Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
24/15.3SBGRD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ EDUARDO MARTINS
Descritores: PENA DE MULTA
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
PRAZO DO REQUERIMENTO
Data do Acordão: 01/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DA GUARDA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.48.º DO CP; ART. 489.º, N.ºS 2 E 3 DO CPP
Sumário: I – O prazo para o condenado requerer o pagamento da multa em prestações é o definido no n.º 2 do artigo 489.º do CPP.

II - A previsão do n.º 3 do mesmo artigo tem apenas em vista os casos em que o pagamento em prestações, requerido dentro do prazo legal, é deferido ou autorizado.

Decisão Texto Integral:

         Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

                                                                                                     

                                                                                                                             
            A - Relatório:

1. Nos autos de Processo Sumaríssimo n.º 24/15.3SBGRD, que correm termos no Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, foi, em 20/6/2017, proferido o seguinte Despacho:

“Confrontado com a promoção trazida pelo Ministério Público a fls. 158, no sentido de a pena de multa que aqui lhe foi aplicada ser convertida no cumprimento de pena de prisão subsidiária, veio o condenado A... com o requerimento de fls. 166 e 167, entrado pela primeira vez nos autos no passado dia 8 de Junho de 2017, requerer que ainda lhe seja concedido o pagamento da pena de multa que lhe foi aplicada em prestações mensais.

O Ministério Público promoveu se indeferisse o requerido, por extemporaneidade.

Na verdade, e não obstante o que o condenado propugna em sentido diverso, é nossa posição uniforme e quanto a nós decorre de forma clara do disposto no artigo 489º, n.ºs 2 e 3, do Cód. de Proc. Penal, que o requerimento para pagamento de pena de multa em prestações apenas pode ser efetuado dentro do prazo para o respetivo pagamento voluntário, prazo este que no caso concreto já se esgotou no passado dia 27 de Abril de 2017.

Não sufragamos de todo a posição tomada no acórdão do Tribunal da Relação de Évora que o condenado cita, mas em todo o caso, sempre mais se dirá que, à data do requerimento do condenado aqui em apreço, a fase executiva já se havia iniciado, tendo havido lugar à pesquisa de bens ou direitos penhoráveis do condenado, sem sucesso, e daí o Ministério Público ter promovido, como já se disse, o cumprimento de pena de prisão subsidiária.

E por seu turno, é bem certo o que o condenado refere no sentido de que pode a todo o tempo proceder ao pagamento da pena de multa em que foi condenado, nem que seja com o intuito de evitar o cumprimento de pena de prisão subsidiária. No entanto, não só isso não se confunde com o prazo para pagamento voluntário e o igual prazo para formular pedido de pagamento em prestações, como também neste caso o condenado não vem propriamente proceder a qualquer pagamento, mas apenas pedir o ainda aludido pagamento a prestações.

Assim, como bem refere o Ministério Público, o requerimento agora apresentado pelo condenado a fls. 166 e 167 pelo condenado A... é claramente extemporâneo e vai por isso indeferido.

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Por seu turno, ao mesmo A... foi aplicada nestes autos a pena de 100 dias de multa à taxa diária de €6,00, num total de €600,00.

Tal condenado não procedeu ao pagamento voluntário de tal pena, nem requereu a sua substituição por trabalho a favor da comunidade, nem requereu em tempo o respetivo pagamento a prestações, tendo-o apenas vindo requerer já extemporaneamente, conforme supra lhe acaba de ser indeferido.

Por outro lado, dos autos resultam informações no sentido de que não são conhecidos bens ou direitos penhoráveis ao condenado, pelo que sempre seria infrutífera a instauração de qualquer ação executiva com vista à cobrança coerciva de tal quantia.

Nestes termos, determina-se o cumprimento de prisão subsidiária por parte do referido A... pelo período de 66 (sessenta e seis) dias, nos termos do disposto no artigo 49º, n.º 1, do Cód. Penal, correspondentes a 100 dias reduzidos a dois terços, sem prejuízo de o mesmo condenado poder a todo o tempo evitar total ou parcialmente a execução de tal prisão pagando, no todo ou em parte, a aludida pena de multa que lhe foi aplicada.

Após o trânsito em julgado do presente despacho, emita os competentes mandados de detenção, os quais devem conter as indicações constantes do artigo 491º-A, n.º 3, do Cód. de Proc. Penal.

Notifique, sendo que o condenado (para além de o ser na pessoa do seu defensor) poderá sê-lo através de via postal simples para a morada constante do respetivo TIR prestado nos autos a fls. 79, atendendo a que deste último já consta a menção prevista no artigo 196º, n.º 3, al. e), do Cód. de Proc. Penal, conforme foi introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro.”

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            2. Inconformado com tal Despacho, dele recorreu, em 11/9/2017, o arguido, pedindo a sua revogação e a sua substituição por outro que determine o pagamento da pena de multa em 12 prestações mensais, iguais e sucessivas, no valor de cinquenta euros cada, extraindo da motivação as seguintes conclusões:

            1. Nos termos do artigo 49.º, n.º 2, do Código Penal, “O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado.”

            2. O Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 18/09/2012, processo 597/08.7CBTVR-B.E1, in www.dgsi.pt, expressa: “(…). Ou seja, o decurso do prazo de 15 dias após a notificação para proceder ao pagamento da multa não preclude, só por si e sem mais, a possibilidade de requerer o pagamento dessa mesma multa em prestações. (…).”

            Lido e analisado este preceito legal, constata-se que o arguido está sempre em tempo de pagar a multa em que foi condenado, ainda que já tenha entrado em incumprimento e mesmo quando esse incumprimento tenha sido declarado.

            Aderindo à jurisprudência citada, e atentos à situação familiar do arguido – único suporte financeiro, uma família de 5 pessoas e a sua situação económico financeira, deveria o Tribunal a quo ter deferido o pagamento de parte da multa em que o arguido foi condenado em 12 prestações mensais, iguais e sucessivas, no valor de 50,00€, cada.

            Ao não assim o fazer, o Tribunal a quo violou os artigos 47.º, n.º 3, e 49.º, ambos do Código Penal.

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            3. O recurso, em 18/9/2017, foi admitido.

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            4. O Ministério Público, em 11/10/2017, respondeu ao recurso, defendendo a sua improcedência, contra-alegando, em resumo, que o despacho recorrido faz correta aplicação das normas em apreço ao caso presente.

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            5. Nos termos do artigo 414.º, n.º 4, do C.P.P., em 23/10/2017, foi sustentado o despacho ora em crise.    

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6. Instruídos os autos e remetidos a este Tribunal, o Digníssimo Procurador-Geral Adjunto, em 8/11/2017, emitiu douto parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso.

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7. Cumprido o artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não foi exercido o direito de resposta.

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            8. Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.

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            Cumpre apreciar e decidir:

De harmonia com o disposto no n.º1, do artigo 412.º, do C.P.P., e conforme jurisprudência pacífica e constante (designadamente, do S.T.J. – Acórdão de 13/5/1998, B.M.J. 477/263, Acórdão de 25/6/1998, B.M.J. 478/242, Acórdão de 3/2/1999, B.M.J. 477/271), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Acórdão do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).

            São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – artigo 403.º, n.º 1 e 412.º, n.º1 e n.º2, ambos do C.P.P. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões».  

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões extraídas da correspondente motivação (artigos 403.º, n.º 1 e 412º, nº 1 do Código de Processo Penal), uma questão vem colocada pelo recorrente à apreciação deste tribunal:

 - Saber se o requerimento efetuado pelo arguido é, ou não, extemporâneo.

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   Qual o prazo em que é admissível o requerimento para pagamento da pena de multa em prestações?

Estabelece o artigo 47.º, n.º 3, do Código Penal:

Sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda 1 ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos 2 anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação.

Por sua vez, dispõe o artigo 489.º, do CPP:

1- A multa é paga após o trânsito em julgado da decisão que a impôs e pelo quantitativo nela fixado, não podendo ser acrescido de quaisquer adicionais.

2- O prazo de pagamento é de 15 dias a contar da notificação para o efeito.

3- O disposto no número anterior não se aplica no caso de o pagamento da multa ter sido diferido ou autorizado pelo sistema de prestações.

Como é consabido, a questão não tem obtido resposta consensual ao nível da jurisprudência, sendo certo que há um tratamento praticamente uniforme nesta Relação, no sentido de que o requerimento de pagamento em prestações de pena de multa deve ser efetuado no prazo do seu pagamento voluntário, sendo exemplo disso os acórdãos proferidos nos processos 74/07.3TAMIR-A.C1 de 3/7/2013, 368/11.3GBLSA-A.C1 de 18/9/2013, 145/11.1TALSA-A.C1 de 18/9/2013, 12/12.1GECTB-A.C1 de 11/2/2015, 650/12.2TAGRD.C1 de 3/3/2015, 158/14.1GATBU-A.C1, de 29//6/2016, todos publicados em www.dgsi.pt.

Com efeito, salvo o devido respeito, temos como mais ajustada à letra e ao espírito dos preceitos em questão a interpretação segundo a qual o prazo processual estabelecido no n.º 2, do artigo 489.º, do CPP, para pagamento voluntário da pena de multa, é um prazo perentório, razão pela qual, salvo no caso de provar justo impedimento, não pode o condenado apresentar o requerimento para pagamento da multa em prestações para além do prazo de 15 dias contados da notificação para proceder ao seu pagamento voluntário.

Em resumo, o prazo para o requerimento de pagamento em prestações é o definido no citado artigo 489.º, n.º 2.

A exceção prevista no n º 3 – no caso de o pagamento da multa “ter sido diferido ou autorizado” pelo sistema de prestações – tem precisamente em vista o caso em que o pagamento em prestações “ter sido” requerido dentro do prazo legal e “ter sido diferido”.

O tempo verbal utilizado, no passado, reforça o argumento.

Na verdade, o condenado, além do prazo do trânsito em julgado da sentença, dispõe de 15 dias para o efeito.

Se o não faz, sob pena de subversão dos mecanismos processuais, sujeita-se aos trâmites subsequentes com vista ao pagamento coercivo, subsequente apuramento das razões do não pagamento e só em última instância à aplicação da prisão subsidiária.

Não requerendo o pagamento em prestações dentro do prazo legal, sujeita-se o arguido aos termos subsequentes previstos na lei, sem embargo de o condenado, a todo o tempo evitar a execução da prisão subsidiária, nos termos do artigo 49.º, n.ºs 2 e 3, do Código Penal.

Se assim não fosse, o prazo definido no artigo 489.º, do CPP, deixava de ter qualquer sentido.

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            C. Decisão:

            Nesta conformidade, acordam os Juízes que compõem a 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso.

            Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

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(Texto processado e integralmente revisto pelo relator)

Coimbra, 17 de janeiro de 2018

José Eduardo Martins (relator)

Maria José Nogueira (adjunta)