Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
534/13.7TBFND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUIS CRAVO
Descritores: RECURSO
ALTERAÇÃO DE FACTO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
REGISTO PREDIAL
PRESUNÇÃO
Data do Acordão: 02/10/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO - FUNDÃO - INST. LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 607, 640 CPC, 7 CRP
Sumário: 1.- Mantém-se no actual art. 640º, nº1, al.b) do N.C.P.Civil o dever (melhor, ónus) para o recorrente de concretizar quais os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e de indicar os meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa, tem ele de ser conjugado com o artº 607, nº5 do mesmo n.C.P.Civil – que atribui ao tribunal o poder de apreciar livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto – pelo que, dos meios de prova concretamente indicados como fundamento da crítica ao julgamento da matéria de facto deve resultar claramente uma decisão diversa, sendo por essa razão que a lei utiliza o verbo “impor”, com um sentido diverso de, por exemplo, “permitir”.

2.- A presunção registal de titularidade constante do art. 7º do Código de Registo Predial – nos termos do qual “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define” – não abarca os elementos da descrição registal (designadamente os limites, estremas, áreas e confrontações), mas apenas o que resulta do facto jurídico inscrito tal como foi registado.

Decisão Texto Integral:          
   Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                                                                       *

            1 – RELATÓRIO

AG (…) e mulher MJ (…) casados sob o regime da comunhão geral de adquiridos, contribuintes fiscais nº (...) e (...) , residentes na Rua (...) , Barreiro, vieram propor acção de processo sumário contra JJ (…) e mulher MG (…), casados sob o regime da comunhão de bens adquiridos, residentes na Rua (...) , Almada, pedindo que estes sejam condenados a:

-verem declarado e a reconhecer que os AA. são os únicos donos e legítimos possuidores do prédio rústico descrito e identificado no artigo 1º da acção;

-ver declarado e reconhecer que as obras levadas a cabo no logradouro do dito prédio, pelo Réu marido, invadiram o prédio dos AA.;

-proceder à demolição das ditas obras por forma a que o logradouro regresse ao estado anterior à sua realização;

-absterem-se da prática de todo e qualquer acto que estorve lese ou impeça o legítimo exercício do direito de propriedade sobre a totalidade do seu prédio;

-proceder a todas as obras necessárias por forma a deixar o prédio dos AA. no estado em que se encontrava antes da conduta ilícita do R. marido;

-a pagar aos AA. a quantia de €1.500,00 a título de danos patrimoniais;

-a pagar aos AA. a quantia de €1.000,00 a título de danos não patrimoniais.

Alegaram para tanto e em síntese (após convite de aperfeiçoamento, cfr. fls. 94 e 95) que são os únicos donos e legítimos possuidores de um prédio urbano melhor descrito em 1º da petição, o qual veio à sua propriedade e posse em 1975, por doação verbal de seus pais e sogros; desde então estão na posse do referido prédio, usando-o à vista e conhecimento de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, fazendo nele obras de conservação e beneficiação, nele entrando e saindo quando querem, sem pedirem autorização, na plena convicção de estarem a exercer o seu direito de propriedade; nunca tendo existido qualquer reserva, oposição ou reclamação ao exercício da mesma; o R. marido, que é proprietário de um prédio urbano contíguo ao dos AA., em finais de Setembro de 2012, procedeu a obras no logradouro do prédio deste últimos, ali colocando cimento e ferros, sem que para isso estivesse autorizado e sem o necessário consentimento; com a obra impetrada em 10m2 daquele logradouro, que sempre foi em terra batida, provocaram a estes prejuízos, arrelias e incómodos, além de a partir de então as águas da chuva, cujo escoamento era feito de forma natural, passou a acumular-se e a introduzir-se na casa dos AA., pela porta de entrada.

                                                                       *

            Regularmente citados, os Réus JJ (…)  e mulher MG (…) contestaram a acção, defendendo-se por impugnação e excepção, alegando, em síntese, que adquiriram o seu imóvel em 28.10.2011, cujo terreno possui uma área total de 110 m2, confrontado a poente por passagem e pelos AA.; tendo sido contactado pelo A., autorizou o mesmo a fazer uma oficina, na zona do cortelho desactivado, desde que tal não pusesse em causa a sua propriedade e o seu caminho, respeitando as suas áreas e o acesso ao imóvel; os AA. aproveitando uma deslocação dos RR. aos Açores deram início à edificação da dita oficina, não cumprindo com o acordado, pois não respeitaram os mínimos legais de edificação, tornando uma zona permeável de escoamento de águas, em impermeável, por via da pavimentação da passagem; por esse motivo e porque a água das chuvas entrava em sua casa decidiu construir uma elevação em cimento, cujo único objectivo é o de travar a força da chuva, para que não sofra na sua propriedade mais danos.

Acrescentaram ser falso que a parte que circunda ambos os imóveis é bem próprio dos AA., estando estes dessa forma a usurpar terreno que pertence aos RR. e sempre pertenceu, alegando simultaneamente, que existe uma servidão de passagem e de vistas que aqueles assim lesaram.

Após convite de aperfeiçoamento ao articulado inicial (cfr. fls. 94 e 95), os RR. (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido) deduziram pedido reconvencional contra os AA., peticionando que estes sejam:

-condenados a demolir toda a construção feita, por ultrapassar os limites impostos nos regulamentos próprios das edificações, por não respeitar os limites da propriedade e ocupar área alheia, por não precaverem factores naturais incontornáveis que podem tomar proporções graves, por lesarem direitos de propriedade adquiridos;

-condenados a repor o terreno na sua forma original, tornando o mesmo novamente permeável.

Alegam para tanto, e em síntese, que os AA. cimentaram o espaço de terra batida existente no caminho entre os dois imóveis, sendo que assim tomaram posse de uma área que nunca lhes ter pertenceu, o que originou danos, que não tomaram outras proporções derivado à imediata actuação por parte dos Réus.

                                                                       *

            Os Autores responderam à reconvenção deduzida nos termos de fls. 75 a 77 (cujo teor aqui se dá por reproduzido), por impugnação e reiterando o por si alegado em sede de petição inicial.

                                                                       *

            Na audiência prévia realizada, foi tentada, de forma infrutífera, a conciliação das partes, tendo sido admitido o pedido reconvencional, após o que foi fixado o valor à acção, proferido despacho saneador e consignado o objecto do litígio e os temas da prova, bem assim foi admitida a prova apresentada e agendada e programada a audiência de julgamento.

                                                                       *

Foi realizada de seguida a audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo (como se alcança da respectiva acta), com discussão nela da prova documental e testemunhal apresentada pelas partes.

Veio, na sequência, a ser proferida sentença, na qual após identificação em “Relatório”, das partes e do litígio, se alinharam os factos provados e não provados, relativamente aos quais se apresentou a correspondente “Motivação”, após o que se considerou, em suma, que resultando provada a propriedade e posse dos AA. sobre o respectivo prédio urbano, registado a favor dos mesmos com uma área que englobava o logradouro ajuizado, na medida em que os RR. não haviam logrado ilidir a presunção  dessa propriedade, resultava que essa área do logradouro com 10 m2 fazia parte integrante do prédio dos mesmos, donde a consequente ilegalidade das obras efectuadas pelos RR., termos em que se concluiu pela condenação dos RR. a tal respeitar, a absterem-se da prática de actos que tal questionem e a repor o prédio no estado anterior às obras efectuadas, sem embargo de improcederem os pedidos indemnizatórios formulados por não verificados os correspondentes requisitos, acrescendo que igualmente improcediam todos os pedidos formulados em sede reconvencional, o que tudo se concretizou no seguinte “dispositivo”:

«Por tudo o exposto, o Tribunal decide:

-Julgar a acção parcialmente procedente por provada e, em consequência:

a) declara e condena os Réus JJ (…) e mulher MG (…) a reconhecer que os Autores, AG (…) e Maria MA (…), são os únicos donos e legítimos possuidores do prédio descrito e identificado no artigo 1º da acção;

b) declara e condena os Réus JJ (…) e mulher MG (…) a reconhecer que as obras levadas a cabo no logradouro do dito prédio, pelo Réu marido, invadiram o prédio dos referidos Autores;

c) condena os Réus JJ (…) e mulher MG (…) a procederem à demolição das ditas obras por forma a que o logradouro regresse ao estado anterior à sua realização;

d) condena os Réus a absterem-se da prática de todo e qualquer acto que estorve, lese ou impeça o legítimo exercício por parte dos Autores do direito de propriedade sobre a totalidade do seu prédio;

e) condena os Réus a procederem a todas as obras necessárias por forma a deixar o prédio dos Autores no estado em que se encontrava antes da conduta ilícita do R. marido;

f) absolvem-se os Réus JJ (…) e mulher MG (…) do demais contra si peticionado pelos Autores.

-Julgar a reconvenção totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, absolvem-se os Autores AG (…) e MA (…), do contra si peticionado pelos Réus JJ (…) e mulher MG (…).

*

Custas a suportar por Autores e Réus, na proporção de 20% e 80%, respectivamente –cfr. artigos 527º, nsº 1 e 2, 528º, nº.1 do Código de Processo Civil.

*

Notifique e registe (cfr. arts.º 153º, 220º, nº.1, 247º, 253º todos do Código de Processo Civil).»

                                                                              *

            Inconformados com essa sentença, apresentaram os RR./reconvintes recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
(…)

                                                                       *

            Não foi apresentada qualquer contra-alegação.

                                                                       *

            Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

            2QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelos Recorrentes nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detectar o seguinte:

            - incorrecta valoração da prova produzida, que levou ao incorrecto julgamento dos factos dados como não provados constantes dos pontos “4-” (devendo ser dado como provado que o prédio dos RR. tem uma área total de 110 m2), “15-” (devendo ser dado como provado que a área que efectivamente corresponde aos AA. é de 66 m2 e não de 77,5 m2), “16-” e “17-” (devendo ser dado como provado que os AA. intencionalmente alteraram após mais de 25 anos de posse do referido terreno, as áreas com o intuito de fazer valer a sua pretenção ilegal de manutenção da construção efectuada que excede o limite da sua propriedade), bem como os factos dados como provados sob alínea “2.” (devendo considerar-se provada que a área que pertence aos AA. apenas corresponde a 66m2, considerando-se ilidida a presunção da posse referente aos restantes 11,5m2, como consta das certidões originárias e de toda a prova produzida nos presentes autos)?;

- desacerto da decisão de direito enquanto fundamentada na não elisão pelos RR. da presunção referida no art. 7º do C.R.Predial?

                                                                       *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1 – Consiste a mesma na enunciação do elenco factual que foi considerado/fixado pelo tribunal a quo, ao que se seguirá o elenco dos factos que o mesmo tribunal considerou/decidiu que “não se provou”, sem olvidar que tal enunciação poderá ter um carácter “provisório”, na medida em que os RR./recorrentes tal impugnam. 

            Tendo presente esta circunstância, são os seguintes os factos que se consideraram provados no tribunal a quo:

1. Os AA são os únicos donos e legítimos possuidores de um prédio urbano sito na (...) ou (...) , da freguesia de (...) , concelho do Fundão, composto de casa de habitação de dois andares e loja, com uma dependência e logradouro, a confrontar do Norte com Rua; Sul e Nascente com (...) ; e Poente com o prédio referido em 6., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 400. [artigo 1º da petição inicial e documento junto a fls.9];

2. O referido prédio encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial do Fundão sob o nº 1679/20121127, com inscrição a favor dos Autores, desde 27.11.2012, beneficiando aí de uma área total de 77,5 m2, sendo coberta cerca de 67,5m2 e de área descoberta a área de 10m2. [artigo 2º da petição inicial e documento de fls.10];

3. O referido prédio urbano veio à disponibilidade dos Autores em 1975 por doação verbal que lhes foi feita por seus pais e sogros, F (...) e esposa L(...) , residentes que foram na freguesia de (...) , concelho do Fundão. [artigo 3º da petição inicial];

4. Estão desde aquela data na utilização do referido prédio urbano, usando-o à vista e conhecimento de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, fazendo nele obras de conservação e beneficiação, nele entrando e saindo quando querem, sem pedirem autorização a ninguém, na plena convicção de estarem a exercer um direito e de serem os seus únicos e exclusivos donos. [artigo 4º da petição inicial];

5. Utilização essa que sempre exerceram ininterruptamente, e que sempre toda a gente respeitou e reconheceu nunca tendo surgido, da parte de quem quer que fosse, qualquer atitude de reserva, reclamação ou oposição à mesma. [artigo 5º da petição inicial];

6. O prédio descrito em 1. confronta, do seu lado Poente, com um prédio urbano, propriedade dos RR., que estes adquiriram em Outubro de 2011, por compra, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 401. [artigo 7º da petição inicial e documento de fls.33];

7. O Réu marido, durante o mês de Setembro de 2012, procedeu a obras no logradouro do prédio referido em 1.. [artigo 8º da petição inicial];

8. Procedeu o Réu marido à colocação de cimento e ferros, no logradouro daquele prédio, sem que para isso estivesse autorizado e sem o consentimento dos Autores. [artigo 9º da petição inicial];

9. Parte do logradouro do prédio urbano referido em 1., até ao referido em 16. e 19., sempre foi um espaço de terra batida, o qual foi ainda mais cimentado pelo Réu marido, assim criando um nível superior naquela extensão, que aproveitou a ausência dos Autores no Barreiro, local onde têm a sua residência habitual, para proceder às ditas obras. [artigo 10º da petição inicial];

10. O que fez às ocultas e sem consentimento dos Autores. [artigo 11º da petição inicial];

11. A parte cimentada do dito prédio por parte do Réu marido, verifica-se numa área de 10m2 de logradouro que faz parte integrante do prédio descrito em 1.. [artigo 12º da petição inicial];

12. A obra referida em 9. tem acarretado aos Autores arrelias e incómodos. [artigo 13º e 16º da petição inicial];

13. A água da chuva, cujo escoamento era feito de forma natural, como sempre foi feito ao longo dos tempos, depois da obra realizada pelo Réu marido, acumula-se no logradouro da casa e introduz-se na casa dos AA., pela porta de entrada, aberta para esse logradouro. [artigo 14º da petição inicial];

14. Por via disso, aos Autores não foi possível evitar o recurso à presente acção, apesar de todos os esforços e tentativas feitas para o efeito. [artigo 15º da petição inicial];

15. Por escritura pública de compra e venda, realizada no dia 28 de Outubro de 2011, no Cartório Notarial do Fundão, os Réus declararam comprar aos herdeiros de (…)- e estes declararam vender - o prédio urbano composto por casa de rés-do-chão e logradouro, destinado a habitação, com a superfície coberta de 56m2 e logradouro com 54m2, com uma área total de 110m2, sito na (...) , numero 38, na freguesia do (...) , concelho do Fundão, a confrontar do Norte com L (...) , de Sul com herdeiros de J (...) , de Nascente com caminho público e de Poente com Passagem e F (...) , inscrito na matriz sob o artigo 401º, omisso na Conservatória do Registo Predial do Concelho do Fundão. [artigo 3º da contestação, escritura pública de compra e venda de fls.34 a 37 e certidão matricial de fls.38];

16. Os AA. cimentaram o caminho que serve de acesso á escadaria e loja do prédio referido em 6. e 15., bem como ao prédio referido em 1.. [art.º 10º da contestação];

17. Como os Autores edificaram um anexo no prédio referido em 1., o Réu, no dia 16 de Agosto de 2012, apresentou denúncia que originou o processo de contra ordenação nº 156/2012, que se encontra em curso na Câmara do Fundão, nos termos informados a fls. 169 e 170, que aqui se dão por integralmente reproduzidos. [artigo 11º da contestação e documentos de fls.40, 41 e 169];

18. O Réu decidiu construir uma elevação em cimento na passagem para a loja do prédio referido em 6. e 15.. [artigo 14º da contestação];

19. Foram os AA. que cimentaram inicialmente o espaço de terra batida existente no caminho entre os dois imóveis, quando procederam á edificação referida em 17.. [artigo 1º da Reconvenção].

*

E os seguintes os factos que se consideraram não provados no tribunal a quo:

1-A confrontação do prédio referido em 1. se faça a Poente com a servidão do prédio dos Réus. [artigo 7º da petição inicial];

2-O logradouro do prédio referido em 1. tenha sido completamente cimentado. [artigo 10º da petição inicial];

3-Para intentar a presente acção, em ordem a defender os seus legítimos interesses os AA. não gastarão menos de 1.500,00€ em despesas judiciais, deslocações e patrocínio de advogado. [artigo 15º da petição inicial];

4-O prédio referido em 6. e 15. tem uma área total de 110m2;

5-Pouco tempo depois da aquisição do imóvel pelos RR., o A. dirigiu-se ao R. para questionar se o mesmo levantaria alguma objecção que do cortelho agora desactivado, fosse feita uma pequena oficina, tendo o R. respondido que desde que tal não coloca-se em causa a sua propriedade e o seu caminho, não encontrava objecção nenhuma. [artigo 4º da contestação];

6-Requereu ao A. apenas que o mesmo respeita-se as suas áreas e não vedasse o acesso ao seu imóvel. [artigo 5º da contestação];

7-Ficou então o compromisso do A. para com o R. de que tal seria pelo mesmo respeitado. [artigo 6º da contestação];

8-Os Réus ausentaram-se para os Açores, facto que era de pleno conhecimento dos AA, que aproveitando a ausência prolongada dos RR, resolveram dar inicio á edificação, não cumprindo com o acordado entre as partes. [artigo 7º da contestação];

9-Quando os RR. regressam deparam-se com uma edificação muito superior a uma pequena oficina, que vedava a entrada a propriedade dos RR quase na totalidade, bem como uma janela que se encontra na parede do imóvel dos RR. e que ficou totalmente tapada. [artigo 8º da contestação];

10-Os AA. com a sua actuação, tornaram uma zona que era totalmente permeável em impermeável, sabendo perfeitamente os AA. que a sua actuação iria causar graves transtornos aos RR, pois pelo declive natural do terreno onde estão edificadas ambas as propriedades, as águas pluviais necessitavam da área permeável inserida na propriedade dos AA. para escoarem naturalmente sem causar transtorno para ambas as partes. [artigo 9º da contestação];

11-Para além da edificação efectuada pelos AA, os mesmos ainda agravaram a situação ao cimentar todo o caminho. [artigo 10º da contestação];

12-Como o Réu é Técnico de Engenharia, tinha clara consciência dos danos que a actuação dos AA, teria aquando das primeiras chuvas. [artigo 12º da contestação];

13-Como o imóvel que adquiriu se encontra praticamente em ruinas, sendo para reabilitação, o A. (por lapso na alegação refere-se Réu) sabia que a afluência das chuvas directamente sobre as paredes do imóvel, pois deixou de existir a contenção natural do solo impermeável, iria causar danos graves, possivelmente até o aluimento das paredes existentes. [artigo 13º da contestação];

14-O único objectivo da elevação construída pelo Réu é o de travar a força da chuva, para que não sejam sofridos na sua propriedade mais danos do que os já efectuados premeditadamente pelos AA. [artigo 14º da contestação];

15-Os AA. numa situação de desespero e com total consciência do acto que estavam a praticar, alteram a inscrição das áreas do seu imóvel de 66,00 m2, para 77,5 m2, com o claro intuito de lesar os RR, usurpando terreno que pertence a estes e sempre pertenceu, como é do conhecimento dos AA. [artigo 16º da contestação];

16-Praticam tal acto, pois o referido processo de contra ordenação, originou um processo de licenciamento, que está ferido de várias ilegalidades e irregularidades, sendo uma delas as áreas, pois o terreno dos AA. não corresponde á implementação das obras efectuadas em 11,5 m2. [artigo 17º da contestação];

17-Cientes dessa irregularidade e num acto de desespero, os AA. acharam que poderiam proceder á alteração das áreas inscritas sem que nenhuma consequência lhes adviesse, procedendo á sua alteração. [artigo 19º da contestação];

18-Os AA. sabem que o terreno agora indevidamente inscrito, não lhes pertence nem nunca lhes pertenceu, não sendo parte do imóvel, mesmo aquando da sua inscrição original de 1970. [artigo 20º da contestação];

19-Também é do conhecimento dos AA. que existe e sempre existiu uma servidão de passagem e uma servidão de vistas que os mesmos intencionalmente lesaram. [artigo 21º da contestação];

20-Ficando os RR., inclusive quase que impedidos de aceder ao imóvel. [artigo 22º da contestação];

21-A situação reportada no artigo 14º da contestação referente às águas, acontece com exclusiva culpa dos próprios AA. que com a sua actuação retiraram a permeabilização natural do terreno, que durante décadas foi eficaz, tudo por quererem uma entrada mais estética, supõe-se, não ponderando os contras da sua actuação. [artigo 28º da contestação].

                                                                       *

3.2 – Os RR./recorrentes sustentam terem sido incorrectamente julgados os factos dados como não provados constantes dos pontos “4-” (devendo ser dado como provado que o prédio dos RR. tem uma área total de 110 m2), “15-” (devendo ser dado como provado que a área que efectivamente corresponde aos AA. é de 66 m2 e não de 77,5 m2), “16-” e “17-” (devendo ser dado como provado que os AA. intencionalmente alteraram após mais de 25 anos de posse do referido terreno, as áreas com o intuito de fazer valer a sua pretenção ilegal de manutenção da construção efectuada que excede o limite da sua propriedade), bem como os factos dados como provados sob alínea “2.” (devendo considerar-se provada que a área que pertence aos AA. apenas corresponde a 66m2, considerando-se ilidida a presunção da posse referente aos restantes 11,5m2, como consta das certidões originárias e de toda a prova produzida nos presentes autos).

Que dizer?

Vamos obviamente proceder à apreciação da pretensão dos mesmos tendo em conta os argumentos que erigiram para fundamentar a sua crítica quanto aos factos dados como não provados que referenciam.

Vejamos então.

No capítulo das “provas que impõem decisão diversa da recorrida”, os RR./recorrentes sustentam enfaticamente que “todo o depoimento das testemunhas ouvidas em sede de audiência, bem como a prova documental produzida (…) deveria levar a decisão diversa da recorrida”, sendo que invocam “nomeadamente”:

“-a cópia da inscrição matricial relativo ao prédio titulado pelos AA., junta a fls. 9;

-a cópia da certidão da inscrição na Conservatória do Registo Predial do Fundão do prédio titulado pelos AA., com causa em usucapião, junta a fls.10;

-a cópia da planta de implantação do local, junta a fls. 11;

-a cópia da escritura de compra e venda relativa ao prédio dos RR., junta de fls. 33 a 37;

-a cópia da inscrição matricial do prédio adquirido pelos RR., junta a fls. 38;

-a cópia do requerimento apresentado pelo R. marido na Câmara Municipal do Fundão, recebido em 16.08.2012, denunciando a construção do anexo por parte dos AA., junto a fls. 40;

-a cópia do oficio do Município do Fundão, em resposta, informando da respectiva participação, datado de 22.08.2012 e junto a fls. 41;

-o registo fotográfico junto de fls. 45 a 47; 51; 55 e 59;

-a informação prestada pelo Município do Fundão, a fls. 170, e o respectivo ofício junto em sede de julgamento, onde se dá conta da falta de licenciamento da obra dos Autores;

- a Inspecção judicial levada a cabo no local.”

Desde logo não pode deixar de se constatar que este concreto conjunto de meios  de prova também foi invocado – e “ipsis verbis” – na “Motivação” constante da sentença recorrida…

Senão vejamos:

«A convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica e conjugada da prova documental, pericial e testemunhal produzida nos autos, tendo em consideração as regras de experiência comum e os juízos de normalidade, coadjuvado pela inspecção judicial realizada ao local em causa, sempre prestimosa numa percepção concreta da realidade sub judice.

Concretizando, foi decisiva para a decisão da matéria de facto a análise dos documentos juntos aos autos, em especial:

-a cópia da inscrição matricial relativo ao prédio titulado pelos AA., junta a fls. 9;

-a cópia da certidão da inscrição na Conservatória do Registo Predial do Fundão do prédio titulado pelos AA., com causa em usucapião, junta a fls.10;

-a cópia da planta de implantação do local, junta a fls. 11;

-a cópia da escritura de compra e venda relativa ao prédio dos RR., junta de fls. 33 a 37;

-a cópia da inscrição matricial do prédio adquirido pelos RR., junta a fls. 38;

-a cópia do requerimento apresentado pelo R. marido na Câmara Municipal do Fundão, recebido em 16.08.2012, denunciando a construção do anexo por parte dos AA., junto a fls. 40;

-a cópia do oficio do Município do Fundão, em resposta, informando da respectiva participação, datado de 22.08.2012 e junto a fls. 41;

-o registo fotográfico junto de fls. 45 a 47; 51; 55 e 59;

-a informação prestada pelo Município do Fundão, a fls. 170, e o respectivo ofício junto em sede de julgamento, onde se dá conta da falta de licenciamento da obra dos Autores.

Mais, ajudou, a formar a convicção do Tribunal a inspecção judicial ao local de que é testemunho e auxiliar o registo fotográfico aí realizado (e disponível no H@bilus e em suporte digital junto aos mesmos).

No local procedeu-se à medição da largura do "logradouro" mencionado no ponto 1 da factualidade dada como provada; verificou-se então que o mencionado "logradouro", na sua parte Sul, tem uma largura de 1,10 metros, e separa a parte Nascente da casa dos autores da parte Poente da casa dos réus; na sua parte Norte tem uma largura de 1,5 metros entre aquelas duas casas; neste segmento o pavimento é em terra.

Mais se constatou que o restante pavimento, que dá acesso a uma porta da casa dos réus, foi alteado com cimento, existindo um degrau que vai da parte Norte da casa ocupada pelos autores à casa situada em frente.

Da análise do observado na inspecção judicial, e igualmente vertido no registo fotográfico aí realizado temos que se mostra absolutamente demarcada a área urbana dos prédios em questão, inexistindo qualquer marco ou outro elemento físico que permita, sem mais, o domínio do logradouro, por parte de qualquer um dos prédios urbanos.

Todavia, o que é por si só bastante revelador, visitado o local tornou-se evidente que saídos do caminho principal para o “beco” onde estão ambos os prédios, é o prédio ocupado pelos Autores aquele que se mostra servido, ao nível dos seus acessos principais (desde logo porta principal e de anexo), pela área que os divide.

Dito de outro modo, o acesso á via pública por parte da fachada principal do prédio urbano ocupado pelos Réus faz-se por outro local (directamente confrontante com a rua), sendo que aquela área privilegia, na parte não em ruínas do prédio referido em 6. e 15., o acesso á “loja” ou “dispensa”, onde se percebeu que os Réus guardam, nomeadamente, instrumentos agrícolas e objectos afins (cfr. registo fotográfico realizado do e para o interior daquela divisão, que os RR. sustentam ser frequentemente alagada por intervenção dos AA.).

Foi ainda relevante o relatório pericial junto de fls. 155 a 169 (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

Desde logo, muito embora o relatório não tenha sido peremptório na conclusão a retirar quanto á extensão da propriedade registada a favor dos autores, com algumas oscilações de área, porquanto são diferentes as descrições na conservatória do registo predial e nas inscrições matriciais, importará ter em conta as medições levadas a cabo pelo Sr. Perito e plasmadas no relatório (vide fls. 159), conjugando as mesmas com os depoimentos, em particular, de (…) (a que voltaremos infra).

De acordo com as medições operadas, por via do levantamento topográfico, a casa de habitação tem uma área de 49,63m2 e a dependência 15,37, sendo que relativamente ao logradouro cabe 9,24 m2, totalizando tudo a área de 76,24m2.

Tendo por princípio o revelado nos depoimentos das testemunhas referidas e que a totalidade da “disponibilidade” do logradouro é pertença do prédio urbano descrito a favor dos Autores, então temos que as medidas do levantamento topográfico são as que mais se aproximam das medidas constantes na descrição da conservatória predial e que os Autores invocam a seu favor.

Nessa medida, entendeu o Tribunal considerar as conclusões ínsitas no relatório, conjugando estas com o facto das testemunhas acima referidas terem sido peremptórias em afirmar que o segmento de terreno retractado na fig. 5 do relatório (pág. 161), sem qualquer edificação, é parte integrante do prédio descrito a favor dos Autores, ficando clarificados os limites e confrontações dos prédios em causa.

Ademais, o relatório, conforme aliás se havia constatado na inspecção realizada ao local, é já absolutamente claro nas consequências que as obras que os Réus levaram a cabo (cimentação de parte do acesso á sua loja – criação de um maciço de cimento no logradouro) trouxeram para a casa e anexo dos Autores, sendo evidente que, em situações de pluviosidade, a acumulação de águas naquele espaço acaba por determinar a sua infiltração naquele imóvel (cfr. pág. 161).

Como acabamos de referir, o relatório pericial relevou, em particular, conjugado com os depoimentos produzidos pelas testemunhas (…).

Concretamente o depoimento de (…), nascida em 1935 e prima dos autores (afirmando que tal facto não a impedia de dizer a verdade), foi de extrema importância, porque revelador de um conhecimento do local que remonta á década de 30, tendo a mesma trazido uma descrição dos prédios em causa, suas confrontações e alterações, detalhada, objectiva e isenta.

Por via deste depoimento foi possível ao Tribunal aferir com segurança a delimitação das áreas correspondentes aos prédios das partes – nomeadamente que o logradouro em causa sempre foi parte integrante do prédio dos Autores, tendo os seus antecessores, familiares dos antecessores dos Réus do prédios destes, admitido a construção que ali fizeram e que hoje se reporta a uma loja no piso inferior e um piso superior servido por uma janela - correspondendo a linha de construção ali implantada com a delimitação do terreno dos mesmos, inexistindo qualquer dúvida de que o logradouro onde não se encontra construída qualquer edificação (cfr. fig. 5 do relatório pericial e correspondentes registos operados na inspecção judicial) é e sempre foi parte integrante do prédio registado a favor dos Autores, tendo os seus antecessores sempre permitido que os antecessores dos Réus acedessem ao seu prédio, pelas traseiras, usando o seu (dos Autores) logradouro.

Esta testemunha, com rigor, assertividade e coerência, esclareceu que

 (…)

Esta descrição do sucedido foi corroborada pela testemunha (…), nascida em 1950, que aos costumes disse ser prima da autora (…) e dos Réus, por parte do marido, sendo que apesar de residir actualmente no Barreiro, tendo saído das Quintãs com 20 anos, ali vai periodicamente visitar a prima, conhecendo bem o local em causa.

A testemunha mostrou-se, á semelhança da anterior, descomprometida com o desfecho dos autos, tendo começado por explicar que

 (…)

Evidente, pois, a razão de ciência desta testemunha (a qual, contrariamente ao seu irmão João Cerdeira Jorge, também inquirido nos autos, revelou isenção e objectividade na descrição que realizou).

A testemunha atestou que

 (…)

Absolutamente claro e com bastante razão de ciência este depoimento, da filha dos anteriores proprietários do prédio hoje dos réus, que, corroborando o anterior e o avançado no relatório pericial, não deixou qualquer dúvida ao tribunal de que aquele espaço sempre foi parte integrante do prédio hoje dos autores.

Acrescente-se que o argumento avançado em alegações de que se aquele espaço fosse parte integrante do prédio dos autores estes teriam construído até ao seu extremo é, no mínimo, de fraca vaia.

                Com efeito, conforme explicado por estas testemunhas, os anteriores proprietários do prédio hoje titulado pelos réus eram pessoas bastante humildes, sendo que, tendo vários filhos, se viram na necessidade de ampliar a casa e, assim, o que faz sentido e vai de encontro às regras de experiência comum, seria que estes (antecessores dos réus) ocupassem toda a área de que dispunham, a qual, como visto no local, não incidiu sobre o logradouro e aquela parte em particular.

Por outro lado, como antes ali estavam porcos e os autores acabaram por destruir tal curral, tendo antes admitido a construção dos réus e a abertura daquela janela, vai igualmente de encontro ás regras de experiência comum e do normal acontecer, que tenham deixado um espaço entre a sua construção e aquele imóvel, não se podendo daí inferir, sem mais, que assim estariam de alguma forma a reconhecer qualquer pretensão dos réus àquele espaço.

Foi particularmente relevante o facto da testemunha ter afirmado que terá sido o seu irmão João (testemunha apresentada pelos Réus) quem terá tratado da venda da propriedade aos Réus, desde logo, porque muito embora a mesma estivesse integrada na herança indivisa – por via da morte dos pais -, ao mesmo calhou em sorte derivado de partilhas extrajudiciais, aquela propriedade.

Isto, não obstante ter assegurado que a própria nunca poderia ter dito que aquela parte em concreto fazia parte do imóvel vendido aos réus, porque não corresponde á verdade, desconhecendo em que termos o seu irmão terá esclarecido os Réus das confrontações da propriedade que vendia.

Importante igualmente foi a circunstância de, ao contrário de seu irmão, ter assegurado que de nenhuma forma houve alguma necessidade de separar, com marcos ou de outra forma, as propriedades, uma que o logradouro era apenas do prédio dos autores.

Ademais, referiu que o logradouro era de terra batida e as águas da chuva sempre escoaram naturalmente, através do sítio onde estava o curral dos autores.

Como se salientou, também esta testemunha, em harmonia com a anterior, revelou conhecimento directo e circunstanciado dos factos, bem como se mostrou distante e desinteressada do conflito subjudice, o que já não se dirá do depoimento protagonizado pelo seu irmão.

No mesmo sentido foi igualmente o depoimento prestado por (…), emigrante reformado, nascido em 1940 e a residir no Fundão, o qual foi criado nas Quintãs, onde esteve até aos 14 anos.

A testemunha, que referiu ter estado cerca de 50 anos sem ali passar, explicou que

 (…)

Sem qualquer relevo foi o depoimento da testemunha (…), casada com a testemunha anterior, que também referiu já não frequentar o local em causa há mais de 50 anos.

O mesmo se pode dizer do depoimento de (…), aposentado da GNR, residente nas Quintãs, que apenas conhece o local por passar na rua, sendo o seu conhecimento circunscrito a que antes se conseguia ver a janela da propriedade dos Réus e agora (tendo ido lá acerca de um mês) a mesma já não se vê, por via da edificação levada a cabo pelos Autores.

Protagonizando um depoimento errático, por vezes contraditório e manifestamente comprometido com o desfecho dos autos, em grande medida derivado do facto de ter ele quem vendeu a propriedade aos réus, aparentemente sustentando que o logradouro era daquele prédio, a testemunha (…), taxista, nascido em 1952 e residente nas Quintãs, aos costumes disse ser primo dos autores, com os quais está de relações cortadas.

Efectivamente, como se adiantou, a testemunha começou por descrever a propriedade que vendeu aos Réus, nos termos por estes sustentados, pese embora sem sucesso e sem qualquer outra sustentação, tendo mesmo no final chegado a dizer que não disse aos réus compradores se aquele espaço era (ou não) parte integrante do prédio que vendia...

Assim, pese embora refira não se recordar como eram as pocilgas, pese embora tenha assegurado que onde é a cozinha do prédio que vendeu antes existia uma pocilga, de forma reiterada e manifestamente interessada, tentou convencer o Tribunal que entre a pocilga que pertencia aos seus pais e a dos tios (prédio dos Autores) existia um intervalo, onde passava uma pessoa, sendo que depois de ter sido construída a cozinha, nesse espaço, o seu pai “arrumou” uma pedra com metro e meio de comprimento e meio metro de largura (não explicando como e depois assumindo saber da pedra “por ouvir dizer”!?, esclarecendo que não viu o seu pai colocar a dita pedra ou saber o destino que teve).

Não sabendo explicar porque, tendo afirmado que o pai fez a parte da cozinha no sítio onde tinha a pocilga, aquele não a fez até á suposta extrema da sua propriedade, explicou depois que teria 12 anos aquando das obras…

Com efeito, assente o facto de que, quer a casa pertença dos seus Pais, quer a dos seus tios, eram de diminuta volumetria, necessitando ambos de aumentar as suas áreas, normal seria que os seus proprietários, podendo, o iriam fazer no mais que pudessem, aproveitando todo o espaço útil possível para construção. Não faz pois sentido que os pais da testemunha, ao construírem a cozinha de que fala, não o tivessem feito no limite da sua propriedade, deixando uma faixa livre de terreno, que a própria testemunha nem conseguiu delimitar, sem qualquer destino ou afectação, como o próprio acaba por reconhecer.

Mostrou-se, pois, absolutamente desconforme com as regras da experiência o por si descrito, bem como em total contradição com o observado no local e o que havia sido dito, nomeadamente pelas testemunhas (…) (sua irmã).

Confirmando como antes se fazia a drenagem natural das águas da chuva, revelou nada saber quanto ás infiltrações de que os autores se queixam.

Não pôde, assim, o Tribunal dar como provada a factualidade alegada pelos Réus, inexistindo qualquer elemento probatório que, sequer de forma indirecta, a fizesse ter por verosímil e verdadeira.

Nenhuma prova se fez, pois, quanto a um qualquer impedimento de acesso por parte dos Réus ao seu prédio, pelo logradouro dos Autores; quanto ao suposto acordo invocado pelos Réus, que teria sido violado pelos Autores, bem como á actuação e prejuízos que os primeiros imputam aos segundos, sendo que ao nível das consequências invocadas pelos autores, o Tribunal não pode, por falta de meios probatórios mobilizados nesse sentido, ir mais longe do que a factualidade acima dada como provada transparece.

Quanto aos demais factos não provados, importa apenas referir que relativamente aos mesmos não foi feita qualquer prova.»

Neste quadro, queremos desde já vincar que a opção pela reprodução que vimos de fazer deste segmento da “Motivação” cumpre uma função muito particular e decisiva.

É que perfilhamos o entendimento de que quando há impugnação da matéria de facto e ao tribunal de recurso é impetrada uma decisão à luz do disposto no art. 662º do n.C.P.Civil, a “Fundamentação”/“Motivação” do tribunal a quo vai ser o objecto precípuo da atenção do tribunal de recurso, pois que o labor deste se orienta para a detecção de qualquer “erro de julgamento” naquela decisão da matéria de facto, em termos da apreciação e valoração da prova produzida (não podendo obviamente limitar-se à análise da coerência e racionalidade da fundamentação da decisão de facto operada pelo tribunal a quo).

Sendo certo que, “não bastará uma qualquer divergência na apreciação e valoração da prova para determinar a procedência da impugnação, sendo necessário constatar um erro de julgamento”.[2]

E assim o é em atenção ao entendimento de que a efectiva garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto (consignado no art. 662º do n.C.P.Civil), impõe que a Relação, depois de reapreciar as provas apresentadas pelas partes, afirme a sua própria convicção acerca da matéria de facto questionada no recurso, não podendo limitar-se a verificar a consistência lógica e a razoabilidade da que foi expressa pelo tribunal recorrido.

É este, afinal, o verdadeiro sentido e alcance que deve ser dado ao princípio da liberdade de julgamento, fixado no art. 607º, nº5 do n.C.P.Civil.

Que dizer no caso vertente?

Revertendo mais uma vez às alegações recursórias dos RR./recorrentes, temos que estes começam por questionar a convicção adquirida pelo Exmo. Juiz a quo por via da inspecção judicial ao local – cujo trecho constante da “Motivação” transcrevem, sendo que o mesmo supra se encontra reproduzido  – invocando para tanto a seguinte ordem de razões:

Não entendem os RR. como pode o Douto tribunal concluir por esta afirmação, quando o acesso a toda a área do imóvel dos RR. se faz pelo beco, quer o acesso ao imóvel principal, quer ao seu anexo, não existindo entrada por mais nenhum lado, pois o que se encontra para a outra rua é um quintal e não a fachada principal, nem as entradas principais do anexo.

Ora, salvo o devido respeito, os RR./recorrentes assim argumentam como sofistas, na medida em que o Exmo. Juiz a quo apenas disse que o acesso à via pública por parte da fachada principal da casa dos RR. se fazia por local directamente confrontante com a via pública – não que tal não fosse contíguo ou na continuidade do “beco” em referência…

Na verdade, efectuando a devida “leitura” do que foi explicitado na “Motivação” atinente a este particular, designadamente no confronto com as plantas de “implantação” dos prédios ajuizados elaborados pelo Exmo. Perito que fez a perícia (cf. fls. 159 e 164/165), o que se extrai é que o dito “beco” se desenvolve em vários ângulos, mas tem o seu início junto de uma via pública para a qual directamente confronta a parte mais importante da fachada principal dessa casa dos RR., onde naturalmente se encontra a “porta principal” da mesma …

Depois, invocam os RR./recorrentes que o relatório pericial não conseguiu ser peremptório na extensão das áreas das propriedades!

Acontece que igual asserção se encontra explicitada e invocada na “Motivação” constante da sentença recorrida, mas sem que em consequência de tal o Exmo. Juiz a quo se visse na “obrigação” de concluir por um “non liquet” nesse particular…, antes pelo contrário, veio a concluir positivamente (mais concretamente, de forma consentânea com a versão dos AA.)!

 Finalmente, invocam os RR./recorrentes que “todo o depoimento das testemunhas” e que “nenhuma das testemunhas” e bem assim que “nenhuma das mesmas (testemunhas)” – como sustentáculo da sua pretendida versão dos factos, no que aos pontos impugnados diz respeito – para finalizar com uma apreciação crítica de um segmento da “Motivação” constante da sentença recorrida.

Acontece que neste particular, os RR./recorrentes pouco mais fazem do que sustentar uma (a sua) versão dos factos e subjectivista convicção.

Sendo certo que quanto ao que qualquer das testemunhas teria dito na audiência, não procedem à reprodução literal e textual do que teriam dito em segmentos a que entendem ser de atribuir maior relevância, nem, aliás, o fazem da integralidade de qualquer depoimento…

Acrescendo que nem sequer identificam em concreto e especificadamente uma qualquer das testemunhas que estão em causa, nem, por maioria de razão, indicam a localização temporal em termos de gravação onde se situam as passagens a que entendem ser de atribuir maior relevância!

            Que dizer então?

Consabidamente, por força do estatuído no art. 640º do N.C.P.Civil[3], o recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto encontra-se adstrito à realização de vários ónus previstos nos nºs 1 e 2 desse preceito, sob pena de imediata rejeição do recurso.

Na verdade, lê-se em tais disposições:

“1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 — No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.”

Tendo presentes estas legais prescrições, e revertendo à situação sub iudice, ao confrontar as alegações recursórias, desde logo se pode constatar que essa rejeição tinha de ocorrer com fundamento no nº2 desse dito normativo, com referência à al.b) do nº1 do mesmo.

Na verdade, tendo em conta que houve prova produzida em sede de julgamento, não especificam nem explicitam os RR./recorrentes a concreta razão da discordância, isto é, em que termos é que se evidencia o invocado erro de julgamento na apreciação da prova testemunhal e, em contraponto, qual o mais correcto modo da sua apreciação.

Aliás, nem sequer cuidaram de invocar um qualquer excerto de depoimento (de uma qualquer das testemunhas!), por pequeno que fosse, e muito menos explicitaram o porquê da maior credibilidade que deveriam ter merecido (pela razão de ciência que tivessem apresentado!), donde, com o devido respeito, não conseguem evidenciar – convincente e concludentemente – quanto aos pontos de facto questionados, em que medida e termos é que a “prova testemunhal” poderia ou deveria conduzir à convicção factual reclamada …

Acontece que tem sido doutamente sustentado em arestos desta mesma Relação de Coimbra, que   

1. Os artigos 712.º e 690.º-A do CPC impõem ao recorrente que pretenda a reapreciação da prova por parte da Relação que fundamente a sua discordância em relação ao decidido na 1.ª Instância, que identifique os concretos erros de julgamento da 1.ª Instância, que indique os concretos meios probatórios que foram mal apreciados e que, apreciados do modo pretendido, devem conduzir a decisão diversa, suficientemente enunciada e sugerida, da proferida na 1.ª Instância.

2. É sempre insuficiente um pedido mais ou menos global e genérico para levar a Relação a reapreciar a prova.[4]

Note-se que ao referir-se a “concretos meios probatórios” a lei está a colocar a exigência de que se alegue o porquê da discordância, que se apontem as passagens precisas dos depoimentos que fundamentam a concreta divergência, que se explique em que é que os depoimentos contrariam a conclusão factual do tribunal recorrido.

Exigência esta também imposta pelo princípio do contraditório, pela necessidade que a parte contrária tem de conhecer os argumentos concretos e devidamente delimitados do impugnante, para os poder contrariar…

Assim, porque não se mostra efectuado pelos RR./recorrentes a indicação legalmente estabelecida, só não se rejeitou liminarmente – com o sentido de não se proceder – o escrutínio da decisão de facto, porque também se mostra invocado para fundamentar a reapreciação da matéria de facto outros meios probatórios, mormente a “prova documental produzida” em audiência.

O que tudo serve para dizer que a reapreciação/alteração à matéria de facto fixada pela tribunal a quo não levará em conta a prova testemunhal produzida em audiência …

Resta-nos apreciar os documentos juntos aos autos!

Mas qual deles em concreto poderá assumir relevo decisivo?

Eis uma nova interrogação sem reposta.

Tenha-se em conta que está nuclearmente em causa nas alegações recursivas dos RR. /recorrentes – no que à impugnação da matéria de facto diz respeito – a positiva afirmação de que o prédio dos próprios (art. matricial 401º) tem uma área total de 110 m2 e, por outro lado, que a área que efectivamente corresponde ao prédio dos AA. (art. matricial 400º) é de 66 m2 – e não dos 77,5  m2 que se encontram dados como provados (sendo esta última área fruto de alteração registral ilegal feita pelos AA. já após a ampliação não licenciada da construção nele pré-existente).

Ora, quanto à efectiva área do prédio dos RR. ser de 110 m2, nenhuma prova alegam que tenha sido produzida nesse sentido, antes se limitando a argumentar, conclusivamente, que assim deveria ser, por tal área corresponder à que se encontra inscrita na escritura e respectiva certidão…

Salvo o devido respeito, esta argumentação só se compreende como fruto de um qualquer equívoco ou deficiente compreensão dos conceitos legais – na medida em que a escritura e respectiva certidão eram por si só inconcludentes para provar a efectiva/real área do prédio em causa.

Na verdade, como bem nessa parte, aliás, se vincou na sentença recorrida, no que à presunção constante do art. 7º do C. R. Predial diz respeito, a saber, que o “registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”, vem constituindo hoje entendimento praticamente pacífico que a presunção juris tantum inserta em tal normativo não abrange os elementos de identificação do prédio constantes da descrição, sempre que exista uma desconformidade entre esta (no que concerne a algum daqueles elementos) e a realidade material do imóvel, designadamente quanto aos limites, estremas, áreas e confrontações.[5]

  Donde, por a presunção registal de titularidade constante do art.7º do C. R.Predial não abarcar os elementos da descrição registal (mas apenas o que resulta do facto jurídico inscrito tal como foi registado), temos que se impunha aos RR. alegar – para provar – que a área efectiva e real do seu prédio era dos ditos 110 m2[6], o que não lograram de todo fazer, nem, aliás, oficiosamente tal foi operado.[7]

Depois, no que diz respeito ao aspecto de a área do prédio dos AA. dever constar como sendo de 66 m2  – e não dos 77,5  m2 que se encontram dados como provados (sendo esta última área fruto de alteração registral ilegal feita pelos AA. já após a ampliação não licenciada da construção nele pré-existente) – temos que igualmente não explicitam os RR./recorrentes que tal assim deva ser por decisiva força de qualquer um dos documentos referenciados – ou da sua conjugação parcial ou total.

Nem, aliás, o vislumbramos nós!

Tanto mais que quer na descrição registal “1”, quer na descrição registal “2”, ambas respeitantes a este prédio dos AA., constava igualmente ter esse prédio uma área descoberta com a área de “10 m2” (cf. fls. 167-168), que plausivelmente pode ser o logradouro ajuizado…

Ao invés, o que para nós resulta é que tendo em conta a concreta fundamentação efectuada pelo Exmo. Juiz a quo na correspondente “Motivação” das respostas dadas, não pode deixar de se concluir que o tribunal de 1ª instância fez a adequada interpretação e valoração da prova testemunhal, procedendo à sua adequada e devida ponderação e concatenação com os demais meios de prova (pericial e documental), pelo menos face aos termos em que esta instância de recurso a essa prova tem acesso e lhe é possível controlá-la.

Na verdade, o Exmo. Juiz a quo expressou, a propósito desta nuclear questão de facto, o modo como analisava a prova produzida e construiu a “verdade intra-processual” resultante da prova produzida para finalmente explicar o que, em face de tal “verdade intra-processual”, irradiava em termos de respostas para os factos, isto é, temos inequivocamente que o Exmo. Juiz a quo exteriorizou e expôs, convincentemente, a fundamentação e a sua convicção.

Sendo certo que a resposta de provado dada sob a alínea “2.” constitui, em grande medida, o correlato lógico da resposta que se manteve aos factos não provados constantes dos pontos “4-”, “15-”, “16-” e “17-”.       

Aliás, em consonância com este entendimento se mostra a circunstância de se manter no actual art. 640º, nº1, al.b) do N.C.P.Civil o dever (melhor, ónus) para o recorrente de concretizar quais os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e de indicar os meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa, donde ter ele que ser conjugado com o artº 607, nº5 do mesmo n.C.P.Civil – que atribui ao tribunal o poder de apreciar livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto – pelo que, dos meios de prova concretamente indicados como fundamento da crítica ao julgamento da matéria de facto deve resultar claramente uma decisão diversa, sendo por essa razão que a lei utiliza o verbo “impor”, com um sentido diverso de, por exemplo, “permitir”.

Por outro lado, se foi atribuído valor relevante e mesmo decisivo aos depoimentos de algumas das testemunhas, tal corresponde à expressão da livre apreciação do Tribunal!

Ora, foi precisamente isso que se constata ter sucedido, na medida em que o Tribunal, em termos de livre apreciação, valorou de forma decisiva e com prevalência os depoimentos de algumas das testemunhas que referenciou, mas sempre após uma apreciação crítica correspondente e na devida concatenação com os demais meios de prova…

Enfim, tudo para dizer que não se detecta qualquer “erro de julgamento[8] por parte do tribunal a quo no particular das respostas dadas que se traduziram nos factos provados sob a alínea “2.”, e quanto aos factos não provados constantes dos pontos “4-”, “15-”, “16-” e “17-”, que assim se mantém nesses precisos termos.

Assim improcedendo a impugnação da matéria de facto!

                                                           *

4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Cumpre agora entrar na apreciação da questão igualmente supra enunciada, esta já directamente reportada ao mérito da sentença, na vertente da fundamentação de direito da mesma, a saber, ter havido desacerto da decisão de direito enquanto fundamentada na não elisão pelos RR. da presunção referida no art. 7º do C.R.Predial:

            Se bem captamos o sentido do alegado pelos RR./recorrentes, este seu fundamento tinha como pressuposto lógico e jurídico necessário dar-se como provado que o prédio deles RR. tinha a área efectiva e real de 110 m2, e bem assim que o prédio dos AA. tinha a área de 66 m2 (e não dos 77,5 m2 que se encontravam dados como provados).

            O que não ocorreu, como flui do que antecede.

            Pelo que entendemos estar só por aí fatalmente votado ao insucesso o sustentado neste enquadramento.

            Acresce que o sustentado nesta sede pelos RR./recorrentes assenta num outro pressuposto, qual seja o de os mesmos tinham logrado ilidir a presunção de que a área efectiva e real do prédio dos AA. era dos 77,5  m2 constante da descrição registal!

Ora tal sempre corresponderia a um equívoco de base!

            Com efeito, como supra cremos já ter ficado evidenciado, a presunção registal de titularidade constante do art. 7.º do C. Registo Predial – nos termos do qual “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define” – não abarca os elementos da descrição registal (designadamente os limites, estremas, áreas e confrontações), mas apenas o que resulta do facto jurídico inscrito tal como foi registado.     

            Sendo certo que quando na sentença recorrida se sustentou que “(…) também por esta via merece acolhimento a pretensão dos Autores”, com tal se reportava a aquisição do direito de propriedade “uti singuli” pelos AA..

            O que tudo serve para dizer que por esta via não decorre qualquer possibilidade de procedência para o recurso deduzido.

            Pois que se bem compulsarmos a sentença recorrida, claramente se constata que a linha de decisão – no sentido do reconhecimento da aquisição do direito de propriedade por parte dos AA. relativamente ao prédio urbano com o art. matricial 400º, sendo este com a área total de 77,5 m2 – funda-se nuclear e primacialmente em se ter dado como provado que o logradouro ajuizado, com a área de 10 m2, fazia parte integrante desse prédio dos AA., donde a ilicitude da actuação dos RR. quando procederam à cimentação nesse local (cf. facto provado sob “11.”).

            Isto é, a invocação na sentença recorrida da presunção do art. 7º do C.R.Predial só serviu verdadeiramente para sustentar – complementar ou subsidiariamente – a aquisição do direito de propriedade dos AA. relativamente ao prédio urbano com o art. matricial 400º, pois que se configurou o aspecto da área do mesmo como uma questão lateral e autónoma…   

            Sem embargo, não podemos deixar de sublinhar o completo acerto da sentença recorrida quando nela se sustentou que face à factualidade apurada, se impunha inquestionável e efectivamente concluir que os AA. lograram fazer a prova da aquisição correspondente, aduzindo para tanto que “Provado está, pois, o corpus, bem como o animus, sendo que a forma de fruição desse prédio se apresenta como pública, pacífica, contínua, titulada e de boa-fé, agindo os Autores na convicção de que eram os seus verdadeiros proprietários, isto na sequência da invocada aquisição derivada.”

            Sendo certo que os RR. nem sequer intentaram provar nos autos a invalidade da aquisição por usucapião por parte dos AA., designadamente impugnando a escritura de justificação que serviu de base à inscrição do prédio a favor daqueles…  

  Assim, sem necessidade de maiores considerações e brevitatis causa, igualmente improcede o suscitado nesta via de enquadramento pelos RR./recorrentes.

                                                           *

5 – SÍNTESE CONCLUSIVA

I – A presunção registal de titularidade constante do art. 7.º do C. Registo Predial – nos termos do qual “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define” – não abarca os elementos da descrição registal (designadamente os limites, estremas, áreas e confrontações), mas apenas o que resulta do facto jurídico inscrito tal como foi registado.

II – Mantém-se no actual art. 640º, nº1, al.b) do N.C.P.Civil o dever (melhor, ónus) para o recorrente de concretizar quais os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e de indicar os meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa, tem ele de ser conjugado com o artº 607, nº5 do mesmo n.C.P.Civil – que atribui ao tribunal o poder de apreciar livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto – pelo que, dos meios de prova concretamente indicados como fundamento da crítica ao julgamento da matéria de facto deve resultar claramente uma decisão diversa, sendo por essa razão que a lei utiliza o verbo “impor”, com um sentido diverso de, por exemplo, “permitir”.

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6 - DISPOSITIVO

Pelo exposto, decide-se a final, pela total improcedência da apelação, mantendo a sentença recorrida nos seus precisos termos.  

            Custas nesta instância pelos RR./recorrentes.

Coimbra, 10 de Fevereiro de 2015

Luís Filipe Cravo ( Relator )

António Carvalho Martins

Carlos Moreira


[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Carvalho Martins
  2º Adjunto: Des. Carlos Moreira

[2] Citámos o Ac. do T.R de Coimbra de 17-04-2012, proc. nº 1483/09.9TBTMR.C1, acessível em www.dgsi.pt/jtrc, que embora tendo sido prolatado na vigência do C.P.Civil, perfilha um entendimento perfeitamente transponível para o actual n.C.P.Civil; no mesmo sentido, veja-se A. ABRANTES GERALDES in “Julgar”, nº 4, Janeiro/Abril 2008, Reforma dos Recursos em Processo Civil, páginas 74 a 76 e o Ac. do S.T.J. de 15-09-2010, proferido no proc. nº 241/05.4TTSNT.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj, relativamente ao qual também se invoca a actualidade do entendimento nele perfilhado.

[3] De referir que este normativo corresponde ao artigo 685º-B do anterior CPC, sendo as alíneas a) e b) do nº 1 idênticas ao nº 1 do dito artigo 685º-B, com uma pequena divergência de redacção e sendo inovadora a alínea c) do nº 1 do mesmo artigo. No entanto, tendo em conta que a impugnação da decisão da matéria de facto é um recurso, por isso carente de um pedido concreto, pode legitimamente suscitar-se a dúvida sobre se esta nova alínea não tem carácter interpretativo, sendo por isso aplicável mesmo a recursos interpostos antes de 01 de Setembro de 2013. A alínea a) do nº 2 corresponde ao nº 2 do mesmo artigo 685º-B, esclarecendo que a rejeição incide sobre a parte do recurso em que não foi observado o ónus processual. A alínea b) do nº 2 corresponde ao nº 3 do mesmo artigo 685º-B do CPC.
[4] Citámos o Ac. da Rel. de Coimbra de 29-02-2012, proc. nº 1324/09.7TBMGR.C1, acessível em www.dgsi.pt/jtrc, com entendimento que persiste como perfeitamente válido no presente quadro normativo.
[5] Neste sentido, inter alia, o acórdão do T.R. de Coimbra de 26-11-2013, no proc. nº 1643/10.0TBCTB.C1, acessível em www.dgsi.pt/jtrc.
[6] De referir que não deixa de resultar dos factos provados que na descrição registal correspondente consta essa dita área de 110 m2 (cf. facto provado sob “15.”)...
[7] designadamente por via de prova pericial como feito relativamente ao prédio art. matricial 400º.
[8] Cf. sobre este ponto o douto entendimento sufragado no citado aresto da Rel. de Coimbra de 17-04-2012, supra citado na nota [5].