ou limiar de intolerabilidade social ou «patamar mínimo de relevância penal do facto»;
5. Quanto ao benefício obtido pelos arguidos, em sede de liquidação de IRC, por referência ao ano de 2007, não obstante concordar com a forma como foram determinados os custos associados à venda e permuta dos 52 lotes e do arrendamento do imóvel sito na ... (e que cuja explicitação consta de fls. 67 a 70 do relatório da inspeção expressamente considerado como elemento probatório), entendeu o Tribunal «a quo», ao abrigo do principio da liberdade da prova e do principio da interpretação mais favorável ao arguido, não aderir in totum ao valor final de “proveitos omitidos” considerado nesse relatório (1.754.800,00€).
6. Tal não significa, ao contrário do que os recorrentes pretendem inculcar, que tenha ficado um lastro de dúvida de molde a sustentar-se que o valor do benefício patrimonial ilegítimo, no caso concreto, se haja quedado abaixo dos € 15.000,00. Bem pelo contrário, ainda que esta vantagem se não tenha concretizado rigorosamente ao cêntimo – algo que o artigo 103.º, n.º 2, do RGIT, de resto, não impõe –, em benefício, aliás, da posição processual dos arguidos, o certo é que essa vantagem, pela sua grandeza (mais de um milhão de euros), excedeu em muito o predito plafond da condição objetiva de punibilidade;
7. A conclusão de que a vantagem patrimonial obtida, quanto à liquidação do IRC de 2007, se cifra em valor superior a € 15.000,00, estribada que foi no exame crítico da prova (documental – v.g. o relatório de inspeção e as escrituras públicas – e testemunhal – os depoimentos credíveis e circunstanciados dos inspetores II e III) produzida em audiência de discussão e julgamento e no princípio da livre apreciação da prova, não merece, pois, qualquer censura, não se discernindo o erro de julgamento aventado pelos recorrentes;
8. Não tendo o Tribunal «a quo» evidenciado quaisquer dúvidas sobre a prática dos factos desfavoráveis aos arguidos/recorrentes, «máxime» para afirmar que a vantagem patrimonial ilegítima pelos mesmos alcançada se não revelou inferior a um milhão de euros, sendo, por conseguinte, superior ao limiar mínimo de punibilidade previsto no artigo 103.º, n.º 2, do RGIT, não há lugar, «in casu», à aplicação do princípio «in dubio pro reo»;
9. Para a punição do agente pelo crime de fraude fiscal basta comprovar que este quis as respetivas (ações ou) omissões e que elas eram adequadas à obtenção das pretendidas vantagens patrimoniais e à consequente diminuição das receitas tributárias. Ora, como a aptidão é um elemento do tipo objetivo, obviamente tem de ser representada pelo agente ao nível do dolo do tipo. De resto, a realização do tipo objetivo há-de preencher o fim pretendido pelo agente, equivalendo este ao elemento volitivo do dolo que se esgota no dolo do tipo, sem demandar, autonomamente, um especial elemento do tipo subjetivo;
10. Atenta a factualidade provada [32. O arguido A1 atuou de forma livre, voluntária e consciente, no interesse e em representação da sociedade arguida A2; 33. Com o propósito de obter proveitos económicos indevidos para a sociedade arguida, de molde a que esta não pagasse ao Estado, nos anos de 2007 e 2008, os montantes de imposto devidos em sede de IRC; 34. Com o objetivo de evitar que a sociedade arguida fosse tributada em IRC, determinou o arguido A1 que esta não apresentasse à Fazenda Nacional as declarações modelo 22, respeitantes aos anos de 2007 e 2008; 35. Não dando, assim, a conhecer os proveitos económicos obtidos nesses anos pela sociedade arguida, com a venda dos lotes de terreno para construção, bem assim os decorrentes do arrendamento de um imóvel; 36. Bem sabia o arguido A1 que estava legalmente obrigado a declarar à administração fiscal os proveitos económicos obtidos nos referidos anos fiscais; 37. Bem assim a entregar nos cofres do Estado os montantes de imposto de IRC devido; 38. Bem sabia o arguido A1 que a sua conduta era proibida e punida por lei e, não obstante, atuou conforme descrito nos anos fiscais de 2007 e 2008”], dúvidas não há quanto ao preenchimento dos elementos (intelectual e volitivo) do tipo subjetivo de ilícito do crime de fraude fiscal imputado; consequentemente, correta se revela, também nesta parte, a condenação dos arguidos.
Nestes termos, deve o recurso interposto improceder, confirmando-se antes a douta sentença condenatória do tribunal da primeira instância, pois que assim se fará, com o douto suprimento de Vossas Excelências, a tão costumada justiça.

6. Remetidos os autos à Relação o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pronunciando-se no sentido de o recurso não merecer provimento.

7. Cumprido o n.º 2 do artigo 417.º do CPP, os recorrentes não reagiram.

8. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cabendo, pois, decidir.

II. Fundamentação
1. Delimitação do objeto do recurso
Tendo presentes as conclusões, pelas quais se delimita o objeto do recurso, cabe a este tribunal decidir:
- Se ocorre erro de julgamento; enferma a sentença de qualquer dos vícios do n.º 2 do artigo 410.º do CPP; foi violado o in dúbio pro reo;
- Da qualificação jurídico-penal dos factos.

2. A decisão recorrida
Ficou a constar da sentença [transcrição parcial]:
II – Fundamentação de Facto:
Instruída e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
(Da acusação):
1. A arguida A2. é uma sociedade por quotas matriculada na Conservatória de Registo Comercial da ..., com o n.º NIF, com o objeto social de construção civil e compra e venda de imóveis;
2. O seu capital social, no montante de € 27.433,88, corresponde à soma de duas quotas, uma, no valor de € 13.716,94, pertença do arguido A1, e outra, no valor de 13.716,94, pertencente a ---;
3. Encontra-se registada pelo exercício da atividade de “construção civil e compra e venda de imóveis”, ao qual corresponde o CAE principal 41200-R3;
4. Encontra-se enquadrada, para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (I.R.C.), no regime normal, e, para efeitos do Imposto sobre o Valor Acrescentado (I.V.A.), no regime normal de periodicidade trimestral;
5. O arguido A1 é gerente de facto e de direito da sociedade arguida desde a data da sua constituição;
6. Assim, a este arguido incumbia toda a gestão e administração da sociedade arguida, em nome desta e a favor do seu interesse;
7. Competindo-lhe, nomeadamente, o cumprimento para com a administração fiscal das obrigações declarativas da sociedade arguida, bem assim o pagamento dos impostos que fossem devidos;
8. Nos anos fiscais de 2007 e 2008 a sociedade arguida não cumpriu com as suas obrigações declarativas em sede de IRC, não apresentando a declaração anual de rendimentos (Modelo 22) de IRC;
9. Não obstante, a sociedade arguida exerceu a sua atividade nos referidos períodos fiscais;
10. Com efeito, no decurso do ano fiscal de 2007, no âmbito da sua atividade, a sociedade arguida A2. vendeu à sociedade ----, lotes de terreno para construção, localizados na ---, pelo valor global de € 1.100.000,00 (um milhão e cem mil euros), assim discriminados:
a. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 16, com a área de 200 m2, descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
b. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 17, com a área de 200 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
c. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 23, com a área de 200 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
d. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 54, com a área de 225 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
e. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 102, com a área de 1410 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
f. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 103, com a área de 650 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
g. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 108, com a área de 800 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
h. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 115, com a área de 450 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
i. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 124, com a área de 450 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
j. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 126, com a área de 520 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
k. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 127, com a área de 615 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
l. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 133, com a área de 665 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
m. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 134, com a área de 540 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
n. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 135, com a área de 610 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
o. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 136, com a área de 610 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
p. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 137, com a área de 660 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
a. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 145, com a área de 450 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
b. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 154, com a área de 505 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
c. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 155, com a área de 540 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
d. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 164, com a área de 585 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
e. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 168, com a área de 605 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
f. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 169, com a área de 685 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
g. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 174, com a área de 1050 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
h. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 175, com a área de 1830 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
i. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 178, com a área de 785 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
j. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 179, com a área de 715 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
k. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 182, com a área de 630 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
l. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 183, com a área de 670 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
m. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 186, com a área de 675 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
n. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 187, com a área de 600 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
o. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 190, com a área de 500 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
p. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 191, com a área de 675 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
q. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 194, com a área de 690 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
11. Nesse mesmo ano fiscal de 2007, celebrou ainda a sociedade arguida A2. com a sociedade ---, escritura de permuta, relativa a lotes de terreno para construção, no valor de € 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil euros).
12. Nesse mesmo ano fiscal de 2007, celebrou ainda a sociedade arguida A2. com a sociedade ---, escritura de permuta, relativa a lotes de terreno para construção, no valor de €650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil euros).
13. Com efeito, no âmbito desse contrato, a sociedade arguida A2 cedeu à sociedade ---, pelo valor de € 650.000,00, metade indivisa de lotes de terreno para construção, todos situados na localidade de ---, como a seguir se discriminam:
a. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 1, com a área de 1475 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
b. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 2, com a área de 1215 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
c. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 4, com a área de 1270 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
d. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 5, com a área de 1200 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
e. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 6, com a área de 1900 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …:
f. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 7, com a área de 850 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
g. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 8, com a área de 960 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
h. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 9, com a área de 960 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
i. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 10, com a área de 1080 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
j. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 11, com a área de 1550 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
k. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 63, com a área de 760 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
l. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 66, com a área de 900 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
m. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 67, com a área de 900 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
n. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 68, com a área de 900 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
o. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 69, com a área de 900 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
p. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 70, com a área de 900 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
q. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 72, com a área de 1195 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
r. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 172, com a área de 2455 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
s. Lote de terreno para construção urbana, designado por lote n.º 173, com a área de 1735 m2 descrito na Conservatória de Registo Predial de LL sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º …;
14. A sociedade ---, NIPC NIF, fez constar, no anexo “P” da sua declaração anual de rendimentos, de 2007, ter adquirido à sociedade arguida bens imóveis, no montante de € 1.750.000,00;
15. Tendo ainda esta sociedade feito constar, no anexo “O” da mesma declaração de rendimentos, de 2007, ter vendido à sociedade arguida bens imóveis, no montante de € 650.000,00.
16. Ainda nesse mesmo ano fiscal, a sociedade arguida recebeu da firma ---, NIPC NIF, o montante de € 4.800,00 (quatro mil e oitocentos euros), a título de rendas relativas ao arrendamento da fração autónoma designada pela letra “V”, correspondente a loja no rés-do-chão, do prédio urbano sito ---, freguesia de ---, concelho da ..., descrito na matriz predial urbana sob a ficha n.º …, inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia, sob o artigo …;
17. Também esta sociedade fez constar no anexo “J” da sua declaração anual de rendimentos, de 2007, o pagamento das referidas rendas à sociedade arguida;
18. Provado apenas que relativamente ao ano de 2007, a sociedade arguida omitiu proveitos, em sede de IRC, de, pelo menos, cerca de um milhão de euros.
19. Que nesse ano originou um montante de IRC em falta de valor não concretamente apurado, mas não inferior, pelo menos, a € 15.000,00 [já considerando aqui deduzido o valor pago inicialmente pago em 24/03/2009, de €5.965,45 - cfr. facto seguinte].
20. Relativamente a este montante devido ao Estado, a sociedade arguida pagou unicamente, em 24/03/2009, € 5.965,45 (cinco mil novecentos e sessenta e cinco euros e quarenta e cinco cêntimos);
21. Sendo que o restante imposto devido está a ser exigido coercivamente no processo de execução fiscal n.º ... (IRC 2007);
22. No decurso do ano fiscal de 2008, a sociedade arguida vendeu a ---, NIPC NIF, pelo valor de € 495.000,00 (quatrocentos e noventa e cinco mil euros), um lote de terreno para construção urbana, com a área de 138 Conservatória de Registo Predial de SS sob o n.º …, inscrito na matriz sob o artigo …;
23. Ainda nesse mesmo ano fiscal, a sociedade arguida recebeu da firma ---, NIPC NIF, a título de rendas, o montante de, pelo menos € 4.800,00 (quatro mil e oitocentos euros), relativas ao arrendamento da fração autónoma designada pela letra “V”, correspondente a loja no rés-do-chão, do prédio urbano sito na ---, freguesia de ---, concelho da ..., descrito na matriz predial urbana sob a ficha n.º …, inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia, sob o artigo …;
24. Esta sociedade inscreveu, no anexo “J” da sua declaração de rendimentos, de 2008, o pagamento das referidas rendas à sociedade arguida;
25. Provado apenas que relativamente ao ano fiscal de 2008, os proveitos omitidos, em sede e IRC, pela sociedade arguida, tivessem sido de, pelo menos, €4.800,00;
26. Provado apenas que originou um montante de IRC em falta de valor não concretamente apurado;
27. Provado apenas que se encontram a ser exigidos coercivamente valores não concretamente apurados, nos processos de execução fiscal nº … e … .
28. Relativo ao imposto de IRC devido no ano de 2008 não efetuou a sociedade arguida o pagamento de qualquer montante;
29. A sociedade arguida não possui contabilidade organizada;
30. A sociedade arguida recebeu dos referidos compradores, --- e ---, os preços estipulados nos contratos que celebrou;
31. Tendo recebido ainda da sociedade --- os montantes relativos ao arrendamento do imóvel de sua propriedade;
32. O arguido A1 atuou de forma livre, voluntária e consciente, no interesse e em representação da sociedade arguida A2, .;
33. Com o propósito de obter proveitos económicos indevidos para a sociedade arguida, de molde a que esta não pagasse ao Estado, nos anos de 2007 e 2008, os montantes de imposto devidos em sede de IRC;
34. Com o objetivo de evitar que a sociedade arguida fosse tributada em IRC, determinou o arguido A1 que esta não apresentasse à Fazenda Nacional as declarações modelo 22, respeitantes aos anos de 2007 e 2008;
35. Não dando, assim, a conhecer os proveitos económicos obtidos nesses anos pela sociedade arguida, com a venda dos lotes de terreno para construção, bem assim os decorrentes do arrendamento de um imóvel;
36. Bem sabia o arguido A1 que estava legalmente obrigado a declarar à administração fiscal os proveitos económicos obtidos nos referidos anos fiscais;
37. Bem assim a entregar nos cofres do Estado os montantes de imposto de IRC devido;
38. Bem sabia o arguido A1 que a sua conduta era proibida e punida por lei e, não obstante, atuou conforme descrito nos anos fiscais de 2007 e 2008.
39. Provado apenas que a sociedade arguida apresentou reclamações graciosas cujo objeto foram as liquidações adicionais de IRC de 2007 e 2008 resultantes da ação de inspeção, as quais foram já julgadas extintas por improcedência (cfr. fls. 132 a 134, 495 e segs. -, sendo relativa ao ano de 2007, a reclamação graciosa que deu entrada no Serviço de Finanças de Coimbra em 19/07/2010 cujo objeto foi a liquidação adicional de IRC, e juros compensatórios nº … no valor de 396.768,036 e respeitante ao processo de execução fiscal nº..., extinta por improcedência em 07/02/2011, processo nº711/10.2BECBR).
(Mais se provou):
40. A Direção de Finanças de Coimbra (NIC) informou em 05/11/2012 (fls. 367) na sequência do ofício nº4404094, datado de 08/10/2012 (fls. 364, 365, 366, 367, 368, 370, 371, 372), e os próprios arguidos na pessoa da sua então mandatária em 03-03-2015 (fls. 882 e 886), que, na sequência da decisão proferida nos processos de reclamações graciosas mencionados no ponto anterior, a sociedade arguida A2 ., deduziu impugnação judicial, versando sobre as liquidações adicionais de IRC dos anos de 2007 e 2008, existindo os seguintes processos em nome do sujeito passivo e em relação aos seguintes impostos/anos:
i. IRC do ano de 2007, reclamação graciosa e recursos das decisões do órgão da execução fiscal nos termos do art. 276º do Código do Procedimento e Processo Tributário (liquidação adicional nº..., de 2010-04-14, no valor de 396.768,03€) e Processo de Reclamação de Atos de Órgão de Execução Fiscal nº711/10.2BECBR, extinta por improcedência em 07/02/2011, transitada em julgado em 21/02/2011 (fls. 378/380);
ii. IRC do ano de 2008:
a. Impugnação nº666/11.6BECBR, respeitante à liquidação adicional oficiosa nº..., de 2009-11-26, no valor de €25.441,96, sobre a qual incidiu a sentença proferida em 18/06/2013, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, transitada em julgado em 05/07/2013, que a julgou procedente e consequentemente anulou a liquidação impugnada por vício de forma.
b. Impugnação nº82/12.2BECBR, respeitante à liquidação adicional de IRC nº..., de 2010-07-14, no valor de 112.233,17€, apresentada em 25-11-2012, sobre a qual veio a recair a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra proferida em 08/05/2013, e transitada em julgado em 21/06/2013 (cfr. fls. 757, 765, 815, 816, 876) que absolveu a Fazenda Pública, por julgar verificada a exceção dilatória consistente na falta de mandato judicial.
c. Impugnação nº412/13.0BECBR, respeitante à liquidação adicional de IRC e juros no valor de 112.233,17€ e das decisões da reclamação graciosa e recurso hierárquico, sobre a qual recaiu a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, proferida em 26/04/2016, transitada em julgado em 12/05/2016 (cfr. fls. 907 e segs., 937 e 941), a qual julgou procedente a impugnação e anulou o ato de liquidação de IRC e respetivos juros moratórios.
d. Reclamação nos termos do art. 276º do Código do Procedimento e Processo de Reclamação de Atos de Órgão de Execução Fiscal nº712/10.2BECBR (respeitante à execução fiscal nº …), a qual decidida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra como procedente, por sentença proferida em 07/02/2011, transitada em 21-02-2011 determinando, em consequência, que o processo de execução fiscal permaneça suspenso, por força das garantias oferecidas à penhora e até à decisão do recurso hierárquico instaurado (fls. 475 e segs. e 490).
41. O arguido A1, na qualidade de sócio gerente e em nome e representação da sociedade comercial por quotas “A2. .”, adquiriu através da escritura pública celebrado em 29-12-1999 (cfr. fls. 95 a 100 que aqui se dá como reproduzida) aos primeiros outorgantes (três vendedores aí melhor identificados), pelo preço de “cinquenta milhões quatrocentos e oitenta e dois mil e quinhentos escudos” (a que corresponde em euros, o valor de 253.052,74) os 52 lotes de terreno que vieram a ser objeto das escrituras de compra e venda e de permuta outorgadas no dia 4/6/2007 a favor da sociedade por quotas ---, escrituras essas referidas nos pontos 10) e 12).
42. Ambos os arguidos não têm antecedentes criminais registados.
43. O arguido é licenciado em engenharia civil, não se encontrando atualmente, nem reformado nem profissionalmente ativo, auferindo de rendimentos prediais, pelo menos, o valor próximo de 500€ pelo arrendamento da fração “V” sita na Rua ----, ao ---; a esposa é professora do ensino secundário, auferindo cerca de 1.600,00€.
44. O arguido é casado e tem duas filhas de 25 e 27 anos de idade, sendo que a apenas a primeira integra ainda agregado familiar, já que não obstante terminado há pouco o mestrado em engenharia civil aguarda colocação profissional, e a segunda filha é licenciada em Gestão, encontrando-se a trabalhar no México.
45. O arguido vive em casa própria, a qual valerá cerca de 300.000,00€, não tendo associado qualquer crédito à habitação.
46. O arguido possui apenas um empréstimo particular (a um tio) no valor de 120.000,00€, que conta liquidar quando se desfizer de algum imóvel.
47. O arguido desde o ano de 2007 tem tido alguns problemas de saúde, como um enfarte e a aplicação de uma prótese na anca.
48. É proprietário dos seguintes veículos: um Audi A6 do ano de 1999, matricula --; um Jipe Range Rover do ano de 1999, matricula --; um Rover, cabriole, do ano de 1996, matricula --; e de uma Iveco matricula --, d ano de 2004; sendo a sua esposa ainda proprietária de um veículo Mercedes 220 do ano de 1999.
49. A sociedade arguida não tem tido negócios, sendo proprietária ainda de cerca de sete dos doze imóveis que recebeu através da Escritura de Permuta da sociedade ---, encontrando-se, pelo menos, dois deles, penhorados a favor da Fazenda Pública no âmbito dos processos de execução fiscal a que deu origem a inspeção tributária e de um veículo automóvel, da marca Peugeot, matricula --.
*
2) Factos Não Provados
Não ficou provado que:
A. Relativamente ao ano de 2007, a sociedade arguida omitiu proveitos, em sede de IRC, que totalizaram o montante de € 1.754.800,00 (um milhão setecentos e cinquenta e quatro mil e oitocentos euros);
B. Que nesse ano originou um montante de IRC em falta da ordem dos € 374.942,42 (trezentos e setenta e quatro mil novecentos e quarenta e dois euros e quarenta e dois cêntimos);
C. Relativamente ao ano de 2008, os proveitos omitidos, em sede de IRC, pela sociedade arguida, totalizaram o montante de € 502.260,00 (quinhentos e dois mil duzentos e sessenta euros).
D. Que originou um montante de IRC em falta na ordem dos € 104.267,58 (cento e quatro mil duzentos e sessenta e sete euros e cinquenta e oito cêntimos);
E. Que o arguido seja pessoa de modesta condição social e de deficitária situação económica;
F. Que o arguido seja o elemento ativo, em termos de obtenção de rendimentos, do agregado familiar;
G. Que o arguido seja um cidadão estritamente cumpridor da lei;
*
Tudo o mais que conste na acusação pública, na contestação e tenha resultado da audiência de julgamento que não tenha sido reproduzido nos factos provados ou não provados deve-se ao facto de se tratar de matéria de direito, de natureza conclusiva ou irrelevante.
*
III – Motivação da convicção do Tribunal
A factualidade tida por assente teve por base a análise e valoração da prova produzida e examinada em audiência, apreciada segundo as regras da experiência, juízos de normalidade e razoabilidade e o princípio da livre apreciação da prova (art. 127º do CPP), em correlação com o teor da prova documental junta aos autos.
A convicção do tribunal pode assentar em prova indiciária da qual se infere o facto probando e que pode ser objeto de formulação de deduções ou induções baseadas na correção de raciocínio mediante a utilização das regras da experiência, e que, conjugada entre si, permita concluir, com segurança, como é o caso, pela prática dos factos por parte dos arguidos.
O tribunal alicerçou a sua convicção na conjugação da análise crítica da abundante e relevante prova documental (certidão de matrícula da sociedade arguida, a 9 a 14, de fls. 107 a 113 e 197 e a 201; nas cópias de escrituras de compra e venda, a fls. 82 a 88 dos autos principais, e fls. 56 a 66 dos autos apensos; na cópia de escritura de permuta, a fls. 89 a 94 verso; na cópia da escritura de compra e venda de fls. 95 a 100; nos prints informáticos relativos a liquidações oficiosas de IRC (anos 2007 e 2008), a fls. 76 dos autos principais e fls. 51 dos autos apensos; nos prints de rácios de IRC de fls. 101; nas cópias de comprovativos de pagamentos efetuados pela sociedade ---, a fls. 243 a 294 e nas cópias dos registos informáticos relativos às rendas pagas por ---, a fls. 231 a 235 dos autos apensos; nas cópias de comprovativos de pagamentos efetuados por ---, a fls. 161 a 235 dos autos principais, e fls. 72 a 114 e 155 a 184 dos autos apensos, nas notas de cobrança, a fls. 130 a 135 dos autos principais, e fls. 215 a 219 e 221 a 226 dos autos apensos; nas cópias de registo informático relativo a reclamações graciosas, a fls. 227 a 230 dos autos apensos; nas certidões das sentenças proferidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra de fls. 378/380, 475 e segs, 766 e segs. 700 e segs., [máxime pi 701 e ss e decisão fls. 757 e ss,. repetida a fls. 819 a 880], fls. 907 e segs., 937, e 941, à luz das explicitações objetivas e detalhadas, fornecidas em audiência de julgamento, através dos depoimentos escorreitos, sérios, e isentos das testemunhas indicadas na acusação, os Inspetores Tributários na Direção de Finanças de Coimbra II, e III, que tiveram intervenção direta na inspeção tributária à sociedade arguida, a que se referem o relatório de inspeção tributária a fls. 57 a 75 (na parte valorável, máxime quanto ao ano de 2007) e de fls. 138 e segs., tudo articulado ainda com as declarações do próprio arguido A1, sendo que este prescindiu, já em sede de audiência de julgamento, das testemunhas por si arroladas na contestação.
Na convicção do tribunal considerou-se a essencialidade do Relatório de inspeção que se encontra juntos aos autos a fls. 57 e segs e respetivos anexos documentais (cfr. art. 77º da LGT), máxime quanto ao ano de 2007 e aos rendimentos prediais dos anos 2007 e 2008, o qual constituindo um suporte de informação técnica, elaborado por uma entidade competente em razão da matéria – a inspeção tributária (arts. 61º e 63º da LGT e arts. 16º e ss do RCPIT) – está dotado da força probatória que lhe é atribuída pela norma do art. 76º, nº1 da LGT, e se serviu no plano inspetivo de suporte à prática dos atos tributários, no plano penal (tendo sido junto como anexo, as liquidações oficiosas de 2007, a notificação para exibição de escrita de fls. 77/78, o auto de ocorrência de fls. 79 a notificação quanto à inexistência de escrita de fls. 80, o auto de ocorrência de fls. 81, a escritura pública de compra e venda de 04-06-2007 de fls. 82 a 88, a escritura pública de permuta de 04/06/2007, de fls. 89 a 94, a escritura pública de compra e venda de 29-12-1999 e documento complementar de fls. 95/100, o print de rácios de IRC de fls. 101, e ainda o parecer fundamentado a que se refere o art. 43º, nº3 do RGIT de fls. 138 e ss) serviram, também, à quantificação da vantagem patrimonial indevida, com os reajustamentos e adaptações que resultaram também da prova produzida em audiência de julgamento e também das decisões proferidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, máxime quanto ao ano de 2008. Assim, resulta da concatenação da informação de fls. 367, remetida na sequência do ofício nº4404094, datado de 08/10/2012 (fls. 364, 365, 366, 367, 368, 370, 371, 372), e da informação carreada pelos próprios arguidos em 03-03-2015 (fls. 882 e 886), com relevância que se, quanto ao ano de 2007, a reclamação graciosa/recurso das decisões do órgão da execução fiscal nos termos do art. 276º do Código do Procedimento e Processo Tributário (liquidação adicional nº..., de 2010-04-14, no valor de 396.768,03€) e a impugnação judicial nº711/10.2BECBR, foram extintas por improcedência. Já quanto ao ano de 2008, no âmbito do processo de Impugnação nº666/11.6BECBR, respeitante à liquidação adicional oficiosa de 2008 no valor de €25.441,96, com o nº..., de 2009-11-26, foi julgada procedente tal impugnação e consequentemente anulou a liquidação impugnada por vício de forma, conforme sentença proferida em 18/06/2013, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, transitada em julgado em 05/07/2013; Impugnação nº82/12.2BECBR, respeitante à liquidação adicional de IRC nº..., de 2010-07-14, no valor de 112.233,17€, apresentada em 25-11-2012, sobre a qual veio a recair a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra proferida em 08/05/2013, e transitada em julgado em 21/06/2013 (cfr. fls. 757, 765, 815, 816, 876) que absolveu a Fazenda Pública, por julgar verificada a exceção dilatória consistente na falta de mandato judicial; Impugnação nº412/13.0BECBR, respeitante à liquidação adicional de IRC de 2008 e juros no valor de 112.233,17€ e das decisões da reclamação graciosa e recurso hierárquico, sobre a qual recaiu a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, proferida em 26/04/2016, transitada em julgado em 12/05/2016 (cfr. fls. 907 e segs., 937 e 941), a qual julgou procedente a impugnação e anulou o ato de liquidação de IRC e respetivos juros moratórios de 2008.
O arguido A1 prestou declarações em audiência de julgamento.
Embora tais declarações tivessem sido marcadas por um natural pendor de forte subjetividade e até imprecisão, a que não será alheia o decurso de uma década e as naturais vicissitudes da vida entretanto ocorridas, também é certo que admitiu os negócios celebrados, titulados pelas escrituras aqui em causa e decorrentes do contrato de arrendamento celebrado com o ---, não refutando os valores neles constantes, nem que tivesse auferido lucro com os mesmos, embora não com o grau de grandeza considerado pela Administração na liquidação efetuada.
Em síntese, admitiu que foi o gerente de direito e de facto no período objeto do libelo acusatório, a celebração e existência dos negócios jurídicos aí mencionados e a não entrega das declarações fiscais, modelo 22, nos anos de 2007 e 2008. Neste estrito conspecto, referiu que o T.O.C. da sociedade arguida, não obstante ser um técnico competente, em virtude da empresa ter entrado em derrapagem financeira a partir de 2007, e de ter deixado de liquidar a respetiva avença, não procedeu à entrega das declarações/modelos fiscais a partir desse ano. O T.O.C. ter-lhe-ia referido que o “Fisco” tinha a possibilidade de averiguar o lucro presumido por métodos indiretos.
A sociedade comercial foi atingida pela crise do mercado imobiliário, sendo que que período de 2007 a 2017, limitou a sua atividade, não tem desenvolvido negócios. A sociedade arguida é atualmente proprietária de sete lotes (dos onze que terá recebido de permuta), sendo que, pelo menos, dois deles, ainda funcionam como garantia em processos de execução fiscal. Confirmou que, efetivamente, adquiriu no ano de 1999 os lotes de terreno que transacionou (52 no seu total, como resulta do teor da escritura de compra e venda de 29-12-1999 e respetivo documento completar de fls. 95 a 100), por cerca de 250.000,00€ {253.052,74, mais propriamente}. Referiu que na sequência da escritura pública de compra e venda de 04/06/2007 (fls. 82-88) apenas teria recebido da “---” cerca de metade do valor aí referido em dinheiro (ou seja, cerca de meio milhão de euros) e o resto do valor em lotes (os que teria recebido em permutada, na escritura de Permuta celebrada no mesmo dia, de fls. 89-94). Sobre os eventuais custos com os lotes adquiridos, reconheceu que quando adquiriu o loteamento já estava efetuado, os lotes encontravam-se devidamente individualizados, mas que depois teria sido necessário implementar as infraestruturas. Portanto, na sua versão, se bem percebemos, para além dos custos de aquisição dos lotes, teria incorrido noutros custos/despesas com o “tratamento dos lotes” de modo a colocar os mesmos aptos para venda. Todavia, não logrou descrever minimamente tais despesas, nem quantificá-las em concreto, reconhecendo também que os imóveis “objeto” da escritura de compra e venda já eram “lotes”, portanto registados em nome da sociedade como lotes, o que implica que naquela data as despesas inerentes ao alvará de loteamento já se mostrassem efetivadas, sendo que reconheceu também que após a aquisição não houve construção nos lotes.
No que respeita ao ano de 2007, admitiu ter efetuado os negócios com a sociedade --- (titulados pelas escrituras mencionadas nos pontos 10 a 13); sendo que no que respeita ao ano de 2008, também admitiu ter feito o negócio referido no ponto 22 (Escritura de venda a ---), pelo preço aí constante. Todavia, em ambos os casos, negou que tivesse tido os proveitos aí mencionado (1.754.800,00€ - facto 18 quanto a 2007 – e 502.260,00€ - facto 25 quanto a 2008).
Sobre os rendimentos prediais recebidos pelo arrendamento da sua fração sita na Rua ------- considerou que a menção ao valor recebido no ano 2007 (4.800,00€) está correto, mas já a menção ao valor para o ano de 2008 (7.200,00€) não o estará, porque terá recebido sensivelmente o mesmo valor nos dois anos. Referiu ainda que, neste conspecto, face ao valor retido na fonte pelo --- (20% retido de IRC acrescido do pagamento de 10% de derrama), ser superior à taxa de IRC aplicado na liquidação (25%), ainda estaria a crédito em relação à Administração Fiscal, e já não a débito.
Ao longo das suas declarações, o arguido, não obstante, considerar excessivo o “proveitos” encontrados pela Administração Tributária, admitiu perentoriamente que teve lucros. Por outro lado, referiu o arguido que quando recebeu cerca de meio milhão de euros em dinheiro, tinha disponibilidade financeira para pagar os serviços do TOC, mas que teve que fazer escolhas sobre a prioridade dos pagamentos, designadamente, optando por pagar as garantias bancárias e outras dividas, não tendo ficado a sociedade arguida com dividas, reconhecendo assim expressamente que (citando as suas palavras) “teria que ter ficado com algum dinheiro…”, mas que “liquidou as garantias bancárias, está tudo pago a bancos e outros credores…”.
Ora, não convence a explicação e as razões fornecidas pelo arguido - porque desconformes em vários tocantes até com juízes de experiência comum -, designadamente para o facto de entender não precisar qual foi esse lucro/proveito no período em causa (máxime com os negócios celebrados com a ---), ou seja, citando de novo as suas palavras, de que seria “gratuito da sua parte indicar um valor que não pode provar”.
Em termos de prova testemunhal, o tribunal atendeu:
- No depoimento da testemunha II, inspetor tributário coordenador das equipas de inspeção da Direção de Finanças de Coimbra desde 1995, que atentas as funções por si desempenhadas (distribuição de serviço, acompanhamento da elaboração a inspeção e relatório final, e elaboração do auto de noticia) demonstrou conhecimento direto dos factos, e mereceu a credibilidade do tribunal. Esta testemunha, após ter feito um enquadramento da operação inspetiva desencadeada, e da forma como foi despoletada, corroborou, no essencial, o teor do relatório de inspeção de fls. 55 e segs.
Com relevância ao nível do enquadramento e contextualização da situação, fez alusão à forma como foi despoletada a inspeção à sociedade arguida (que englobou os anos de 2007 e 2008), explicando que os critérios de seleção assentam também em empresas não declarantes de IRC e com atividade conhecida, como era o caso da sociedade arguida.
Com relevância, esclareceu que, pelo facto da sociedade arguida nunca ter entregue a declaração anual de rendimentos (Modelo 22) de IRC a que está obrigada, a Administração Tributária procedeu à liquidação oficiosa de IRC; todavia, em virtude de se ter tido conhecimento durante esse processo inspetivo (que englobou os anos de 2007 e 2008) que a sociedade arguida teria registado um nível de atividade superior, foi efetuada a correção, por métodos indiretos, do montante apurado para o ano de 2007 e consequente fixação de matéria tributável.
A sociedade arguida foi alvo de liquidação oficiosa, com o apuramento da matéria coletável fixado em cerca de 90.000€ [fls. 65 - €94.180,59], todavia, fruto do cruzamento de dados, em virtude dos notários comunicarem à Autoridade Tributária as escrituras de compra e venda que celebram, através do envio do Modelo 11, com o facto da sociedade arguida não ter entregue a declaração de rendimentos, verificaram que os proveitos conhecidos excediam largamente a liquidação feita, razão pela qual, foi selecionada para inspeção.
Esclareceu, também que na decorrência desse cruzamento de dados, designadamente do cruzamento e análise dos anexos “O” [onde os fornecedores indicam a relação dos seus clientes], “P” [onde os clientes indicam a relação dos seus fornecedores] e “J” [rendimentos prediais] da declaração anual simplificada (IES) verificaram que a sociedade arguida obteve rendimentos prediais relativos ao arrendamento de um imóvel ao “---”, assim sendo corroborada a informação do ponto de partida.
Esclareceu que a sociedade arguida foi notificada para apresentar a contabilidade e não o fez; explicitando também a razão pela qual recorreram a métodos alternativos para o cálculo da matéria coletável, porque no caso, conheciam os proveitos (explicando que aceitaram como sendo verdadeiros os preços constantes nas escrituras públicas e o valor da rendo do arrendamento; os poveiros tiveram a classificação de “estimados” porque não estavam registados na contabilidade), pelo que não presumiram proveitos para além dos conhecidos, mas não conheciam os custos, pelo que estes tiveram que ser estimados.
Em concreto, sobre os custos considerados quanto às “transações” que incidiram sobre os lotes de terreno [52 no total], esclareceu, de forma fundamentada e lógica, que, partindo da atividade da empresa de construção civil para venda, apenas foram considerados os custos com a aquisição dos lotes – porque teriam sido comprados e vendidos no estado em que se encontravam. Não foram considerados outros custos, porque nestes lotes não terá havido construção, nas suas palavras “o contribuinte apenas comprou lotes e vendeu lotes, em momentos diferentes da sua atividade”. Não existem documentos ou outras informações fornecidas pelo contribuinte sobre outros eventuais custos, não obstante, o terem notificado por duas vezes para o efeito, e deste não ter apresentado contabilidade, nem documentos para o efeito. Competia ao contribuinte invocar e provar os custos, o que não fez.
Explicitou, ainda, a forma de cálculo dos proveitos e a taxa considerada para a liquidação, atenta a data dos negócios: ou seja, após deduziram os custos aos proveitos, para obterem o lucro, a esse lucro aplicaram a taxa de 25% de IRC.
No que respeita às rendas, esclareceu que também foram detetadas pelo cruzamento dos anexos, máxime do anejo “J” [o qual embora não conste do anexo ao relatório, esteve disponível para consulta no terminal da A.T. na altura da inspeção, sendo que resulta também da informação de fls. 231 a 235 dos autos apensos], esclarecendo a forma como são feitos os cálculos da matéria coletável, de forma congruente com o relatório, esclarecendo que a liquidação propriamente dita é efetuada, num segundo momento após a fixação da matéria coletável, por um programa do sistema informático, que também irá considerar se houve ou não pagamento da derrama. Esclareceu ainda que, o facto de ter existido retenção na fonte de IRC por parte do arrendatário ---, não será assim tão relevante, porquanto essa percentagem de retenção é abatida na coleta.
- Ao depoimento da testemunha III, Inspetora Tributária na Direção de Finanças de Coimbra que efetuou a inspeção tributária à sociedade arguida, a qual corroborou, no essencial, o depoimento da anterior testemunha e as “traves mestras” do conteúdo do parecer e do relatório da inspeção tributária de fls. 55 e segs. realizada à sociedade arguida.
Com relevância, esclareceu que, pelo facto da sociedade nunca ter entregue a declaração anual de rendimentos (Modelo 22) de IRC a que está obrigada, a Administração Tributária recolheu informação através do cruzamento entre os anexos J, O, e P. da declaração anual/IES, que evidencia que o contribuinte continuou a desenvolver atividade. Constaram que a sociedade “---” declarou no seu anexo P ter adquirido à sociedade arguida bens imóveis no montante de 1.750.000€ e no seu anexo “O” ter vendido bens imóveis no montante de 650.000,00€; sendo congruente com a informação que obtiveram através da consulta aos atos por outorgante da declaração Modelo 11 de IMT. De igual forma, através do cruzamento efetuado com o anexo J da declaração anual/IES obtiveram informação que a sociedade arguida obteve rendimentos prediais relativos ao arrendamento de um imóvel ao ---.
Esclareceu que desencadeada a inspeção e face à inexistência de contabilidade organizada, foi notificado o contribuinte para proceder à sua regularização, o que não fez no prazo concedido, equiparando-se tal situação à “recusa de exibição de escrita” que é fundamento para fixação da matéria coletável por métodos indiretos.
A testemunha, explicitou ainda a forma como procedeu à análise dos elementos obtidos através da circularização do cliente “---” e os critérios e conclusões a que chegou na determinação dos “proveitos presumivelmente obtidos”, e dos “custos estimados”, no exercício em causa nos moldes que constam a fls. 67 a 68 do relatório de inspeção. Em concreto, adiantou que na presunção dos custos, falou com a empresa que teria adquirido os prédios, e com o legal representante da sociedade, ainda durante a inspeção, que lhe teria dito que adquiriu lotes de terreno e que a construção não avançou; como não lhe foram fornecidos custos, tomou por referência os custos inerentes à aquisição dos lotes de terreno com base no preço que consta na escritura de compra de 1999.
No tocante, às rendas a Sra Inspetora III fez menção à forma como foram fixados os proveitos: diferença entre os proveitos e os custos expectáveis em que incorreram nos anos de 2007 e 2008, com base na ratio de rentabilidade do sector da atividade de arrendamento de imóveis por reporte à universalidade nacional que tem uma maior representatividade (apresentando uma razão lógica para ter considerado o nível distrital, ou seja, o facto de apenas existirem cerca de 19 sujeitos passivos), com uma margem mediana quanto aos custos com fornecimento e serviços externos (tendo considerado para o ano de 2007, a taxa de 58,8% e para o ano de 2008, a taxa de 60,22%)
Todavia, quanto ao benefício obtido pelos arguidos, por referência ao ano de 2007, não obstante, se concordar com a forma como foi determinado os custos associados à venda e permuta dos 52 lotes e do arrendamento do imóvel sito na ... (e que cuja explicitação consta de fls. 67 a 70 do dito relatório), entende o tribunal, ao abrigo do principio da liberdade da prova e do principio da interpretação mais favorável ao arguido, não aderir in totum ao valor final de “proveitos omitidos” considerado pela Sra. Administradora (1.754.800,00€), tendo em conta também a conjugação das declarações do arguido e o facto, como melhor desenvolveremos na análise critica.
Aqui chegados, importa agora melhor fundamentar melhor a convicção do tribunal no que concerne aos factos provados e não provados, analisando de forma critica e conjugada a globalidade da prova produzida, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas de acordo com as máximas da experiência.
Como é sabido é unanimemente aceite ao nível doutrinário e jurisprudencial a admissibilidade do recurso a presunções, desde que extraídas de factos concretos e objetivos – factos indiciários típicos devidamente explicitados – de onde o facto tributário possa ser inferido, com segurança, em termos de objetividade e normalidade, dentro das regras da especificidade da atividade em que se inserem e da “lege artis” ali vigente, com a efetiva possibilidade de pleno exercício do contraditório (cfr. entre muitos outros, o Acórdão da Relação de Coimbra de 29.11.2006, Acórdão da mesma Relação de 15-10-2008, todos disponíveis na
www.dgsi.pt.) Com efeito, não obstante, a admissibilidade da prova por presunções, em processo penal e contraordenacional, possa suscitar dúvidas no tocante à sua articulação com o princípio da presunção de inocência do arguido tutelada constitucionalmente, certo é que não se proíbe, sem mais, o recurso à presunção, que o artigo 349.º do Código Civil (ex vi art. 4º do CPP) define como “as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido”, esclarecendo o artigo 351.º do mesmo diploma que “As presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal”.
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Ora, da conjugação de toda a prova produzida, o tribunal ficou convencido dos factos provados e não provados, na forma como os considerou, por diversas razões, sendo de salientar os seguintes indícios/elementos:
O tribunal ficou convencido com a segurança exigível em processo penal [e sem prejuízo da dúvida que está sempre presente em qualquer juízo de apreciação da prova], de que a sociedade arguida teve proveitos económicos obtidos nos anos fiscais objetos da acusação [2007 e 2008] superiores ao plafond previsto no art. 103º do RGIT e que foi com o objetivo de evitar que a sociedade arguida fosse tributada em IRC, que o arguido A1 não apresentou à Fazenda Nacional as declarações modelo 22, respeitantes aos referidos anos fiscais, encontrando-se a convicção do tribunal assente na própria decorrência lógica de se tratarem de negócios muito circunscritos, titulados em documentos oficiais públicos (escrituras públicas) e em contrato de arrendamento, em que existem meios de pagamentos juntos aos autos, e que por isso é de afastar qualquer rastro sobre uma eventual simulação dos negócios jurídicos plasmados nas escrituras e contrato.
Deu-se uma especial relevância aos depoimentos dos Inspetores Tributários supra elencados, reputando-os como fundamentais, cujos depoimentos prestados não evidenciaram quaisquer contradições, discrepâncias e incoerências entre si, sendo certo que, no essencial, se encontram demostrados e documentados (por relatórios, meios de pagamentos, parecer, etc).
No que respeita ao IRC do ano de 2008, a convicção do tribunal levou em linha de conta as decisões, entretanto, proferidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal, que correram sob os nº412/13.0BECBR e 666/11.6BECBR, as quais vieram a anular atos de liquidação adicional de IRC referentes justamente ao de 2008, em virtude de vícios de forma, mas que acabaram por contender com a matéria coletável em termos de IRC, pelo que, se entende numa apreciação mais favorável aos arguidos, que não se poderá atender aos valores considerados como proveitos e à liquidação efetuada por reporte a 2008, porquanto tal implicaria, em abstrato, caso o libelo acusatório abrangesse apenas este ano de 2008, e caso os novos valores a apurar tivessem relevância jurídico-tributária para nova condenação, por eventualmente contenderem com o plafond tipificado para integrar a fattispecie da burla qualificada, fazer reverter à fase investigatória, de molde e fazer corrigir a acusação;
Portanto, tais decisões foram valoráveis ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, e de que não se vislumbram razões para não serem atendidas ao nível dos vícios formais no tocante ao apuramento da matéria coletável, tudo de molde a criar uma situação obscura, porque se desconhece qual foi o encaminhamento subsequente (se é que houve algum) por reporte ao IRC deste ano de 2008. E isto é assim, mesmo atendendo ao facto do arguido ter admitido o negócio efetuado com ---, melhor descrito no ponto 22, pelo valor de 495.000,00€, porquanto este não assumiu os lucros/proveitos considerados pela AT a este respeito.
Nestes termos, quanto ao ano de 2008, apenas a matéria das rendas recebidas pelo arrendamento de a fração autónoma designada pela letra “V”, sita na Rua ---, ao ---, em consequência do contrato de arrendamento celebrado entre a sociedade arguida e o ---, pode ser considerado. Todavia, sendo certo que na AT e no libelo acusatório foi considerado o valor de 7.260,00€, a verdade é que dos elementos carreados para os autos, em conjugação com as declarações do arguido, o tribunal entende não existir elementos absolutamente seguros para dar como provado que os rendimentos prediais deste ano tivessem sido nesse montante por referência ao concreto bem locado/contrato de arrendamento. Com efeito, se é certo que da análise do registo informático do histórico de declarações de fls. 233 dos autos em apenso, resulta o valor de rendimentos prediais do ano de 2008, de “7.260,00€”, e o valor de “imp. Retidas de 1.089,00€”, também é certo que da análise dos comprovativos de pagamento efetuados pelo --- de fls. 264 e segs. dos autos principais, apenas é possível retirar que o valor da renda mensal foi entre Janeiro a Setembro de 510€, em Outubro de 535,50€ e em Novembro de 522.75€, o que apenas permite atingir o valor de 5.648,25€. Uma vez que a sra inspetora III também não soube precisar se no valor por si considerado no relatório (7.260,00€, por reporte ao ano de 2008) já tinha sido deduzido o valor do imposto que havia sido retido na fonte (ou seja, se aquele valor era o valor anual bruto das rendas, ou não), o tribunal apenas considerou provado, que o sujeito passivo terá recebido, pelo menos, o valor do ano anterior de 2007 (4.800,00€).
Já quanto à liquidação de IRC do ano de 2007, a situação é distinta, sendo que da conjugação de toda a prova produzida, é possível concluir que existem elementos mais do que suficientes, para fazer proceder, só por si, o libelo acusatório.
Com efeito, no que concerne à matéria coletável do ano de 2007, decorre, desde logo, da certidão da informação da DGF que a reclamação graciosa foi improcedente e da sentença proferida pelo TAF sob o nº711/10.2BCCBR a impugnação deduzida foi também improcedente em relação à A2.
Ora, conjugando todos os elementos documentais juntos ao processo, e com as explicações fornecidas pelos senhores Inspetores Tributários, mostra-se coerente e convincente a forma como deram pela falta das declarações fiscais, as quais também não foram apresentadas em termos contabilísticos, em momento posterior.
Também o próprio arguido admitiu que o TOC se absteve de enviar tais declarações, alegadamente por falta de pagamento da sua avença. Todavia, esta explicação, que poderia ter algum reflexo ao nível dos elementos subjetivos do tipo, também não convence, porquanto resulta do relatório de inspeção tributária de fls. 63 que os serviços do TOC continuaram a ser prestados, já que aí consta textualmente que no que respeita ao “IVA o contribuinte continuou a cumprir as obrigações fiscais, entregando com regularidade as declarações periódicas”.
Os senhores Inspetores Tributários também explicaram, de forma congruente e harmónica entre si e com os documentos documentais, que foi função do cruzamento de dados que foi desencadeada a inspeção tributária e iluminadas as conclusões vertidas no relatório.
Assim, através da comunicação da declaração, modelo 11 de IMT, por parte dos notários à A.T., verificariam que tinha havido negócios comerciais efetuados pela A2, compras e vendas e permutas em relação à “---”, tendo sido efetuadas as escrituras públicas de 2007, por reporte aos prédios que constam na acusação, que se consubstanciam em lotes de terrenos, e em que existe aqui um lucro indesmentível.
Com efeito, da concatenação dessas escrituras públicas, é possível verificar que no ano de 1999 a sociedade arguida adquiriu os 52 lotes por cerca de 250.000,00€ e que em 2007, vendeu 33 desses lotes pelo preço de 1.100.000,00€, e permutou os restantes 19 lotes (apenas na proporção de metade) com a sociedade de construção “---”, alegadamente, atribuindo a essa permuta o valor de 650.000,00€.
Daí a Srª Inspetora Tributária ter considerado o valor de proveitos omitidos de 1.754.800€ [correspondente à soma de 1.100.000,00€+ 650.000,00€+4.800,00€, este o valor das rendas].
Ora, sendo certo que da análise dessas escrituras se extraia que a sociedade arguida, terá ficado ainda proprietária das outras metades indivisas dos 19 lotes permutados com a “---”, e que terá recebido ainda em permuta mais 12 lotes, a verdade é que, à luz dos princípios da culpa e da presunção da inocência, a convicção do tribunal, em consciência, é de que apenas se poderá considerar como proveitos omitidos, um valor não inferior, a pelo menos, um milhão de euros, tendo em conta o preço da venda dos 33 imóveis [cfr. meios de pagamento de fls. 161 a 235 dos autos principais e de fls. 215 a 219 e 221 a 226 dos autos apensos, em que é possível confirmar que a soma do valor plasmado nos cheques, letras e transferência bancárias da “---” para a “A2” é de valor ligeiramente superior a um milhão de euros] e o valor das rendas recebidos do --- do ano de 2007 que se extrai da análise dos comprovativos de pagamento efetuados pelo --- a fls. 243 a 262, e do registo informático relativo à renda paga pelo --- a fls. 232. Já quanto ao valor de 650.000,00€ respeitante ao valor considerado pela permuta dos restantes 19 imóveis (na proporção de metade), da “A2” para a “---”, entende-se não o aditar, não o considerando propriamente um proveito, tendo em conta que a “---”, também transmitiu para a “A2”, através de Contrato de Permuta, no mesmo dia, cerca de 12 lotes, a que lhe conferiu o mesmo valor de 650.000,00€, decorrendo de juízos de experiência comum e das máximas da vida, que muitas vezes, sociedades com CAE desta natureza, fazem uso destes contratos de Permuta, não sendo muito rigorosas na atribuição de valores nas escrituras de Permuta, tendo em vista a poupança de despesas e encargos, ou até como pagamentos em espécie, ainda que parciais. Por esta ordem de razões, numa interpretação mais favorável ao arguido, iluminada pelos princípios da culpa e da presunção da inocência, apenas foi possível dar como provado, que os proveitos omitidos foram, de pelo menos, um milhão de euros, e, consequentemente, que apenas se desse como provado que o IRS ainda em falta do ano de 2017, seja de, pelo menos, 15.000,00€, já considerando deduzido o valor pago inicialmente pago em 24/03/2009, de €5.965,45.
Ademais, ainda que se condescenda que o legal representante da “A2”, com o lucro da venda dos prédios em causa, tenha correspondido a outro tipo de despesas e encargos, designadamente pagamentos de créditos e garantias pendentes a instituições bancárias, certo é que os prédios tinham sido adquiridos pelo valor global cerca de 250.000,00€ 253.052,74€, mais propriamente., e foram negociados/vendidos por um preço, pelo menos, quatro vezes superior [considerando que a “A2” ainda ficou proprietária de “metade indivisa” de 19 dos lotes inicialmente comprados], decorridos cerca de oito anos (cerca de um milhão de euros). Note-se que, não obstante, o arguido ter reconhecido que o preço constante na escritura de venda (um milhão e cem mil euros) tivesse sido pago de forma mista, ou seja que tivesse recebido em dinheiro cerca de 500.000 mil euros e o restante através de outros prédios (permutados), certo é que se extrai dos meios de pagamento juntos aos autos que terá sido transferido muito superior a 500.000,00€ [cfr. por exemplo, a simples transferência do valor de €637.318,80€ efetuada em junho de 2014, a que acresce dezenas de cheques e letras – cfr. fls. 155 a 235 dos autos principais e de fls. 72 e 144-184 dos autos apensados].
Ora, não existem quaisquer elementos que possam indiciar, ainda que perfunctoriamente, (sendo que sequer isso foi invocado pelo arguido) que se tratassem de negócios jurídicos simulados. Não restando, pois, quaisquer dúvidas, que os negócios tenham plena representatividade nas escrituras públicas, e pelos preços que aí constam.
Daí, que não restem quaisquer dúvidas, que tais valores entraram na esfera jurídica patrimonial da sociedade arguida A2 e que se traduzam em proveitos, e ainda que, deduzidos os custos na aquisição dos lotes, exista sempre (conjuntamente com as rendas) um lucro e uma retenção que ultrapassa, necessariamente, o plafond criminalizado, ainda que não se possa assegurar com rigor que se computasse numa omissão de proveitos de IRC no montante de 1.754.800€, e que o IRC em falta fosse exatamente de 374.942,42 (cfr. ponto 18).
Ademais, e sem prejuízo dos reajustamentos considerados em prole dos arguidos, certo é que se verificou um recurso válido a métodos indiciários, já que, como explicado pelo inspetor II, apenas é permitido o recurso a correções técnicas quando os contribuintes comunicam as suas obrigações fiscais de entrega dos modelos de IRC e IRS, o que aqui não sucedeu. Ademais, estamos face a negócios muito circunscritos, em que os “proveitos estimados” (assim chamados porque a AT não tem acesso à contabilidade) estarão próximos da realidade até pela natureza e características dos terrenos vendidos (foram adquiridos lotes e alienados lotes), sendo certo que a se ter verificado alguma discrepância em relação aos “custos estimados”, o contribuinte também nada fez saber, ou comprovou documentalmente nos autos.
Também decorre de juízos de razoabilidade, normalidade e da lógica, e bem assim das regras da experiência da vida que atento o recebimento de um proveito de, pelo menos, 750.000,00€ (ou seja deduzindo ao valor de cerca de um milhão de euros recebido pela venda dos lotes, cerca de 250.00,00€ pelo custo de aquisição), seguramente que o montante do imposto que o sujeito passivo deixou de pagar em consequência da omissão das declarações é muitíssimo superior a 15.000,00€.
Face ao exposto, em jeito de súmula conclusiva, temos que na convicção do tribunal os factos dados como provados, demonstrados a partir das provas produzidas (quer nestes autos, quer ao nível do processo tributário), e não infirmados nos seus traços essenciais pelas declarações do arguido Sendo importante trazer à colação, que nem só quando há prova direta ou confissão podem ser dados como provados factos que lhes são desfavoráveis, máxime, os que respeitam à sua incriminação., relacionados entre si, nomeadamente com o facto de se tratar de contribuinte completamente “inoperante” em termos fiscais (não entrega das declarações fiscais dos anos de 2007 e 2008, objeto da inspeção, e dos documentos pedidos) com as escrituras públicas celebradas, os meios de pagamento existentes nos autos, seja por reporte ao “---”, seja à sociedade “---”, seja do cruzamento dos anexos “J”, “O” e “P” das declarações do IES, seja pela legitimidade do recurso aos métodos indiciários, formam um fio condutor no sentido da sua concludência pela liquidação à matéria coletável, ultrapassar seguramente o plafond previsto no art. 103º, nº1 do RGIT (15.000,00€).
Afigura-se-nos, de facto, que apenas esta conclusão se mostra congruente com o cotejo de todos os elementos de prova existentes, sendo também nosso entendimento que não existe, no caso em apreço, a necessidade da prova impossível de um facto negativo (ou seja, a inexistência/simulação das transações comerciais refletidas nas escrituras e respetivos preços e pagamentos), antes esta decorre de um juízo racional de dedução de todos os elementos probatórios existentes nos autos e produzidos em sede de audiência de julgamento, cabendo aos arguidos contrariar as mesmas provando com factos objetivos diferentes proveitos, e custos. Uma vez que tal não ocorreu para além dos reajustamentos considerado pelo tribunal ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova e dos princípios da culpa e da presunção a inocência- e tal tem que ser também levado em conta pelo tribunal-, não se verifica qualquer vício de apreciação da prova, nem qualquer inversão inadmissível do ónus da prova. Ademais, se assim não fosse, exigir-se-ia à administração tributária, entidade administrativa judicializada para o efeito, a produção e recolha de “prova diabólica”, ou seja, de prova direta de factos, sem registo contabilístico, para além do extraído do rasto das escrituras públicas e rendimentos prediais declarados pela sociedade locatária, e como que se “forçaria” a mesma a atalhar caminho nos casos de aplicação dos métodos indiretos de avaliação da matéria tributável e não proceder criminalmente (quando muito no âmbito contraordenacional, previsto a título residual), contrariando a fraude tipificada nos termos dos arts. 103º [e 104º] do RGIT, configurando como que uma atuação “violadora” do RGIT Sobre a quem incumbe o ónus da prova quanto à existência dos custos titulados pelas reais operações económicas ou por detrás das faturas apresentadas, foi decidido no Acórdão do Tribunal Administrativo do Porto de 01/07/2004 que não obstante incumbir à Autoridade Fiscal a prova da verificação de todos os elementos constitutivos das decisões favoráveis ou desfavoráveis ao contribuinte, designadamente, a existência dos factos tributários e respetiva quantificação tendo sempre presente o art. 100º do CPPT, certo é que para que essa tributação não se verifique será necessário que o contribuinte alegue e prove factos (prova concludente) que ponham em dúvida (fundada) os pressupostos em que assentou o juízo de probabilidade elevado, avançado pela Administração, para prova da existência do facto tributário ou da sua quantificação. Também o Ac. do STJ de 27/10/2004 se decidiu que “tendo a administração fiscal, por considerar seriamente indiciado não se terem efetivamente realizado as operações consubstanciadas em determinadas faturas, existentes na escrita do contribuinte, não como custos os montante delas constantes, não precisa de demonstrar a falsidade de tais documentos, bastando-lhe evidenciar a consistência daquele juízo, incumbindo ao contribuinte provar a realidade das ditas operações”. - Ambos disponíveis nas bases de dados do dgsi.
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No que toca especificamente, ao elemento subjetivo do tipo legal, o Tribunal considerou que, com a prova dos seus elementos objetivos resultaram, igualmente, demonstrados os seus elementos subjetivos na medida em que conhecendo o arguido A1 os elementos objetivos típicos agiu com vontade e por forma a preenchê-los, tendo ainda por base as regras da experiência comum, sendo sabido que é na matéria dos impostos que o homem médio sabe bem a forma de aumentar as suas receitas tributárias (não procedendo à entrega das declarações fiscais, não dando, assim, a conhecer os proveitos económicos obtidos nesses anos pela sociedade arguida, com a venda dos lotes de terreno para construção, bem assim os decorrentes do arrendamento de um imóvel evitando assim que a sociedade arguida fosse tributada em IRC; sendo que qualquer cidadão médio, para mais, empresário, e beneficiando de TOC, tinha necessariamente de saber que estava legalmente obrigado a declarar à administração fiscal os proveitos económicos obtidos nos referidos anos fiscais).
No que concerne às condições pessoais do arguido, a convicção do tribunal alicerçou-se nas declarações do arguido e nos documentos juntos aos autos, designadamente nas informações extraídas das bases de dados de fls. 984 e segs e 1044 e segs, e bem assim, quanto aos antecedentes, nos CRC juntos a fls. 1049 e 1050.

3. Apreciação

§1. Da impugnação [lato sensu] da matéria de facto.
Insurgem-se os recorrentes contra a matéria de facto vertida nos pontos 18, 19, 21 e 40 (i) [factos provados], relativamente à qual invocam erro de julgamento – [cf. as alíneas b), c) e n) das conclusões], sem que, contudo, tenham cuidado de cumprir, quer em sede de conclusões, quer na motivação donde as mesmas emergem os ónus contemplados no n.º 3 do artigo 412.º do CPP, já quanto aos «concretos pontos de facto», já, e sobretudo, quanto à «concreta prova» que na relação com cada um daqueles imporia decisão diversa da recorrida – [cf., a propósito, v.g. os acórdãos do TRC de 22.10.2008 (proc. n.º 1121/03.3TACBR.C1), de 14.01.2009 (proc. n.º 41/05.1PBCBR), do TRG de 23.06.2008 (proc. n.º 555/08), do STJ de 18.02.2016 (proc. n.º 9/13.4PATVR.E1.S1)].
Com efeito, a impugnação da matéria de facto, para além dos vícios relativos à confeção técnica da decisão, apreensíveis a partir do seu texto, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, a denunciar omissões relevantes, juízos incompatíveis, ilógicos, de todo irrazoáveis, contrários ao normal acontecer das coisas da vida, exige a observância de um procedimento vinculado, o qual encontra fundamento na circunstância de o recurso da matéria de facto não se traduzir num novo julgamento, em que o tribunal superior vai reapreciar toda a prova produzida ou analisada em sede de audiência – como se esta não tivesse acontecido – antes, sim, num remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento – [cf. v.g. os acórdãos do STJ de 15.12.2005, 09.03.2006 e 04.01.2007, proferidos respetivamente nos processos n.º 05P2951, n.º 06P461 e 4093/06 – 3.ª].
No caso em apreço, o não cumprimento, na dimensão legalmente exigível, dos identificados ónus, realidade transversal quer às conclusões, quer à respetiva motivação – circunstância que compromete o convite ao aperfeiçoamento [cf., entre outros, os acórdãos de 17.02.2005 (proc. n.º 05P058), 09.03.2006 (proc. n.º 06P461), 28.06.2006 (proc. n.º 06P1940), 04.10.2006 (proc. n.º 812/06 – 3.ª), 04.01.2007 (proc. n.º 4093/06 – 3.ª) e de 10.01.2007 (proc. n.º 3518/06 – 3.ª)], solução que o Tribunal Constitucional já considerou não violar o direito ao recurso [cf. acórdãos n.º 259/02, de 18.06.2002 (DR II Série, de 13.12.2002) e n.º 140/04 (DR II Série, de 17.04.2004)] -, impõe, nesta parte, a rejeição do recurso.
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Perscrutadas as conclusões ressalta o propósito de por a nu uma apreciação inconsistente – mesmo contraditória – por parte do tribunal a quo, enveredando neste seu desiderato pelo comentário, acompanhado de transcrição, de passagens da fundamentação da decisão de facto, seguido de interrogações, tendentes, em última análise – pese embora não lhe façam expressa referência -, à demonstração dos vícios do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, sobressaindo a invocada violação do in dúbio pro reo.

Antes de mais, algumas notas.
Uma primeira no sentido de que se casos há em que o dever de fundamentação, incluindo a apreciação crítica da prova, reflete um exercício que, sem mácula relevante, deixa apreender o processo lógico conducente a que a convicção do julgador se tivesse formado num determinado sentido, este é um deles. Na verdade, mostram-se devidamente escalpelizados os diferentes meios de prova – pessoal, documental, etc. -, os quais lidos conjugadamente, em articulação uns com os outros, de acordo com a livre convicção e as regras de experiência comum [artigo 127.º do CPP], surgem a suportar a decisão.
Por outro lado, convém não perder de vista que as presunções naturais - produto das regras da experiência - permitem retirar, como forma de aquisição de factos desconhecidos, ou não totalmente conhecidos, ilações sempre que estas decorram, segundo um processo intelectual lógico e numa relação não demasiada longínqua, a partir de factos conhecidos, de uma presunção natural. Ou seja, como consignado no acórdão do STJ de 07.01.2004 [proc. 03P3213], «Na passagem de um facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) de um facto desconhecido, têm de intervir as presunções naturais, como juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem diretamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido» - [cf., ainda, a título exemplificativo os acórdãos do STJ de 06.10.2010 (proc. n.º 936/08.JAPRT) e de 07.04.2011 (proc. n.º 936/08.0JAPTR.S1)], de tal modo que o afastamento das regras das presunções naturais – esse sim – integra o vício da alínea c), do n.º 2 do artigo 410.º do CPP – [cf. v.g. os acórdãos do STJ de 09.02.2005 (proc. 04P4721), 17.03.2004 (proc. n.º 03P2612), de 24.03.2004 (proc. n.º 03P4043)].
Por fim, dizer que o crime de fraude fiscal, pelo qual os arguidos se mostram acusados e vieram a ser condenados em 1.ª instância se traduz na «Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária», visando «a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária», «suscetíveis de causarem diminuição das receitas tributárias» - [cf. artigo 103.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 do RGIT], o mesmo é dizer - sem olvidar o facto de, à data, a sociedade/recorrente não possuir contabilidade organizada, bem assim a circunstância de não haver procedido à entrega da declaração fiscal relativa ao ano de 2007 e de, mais de uma vez, notificada para o efeito, não ter apresentado contabilidade ou quaisquer documentos demonstrativos de custos - na modalidade em que mais difícil, ainda que nem sempre impossível, se torna, para efeitos penais - não já assim no domínio do procedimento administrativo/tributário - a prova dos factos. Com efeito, se a avaliação direta da matéria tributável constitui o regime regra para a determinação da matéria coletável, o certo é que a LGT admite o recurso a métodos indiretos – ainda que com caráter excecional e subsidiário relativamente à avaliação direta - quando não seja viável, por intermédio daquela, a respetiva determinação – [cf. artigos 81.º, n.º 1, 83.º, n.º 1, 85.º, 87.º, 88.º, 90.º da Lei Geral Tributária].
Isto dito, vejamos o caso concreto.
(i) Não tem fundamento a objeção levantada pelos recorrentes quando invocam a natureza dos vícios que determinaram o decesso das reclamações e recurso identificados em i. do ponto 40 dos factos provados, pretendendo, assim, colocar em crise a sentença recorrida – [cf. alíneas g), h), i), j), k), l), e m) das conclusões]. Na verdade, poder-lhes-ia assistir razão se o resultado daqueles tivesse sido determinante na formação da convicção, juízo que, porém, não encontra sustentação na decisão de facto – fundamentação - donde inequivocamente decorre o apelo a vasta prova documental, testemunhal e mesmo por declarações [no caso do arguido], elementos que, lidos em articulação e criticamente apreciados, surgem a suportar o sentido da decisão.
(ii) Também o alegado sob as alíneas d), e) e f) das conclusões, enquanto coloca em confronto diferentes passagens da fundamentação da convicção, pretendendo entre as mesmas e entre estas e os factos provados ver contradições e, ainda, sugerir omissões – eventualmente reconduzíveis aos vícios das alíneas a) e b) do n.º 2, do artigo 410.º do CPP – se revela infundado.
Por um lado, o valor dos proveitos omitidos, em sede de IRC [ponto 18 dos factos provados] permite, com recurso à taxa de liquidação em vigor à data (25%), sem hesitação, assentar num montante do IRC em falta relativo ao ano de 2007 em caso algum inferior a € 15.000,00 [ponto 19 dos factos provados]; por outro lado, os factos provados em 10, 11, 13, 14, 15, 16 e 17, consentem, à margem da dúvida razoável, com recurso aos ditos juízos presuntivos, considerar haver a sociedade arguida omitido, em relação ao mesmo ano, em sede de IRC, «proveitos» – já deduzidos os «custos» - em valor não inferior ao consignado no ponto 18 [factos provados].
Na verdade, é expressiva a prova sobre a existência das operações económicas efetuadas pela sociedade arguida, bem como dos montantes envolvidos, destacando-se: a escritura relativa à permuta de lotes de terreno para construção, celebrada entre a sociedade arguida e a ---, no âmbito da qual a primeira cedeu à segunda, pelo valor de € 650.000,00, metade indivisa de lotes de terreno para construção; as escrituras públicas de compra e venda, onde se inclui a realizada em 29.12.1999, relativa à aquisição por parte da sociedade arguida, pelo preço correspondente de € 253.052,74, dos lotes de terreno objeto das escrituras de compra e venda e permuta (de 04.06.2007) juntas aos autos, referidas nos pontos 10 e 12 dos factos provados; os comprovativos de pagamento efetuados pela firma --- e pela ---; a declaração anual de rendimentos, relativa ao ano de 2007, da ---, concretamente dos anexos “P” [onde os clientes indicam a relação dos seus fornecedores] e “O” [onde os fornecedores indicam a relação dos seus clientes], nos quais fez constar respetivamente a aquisição à sociedade arguida de bens imóveis no montante de € 1.750.000,00 e a venda à mesma de imóveis no montante de € 650.000,00; a declaração anual de rendimentos (2007) da firma “---”, concretamente o anexo “J” [relativo aos rendimentos prediais] onde fez constar o pagamento à sociedade arguida do montante de € 4.800,00, a título de rendas relativas ao arrendamento referido no ponto 16 dos factos provados, documentos que os recorrentes não questionam, não resultando semelhantes operações e os correspondentes valores da aplicação de métodos indiretos, no sentido em que, como - reportando-se aos inspetores tributários, ouvidos em julgamento e envolvidos na investigação - ficou a constar da fundamentação: «…, no caso, conheciam os proveitos (explicando que aceitaram como sendo verdadeiros os preços constantes nas escrituras públicas e o valor da renda do arrendamento; os proveitos tiveram a classificação de “estimados” porque não estavam registados na contabilidade), pelo que não presumiram proveitos para além dos conhecidos, mas não conheciam os custos, pelo que estes tiveram que ser estimados» - [destaques nossos].
Acresce que, como dá conta a fundamentação, o próprio arguido reconheceu a realização das identificadas operações económicas e os montantes (valores) envolvidos, não refutando que tivesse auferido lucro com as mesmas, pese embora não com o grau de grandeza considerado pela Administração na liquidação efetuada. Assim, concretamente em matéria de custos, lê-se na sentença: «Sobre eventuais custos com os lotes adquiridos, reconheceu que quando adquiriu o loteamento já estava efetuado, os lotes encontravam-se devidamente individualizados, mas que depois teria sido necessário implementar as infraestruturas. Portanto, na sua versão, se bem percebemos, para além dos custos de aquisição dos lotes, teria incorrido noutros custos/despesas com o “tratamento dos lotes” de modo a colocar os mesmos aptos para venda. Todavia, não logrou descrever minimamente tais despesas, nem quantifica-las em concreto, reconhecendo também que os imóveis “objeto” da escritura de compra e venda já eram “lotes”, portanto registados em nome da sociedade como lotes, o que implica que naquela data as despesas inerentes ao alvará de loteamento já se mostrassem efetivadas, sendo que reconheceu também que após a aquisição não houve construção nos lotes».
Ainda relevante em sede de custos, com referência ao depoimento da testemunha II, inspetor tributário, a seguinte passagem: «Em concreto, sobre os custos considerados quanto às “transações” que incidiram sobre os lotes de terreno [52 no total], esclareceu, de forma fundamentada e lógica, que, partindo, da atividade da empresa de construção civil para venda, apenas foram considerados os custos com a aquisição dos lotes – porque teriam sido comprados e vendidos no estado em que se encontravam. Não foram considerados outros custos, porque nestes lotes não terá havido construção, nas suas palavras “o contribuinte apenas comprou lotes e vendeu lotes, em momento diferentes da sua atividade”. Não existem documentos ou outras informações fornecidas pelo contribuinte sobre eventuais custos, não obstante, o terem notificado por duas vezes para o efeito, e deste não ter apresentado contabilidade, nem documentos para o efeito […]».
Não obstante, reconhecendo, embora, que da concatenação dos documentos constantes dos autos, máxime das escrituras de compra e venda e permuta «é possível verificar que no ano de 1999 a sociedade arguida adquiriu os 52 lotes por cerca de 250.000,00 € e que em 2007, vendeu 33 desses lotes pelo preço de 1.100.000,00, e permutou os restantes 19 lotes (apenas na proporção de metade) com a sociedade de construção “---”, alegadamente atribuindo a essa permuta o valor de 650.000,00 €», o tribunal discerniu: «Ora, sendo certo que da análise dessas escrituras se extraia que a sociedade arguida, terá ficado ainda proprietária das outras metades indivisas dos 19 lotes permutados com a “---”, e que terá recebido ainda em permuta mais 12 lotes, a verdade é que, à luz dos princípios da culpa e da presunção de inocência, a convicção do tribunal, em consciência, é de que apenas se poderá considerar como proveitos omitidos, uma valor não inferior, a pelo menos, um milhão de euros». Assim é – prossegue - «tendo em conta o preço de venda dos 33 imóveis [cfr. meios de pagamento de fls. 161 a 235 dos autos principais e de fls. 215 a 219 e 221 a 226 dos autos apensos, em que é possível confirmar que a soma do valor plasmado nos cheques, letras e transferências bancárias da “---” para a “A2” é de valor ligeiramente superior a um milhão de euros] e o valor das rendas recebidos do --- do ano de 2007 que se extrai da análise dos comprovativos de pagamento efetuados pelo --- a fls. 243 a 262, e do registo informático relativo à renda paga pelo --- a fls. 232. Já quanto ao valor de 650.000,00 € respeitante ao valor considerado pela permuta dos restantes 19 imóveis (na proporção de metade), da “A2” para a “---”, entende-se não o aditar, não o considerando propriamente um proveito, tendo em conta que a “---”, também transmitiu para a “A2”, através do Contrato de Permuta, no mesmo dia, cerca de 12 lotes, a que lhe conferiu o mesmo valor de 650.000,00€, decorrendo de juízos de experiência comum e das máximas da vida, que muitas vezes, sociedades com CAE desta natureza, fazem uso destes contratos de Permuta, não sendo muito rigorosos na atribuição de valores nas escrituras de Permuta, tendo em vista a poupança de despesas e encargos, ou até como pagamentos em espécie, ainda que parciais. Por esta ordem de razões, numa interpretação mais favorável ao arguido, iluminada pelos princípios da culpa e da presunção da inocência, apenas foi possível dar como provado, que os proventos omitidos foram, de pelo menos, um milhão de euros, e, consequentemente, que apenas se desse como provado que o IRS ainda em falta do ano de 2007, seja de, pelo menos, 15.000,00 €, já considerando deduzido o valor pago inicialmente em 24/03/2009, de € 5.965,45.
Ademais, ainda que se condescenda que o legal representante da “A2”, com o lucro da venda dos prédios em causa, tenha correspondido a outro tipo de despesas e encargos, designadamente pagamentos de créditos e garantias pendentes às instituições bancárias, certo é que os prédios tinham sido adquiridos pelo preço global de cerca de 250.000,00 €, e foram negociados/vendidos por um preço, pelo menos, quatro vezes superior [considerando que a “A2”, ainda ficou proprietária de “metade indivisa” de 19 dos lotes inicialmente comprados], decorridos cerca de oito anos (cerca de um milhão de euros). Note-se que, não obstante, o arguido ter reconhecido que o preço constante na escritura de venda (um milhão e cem mil euros) tivesse sido pago de forma mista, ou seja que tivesse recebido em dinheiro cerca de 500.000 mil euros e o restante através de outros prédios (permutados), certo é que se extrai dos meios de pagamento junto aos autos que terá sido transferido muito superior a 500.000,00 (…).
Daí, que não restem quaisquer dúvidas, que tais valores entraram na esfera jurídica patrimonial da sociedade arguida A2 e que se traduzem em proveitos, e ainda que, deduzidos os custos na aquisição dos lotes, exista sempre (conjuntamente com as rendas) um lucro e uma retenção que ultrapassa, necessariamente, o plafond criminalizado [superior a 15.000,00], ainda que não se possa assegurar com rigor que se computasse numa omissão de proveitos de IRC no montante de 1.754.800 €, e que o IRC em falta fosse exatamente de 374.942,42 (cfr. ponto 18).
[….]
Concluindo: Face ao exposto, em jeito de súmula conclusiva, temos que na convicção do tribunal os factos dados como provados, demonstrados a partir das provas produzidas (…), e não infirmados nos seus traços essenciais pelas declarações do arguido, relacionados entre si, nomeadamente com o facto de se tratar de contribuinte completamente “inoperante” em termos fiscais (não entrega das declarações fiscais dos anos de 2007 e 2008, objeto da inspeção, e dos documentos pedidos) com as escrituras públicas celebradas, os meios de pagamento existentes nos autos, seja por reporte ao “---”, seja à sociedade “---”, seja do cruzamento dos anexos “J”, “O” e “P” das declarações do IES, seja pela legitimidade do recurso aos métodos indiciários, formam um foi condutor no sentido da sua concludência pela liquidação à matéria coletável, ultrapassar seguramente o plafond previsto no art. 103.º, n.º 1 do RGIT (15.000,00 €).

Assim:
(iii) A análise reproduzida não encerra qualquer contradição, pois a circunstância de as informações prestadas pela inspeção tributária, quando fundamentadas e baseadas em critérios objetivos, fazerem fé (artigo 76.º da LGT), não significa, menos ainda no âmbito de um processo de natureza penal, que se encontrem subtraídas à livre convicção do julgador, sendo certo que o tribunal se encarregou de explicitar, segundo critérios de razoabilidade, ditados pela experiência de que não raras vezes sucede quanto ao rigor – ou falta dele - no tipo de operações económicas em questão, também à luz do que foram as declarações do ora recorrente, o(s) motivo(s) pelo qual sentiu a necessidade de corrigir a ordem de grandeza, reduzindo significativamente os montantes relativos quer à omissão de proveitos de IRC/2007, quer do IRC em falta, de acordo com a acusação respetivamente de € 1.754.800,00 e € 374.942,42 – vide os pontos 18 e 19 dos factos provados.
(iv) No quadro fornecido pelos autos a não quantificação do exato valor que os arguidos omitiram em sede de IRC (2007) não constitui obstáculo ao que consignado se mostra nos pontos 18 e 19 dos factos provados, montantes que – como se viu -encontram sustentação na prova produzida, longe, por conseguinte, de representarem meras quantificações presuntivas com base em métodos indiretos, isso sim incompatível com o princípio da presunção de inocência, designadamente na vertente do in dúbio pro reo, já que sobre tais aspetos não decorre – nem poderia decorrer – face à ordem de grandeza dos montantes envolvidos nos negócios efetuados, conjugado com o que supra se referiu relativamente a eventuais custos, à luz das regras da experiência comum, que ao tribunal se haja colocado a dúvida e, menos ainda, que perante a mesma haja decidido contra os arguidos; muito pelo contrário!
(v) E se é certo que a relevância da avaliação indireta dos rendimentos ou bens tributáveis para efeitos penais não tem recebido resposta unívoca por parte dos tribunais superiores, tendo, pela ora relatora, já sido afastada, hoje, uma mais profunda reflexão conduz-nos a uma posição que não dispensando a ponderação do caso concreto, demanda que se distinga as situações em que a determinação da matéria tributável é feita exclusivamente com recurso a métodos indiretos, daquelas outras – como é o caso dos autos – em que a margem de estimativa, em função dos elementos de prova é de tal modo reduzida, que não deixa espaço para a incerteza quanto a um juízo positivo da verificação dos elementos do ilícito típico em questão. Sufragamos, assim, as palavras de Carlos Paiva quando diz: «Podemos considerar que as presunções administrativas, quando absolutas e despojadas de prova bastante dos indícios em que se funda, terão poucas probabilidades de transportar para o processo penal a prova suficiente para a incriminação. Porém, outras haverá […], que deverão ter um grau de aceitação diferente, porquanto se apoiam em factos concretos e que, não podendo ser ignorados, são determinantes para conduzir às presunções por parte da administração fiscal, nesses casos, a suscetibilidade de suportar a prova incriminatória será bastante mais elevada» - [cf. “Das Infrações Fiscais à sua Perseguição Processual”, Almedina, 2017, 2.ª Edição, p. 144].
Assim, sem, no essencial, nos afastarmos do entendimento de que o recurso a métodos indiciários, admissíveis, verificados que sejam os condicionalismos previstos na LGT, em sede fiscal «não podem servir para determinar a responsabilidade dos suspeitos de prática de crime de fraude fiscal, levando à presunção de um dano, nem a natureza de crime de perigo o legitima, face aos princípios da necessidade e da culpa legitima essa presunção, que aliás violaria o princípio da presunção de inocência do arguido (ou, no plano da prova, o princípio in dúbio pro reo)» - [cf. acórdão do TC n.º 180/2007], o que dizemos é que casos há – como sucede nos autos – em que, a prova direta produzida sobre as operações económicas realizadas e, bem assim, os valores envolvidos e respetivos meios de pagamento, à luz dos princípios gerais do direito processual penal, não deixa margem para indefinições relevantes sobre a matéria tributável.
(vi) Finalmente, a consideração de uma conduta dolosa não transparece como fruto de qualquer apreciação ilógica, irrazoável de afronta às regras de experiência comum, bastando, para tanto atentar na não atribuição, por parte do tribunal, de credibilidade às declarações do arguido enquanto sentiu a necessidade de implicar o TOC, aspeto que, nas circunstâncias, mereceu uma análise crítica, desde logo por referência a uma suposta dicotomia/assimetria – incompreensível – na atuação do TOC de todo ajustada.
Em síntese, não se detetando no texto da sentença recorrida, por si ou conjugada com as regras de experiência comum, omissões relevante, juízos incompatíveis, contraditórios, ilógicos, irrazoáveis; tão pouco que ao tribunal se haja colocado uma dúvida razoável – ou que assim devesse ter sido - sobre qualquer dos aspetos capazes de conformar a responsabilidade jurídico-penal dos arguidos/recorrentes; sequer que tenha sido violada prova tarifada, ou valorada prova proibida; revelando a fundamentação, de forma desenvolvida e congruente, com referência à prova produzida e às inferências judiciais, o processo de convicção que determinou o sentido da decisão, tem-se, tal como ficou assente em 1.ª instância, por definitivamente fixada a matéria de facto.

§2. Da prática do crime de fraude fiscal
Contestam os recorrentes a verificação dos elementos típicos, objetivos e subjetivos, do crime de fraude fiscal.
Uma vez assente o acervo factual vertido na sentença recorrida é a luz deste que a questão pode ser equacionada, donde a irrelevância do que alegado vem relativamente ao montante da vantagem patrimonial ilegítima (€ 15.000), da qual depende a relevância penal do facto – [cf. artigo 103.º, n.º 2 do RGIT; ponto 19 dos factos provados], assim como, tendo presente os factos provados em 32, 33, 34, 35, 36, 37 e 38, a propósito dos elementos intelectual e volitivo do dolo.
Materializando-se a fraude fiscal numa defraudação, visando a obtenção de um benefício fiscal ou a causação de um prejuízo ao Estado (fisco), cometido através de uma das formas típicas contempladas nas alíneas a), b) e c) do artigo 103.º do RGIT, para a punição do agente é suficiente que resulte provado ter este querido qualquer das ações ou omissões descritas no tipo, conhecendo a respetiva adequação à obtenção de uma situação tributária mais favorável, como «seja o não pagamento de um imposto, a sua redução ou a obtenção de benefícios fiscais, de reembolsos ou outras vantagens patrimoniais suscetíveis de causarem diminuição das receitas tributárias» - [cf. acórdão do TRL de 25.02.2015 (proc. n.º 709/08.0IDFUN-A.L1 – 3, disponível in www.dgsi.pt].
Identificado com crime de “tendência interna transcendente” ou de “resultado cortado”, enquanto dispensa - não constituindo elemento do tipo - a efetiva obtenção de vantagem patrimonial [cf. n.º 1 do artigo 103.º], bastando, no ensinamento de Figueiredo Dias e Costa Andrade, que as condutas sejam preordenadas à sua obtenção, relevando o eventual resultado lesivo tão só em sede de medida concreta da pena [cf. “Crime de Fraude Fiscal no Novo Direito Penal Tributário Português”, pág. 432 e ss], exige o dolo-do-tipo e o propósito de obter um benefício ilegítimo ou de causar um prejuízo ao Estado.
Em face da configuração típica assim descrita, impõe-se concluir pela subsunção dos factos apurados ao crime de fraude fiscal, p. e p. pelo artigo 103.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 da Lei n.º 15/2001, de 5 de junho, objeto da acusação e, assim, também nesta sede, pelo acerto da decisão recorrida.

III. Dispositivo
Termos em que acordam os juízes que compõem este tribunal em julgar improcedente o recurso.
Custas pelos recorrentes, solidários os encargos, individual a taxa de justiça, que se fixa em 3 (três) UCs – [cf. artigos 513.º e 514.º do CPP; artigo 8.º do RCP].

Coimbra, 12 de Abril de 2018
[Processado e revisto pela relatora]

Maria José Nogueira (relatora)

Isabel Valongo (adjunta)