Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4390/08.9TBLRA-G.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: CONTRATO-PROMESSA COMPRA E VENDA
PROMESSA UNILATERAL
NULIDADE
DECLARAÇÃO NÃO SÉRIA
MÁ FÉ
Data do Acordão: 03/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA – 5º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 245º, 410º, NºS 1 E 2, E 411º DO C. CIVIL; 456º DO CPC.
Sumário: I – Contrato-promessa é a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato – art.º 410º, n.º 1 do C. Civil.

II - Conforme decorre dos art.º 410º, n.º 2 e 3, e 411º, ambos do C. Civil, o con­trato-promessa embora na generalidade das situações se apresente como uma promessa bilateral, também pode, somente, configurar uma promessa unilateral, consoante a obrigação de celebrar o contrato prometido tenha sido assumida por ambas as partes ou apenas por uma delas.

III - A promessa respeitante à celebração de contrato para o qual a lei exija docu­mento, quer autêntico, quer particular, só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincula ou por ambas, consoante o contrato-promessa seja unilateral ou bilateral (art.º 410º, n.º 2, do C. Civil).

IV - Não tendo aqueles que figuravam no contrato-promessa como beneficiários da promessa de venda vontade de comprar os prédios em causa, a tal declaração necessa­riamente presidiu uma expectativa de que a sua falta de seriedade não fosse daqueles desconhecida, pelo que a referida declaração “carece de qualquer efeito”, devendo, neste caso, em que não se apurou a intenção que presidiu à elaboração do documento em causa, qualificar-se o respectivo vício como nulidade, atenta a aparência de negócio.

V - As manifestações de promessa de venda e compra constantes de docu­mento que não correspondam à vontade de nenhum dos outorgantes devem considerar-se como declarações em divergência com a vontade real em que, não se demonstrando que a elas tenha presidido uma particular intenção enganosa ou não, nem que tenha ocorrido qualquer viciação da vontade, devem ser residualmente qualificadas como declarações não sérias, nos termos do art.º 245º do C. Civil, uma vez que não corporizam uma qualquer vontade vinculativa.

VI - Se a parte agiu com a consciência de que não tinha razão ou se não pon­de­rou com prudência as suas pretensas razões, a sua conduta é ilícita, impondo o art.º 456º do C. P. Civil que seja condenada em multa e numa indemnização à parte contrá­ria se esta o pedir.

Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

A Autora intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra B…, pedindo:
1. Ser chamado a intervir A…, representado pelo Adminis­trador de Insolvência, Dr. …, como associado da autora., nos termos dos arts. 28º e 325º do CPC;
2. Declarar-se resolvido o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre a D..., o chamado A… e o R., por incumprimento definitivo da parte do R. e por sua culpa exclusiva quanto aos prédios 2230 e 399 ambos da freguesia de …;
3. Condenar-se o R. a pagar à A. e ao chamado, o dobro do sinal entregue referente a estes prédios, em montante a apurar em liquidação de sentença, acrescido de juros de mora vincendos, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral paga­mento;
4. Ser proferida sentença que, nos termos do art. 830º do CC, produza os efeitos da declaração negocial em falta da R. quanto aos prédios;
Ou, em alternativa,
5. Declarar-se resolvido o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre a A., o marido e o R., por incumprimento definitivo da parte do R. e por sua culpa exclusiva do R.;
6. Condenar-se o R. a pagar à A. o dobro do sinal entregue, no montante de € 75.000,00, acrescido de juros de mora vincendos, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese:
Ø        Mediante documento particular, o Réu, em 28.08.2003, prometeu ven­der à Autora e ao então seu marido os prédios descritos no artigo 8.º da petição inicial.
Ø        A Autora e o seu então marido, declararam comprar, assinando um exem­plar que se encontra na posse do réu.
Ø        Com tal documento, a Autora e o Interveniente entregaram imediata­mente o preço dos imóveis: € 37.500,00 e ficou acordado que qualquer das partes poderia marcar a escritura, avisando a contraparte.
Ø        Em Dezembro de 2008 a Autora marcou a escritura de compra e venda para o dia 15 de Janeiro de 2009, com a colaboração de …, então curadora nomeada a A…, no âmbito do processo de insolvência de obras A…, Lda., sendo que o Réu foi avisado por carta registada com aviso de recepção datada e remetida a 27.12.2008.
Ø        Não obstante, o Réu na data e hora marcada, não compareceu, nem justi­ficou a sua ausência.
Ø        Teve agora conhecimento que o Réu vendeu os terrenos…
Para justificar a intervenção activa do Réu como seu associado invocou a necessidade da presença do mesmo para assegurar a legitimidade activa para a acção.

O Réu contestou, alegando, em síntese que o documento que está em causa nos autos, designado de contrato promessa, apenas serviu para justificar, perante o banco e/ou outras entidades, a transferência de capitais de Portugal para o Brasil, sendo por isso, um documento simulado e nulo.
Impugnou todo o conteúdo do aludido contrato promessa de compra e venda alegadamente celebrado entre a Autora, o seu ex-marido e o Réu.
Concluiu, pugnando pela improcedência da acção.
Foi apresentada réplica, na qual a Autora manteve o por si alegado na petição inicial.
Foi proferido despacho a admitir a intervenção de A...
Veio a ser proferida sentença que julgou a acção nos seguintes termos:
Pelo exposto, julgo a presente acção totalmente improcedente, por não pro­vada, e, em consequência, absolvo o réu do pedido.
Condeno a autora, como litigante de má-fé, no pagamento de multa que se fixa em 20 Uc’s.
Inconformada a Autora interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:

O Réu apresentou resposta, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.
Na sequência de despacho proferida pela Relatora, as partes foram notificadas nos termos e para os efeitos do art.º 3º, n.º 3, do C. P. Civil, para se pronunciarem sobre a possibilidade da nulidade do contrato-promessa em causa resultar da circunstância das declarações nele contidas não corresponderem à vontade das partes, conforme o con­teúdo das respostas dadas aos quesitos formulados sob os n.º 29 e 30 da base instrutória.
O Réu pronunciou-se pela nulidade do contrato-promessa, com fundamento na inexistência da vontade das partes quanto às declarações constantes do documento, tendo a Autora mantido a posição constante das suas alegações de recurso.
1. Do objecto do recurso
a) O contrato-promessa invocado deve ser considerado como uma promessa de venda unilateral válida?
b) A Autora não litigou com má-fé?
2. Dos factos
Os factos provados são os seguintes:

3. O Direito aplicável
3.1. Da existência de uma promessa unilateral de venda
Com este recurso a Autora pretende que seja considerado que o contrato-pro­messa de compra e venda que alega ter outorgado com o Réu não seja considerado nulo pelo facto de no mesmo não constarem as assinaturas dos promitentes-compradores, mas seja considerado válido enquanto promessa unilateral que vinculou o Réu ao seu cumprimento.
Contrato-promessa é a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato – art.º 410º, n.º 1, do C. Civil.
Conforme decorre dos art.º 410º, n.º 2 e 3, e 411º, ambos do C. Civil, o con­trato-promessa embora na generalidade das situações se apresente como uma promessa bilateral, também pode, somente, configurar uma promessa unilateral, consoante a obrigação de celebrar o contrato prometido tenha sido assumida por ambas as partes ou apenas por uma delas.
 A promessa respeitante à celebração de contrato para o qual a lei exija docu­mento, quer autêntico, quer particular, só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincula ou por ambas, consoante o contrato-promessa seja unilateral ou bilateral (art.º 410º, n.º 2, do C. Civil).
E quando um contrato-promessa bilateral é apenas assinado por apenas uma das partes contraentes, como ocorre no presente caso?
Qual é a validade deste contrato?
A decisão recorrida entendeu que, estando nós perante um contrato bilateral que não se encontrava assinado pelos promitentes-compradores, o contrato era nulo, por inobservância da forma prevista no referido art.º 410º do C. Civil.
Desde os primeiros tempos de vigência do Código Civil de 1966 que se registam divergências na doutrina e na jurisprudência sobre as consequências da referida situação[1] e, apesar do S.T.J. ter emitido um Assento sobre ela, não se pode considerar que essa questão se encontre pacificamente resolvida.
A jurisprudência começou por dividir-se entre aqueles que perfilhavam a tese da redução sistemática a promessa unilateral da promessa bilateral de contratar, indevi­damente assinada por apenas um dos promitentes, e aqueles que defendiam a nulidade total do contrato-promessa[2].
Esta divergência veio a ser solucionada por um assento já extraído após ter sido modificada a redacção do art.º 410º do C. Civil, mas reportando-se ainda à redac­ção original, que fixou que o contrato-promessa bilateral de compra e venda de imóveis, exarado em documento, assinado apenas por um dos contraentes é nulo, mas pode considerar-se válido como contrato-promessa unilateral, desde que essa tivesse sido a vontade das partes (Assento de 29-11-1989)[3].
A formulação adoptada parecia adoptar a tese da possibilidade do negócio ter eficácia, mas sujeita à prova que essa tinha sido a vontade das partes, o que não só colocou dúvidas sobre a qualificação dessa possibilidade de aproveitamento, mas também sobre a sua praticabilidade[4].
Apesar de toda esta polémica, as alterações introduzidas pelos Decreto-Lei n.º 236/80 e 379/86 ao regime do contrato-promessa nada vieram esclarecer, tendo-se entendido ser preferível deixar a solução do problema aos instrumentos consagrados na parte geral do Código Civil.
A jurisprudência, perante a ambiguidade daquele aresto uniformizador, divi­diu-se entre o recurso à figura da redução[5] e da conversão[6].
Na doutrina, Vaz Serra[7], Pires de Lima/Antunes Varela[8], Almeida Costa[9] Jorge de Brito Pereira[10], Luís Gonçalves[11], Abel Delgado[12], Eridano de Abreu[13], Ribeiro de Faria[14], Carvalho Fernandes[15], Calvão da Silva[16], Gravato  Morais[17] e Menezes Leitão[18], com algumas diferenças de opinião e de rigidez da solução, propende­ram para que o contrato-promessa bilateral assinado por apenas um os promi­tentes pudesse ser reduzido, nos termos do art.º 292º do C. Civil.
Inocêncio Galvão Telles[19], Santos Júnior[20], e Rodrigues Damas[21] sus­tentaram a aplicação da figura da conversão, prevista no art.º 293º do C. Civil, a qual exige que o fim prosseguido pelas partes com a celebração do contrato permita supor que elas o teriam querido, se tivessem previsto a invalidade.
Victor Calvet[22] defendeu que, se apenas uma das partes confiar na validade do contrato, o caso pode ser solucionado através da responsabilidade pela culpa in contrahendo, ou pela intervenção da figura do abuso de direito, proibindo uma situação de venire contra factum proprium. Mas se ambos confiaram na validade do contrato, a invocação da sua invalidade formal só pode ser paralisada, em casos absolutamente excepcionais, pelo abuso de direito.
Ana Prata[23] sustentou que a invocação da nulidade pelo contraente não subs­critor, nestas situações, pode gerar uma responsabilidade pela culpa in contrahendo, enquanto a invocação da nulidade pelo subscritor do contrato permite à contraparte o recurso à figura da conversão.
E Menezes Cordeiro[24], numa posição englobadora, entende que a chave des­tas soluções reside na boa fé e na confiança, preconizando uma conjugação do disposto nos artigos 292º, 293º, 239º e 334º, do C. Civil, que tenha em consideração a divisibili­dade do negócio, para, em cada caso concreto, encontrar-se a solução adequada.
No presente caso, face à escassa factualidade apurada sobre as circunstâncias que motivaram a falta de assinatura dos promitentes compradores e a vontade dos outorgantes, apenas a adesão à tese da aplicabilidade da figura da redução prevista no art.º 292º do C. Civil, permitiria conferir eficácia negocial ao documento apresentado pela Autora, qualificando-o como uma promessa unilateral.
Contudo, neste caso, não se revela necessário tomarmos posição na acima relatada querela, porque, independentemente de poder existir um vício formal que determine a nulidade do negócio plasmado no referido documento, revela-se, face à matéria de facto provada, que o mesmo sofre de um vício substancial que determina a sua invalidade.
Na verdade, apurou-se que o Réu não quis vender à Autora e a A… os imóveis constantes daquele documento nem estes quiseram comprar àquele tais imóveis.
As manifestações de promessa de venda e compra constantes daquele docu­mento não corresponderam, pois, à vontade de nenhum dos indicados outorgantes pelo que deve considerar-se que estamos perante declarações em divergência com a vontade real em que, não se demonstrando que a elas tenha presidido uma particular intenção enganosa ou não, nem que tenha ocorrido qualquer viciação da vontade, devem ser residualmente qualificadas como declarações não sérias, nos termos do art.º 245º do C. Civil, uma vez que não corporizam uma qualquer vontade vinculativa[25].
Se as declarações não sérias típicas da previsão do art.º 245º do C. Civil são aquelas a que preside uma intenção jocosa, didáctica, cénica ou publicitária, tal conceito tem, contudo, uma latitude de aplicação que lhe permite também acolher aquelas situações em que, apurando-se que a declaração não correspondeu a qualquer vontade negocial, não se apura qualquer intuito específico, enganoso ou não, nem qualquer vício da vontade. Certo é que nessas situações em que, apesar da sua aparência negocial, nenhuma das partes emitiu e entendeu a declaração com cariz vinculativo, a mesma deve ser qualificada como não séria e obedecer ao regime do art.º 245º do C. Civil.
Não tendo aqueles que figuravam no contrato-promessa como beneficiários da promessa de venda vontade de comprar os prédios em causa, a tal declaração necessa­riamente presidiu uma expectativa de que a sua falta de seriedade não fosse daqueles desconhecida, pelo que a referida declaração “carece de qualquer efeito”, devendo, neste caso, em que não se apurou a intenção que presidiu à elaboração do documento em causa, qualificar-se o respectivo vício como nulidade, atenta a aparência de negócio[26]. Como justificou Rui Alarcão, nos trabalhos preparatórios do C. Civil[27], o § 118.º, do Código alemão diz que a declaração é nula (nichtig). Mas parece-nos preferível dizer, como se faz no preceito que sugerimos, que a declaração não produz efeito. É que, no tocante aos casos em que o declaratário conhecia ou devia conhecer a não seriedade da declaração - ou, pelo menos, quanto a alguns desses casos (declarações didácticas e cénicas) - , não falta quem sustente que a declaração se não deve considerar nula, pois que nem mesmo chega a haver uma verdadeira declaração negocial.
A ambiguidade da expressão “carece de qualquer efeito” apontada por Hei­rich Hörster[28] foi, pois, intencional, visando permitir ao julgador optar pelo regime que melhor se adeqúe à aparência da declaração - nulidade, no caso de ela ter uma aparência negocial, e inexistência nas hipóteses em que nem essa aparência se verifique.
Na caso sub iudice, deve considerar-se nula a declaração subscrita pelo Réu.
Sendo ela nula, não pode produzir efeitos, pelo que não pode ser exigido o cumprimento da obrigação nela estipulada, nem o seu incumprimento gera qualquer obrigação de indemnizar.
Por estes motivos não pode proceder a acção proposta pela Autora, pelo que o recurso interposto deve ser julgado improcedente, nesta parte, mantendo-se o decidido, mas com fundamentação diversa.
            3.1 Da má-fé
A decisão recorrida condenou a Autora por litigância de má-fé na multa de 20 Ucs, condenação contra a qual esta se insurge, defendendo que a sua conduta processual não justifica aquela condenação.
Consta, a este respeito, da decisão recorrida:
Ora, face à matéria de facto constante dos pontos 21. e 22. dos factos prova­dos, parece-nos evidente existir um uso manifestamente reprovável do processo por parte da autora, criando um artifício a fim de lograr obter do réu o pagamento da quantia que alegadamente deu a titulo de sinal.
Tal comportamento é grave e subsume-se à previsão da norma citada, devendo ser punido em conformidade; ponderando a intensidade do dolo e a dimensão das suas consequências, impõe-se a sua condenação em multa, que se fixa em 20 Uc’s.
Os factos 21 e 22 têm o seguinte conteúdo:
21. A Autora tem pleno conhecimento que o Réu reside no Brasil desde o ano 1977. – resposta ao quesito 23.º da Base Instrutória.
22. E sabia que, na ocasião em que escreveu a carta mencionada em 8.º da base instrutória, o Réu se encontrava no Brasil. – resposta ao quesito 25.º da Base Instrutória.
A carta referida foi remetida ao Réu em 27 de Dezembro de 2007 a dar-lhe conhecimento da marcação da escritura para 15 de Janeiro de 2008.
Dispõe o n.º 2 do art.º 456º do C. P. Civil:
Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
 a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
 c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
 d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso mani­festa­mente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou, protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
A má-fé a que alude o citado preceito reveste-se de dois aspectos: a má-fé material, aquela a que se referem as alíneas a), b) e c), e a má-fé instrumental, a referida na alínea d).
Ao direito concreto de exercer a actividade processual são impostas limita­ções pela ordem jurídica, nomeadamente, exigindo-se que o litigante esteja de boa-fé ou suponha ter razão.
Se a parte agiu com a consciência de que não tinha razão ou se não pon­de­rou com prudência as suas pretensas razões, a sua conduta é ilícita, impondo o art.º 456º do C. P. Civil que seja condenada em multa e numa indemnização à parte contrá­ria se esta o pedir.
A decisão recorrida, considerou que a Autora fez um uso manifestamente reprovável do processo e entendeu verificado, implicitamente, o pressuposto definido pela alínea d) do nº 2 do art.º 456º do C. P. Civil, revelador de dolo indirecto, que ultrapassou, clara­mente, a lide temerária.
Com efeito, a má-fé instrumental, quer dolosa, quer com culpa grave ou erro grosseiro, esta última designada por lide temerária, a que se reporta a alínea b), diz respeito ao fundo da causa, à relação substancial deduzida em juízo.
O dever de litigar de boa-fé, com respeito pela verdade é corolário do princí­pio da cooperação a que se reporta o art.º 266º do C. P. Civil e vem consignado no art.º 266º-A do mesmo diploma legal.
Em qualquer caso, a conclusão pela actuação da parte como litigante de má-fé será sempre casuística, não se deduzindo mecanicamente da previsibilidade legal das alí­neas do art.º 456º do C. P. Civil e a responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça.
Ora os factos em que se alicerçou a decisão para esta condenação – conhe­cimento da morada do Réu e envio da carta com cerca de 15 dias de antecedência da data marcada para a escritura – poderiam ter interesse para apurar a culpa do Réu no incumprimento do contrato-promessa mas, uma vez, que esse contrato foi julgado nulo, não se chegando a averiguar do seu incumprimento, tais factos não se chegaram a projectar na lide processual, pelo que os mesmos não são suficientes para sustentar a conclusão de litigância de má-fé, devendo, por isso, a condenação da Autora ser revo­gada.
Decisão:
Nos termos expostos, julgando-se parcialmente procedente o recurso, revoga-se a decisão recorrida na parte respeitante à condenação por litigância de má-fé, confir­mando-se o demais decidido por fundamentos diversos.
Custas do recurso pela Autora e Réu na proporção, respectivamente, de ¾ e ¼.
                                                                     
Sílvia Pires (Relatora)
Henrique Antunes
José Avelino


[1] Anteriormente ao Código Civil de 1966, regia a doutrina fixada pelo Assento de 15.11.1963 : "Para documentar a promessa recíproca de compra e venda de bens imobiliários é escrito suficiente o assinado pelo promitente vendedor, em que este declara ter recebido a título de sinal da prometida venda, com designação da pessoa a quem prometeu vender, determinação do preço e especificação da coisa ".

[2] Relatam esta divergência Victor Calvet, em A forma do contrato-promessa e as consequências da sua inobservância, separata do vol. LXIII (1987), do B.F.D.U.C., pág. 54 e seg., Antunes Varela, em Sobre o contrato-promessa, pág. 20 e seg., Separata da R.L.J. nº 3749-3769, ed. 1988, Coimbra Editora, Carvalho Fernandes, em A conversão dos negócios jurídicos civis, pág. 786 e seg., ed. 1993, Quid Iuris, Jorge de Brito Pereira, em Do contrato promessa sinalagmático indevidamente assinado por apenas um dos promitentes, pág. 25 e seg., ed. 1991, A.A.F.D.L., Menezes Leitão, em Direito das obrigações, vol. I, pág. 194, ed. 2000, Almedina, Menezes Cordeiro, em Tratado de Direito Civil Português, II vol., tomo II, pág. 341 e seg., ed. 2010, Almedina, e o Parecer do Ministério Público publicado no B.M.J. n.º 391, pág. 91 e seg..

[3] Publicado no B.M.J., nº 391, pág. 101, relatado por Afonso Castro Mendes.

[4] Sobre essas dúvidas e as diferentes interpretações do Assento, vide, Almeida Costa, em Direito das obrigações, pág. 394-395, 12.ª ed., Almedina, e na R.L.J., Ano 125, pág. 222, Antunes Varela, em Das obrigações em geral, vol. I, pág. 331-335, 9.º ed., Almedina, Ana Prata, em O contrato-promessa e o seu regime civil, pág. 523 e seg., ed. 1999, Almedina, Calvão da Silva, em Sinal e contrato-promessa, pág. 59 e seg., 12ª ed., Almedina, Menezes Cordeiro, na ob. cit., pág. 343 e seg., e Carvalho Fernandes, em Convertibilidade ou redutibilidade do contrato-promessa bilateral assinado apenas por um dos contraentes, na RDES, Ano XXXV (VIII da 2.ª Série), n. 1, 2, 3 e 4, pág. 206 e seg.

[5] Acórdãos:
- do S.T.J., de 3.11.1992, no B.M.J. n.º 421, pág. 392, relatado por Ramiro Vidigal.
- do S.T.J., de 25.3.1993, na C.J. (Ac. do S.T.J.), Ano I, tomo 2, pág. 39, relatado por Miranda Gusmão.
- do S.T.J., de 21.3.1995, na C.J. (Ac. do S.T.J.) Ano III, tomo 1, pág. 125, relatado por Martins da Costa.
- da Relação do Porto, de 18.12.1995, na C.J., Ano XX, tomo 5, pág. 233, relatado por Reis Figueira.
- do S.T.J., de 9.1.1997, B.M.J. n.º 463, pág. 544, relatado por Miranda Gusmão.
- do S.T.J., de 12.3.1998, na C.J. (Ac. do S.T.J.), Ano VI, tomo I, pág. 124, relatado por Costa Soares.
- da Relação de Évora, de 2.5.2000, na C.J., Ano XXVII, tomo 3, pág. 242, relatado por Mário Pereira.
- da Relação do Porto, de 18.6.2001, relatado por António Gonçalves, acessível em www.dgsi.pt,
- da Relação de Évora, de 8.6.2006, relatado por Rui Vouga, acessível em  www.dgsi.pt,
- da Relação de Lisboa, de 6.12.2007, relatado por Isabel Canadas, acessível em www.dgsi.pt,
- da Relação de Lisboa, de 16.9.2008, relatado por Roque Nogueira, acessível em www.dgsi.pt.

[6] Acórdãos:
- da Relação de Coimbra, de 6-9-1992, na C.J., Ano XVII, tomo 4, pág. 68, relatado por Francisco Lourenço.
- do S.T.J., de 16.3.1999, no B.M.J. n.º 492, pág. 437, relatado por Torres Paulo.
- do S.T.J., de 5.11.2002, relatado por Lopes Pinto, acessível em www.dgsi.pt.
- do S.T.J., de 25.11.2003, na C.J. (Ac. do S.T.J.), Ano XI, tomo 3, pág. 161, relatado por Azevedo Ramos.
- da Relação de Lisboa, de 4.12.2007, relatado por Aveiro Pereira, acessível em www.dgsi.pt.

[7] Na R.L.J. 106º, pág. 127, 108.º, pág. 287 e 291-294, 109.º, pág. 72 e 325-326, 110.º, pág. 245, nota 1, e 111º, pág. 109-110

[8] No Código Civil anotado, vol. II, pág. 378, 4.ª ed., Coimbra Editora.
   Porém, Antunes Varela, na R.L.J., Ano 119º, pág. 214, e em Sobre o contrato-promessa, pág. 34-37, corrigiu a posição expressa no Código Civil anotado, defendendo a existência de uma presunção que o contraente subscritor não teria querido o negócio jurídico sem a vinculação da contraparte, a qual teria que ser ilidida pelo interessado na manutenção do negócio, para que este pudesse ser reduzido, nos termos do art.º 292º, do C. Civil. Com a aprovação do Assento de 29.11.1989, em Das obrigações em geral, vol I, pág. 331-335, 9.ª ed, Almedina, este autor concluiu que ficou consagrada a tese da conversão do negócio.

[9] Na R.L.J. 116º, pág. 383, 117.º, pág. 373 e 375, 119.º, pág. 21, e em Direito das obrigações, pág. 391-396, 12.ª ed., Almedina.

[10] Na ob. e loc. cit..

[11] Em À volta do contrato-promessa, na RDES, Ano XXIX, II, 2.ª Série, n.º 3 (1987), pág. 317-321, perfilhando, todavia, a posição de Antunes Varela, defendida na R.L.J. Ano 119º, pág. 214, referida na nota 8.

[12] Em Do contrato-promessa, pág. 154-155, ed. 1978, Livraria Petrony.

[13] Em O Direito, Ano 100, pág. 6, nota 1.

[14] Em Direito das obrigações, vol. I, pág. 256-258, ed. 1990, Almedina.

[15] Em A conversão dos negócios jurídicos civis, pág. 786 e seg.

[16] Na ob. cit., pág. 50 e seg.

[17] Em Contrato-promessa em geral. Contratos-promessa em especial, pág. 51-52, ed. 2009, Almedina.

[18] Na ob. e loc. cit.

[19] Em Direito das obrigações, pág. 110-117, 7.ª ed., Coimbra Editora, depois de nas edições anteriores à 6:ª ter defendido a nulidade total do contrato, por considerar que a promessa unilateral também tinha que ser subscrita por ambos os contraentes.

[20] Em Direito das obrigações, I, pág. 206-207, ed. 2010, A.A.F.D.L.

[21] Em A redução do negócio jurídico, R.O.A., 1985, vol. III, pág. 736.

[22] Na ob. cit., pág. 115 e seg.

[23] Na ob. cit., pág. 500 e seg.

[24] Na ob. cit., pág. 345-346.

[25] Igual raciocínio foi efectuado no Acórdão do S.T.J. de 9.11.1999, no B.M.J. n.º 491, pág. 238, relatado por Machado Soares.

[26] Neste sentido, Rui Alarcão, em A confirmação dos negócios anuláveis, vol. I, pág. 38-39, ed. 1971, Atlântida.

[27] Em Reserva mental e declarações não-sérias, no B.M.J. n.º 86, pág. 231.
[28] Em A Parte Geral do Código Civil Português. Teoria Geral do Direito Civil.