Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
363/21.4T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: TRABALHADORES MÓVEIS
REGISTO DOS TEMPOS DE TRABALHO
LIVRETE INDIVIDUAL DE CONDUTOR
PUBLICIDADE DO HORÁRIO DE TRABALHO
TRABALHADOR SUBORDINADO
TRABALHADOR INDEPENDENTE
Data do Acordão: 10/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DE VISEU DO TRIBUNAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 216.º DO CÓDIGO DO TRABALHO DE 2009
ARTIGO 4.º DO DECRETO-LEI N.º 237/2007, DE 19/06
ARTIGOS 1.º, 2.º E 3.º DA PORTARIA N.º 983/2007, DE 27/08
ARTIGOS 3.º, ALÍNEA A), E 7.º DO DL 117/2012 DE 05/06
Sumário: I) Não se demonstrando a existência de uma relação de trabalho subordinado entre o condutor de um táxi e o terceiro a quem esse táxi pertence, o primeiro não está obrigado à apresentação de livrete individual de condutor.

II) O condutor referido em I) também não está sujeito às regras da publicidade do horário de trabalho do trabalhador afecto à exploração de veículo automóvel que se aplicam, apenas, aos trabalhadores subordinados.

Decisão Texto Integral:








Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.- A..., LDA, com sede na ..., foi condenada pela ACT – Autoridade para as condições do Trabalho, na coima € 204 (duzentos e quatro euros), pela prática de uma contraordenação leve, prevista e punível pelo artigo 216º, nº 1 e 4 do Cód. Trabalho.


+

Inconformada com tal condenação, a arguida dela interpôs recurso para o Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, Juízo do Trabalho - Juiz 2, constando do dispositivo da respectiva sentença o seguinte:

“…Por tudo o exposto, julga-se improcedente o presente recurso, mantendo-se integralmente a decisão proferida pela autoridade administrativa, incluindo a coima e as custas em que a recorrente foi condenada”.


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II – Não se conformando com esta decisão, invocando o disposto no artº49º nº 2 do Lei 107/2009 de 14/09, dela a arguida interpôs recurso para esta Relação rematando as suas alegações com as seguintes conclusões.

(…)


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III. A 1ª instância considerou provada a seguinte factualidade:

1- A recorrente dedica-se à actividade de transporte ocasional de passageiros em veículos ligeiros.

2- No dia 24 de Março de 2019, pelas 18h50m, na rotunda acesso A25, Mangualde, estava afecto à condução da sua viatura ligeiro de passageiros coma matricula ..., propriedade da recorrente, o condutor B....

3- O condutor exercia na ocasião aludida em 2) a função de motorista, não especificando qual o horário de trabalho habitual, e, no momento da fiscalização, não apresentou livrete individual de controlo, mapa de horário de trabalho ou acordo de isenção de horário de trabalho.

4- O trabalhador nas circunstâncias aludidas em 2) exercia as funções de taxista utilizando, indispensavelmente, um veículo automóvel para o desenvolvimento da sua actividade, estando, portanto, afecto à exploração de veículos automóveis.

5- Do registo individual da recorrente não consta a prática de qualquer contraordenação.

Factos não provados:

Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão, designadamente:

- Que o condutor tivesse um contrato de trabalho celebrado com a recorrente e que efectuasse descontos para a segurança social.

- Que a relação entre a recorrente e o motorista, era, como é prática corrente no sector, um acordo de prestação de serviços, em que o condutor retirava, quando ia trabalhar, uma parcela de 30% sobre o total bruo da facturação, acrescida da gratificação, e todos os demais suplementos.

- Que era um sistema de autoliquidação diária, em que o motorista retirava a sua comissão diária (30%) sobre o apuro bruto, e entregava, diariamente, o remanescente ao proprietário do táxi.


***

(…)

A arguida recorrente foi condenada pela prática da contraordenação p. p. pelos nºs 1 e 3 do artº 216º e nº 2º al. a) do artº 554º , ambos do CT.

Dispõe o referido artigo 216.º (Afixação do mapa de horário de trabalho)

1 - O empregador afixa o mapa de horário de trabalho no local de trabalho a que respeita, em lugar bem visível.

2 –(…).

3 - (Revogado.)

4 - As condições de publicidade de horário de trabalho de trabalhador afecto à exploração de veículo automóvel são estabelecidas em portaria dos ministros responsáveis pela área laboral e pelo sector dos transportes.

5 - Constitui contraordenação leve a violação do disposto nos nºos 1 e 2.

A Portaria a que alude o nº 4 deste preceito é a Portaria 983/2007 de 27/08[1].

O seu artº 1º (objecto) preceitua: “1 - A presente portaria regulamenta as condições de publicidade dos horários de trabalho do pessoal afecto à exploração de veículos automóveis propriedade de empresas de transportes ou privativos de outras entidades sujeitas às disposições do Código do Trabalho. 2 - A presente portaria estabelece ainda a forma do registo a que se refere o n.º 1 do artigo 5.º do Decreto -Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho. 3 - O registo referido no número anterior aplica -se a trabalhadores afectos à exploração de veículos automóveis não sujeitos ao aparelho de controlo no domínio dos transportes rodoviários.

O artigo 2.º (Publicidade de horários de trabalho) determina que 1 - A publicidade dos horários de trabalho fixos dos trabalhadores referidos no n.º 1 do artigo anterior é feita através de mapa de horário de trabalho, com os elementos e a forma estabelecidos no artigo 180.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, o qual deve ser afixado no estabelecimento e em cada veículo aos quais o trabalhador esteja afecto. 2 - (…)”

E o seu artigo 3.º (Registo) diz que “o registo do tempo de trabalho efectuado pelos trabalhadores referidos no artigo 1.º, incluindo o prestado ao serviço de outro empregador, dos respectivos tempos de disponibilidade, intervalos de descanso e descansos diários e semanais, é feito em livrete individual de controlo devidamente autenticado, de modelo anexo à presente portaria (…)”

De referir ainda que o DL 237/2007 de 19/06, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva nº 2002/15/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março, relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exercem actividades móveis[2] de transporte rodoviário abrangidas pelo Regulamento (CE) nº 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, ou pelo Acordo Europeu Relativo ao Trabalho das Tripulações dos Veículos Que Efectuam Transportes Internacionais Rodoviários (AETR), veio no seu artº 4º definir a forma de registo dos tempos de trabalho desse trabalhadores móveis.

E como se lê no Ac. RL de 15.05.2019, processo 27246/18.2T8LSB.L1-4, consultável em www.dgsi.ptquer o Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho, quer os artigos 3.º e seguintes da Portaria n.º 983/2007, de 27 de Agosto, referem-se exclusivamente ao registo dos tempos de trabalho de determinadas categorias de trabalhadores (os trabalhadores móveis), a fazer através dos referidos Livretes Individuais de Controlo (LIC), nada tendo essa matéria a ver, em termos normativos e contraordenacionais, com a publicidade ou exibição dos Mapas de Horário de Trabalho por parte das entidades empregadoras que se mostra agora prevista no artigo 216.º do CT/2009 e (a manter-se vigente) no artigo 2.º da mencionada Portaria[3]”.

Como a Directiva nº 2002/15/CE, previa a sua aplicação não só a condutores móveis mas também a motoristas independentes, o DL 117/2012 de 05.06 veio regular a organização do tempo de trabalho de condutores independentes em actividades móveis de transporte rodoviário abrangidas pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006 ou pelo AETR, definindo-se trabalhador independente como aquele que “cuja actividade profissional principal consista em, sem sujeição a contrato de trabalho ou situação legalmente equiparada, efectuar transportes rodoviários de passageiros ou de mercadorias, mediante remuneração, ao abrigo de uma licença comunitária ou de outra para efectuar os referidos transportes, com liberdade para organizar a actividade e para, individualmente ou conjuntamente com outros condutores independentes, estabelecer relações comerciais com os clientes e cujo rendimento dependa directamente dos lucros” (alínea a) do artº 3º do citado DL 117/2012), sendo que a forma de registo dos tempos de trabalho e dos intervalos de descanso destes trabalhadores independentes não sujeitos ao aparelho de controlo, ou seja, não sujeitos ao tacógrafo, ficou para ser estabelecida através de Portaria (artº 7º do DL 117/2012)[4].

No caso dos autos a arguida recorrente foi sancionada por o motorista que conduzia o táxi não ter especificado qual o seu horário de trabalho habitual, e, no momento da fiscalização, não ter apresentado livrete individual de controlo, mapa de horário de trabalho ou acordo de isenção de horário de trabalho (facto 3)

Ora já se disse que publicidade do horário de trabalho e registo de tempos de trabalho são realidades distintas, que não se confundem.

O tribunal enquadrou a infracção no disposto no artº 216º do CT que se refere à publicidade do horário de trabalho e não ao registo dos tempos de trabalho, infracção que tipificou e sancionou como leve, quando a falta de apresentação de LIC é tipificada como contraordenação muito grave (nº 3, al. a) do artº14º do DL 237/07).

Aliás, no quadro normativo traçado o motorista não tinha que apresentar LIC pois não pode ser enquadrado no regime do DL 237/07 (não é trabalhador móvel na definição deste diploma) e ainda que, por hipótese, pudesse estar sujeito, como trabalhador independente[5], ao regime do DL 117/12[6] sempre pelas razões constantes do Ac. da RP citado, a recorrente não poderia ser sancionada na medida em que não foi publicada a Portaria a que se refere o nº 2 do artº 7º deste último diploma.

Ora, a publicidade dos horários de trabalho relativos aos trabalhadores afectos à exploração de veículos automóveis (artº 216º do CT e artºs 1º nº 1 e 2º da Portaria 983/07 de 27/08) refere-se à publicidade dos horários trabalhadores vinculados por contrato de trabalho, pois são estes trabalhadores que estão sujeitos às disposições do dito código (nº1 do artº 1º da Portaria).

No caso, como não se logrou provar que o condutor tivesse um contrato de trabalho celebrado com a recorrente e que efectuasse descontos para a segurança social; que a relação entre a recorrente e o motorista, era, como é prática corrente no sector, um acordo de prestação de serviços, em que o condutor retirava, quando ia trabalhar, uma parcela de 30% sobre o total bruto da facturação, acrescida da gratificação, e todos os demais suplementos e que que era um sistema de autoliquidação diária, em que o motorista retirava a sua comissão diária (30%) sobre o apuro bruto, e entregava, diariamente, o remanescente ao proprietário do táxi, mais não resta nesta situação de “non liquet” factual, considerando que estamos no domínio do direito sancionatório contraordenacional, do que absolver a recorrente da prática da contraordenação.


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IV - Termos em que deliberam os juízes desta Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar o recurso totalmente procedente em função do que, na revogação da sentença impugnada se decide absolver arguida/ recorrente da prática da infracção.

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Sem custas.

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Coimbra, 22/Outubro/2021

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(Joaquim José Felizardo Paiva)

(Jorge Manuel da Silva Loureiro)



[1] Condições de publicidade dos horários de trabalho do pessoal afecto à exploração de veículos automóveis e forma do registo dos tempos de trabalho e de repouso de trabalhador móvel não sujeito ao aparelho de controlo previsto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, ou no AETR.
[2] Entendendo-se como trabalhador móvel o trabalhador, incluindo o formando e o aprendiz, que faz parte do pessoal viajante ao serviço de empregador que exerça a actividade de transportes rodoviários abrangida pelo regulamento ou pelo AETR” - al. d) do artº 2º do DL 237/07.
[3] Negritos e sublinhados nossos.

[4]  A propósito deste artº 7º  lê-se no acórdão da RP de 17.12.2020, Procº 3771/19.7T8OAZ.P1, consultável em www.dgsi.pt que “I - Vem a arguida acusada de ter cometido a contra-ordenação prevista nos nºs 1 e 3 do art. 7º do DL 117/2012, de 05.06 por o condutor de veículo (táxi) com capacidade para o transporte de passageiros em número não superior a nove pessoas, condutor incluído e que era seu sócio gerente, não efectuar o registo da sua actividade no livrete individual de controlo .II - A Directiva 2002/15/CE foi, no que toca aos condutores independentes, transposta para a ordem jurídica interna pelo DL 117/2012, de 05.06. III - O art. 7º, nº 1, do citado DL prevê o registo dos tempos de trabalho e intervalos de descanso dos condutores independentes não sujeitos ao aparelho de controlo previsto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85, de 20 de Dezembro de 1985, alterado pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006 e, o nº 2 do mesmo, que a forma desse registo é estabelecida por portaria dos membros dos Governo responsáveis pelas áreas laboral e dos transportes. IV - Tendo em conta o nº 2 do citado preceito, a obrigatoriedade do registo a que se reporta o nº 1 apenas se poderá considerar como estando em vigor quando for estabelecida a forma de efectuar tal registo, ou seja, depois de emitida a Portaria prevista nesse nº 2. V - Não tendo, até à data dos factos em apreço nos autos, sido emitida tal Portaria, não se poderá considerar que esteja em vigor a obrigatoriedade do registo a que se reporta o nº 1 do citado art. 7º. VI - Não se poderá também considerar que a Portaria 983/2007, de 27.08 colmata a omissão da regulamentação a que se reporta o citado art. 7º, nº 2, sendo certo que tal Portaria é anterior ao DL 117/2012, foi emitida nos termos e para os efeitos do art.4º, nº 2, do DL 237/2007 (e não do DL 117/2012) e que não tem como campo de aplicação os trabalhadores independentes, mas sim os trabalhadores vinculados por contrato de trabalho
[5] A matéria de facto (cfr. factos não provados) não permite concluir se o motorista era trabalhador subordinado ou trabalhador independente.
[6] Este diploma, ainda que se entendesse ser trabalhador independente, sempre lhe seria inaplicável considerando não se tratar de um trabalhador móvel.