Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4422/17.0T8VIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EMÍDIO FRANCISCO SANTOS
Descritores: INSOLVÊNCIA CULPOSA
PRESUNÇÕES ABSOLUTAS
PRESUNÇÕES RELATIVAS
Data do Acordão: 10/26/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO COMÉRCIO DE VISEU DO TRIBUNAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGO 186.º, N.º 2 E N.º 3 DO CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (C.I.R.E.)
Sumário: I) O artigo 186.º, n.º 3, do C.I.R.E., consagra presunções relativas de insolvência culposa.

II) Por isso, os factos previstos nas diferentes alíneas dessa norma fazem presumir que o incumprimento das obrigações nelas previstas procede de culpa grave do administrador e que a situação de insolvência por criada ou agravada por acção do mesmo.

III) O artigo 186.º, n.º 2, do C.I.R.E., consagra presunções absolutas de insolvência culposa, estando vedado ao devedor a prova de que a sua acção não causou a insolvência nem a agravou, bem como a prova de que não actuou com dolo ou com culpa grave.

Decisão Texto Integral:





Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

A sociedade “ A... , Lda” foi declarada em situação de insolvência por sentença proferida em 18 de Outubro de 2017, já transitada em julgado.

A sentença declarou aberto o incidente de qualificação da insolvência.

A administradora da insolvência propôs a qualificação da insolvência da devedora como culposa e que fossem afectados pela qualificação B... , C... , D... .

O Ministério Público Pronunciou-se no mesmo sentido.

Pronunciaram-se ainda no sentido da qualificação da insolvência como culposa o H... e I... .

A insolvente, B... , D... e E... opuseram-se à qualificação da sua insolvência como culposa, pedindo a qualificação da mesma como fortuita e, caso assim se não entendesse, pediram que a culpa fosse aferida em função do bem/s e/ou valor/es certo/s de que viessem a apurar-se terem correspondido a um benefício concreto na esfera patrimonial de cada uma das pessoas afectadas pela qualificação da insolvência como dolosa no parecer da administradora da insolvência.

C... pediu que a qualificação da insolvência como culposa não a afectasse visto que nunca praticou qualquer acção dolosa ou com culpa grave.

A administradora da insolvência respondeu, mantendo a proposta de qualificação da insolvência como culposa.

O processo prosseguiu os seus termos e após a realização da audiência de julgamento foi proferida sentença que decidiu:
1. Qualificar a insolvência da sociedade “ A... Lda” como culposa;
2. Declarar afectados pela qualificação D... , B... , E... e C... ;
3. Decretar, em consequência, a inibição de D... , B... , E... e C ... para administrarem patrimónios de terceiros pelo período três anos;
4. Declarar D... , B... , E... e C ... inibidos para o exercício do comércio pelo período de três anos, bem como para ocuparem qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa;
5. Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por D... , B... , E... e C ... ;
6. Condenar solidariamente D... , B... , E... e C ... , até às forças do respectivo património, o que incluía todos os seus bens susceptíveis de penhora, a indemnizarem os titulares dos créditos sobre a insolvente, reconhecidos e não satisfeitos pela massa, pelos montantes que, de acordo com as regras de graduação dos créditos, deixaram de receber por força do atraso verificado na apresentação à insolvência, relativos à venda referida nos artigos 29.º (vigésimo nono), 32.º (trigésimo segundo) - incluindo o valor que ultrapassa o limite garantido pela hipoteca mencionada no ponto i. do artigo 17.º (décimo sétimo) – e 82.º (octogésimo segundo), a quantificar em liquidação de sentença.

Os recursos

B... , D... e E... não se conformaram com a decisão e interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo:
1. A revogação da decisão recorrida e a substituição dela por outra que qualificasse a insolvência como fortuita;   
2. Caso assim se não entendesse, a revogação da decisão recorrida e a substituição dela por decisão que não afectasse os recorrentes E... e D... pela qualificação da insolvência.

Para o efeito alegaram, em síntese, que a sentença errou na apreciação da prova, errou na qualificação jurídica dos factos e era nula por omissão de pronúncia.

A insolvente declarou que aderia ao recurso.

O Ministério Público respondeu, sustentando a manutenção da decisão recorrida.


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Síntese das questões suscitadas pelo recurso:

Saber:
1. Se a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia;
2. Se o tribunal a quo incorreu em erro ao qualificar a insolvência como culposa;
3. Em caso de resposta negativa à questão anterior, se a decisão errou ao considerar afectados pela qualificação da insolvência E... e D... .


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Visto que os recorrentes impugnaram a decisão relativa à matéria de facto apenas para o caso de o tribunal julgar improcedente a sua pretensão no sentido de a insolvência ser qualificada como fortuita (impugnação a título subsidiário), a resolução das duas primeiras questões terá por base os seguintes factos provados e não provados discriminados na sentença:

Provados:
1. A insolvente, “ A... Lda.”, pessoa colectiva n.º ... , com sede em ..., freguesia e concelho de ..., distrito de ..., encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o mesmo número desde 26 de Setembro de 2007.
2. Tem por objecto social a produção e comercialização de vinhos e outros produtos agrícolas e exploração de unidades e actividades turísticas.
3. Tem o capital social de €440.500,00, representado da seguinte forma: uma quota de €186.500,00 pertencente a D... ; uma quota de €220.250,00 pertencente a B... ; uma quota de €16.875,00 pertencente a N... ; uma quota de €16.875,00 pertencente a O... Gaspar Azevedo.
4. A sociedade obriga-se com a intervenção conjunta de dois gerentes.
5. Com a constituição da sociedade foram registados, como gerentes, B... e C ... , que renunciaram à gerência em 30-06-2008, tendo a renúncia sido registada pela AP. 1 de 06-11-2008.
6. Pela AP. 2 de 06-11-2008 foi registada na matrícula comercial da insolvente a deliberação de 20-06-2008, relativa à designação de E... e D... como gerentes da sociedade, tendo renunciado à gerência em 05-10-2011, tendo a renúncia sido registada pela Ap. 1 de 10-10-2011.
7. Pela AP. 2 de 10-10-2011 foi registada na matrícula comercial da insolvente a deliberação de 05-10-2011 relativa à designação de B... e C ... como gerentes da sociedade.
8. C ... renunciou à gerência, tendo a renúncia sido registada pela mesma em 19-06-2017, com a indicação de que teve lugar em 10-03-2017.
9. A requerida C ... remeteu aos “sócios da A... , Lda.”, para a sede da sociedade, carta registada, cuja cópia constitui o documento 1 da sua oposição que se dá por reproduzido, datada de 14 de Fevereiro de 2017, remetida em 21 de Fevereiro de 2021 e recebida em data indeterminada, mas anterior a 01-03-2017, onde declara que, com efeitos imediatos, comunica a sua renúncia ao cargo de gerente da sociedade comercial “A A... , Lda.” e que as razões da renúncia eram as seguintes: “As instalações da Adega foram vendidas pelo que ficou sem atividade. Os objetivos da empresa não existem, nem me foi dado a conhecer qual o futuro próximo e a médio prazo. Os gerentes de direito estão a ser ultrapassados pelo gerente de facto. A tesouraria ficou a cargo do Snr. E... . Os salários em atraso nomeadamente sub. de férias, sub. de Natal, janeiro. A minha posição na empresa não foi nem para processo de despedimento coletivo nem tive qualquer tipo de comunicação. Mais solicito a V. Ex.a o favor de mandar registar a renúncia agora comunicada na competente Conservatória do Registo Comercial. Bem como o pagamento das remunerações em atraso”.
10. Após a renúncia mencionada no artigo oitavo, na matrícula comercial da insolvente só consta como seu gerente o requerido B... .
11. Na matrícula comercial da requerente só se mostram depositadas as prestações de contas relativas aos exercícios 2007, 2008, 2009 e 2011 a 2015.
12. B... está registado como filho de E... e de G ... .
13. D... está registado como filho de E... e de G ... . Em 9 de julho de 1994 casou com C ... , tendo o casamento sido dissolvido por divórcio declarado por decisão de 16 de Julho de 2012.
14. No dia 17 de Setembro de 2010, E... e mulher G ... , casados sob o regime da comunhão de adquiridos, como primeiros outorgantes, D... e B... , na qualidade de únicos sócios, em nome e em representação da sociedade “ A... Lda.”, como segundos outorgantes, declararam perante Conservador no exercício de funções notariais, que consignou a escrito as suas declarações em escritura pública, intitulada de “compra e venda”, o seguinte: Os primeiros que, por aquela escritura e pelo preço de €1.200,00 (mil e duzentos euros), que já tinham recebido, vendiam à representada dos segundos outorgantes o prédio rústico, sito no ... , freguesia de ... , concelho de ... , composto por pinhal, vinha, terra de centeio e oliveiras, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... , sob o número 776 (setecentos e setenta e seis) / ... , inscrito na matriz sob o artigo 949, com o valor patrimonial para efeitos de IMT de €3.598,59 (três mil, quinhentos e noventa e oito euros e cinquenta e nove cêntimos), por sua vez, os segundos outorgantes declararam que para a sua representada aceitavam a venda nos termos exarados.
15. Em 20-09-2010 “ A... Lda.” requereu ao Serviço de Finanças de ... a rectificação da descrição matricial do prédio mencionado no artigo anterior, no sentido de passar a constar que tem a área de 68.700m2 (parte rústica) e a área de 1.500m2 (parte urbana), por ter sido participado naquele prédio, naquela data, um prédio omisso, composto por um piso e duas divisões, destinado a armazém e actividade industrial, com a área bruta de construção de 1.250m2 e logradouro de 250m2.
16. No momento da participação do referido prédio urbano foi declarado pela “ A... Lda.” que o mesmo apresenta um “custo de construção + valor de terreno” de EUR 100.000,00 (cem mil euros).
17. Sobre o prédio misto composto por armazém de um piso, pinhal, vinha, terra de centeio e oliveiras, situado em ... s, União das Freguesias de ... e ... , concelho de ... , descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 776 – freguesia de ... , inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 717 e na matriz rústica sob o artigo 1794, da menciona União das Freguesias, após a aquisição pela insolvente, foram registadas as seguintes hipotecas:
· Pela AP. 2366 de 01-10-2010 hipoteca voluntária a favor da P... , C.R.L. para garantia do capital de EUR 1.000.000,00, no montante máximo assegurado de EUR 1.400.000,00, para garantia do bom e integral pagamento de todas e quaisquer obrigações e responsabilidades contraídas ou a contrair, que derivem de qualquer operação de natureza bancária, designadamente de empréstimos, aberturas de crédito ou de outras operações de crédito, seja qual for a modalidade, a forma ou o título, inclusive de livranças, de letras de câmbio, de saques para aceite bancário, de avales, de fianças ou de outras garantias, quer derivadas de garantias bancárias, quer resultem de saldos devedores ou de descobertos em contas de depósito à ordem ou de contas de outro tipo e natureza, sendo a taxa de juro anual de 8% acrescido da sobretaxa de 4% em caso de mora, a título de cláusula penal e as despesas na importância de 40.000,00 Euros;
· Pela AP. 2739 de 05-11-2015, hipoteca legal para garantia do capital de EUR 57.188,03, no montante máximo assegurado de EUR 61.049,59 a favor do IGFSS – Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. para garantia do pagamento da quantia exequenda exigida nos processos de execução fiscal nºs 1801201400026743 e apensos; 1801201500076929 e apensos; 1801201500124648 e apensos, no valor do capital, acrescida de juros de mora vencidos, no valor de 3.039,85 euros e vincendos a taxa legal em vigor, reduzida a metade e de custas em dívida no valor de 821,73 euros;
· Pela AP. 2278 de 23-03-2016, hipoteca voluntária para garantia do capital de EUR 72.418,74, no montante máximo assegurado de EUR 90.523,43 a favor do IGFSS – Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., para garantia do pagamento em prestações da dívida exequenda, juros de mora até ao termo do prazo de pagamento da respectiva dívida, custas a contar até à data do pedido de pagamento em prestações, acrescidos de mais vinte e cinco por cento da soma daqueles valores, referente ao processo de execução fiscal n.º 1801201100052558 e apensos e 1801201500124648 e apensos, a correr termos na secção de processos de Viseu.
· Pela Ap. 2675 de 30-12-2016, foi registada hipoteca legal para garantia do capital de EUR 23.456,88, no montante máximo assegurado de EUR 26.306,71 a favor da Fazenda Nacional – Serviço de Finanças de ... , para garantia do pagamento da quantia exequenda, no montante de €23.456,88, exigida no processo de execução fiscal nº 2682201501010778 e apensos, no valor do capital acrescido de juros de mora calculados até ao mês da constituição da hipoteca, no valor de €259,55, custas processuais no valor de €2.590,28.
18. O prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 717, da União das Freguesias de ... e ... , em 17-02-2018 tinha o valor patrimonial de €264.926,17, determinado em 2016.
19. O prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 1794, da União das Freguesias de ... e ... , teve origem no mencionado prédio inscrito na matriz sob o artigo 949, e, em 18-02-2018, tinha o valor patrimonial de €1.118,31, determinado em 1989.
20. No período de 24-11-2016 a Janeiro de 2017, o valor venal do prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 776 era de €559.000,00 (quinhentos e cinquenta e nove mil euros), sendo a importância de €309.000,00 (trezentos e nove mil euros) para a parte rústica.
21. No período de 24 de Novembro de 2016 a Janeiro de 2017, o valor venal dos equipamentos mencionados no artigo 22.º, cláusula sétima, e 32.º era de €533.413,61 (quinhentos e trinta e três mil, quatrocentos e treze euros e sessenta e um cêntimos).
22. No dia 24 de Novembro de 2016, B... e C ... , na qualidade de gerentes e em representação da sociedade comercial “ A... Lda.”, como primeiros outorgantes, Q... , na qualidade de administrador da sociedade comercial “ R... .”, como segundo outorgante, declararam perante Notária, que consignou a escrito as suas  declarações em escritura pública, intitulada de “contrato promessa de compra e venda com eficácia real”, o seguinte: Os primeiros: que a sua representada era dona do prédio misto composto por armazém de um piso, pinhal, vinha, terra de centeio e oliveiras, situado em ... s, descrito sob o número setecentos e setenta e seis da freguesia de ... , da Conservatória do Registo Predial de ... , inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 717 e na matriz predial rústica sob o artigo 1794, ambos da União das Freguesias de ... e ... , que sobre o prédio incidiam: a) uma hipoteca voluntária registada pela Ap. 2366 de 01-10-2010 a favor da P... , CRL; b) uma hipoteca legal registada pela AP. 2739 de 05-11-2015 a favor do IGFSS – Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P.; c) uma hipoteca voluntária registada pela AP. de 23-03-2016 a favor do IGFSS – Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. E que por aquela escritura, a sua representada prometia vender à representada do segundo outorgante e esta prometia comprar, o mencionado prédio pelo preço de €838.493,00 (oitocentos e trinta e oito mil quatrocentos e noventa e três euros), atribuindo o valor de €600.275,00 à parte urbana e €238.218,00 à parte rústica. Ambos os outorgantes declararam ainda que atribuíam ao contrato promessa de compra e venda eficácia real, que a promessa com eficácia real ficava a reger-se pelas cláusulas constantes do documento complementar elaborado nos termos do n.º 2 do artigo 64.º do Código do Notariado, que ficava a fazer parte integrante da escritura, cujo teor se dá por reproduzido e do qual constam, entre outras, as seguintes cláusulas: - Cláusula Segunda: “Pelo presente contrato de promessa de compra e venda, a Primeira Contratante [sociedade “ A... Lda.”] promete vender à Segunda Contratante [sociedade “ R... .”] e esta promete comprar-lhe, livre de pessoas e bens e de quaisquer ónus ou encargos, e no preciso estado em que o mesmo se encontra, (…) o prédio identificado na cláusula primeira”. - Cláusula terceira: “O preço da venda prometida é de €838.493,00 (oitocentos e trinta e oito mil quatrocentos e noventa e três euros) será pago pela Segunda Contratante à Primeira da seguinte forma: a) Como sinal e princípio de pagamento a Segunda Contratante entrega nesta data à Primeira a quantia de €200.000,00 (duzentos mil euros); b) O remanescente do preço, no montante de €638.493,00 (seiscentos e trinta e oito mil quatrocentos e noventa e três euros) será pago no ato da escritura pública de compra e venda, o que deverá ocorrer no prazo de dois meses a contar da presente data, através de cheque bancário ou visado emitido à ordem da Primeira Contratante”; - Cláusula sétima: d) Todos os móveis, máquinas e equipamentos industriais, cubas de vinificação, cubas de stockagem, equipamentos de laboratório, equipamentos de escritório do imóvel (tudo melhor descrito na relação de bens que a primeira contratante entregou naquela data à segunda contratante) serão vendidos pela Primeira à Segunda Contratante pelo preço global de €811.507,00 (oitocentos e onze mil quinhentos e sete euros) no momento da outorga do contrato prometido.
23. Os prédios mencionados no artigo anterior correspondiam às instalações/estabelecimento comercial da agora insolvente, onde desenvolvia a sua actividade de produção e comercialização de produtos vinícolas e agrícolas, onde tinha fixada a sua adega e onde os seus trabalhadores exerciam as suas funções.
24. Pela Ap. 1614 de 25-11-2016, foi registada a promessa de alienação do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 776, freguesia de ... , a favor da sociedade “ R... .”, pessoa colectiva número 503 998 532.
25. Com vista ao cancelamento da hipoteca legal registada pela AP. 2675 de 30-12-2016, a sociedade “ A... Lda.” procedeu ao pagamento à Fazenda Nacional do montante total de €26.236,55 discriminado da forma seguinte:
· Em 30-12-2016 a quantia exequenda, juros de mora e custas dos processos executivos discriminados no documento 9 junto ao parecer da Sr.ª Administradora da Insolvência no valor total de €9.161,25, tendo os respectivos pagamentos sido efectuados através da conta bancária da requerida C ... ;
· Em 20-01-2017 a quantia exequenda, juros de mora e custas dos processos executivos discriminados no mesmo documento no valor total de €17.075,30.
26. Pela AP. 1651 de 23-01-2017 foi cancelada a hipoteca legal registada AP. 2739 de 05-11-2015.
27. Pela AP. 1652 de 23-01-2017 foi cancelada a hipoteca legal voluntária registada pela AP. 2278 de 23-03-2016.
28. Pela AP. 449 de 24-01-2017 foi cancelada a hipoteca legal registada pela AP. 2675 de 30-12-2016.
29. No dia 31 de Janeiro de 2017, B... e C ... , na qualidade de gerentes e em representação da sociedade comercial “ A... Lda.”, como primeiros outorgantes, qualidade e suficiência de poderes que foram verificados por consulta à certidão da matrícula comercial conjugada com a acta n.º 11 realizada em 22-10-2016, Q... , na qualidade de administrador da sociedade comercial “ R... .”, como segundo outorgante, declararam perante Notária, que consignou a escrito as suas declarações em escritura pública, intitulada de “compra e venda”, o seguinte: Ambos os outorgantes que, por contrato de promessa de compra e venda com eficácia real, outorgado por escritura pública realizada em 24-11-2016, a sociedade representada dos primeiros outorgantes prometeu vender, pelo valor de 838.493,00 (oitocentos e trinta e oito mil quatrocentos e noventa e três euros), à sociedade representada do segundo outorgante, o prédio misto, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número 776 – freguesia de ... , tendo sido atribuído ao prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 717.º o valor de €600.275,00 e ao prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 1794.º o valor de €238.218,00; que sobre o prédio em causa incidia uma hipoteca voluntária registada pela Ap. 2366 de 01-10-2010 a favor da P... , CRL, cujo cancelamento se encontrava assegurado, conforme título de distrate apresentado. Declararam ainda os primeiros, em nome da sociedade que representavam que, por aquela escritura, e dando cumprimento ao contrato, a sua representada vendia à representada do segundo outorgante, pelo valor global de €838.493,00 (oitocentos e trinta e oito mil quatrocentos e noventa e três euros), já recebido o prédio supra identificado. Declarou ainda o segundo outorgante, em nome da sociedade que representava que a para a sua representada aceitava a venda.
30. A aquisição do prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 776, freguesia de ... , foi registada a favor da sociedade “ R... ” pela AP. 2494 de 01-02-2017.
31. Pela AP. 2498 de 01-02-2017 foi cancelada a hipoteca voluntária registada pela apresentação 2366 de 01-10-2010.
32. Datada de 16-03-2017 a insolvente emitiu a factura n.º 050 2017A/7, dirigida à sociedade “ R... ” no valor de €811.507,00, relativa à venda de equipamento “conforme relação anexa”.
33. O preço da alienação do prédio misto, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número 776 – freguesia de ... e do equipamento mencionado no artigo 20.º - cláusula sétima – e 32.º, foi pago pela sociedade “ R... ” da seguinte forma:  - Em 24-11-2016 €200.000,00 através de transferência bancária para a conta da insolvente; - € 1.300.461,59 através de cheque bancário nº ...., sacado sobre o Banco DV..., S.A., datado de 31-01-2017 à ordem da “ P... ” – destinado ao distrate da hipoteca voluntária que se achava registada a favor desta última, nos termos exigidos pela mesma, com vista à liquidação dos empréstimos mencionados no artigo 35º; - €149.538,41 através de cheque bancário nº ..., sacado sobre o Banco DV..., S.A., datado de 31-01-2017, à ordem da sociedade “A A... , Lda.”.
34. A importância de duzentos mil euros foi creditada na conta bancária da insolvente em 25-11-2016 que, nesta mesma data, amortizou o valor de € 197.000,00 relativo ao saldo devedor da conta corrente .... existente na P... , CRL.
35. Com vista ao cancelamento da hipoteca voluntária registada pela apresentação 2366 de 01-10-2010, através do cheque do montante de €1.300.461,59, mencionado no artigo 33.º, a sociedade “ A... Lda.” procedeu ao pagamento à P... , CRL dos seguintes créditos:
· i. €500.333,45 (quinhentos mil trezentos e trinta e três euros e quarenta e cinco cêntimos) para liquidação do contrato de empréstimo nº 51006432542;
· ii. €311.703,16 (trezentos e onze mil setecentos e três euros e dezasseis cêntimos), para liquidação do contrato de empréstimo nº 58021323791;
· iii. €374,56 (trezentos e setenta e quatro euros e cinquenta e seis cêntimos), para liquidação do contrato de empréstimo número 51008815963, concedido à sociedade “ A... Lda.”;
· iv. €420.066,68 (quatrocentos e vinte mil e sessenta e seis euros e sessenta e oito cêntimos), para liquidação do contrato de empréstimo número ..., concedido à sociedade “ A... Lda.”;
· v. €67.983,74 (sessenta e sete mil, novecentos e oitenta e três euros e setenta e quatro cêntimos), para liquidação do contrato de empréstimo número ..., concedido à sociedade “ A... Lda.”.
36. O contrato mencionado no artigo 35º, iii. estava “garantido” por aval/livrança.
37. O contrato mencionado no artigo 35.º, iv. estava “garantido” por aval/livrança e ainda por hipoteca sobre os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de ... sob os números 890 - ...., 891 - ..., 804 - ... , 805 - ... , 133 - ... , 1168 – ... , 200 - ... e 428 – ... , que foram canceladas por força do pagamento mencionado no artigo 33.º.
38. Pela AP. 3 de 05-01-1994, foi registada a aquisição do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 428 – ... a favor de DD... de E... , no estado de casado com G ... no regime da comunhão geral de bens, por compra, e pela ap. 938 de 04-02-2009 a aquisição de ½ a favor do mencionado E... , EE... por compra a DD... e .
39. Pela AP. 4356 de 27-02-2009, foi registada a aquisição dos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de ... sob os n.º 890 – ...., 891 – ..., 804 – ... , 805 – ... , 133 – ... , 1168 – ... , 200 – ... a favor de D... , no estado de casado com C ... no regime de comunhão de adquiridos, e de B... , no estado de casado com FF... no regime de comunhão de adquiridos, por doação de E... e G ... e, bem assim, o usufruto a favor dos doadores até à morte do último.
40. Pela AP. 1790 de 24-04-2017, foi registada hipoteca voluntária sobre os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de ... sob os n.º 804 – ... , 805 – ... , 133 – ... , 1168 – ... a favor da P... , CRL para garantia de empréstimo concedido à sociedade “ F... , Lda., com sede na Rua ...., s/n ... , sendo o montante de capital de €265.000.00, o juro anual de 10%, acrescido da sobretaxa de 3% na mora, despesas no montante de €10.600,00 e o máximo garantido de €378.950,00.
41. Pela AP. 1 de 22-07-2017, foi registada a constituição da sociedade F... , Lda., que tem por objecto social a produção e comercialização de produtos agrícolas, com sede na Rua ...., s/n ... , tendo como sócios e gerentes E... , no estado civil de casado com G ... , e D... .
42. Em 28-11-2016, 09-12-2016, 12-12-2016, 23-12-2016 e 03-02-2017, a insolvente transferiu para B... € 3 400,00, € 1 435,86, €578,56, € 867,36 e € 984,68, respectivamente.
43. Em 03-02-2017 a insolvente transferiu para E... € 26 500,00 e € 50 000,00.
44. Em 08-02-2017 a insolvente transferiu para E... € 15 000,00.
45. O requerido D... contraiu em empréstimo junto da AA... , S.A., no valor de € 68 500,00 (sessenta e oito mil e quinhentos euros), que em 23-02-2016 depositou na conta bancária da sociedade insolvente para financiamento desta.
46. Daquele montante o requerido D... recebeu a título de reembolso de suprimentos os montantes de € 900,00, € 1 000,00, € 1 203,40, € 6 000,00 e €8.000,00 respectivamente em 30 de Novembro de 2016, 9 de Dezembro de 2016, 15 de Dezembro de 2016, 3 de Fevereiro de 2017 e 6 de Fevereiro de 2017.
47. O requerido D... ainda não liquidou o empréstimo mencionado no artigo 45.º.
48. Datada de 23 de marco de 2018, a Sr.ª Administradora da Insolvência enviou ao requerido D... carta registada, com aviso de recepção, cuja cópia se encontra junta a fls. 9 verso a 12 do apenso E que se dá por reproduzida, onde refere, em síntese, que, por aquele meio, na qualidade de administradora da insolvência nomeada no Processo n.º 4422/17.0T8VIS, declarava, com efeitos imediatos, resolvidos em benefício da massa insolvente os reembolsos mencionados no artigo 46.º dos factos provados nos termos do artigo 121.º, n.º 1, alínea i) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
49. Por sentença proferida em 27-11-2018 no apenso E, transitada em julgado, foi julgada improcedente a acção de impugnação daquela resolução interposta pelo requerido D... , tendo a ré Massa Insolvente de “A..., Lda.” sido absolvida dos pedidos.
50. Em 29 de Fevereiro de 2016 foi transferida, da conta bancária de C ... para a conta da insolvente, a importância de €55.000,00.
51. Em 07-12-2016, 21-12-2016, 23-12-2016, 30-12-2016, 30-12-2016, 30-12-2016, 03-02-2017 e 03-02-2017 foram transferidas da conta bancária da insolvente para a conta bancária da requerida C ... os seguintes valores: € 1 549,50, € 1 294,00, € 916,57, € 160,00, € 428,40, € 18 800,00 € 1 129,50 e € 408,00.
52. Parte dos valores mencionados no artigo anterior, em montante não concretamente apurado, foi destinado ao pagamento à requerida C ... da remuneração como gerente e do exercício das funções de contabilista certificada da insolvente e o montante de € 9 161,25 ao crédito referido no artigo 25.º.
53. A sociedade “ A... , Lda.” esteve inibida da emissão de cheques por entrada na “LUR” (“listagem de utilizadores de cheque que oferecem risco”), desde 12-07-2016 a 20-07-2018.
54. E... contactava o gerente da credora I... . a solicitar o fornecimento de aguardente, com quem negociava o respectivo preço e, depois do vencimento das facturas em dívida, transmitiu-lhe que se a agora insolvente vendesse algum património liquidava “o saldo”.
55. Em data posterior à alienação das instalações da insolvente, E... propôs entregar aos gerentes da credora I... . uma loja que não pertencia à insolvente, pretendendo com essa entrega liquidar o valor total da dívida desta credora, o que aqueles não aceitaram por considerarem que o valor do imóvel era insuficiente para o pagamento da dívida.
56. O requerido E... , emitiu os seguintes cheques, todos com a menção “não à ordem”, na frente do cheque, e, no verso, “não endossável”:
· i. Nº ..., no valor de €15.000,00 (quinze mil euros), datado de 03-02-2017, emitido a favor da insolvente, que em 06-02-2017 foi debitado na conta de depósitos à ordem com o n.º ..., de que o requerido E... era titular na P... , CRL;
· ii) Nº ..., no valor de € 10.000,00 (dez mil euros), datado de 03-02-2017, sem a menção do beneficiário, que foi debitado na mencionada conta em 06-02-2017;
· iii) N.º ..., no valor de €1.500,00 (mil e quinhentos euros), datado de 09-03-2017, que tem como beneficiário CA... , que foi debitado na mencionada conta em 10-03-2017;
· iv) Nº ..., no valor de € 11.405,94, datado de 07-04-2017, que tem como beneficiário S... , que foi debitado na mencionada conta em 11-04-2017;
· v) N.º ..., no valor de € 10 000,00 (dez mil euros), datado de 10-04-2017, que tem como beneficiário “ T... ” (corresponde à sociedade T... .), que foi debitado na mencionada conta em 12-04-2017, destinado ao pagamento de dívida da sociedade “ A... , Lda.”;
· vi). N.º ..., no valor de € 5 000,00 (cinco mil euros), datado de -02-2017, que tem como beneficiário U... , que foi debitado na mencionada conta em 27-02-2017;
· vii) N.º ..., no valor de € 5 000,00 (cinco mil euros), datado de 06-02-2017, que tem como beneficiário “ X... ”, que foi debitado na mencionada conta em 06-02-2017;
· viii) N.º ..., no valor de € 16 561,55 (dezasseis mil, quinhentos e sessenta e um euros e cinquenta e cinco cêntimos), datado de 04-02-2017, que tem como beneficiária C ... , que foi debitado na mencionada conta em 15-02-2017;
· ix) N.º ..., no valor de € 10 000,00 (dez mil euros), datado de 24-02-2017, que tem como beneficiária “ X... ., que foi debitado na mencionada conta em 06-03-2017;
· x) N.º ..., no valor de oitocentos e cinquenta euros, datado de 23-03-2012, que tem como beneficiário B... , que foi debitado na mencionada conta em 23-03-2017.
57. O requerido E... ordenou as seguintes transferências bancárias da sua conta mencionada no artigo anterior, com a referência “ A... ”:
· i. Em 16-03-2017, a transferência da quantia de €3.499,48 da mesma conta para a conta bancária de Z... , transferência essa que foi realizada no mesmo dia;
· ii. Em 19-04-2017, a transferência da quantia de €3.105,41 da mesma conta para a conta bancária de DP... – agente de execução no processo n.º 5471/16.0T8GMR, do Juízo de Execução de Guimarães, Juiz 1, em que era executada a agora insolvente, transferência essa que foi realizada no mesmo dia.
58. Pelo registo n.º ... de 03-02-2017 foi registada a propriedade do veículo de matrícula ...., da marca Renault, a favor de G ... , por transmissão da agora insolvente, tendo em 02-03-2017 sido registada a propriedade da viatura a favor de DQ... .
59. Pelo registo n.º .... de 09-02-2017 foi registada a propriedade do veículo de matrícula ...., da marca Nissan, a favor de G ... , por transmissão da agora insolvente.
60. Pelo registo n.º .... de 09-02-2017 foi registada a propriedade do veículo de matrícula ...., da marca Renault, a favor de G ... , por transmissão da agora insolvente.
61. Na sequência da solicitação da Sr.ª Administradora da Insolvência para G ... comprovar o pagamento do preço das alienações dos veículos com as matrículas ...., .... e .... esta respondeu o seguinte: “1. Eu e o meu marido emprestámos à sociedade A... , Lda. a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) para que esta procedesse ao pagamento dessa quantia junto do fornecedor T... , de ..... 2. O referido empréstimo consubstanciou-se no pagamento, por mim e pelo meu marido, dessa quantia devida pela sociedade A... , Lda. diretamente ao referido fornecedor, por meio do cheque nº .... sacado sobre a P... , cuja cópia se anexa. 3. Porquanto não dispunha de meios financeiros para nos ressarcir do empréstimo daquela quantia, a sociedade A... , Lda. deu-nos em pagamento os veículos com as matrículas 0....; ....; ...., avaliados no valor global de € 10.000,00 (dez mil euros). Com a transmissão dos veículos para a nossa propriedade (designadamente para o meu nome) eu e o meu marido considerámos totalmente liquidado o empréstimo dos € 10.000,00 que fizemos à sociedade A... , Lda. nos termos já acima expostos (…)”.
62. Datada de 23 de Março de 2018, a Sr.ª Administradora da Insolvência enviou a G ... , a carta registada, com aviso de recepção, cuja cópia se encontra junta a fls. 10 verso a 15 do apenso D (doc. 1 da p.i.) cujo teor se dá por reproduzido, onde declara resolvidos, com efeitos imediatos, os actos de transmissão da propriedade dos veículos automóveis de matrícula .... e ...., em benefício da massa insolvente, nos termos do disposto nos artigos 120.º, n.ºs 1 a 5 e 123.º do CIRE.
63. Em relação à resolução mencionada no artigo anterior, E... e mulher G ... , intentaram acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente contra a “Massa Insolvente de A... , Lda.” que constitui o apenso D.
64. Em 22-04-2013 a sociedade “A A... , Lda.” celebrou com o DR... , S.A. um “contrato de Locação Financeira Mobiliária”, com o Nº ..., tendo como objecto o tractor agrícola, com a matrícula ...., marca NEW HOLLAND, modelo T3030, no valor de € 17 699,12, acrescido de IVA à taxa de 13% num total global de €20.000,01, com início em 22-04-2013 e fim em 22-04-2018.
65. Nos termos estabelecidos nesse contrato a primeira renda tinha o valor de € 6 651,92 (seis mil seiscentos e cinquenta e um euros e noventa e dois cêntimos) e as restantes 59 (cinquenta e nove) rendas tinham, cada uma delas, o valor de €196,25 (cento e noventa e seis euros e vinte e cinco cêntimos), acrescido dos impostos às taxas legais. Ao valor das rendas acresciam as despesas de transferência em vigor, naquela data de dois euros, acrescido de IVA. O valor residual a liquidar no caso de aquisição do bem foi fixado em €353,98 (trezentos e cinquenta e três euros e noventa e oito cêntimos), acrescido de impostos que incidam sobre a venda à data em que a mesma tiver lugar.
66. A renda no valor de € 6 651,92 foi paga mediante a entrega, como retoma, de um tractor agrícola pertencente ao requerido E... .
67. Em 14-03-2017 a sociedade “A A... , Lda.”, por “contrato de cessão de posição contratual” cedeu a sua posição no contrato de locação financeira nº 11300097 a E... .
68. À data da cessão da posição contratual não se encontrava vencida e em dívida nenhuma prestação.
69. Em 14-03-2017 o valor das prestações vincendas até ao final do contrato era de €2.531,98, com o valor residual a final do contrato de €353,98.
70. Datada de 2 de Abril de 2018, a Sr.ª Administradora da Insolvência enviou ao requerido E... , a carta registada, com aviso de recepção, cuja cópia se encontra junta a fls. 14 a 21 do apenso F (doc. 1 da p.i.) cujo teor se dá por reproduzido, onde declara resolvido, com efeitos imediatos, aquele contrato de cessão da posição contratual, em benefício da massa insolvente nos termos do disposto nos artigos 120.º, n.ºs 1 a 5, alíneas a) e b) e 123.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
71. Em relação à resolução mencionada no artigo anterior, E... intentou acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente contra a Massa Insolvente de A... , Lda.” que constitui o apenso F.
72. Em 2 de Abril de 2019 foi celebrada transacção nos apenso D e F, homologada por sentença transitada em julgado, nos termos da qual os autores procediam à entrega à ré da quantia de €7.500,00 (set mil e quinhentos euros) e a viatura com a matrícula...., tendo a ré declarado que, com o recebimento deste valor e daquela viatura, reconhecia plenamente válidos e eficazes os negócios sobre os demais bens objecto das resoluções em causa nos autos, desistindo das mesmas, que se encontrava integralmente compensada de todos os eventuais prejuízos aos credores.
73. Em 24-04-2017 a insolvente liquidou as seguintes importâncias aos seus funcionários, relativas a subsídio de férias de 2015 a 2017, retribuições de Janeiro a Abril de 2017, subsídios de Natal de 2016 e 2017 e indemnização pela cessação dos contratos de trabalho:
· II... € 7.175,31;
· HH... € 8.061,42
· JJ... €9.742,50.
74. A insolvente liquidou as seguintes importâncias líquidas ao seu trabalhador GG... :
· i. €489,50 relativa a subsídio de Natal, tendo sido emitido o respectivo recibo com data de 30-11-2016;
· ii. €383,05 de vencimento e de subsídio de refeição, tendo sido emitido o respectivo recibo com data de 30-11-2016;
· iii. €495,73 relativa a subsídio de férias, tendo sido emitido o respectivo recibo com data de 30-04-2017;
· iv. €500,00 de gratificação de serviços prestados, tendo sido emitido recibo com data de 28-04-2017.
75. Em 22-05-2017, Agosto de 2017, 28-09-2017 e 18-10-2017 a insolvente liquidou ao Instituto da Segurança Social, I.P. – Centro Distrital de Viseu as seguintes importâncias: € 854,64, € 382,25, € 690,10 e € 692,06 respectivamente.
76. Em 20-06-2017 a insolvente liquidou as seguintes importâncias referentes a uvas da campanha de 2016 entregues por:
· i. Bc... €343,27;
· ii. BD... €330,91;
· iii. BE... €309,82
· iv. BF... €499,27;
· v. BG... €833,10;
· vi. BH... €62,91;
· vii. BI... € 692,37;
· viii. BJ... € 378,91;
· ix. BL... €1.860,36;
· x. BM... € 611,63;
· xi) BN... €1.141,09;
· xii. BO... €93,82;
· xiii. BP... €433,45.
77. Em 02-08-2017 a insolvente liquidou à sociedade “ BR... .” a importância de €558,71, para liquidação de dez facturas relativas ao período de 10-03-2015 a 30-06-2017.
78. Em 28-09-2017 a insolvente liquidou à sociedade “ BS... .” a importância de € 307,50, para liquidação da factura de igual valor emitida em 23-02-2017.
79. Em 18-10-2017 a insolvente liquidou à sociedade “ V... , Lda.” a importância de €1.000,00, para liquidação de quatro facturas relativas ao período de 11-12-2014 a 07-02-2015.
80. Em Outubro de 2017 a insolvente liquidou à “ CB... ” a importância de €180,35.
81. Em 25-07-2017 “A A... , Lda.” vendeu vinho de mesa tinto e branco a granel à Sociedade R... , pelo preço de €30.053,52 (factura n.º 050 2017A/8).
82. O preço foi creditado na conta bancária da sociedade “A A... , Lda.” em 25-07-2017, IBAN ...., domiciliada na P... , CRL que foi levantado na mesma data pela insolvente.
83. A insolvente liquidou as seguintes importâncias:
· i. Em 03-08-2017 a importância de €500,00 à sociedade V... , Lda., relativa a factura de Dezembro de 2014;
· ii. Em 29-08-2017 a importância de €865,01 ao Instituto da Segurança Social, I.P. – Centro Distrital de Viseu;
· iii. Em 20-09-2017 a importância de € 1 026,97 à Autoridade Tributária e Aduaneira (IVA);
· iv. Em 21-08-2017 a importância de € 110,00 à Autoridade Tributária e Aduaneira (IRS);
· v. Em 28-08-2017 a importância de € 4.652,16 à Autoridade Tributária e Aduaneira (Introdução ao Consumo);
· vi. Em 20-06-2017 pagou os seguintes valores elativos a venda de uvas a: MM... - € 917,82; NN... - € 8.423,64; OO... - € 138,91; PP... - € 416,00; RR... - € 60,36; NN... - € 737,45; SS... - € 618,18; TT... - € 1.429,82; RR... - € 50,55; VV... - € 140,00; XX... - € 326,55; ZZ... - € 290,55; BA... - € 452,72; BB... - € 457,46.
84. Nas declarações anuais de IES (Informação Empresarial Simplificada) relativas aos exercícios de 2014 e 2015 a insolvente declarou os seguintes valores:

2013 2014 2015
Vendas e serviços prestados 1.649.264,46 1.893.372,89 934.874,58
Subsídios à exploração 9.937,96 11.966,56 7.909,05
Variação nos inventários da produção 200.190,93 -482.785,91 379.051,20
Custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas 1.379.183,00 898.673,91 936.241,64
Fornecimentos e serviços externos 95.184,97 104.193,90 77.220,37
Gastos com o pessoal 172.634,52 153.661,83 129.409,47
Outros rendimentos e ganhos 37.493,66 37.648,95 37.492,55
Outros gastos e perdas 19.058,85 29.355,26 11.935,67
Gastos/reversões de depreciação e amortização 113.269,48 113.269,48 113.269,48
Juros e gastos similares suportados €113.885,91 148.072,49 90.395,96
Resultado líquido do período €2.052,54 10.771,02 709,48

Ativos fixos tangíveis 912.008,65 800.070,00 668.800,52
Ativos intangíveis 4.106,39 4.106,39 4.106,39
Acionistas / sócios 1.750,00 1.750,00 1.750,00
Ativo corrente Inventários 1.575.309,07 1.106.185,72 1.498.767,02
Clientes 640.697,17 1.124.959,49 944.857,63
Adiantamentos a fornecedores 111.428,59 85.045,09 -
Estado e outros entes públicos 8.814,98 1.336,67 1.491,65
Caixa e depósitos bancários 8.971,34 32.574,93 3.600,05
Total do capital próprio 670.123,65 726.734,51 698.462,83
Total do passivo 2.592.962,54 2.429.293,78 2.455.835,17


85. A insolvente não elaborou as contas relativas aos exercícios de 2016 e 2017 e não dispõe de relatórios de gestão.
86. Os encargos decorrentes de empréstimos contribuíram para a diminuição dos resultados da insolvente.
87. A... Lda. apresentou-se à insolvência em 28-09-2017, tendo alegado, entre outros, que tinha dívidas no montante de € 530 325,29, que não tinha património para além do que se encontrava descrito na relação de bens e que não tinha trabalhadores ao seu serviço.
88. Na relação de credores apresentada com aquela petição inicial foram indicados os seguintes credores:

Credor Montante do crédito Data de vencimento
CC... . € 537,20 31.12.2016
CD... € 19.713,40 31.12.2016

CE... . € 1.125,00 31.12.2016
CF... € 4.694,37 31.12.2016
CG... . € 196,80 31.12.2016
CH... € 2.029,45 29.06.2016
CI... . € 2.058,46 31.12.2016
CJ... . € 3.747,55 31.12.2016
S... € 15.430,91 29.06.2016
T... . € 29.579,95 31.12.2016
CL... € 2.028,73 29.06.2016
Autoridade Tributária e Aduaneira € 23.921,64 01.06.2017
CM... . € 687,57 31.12.2016
BX... € 495,00 31.12.2016
CN... € 2.377,61 31.12.2016
CO... . € 43,23 31.12.2016
I... . € 137.937,96 31.12.2016
CP... € 2.915,10 31.12.2016
CQ... . € 1.117,54 31.12.2016
CR... . € 1.191,24 31.12.2016
CS... . € 8.895,96 31.12.2016
Herança Indivisa de BZ... € 5.920,77 31.12.2016
CT... . € 6.259,51 31.12.2016
CU... € 4.217,93 29.06.2016
CV... € 3.509,70 31.12.2016

BB... € 1.973,45 29.06.2016
€ 5.861,57 31.12.2016
LL... . € 1.745,37 31.12.2016
CZ... € 1.530,18 29.06.2016
DA... € 1.521,79 31.12.2016
X... . € 3.228,80 31.12.2016
DB... € 447,00 31.12.2016
DC... € 2.070,16 31.12.2016
CB... € 3.190,61 31.12.2016
DE... € 516,30 31.12.2016
DF... . € 15.061,55 31.12.2016
DG... . € 141.120,00 31.12.2016
DH... . € 1.745,70 31.12.2016
V... , Lda. € 7.334,55 31.12.2016
DI... . € 1.820,40 31.12.2016
DJ... . € 6.127,56 31.12.2016
DL... . € 117,78 31.12.2016
DM... . € 1.297,06 31.12.2016
DN... . € 37.606,02 31.12.2016
DO... . € 15.376,86 31.12.2016

89. Com a petição inicial de apresentação à insolvência foram relacionados os seguintes bens:
· 1 Computador € 250;
· 1 Impressora € 50;
· 2 Secretárias € 150;
· 1 cadeira € 20;
· Caixas de Bag in box 20L € 600;
· Caixas de Bag in box 10L € 40;
· Caixas de Bag in Box 5L € 400;
· Caixas de 6 garrafas 0,75L € 500;
· Caixas de 3 garrafas 0,75L € 300;
· Produtos de enologia € 900;
· 2 garrafas de azoto € 150
90. Com a petição inicial de apresentação foram indicadas as seguintes execuções pendentes contra a insolvente:
· Proc. nº 3593/17.0T8VIS, a correr termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Juízo de Execução de Viseu, em que é exequente I... .;
· Proc. nº 3074/17.1T8VIS, a correr termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Juízo de Execução de Viseu, em que é exequente Herança Indivisa de BZ... ;
· Proc. nº 2553/17.5T8OAZ, a correr termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo de Execução de Oliveira de Azeméis, em que é exequente LL... .;
· Proc. nº 2813/17.5T8VIS, a correr termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Juízo de Execução de Viseu, em que é exequente CC... .;
· Proc. nº 3276/17.0T8LRS, a correr termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte – Juízo de Execução de Loures, em que é exequente DH....;
· Proc. nº 418/17.0T8CHV, a correr termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real – Juízo de Execução de Chaves, em que é exequente CD... .;
· Proc. nº 582/17.8T8VIS, a correr termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Juízo de Execução de Viseu, em que é exequente DN... , Lda.;
· Proc. nº 527/17.5T8VIS, a correr termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Juízo de Execução de Viseu, em que é exequente CJ... , Lda.;
· Proc. nº 2137/16.5T8CHV, a correr termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real – Juízo de Execução de Chaves, em que é exequente CD... .;
· Proc. nº 5901/16.1T8VIS, a correr termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Juízo de Execução de Viseu, em que é exequente DO... .;
· Proc. nº 5451/16.6T8VIS, a correr termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Juízo de Execução de Viseu, em que é exequente CU... , Lda.;
· Proc. nº 5471/16.0T8GMR, a correr termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo de Execução de Guimarães – Juiz 1, em que é exequente DI... .;
· Proc. nº 7731/16.1T8PRT, a correr termos pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Execução do Porto – Juiz 8, em que é exequente CR... .;
· Proc. nº 5454/15.8T8VIS, a correr termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Juízo de Execução de Viseu, em que é exequente BX... ;
· Proc. nº 3604/14.0T8VIS, a correr termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Juízo de Execução de Viseu, em que é exequente Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.;
· Processos de execução fiscal:
· Proc. 2682201701006819;
· Proc. 2682201701006827;
· Proc. 2682201701006835;
· Proc. 2682201701006843;
· Proc. 2682201701006851;
· Proc. 2682201701006860;
· Proc. 2682201701006878;
· Proc. 2682201701006886;
· Proc. 2682201701006894;
· Proc. 2682201701006908;
· Proc. 2682201701006916;
· Proc. 2682201701006924;
· Proc. 2682201701006932;
· Proc. 2682201701006940;
· Proc. 2682201701007157;
· Proc. 2682201701007483;
· Proc. 2682201701007491;
· Proc. 2682201701007572;
· Proc. 2682201701007580;
· Proc. 2682201701007599;
· Proc. 2682201701007602;
· Proc. 2682201701007610;
· Proc. 2682201701007629;
· Proc. 2682201701007637;
· Proc. 2682201701007645;
· Proc. 2682201701007653;
· Proc. 2682201701007661;
· Proc. 2682201701007670;
· Proc. 2682201701007696;
· Proc. 2682201701007700;
· Proc. 2682201701007718;
· Proc. 2682201701007726;
· Proc. 2682201701007734;
· Proc. 2682201701007742;
· Proc. 2682201701007785;
· Proc. 2682201701007793;
· Proc. 2682201701007807;
· Proc. 2682201701007831;
· Proc. 2682201701007963;
· Proc. 2682201701008641;
· Proc. 2682201701008730
91. A insolvente em 16-10-2017 juntou ao processo principal um requerimento onde declarou que, em fevereiro de 2017, procedeu à venda de um imóvel ao grupo empresarial DS... , pelo valor de € 1.650.000,00, que com o produto da venda, pagou ao credor hipotecário, no valor de €1.400.000,00, destinando o remanescente ao pagamento a diversos credores, designadamente Segurança Social e Finanças.
92. A... Lda. foi declarada insolvente por sentença proferida em 18 de Outubro de 2017, transitada em julgado.
93. Proferida a sentença de declaração de insolvência, a Administradora da Insolvência encetou diligências conducentes à descoberta da situação patrimonial da insolvente, incluindo nos três anos que antecederam a declaração de insolvência.
94. No âmbito das diligências de apuramento de activo constatou-se que a insolvente foi titular, nos três anos anteriores à apresentação da insolvência, dos seguintes bens sujeitos a registo:  
· a)  Prédio Misto, descrito na CRP de ... sob o nº 00776/... ;
· b) Veículo Automóvel matrícula ...;
· c) Veículo Automóvel matrícula ...;
· d) Veículo Automóvel matrícula ...;
· e) Veículo Automóvel matrícula ...;
· f) Veículo Automóvel matrícula ...;
· g) Veículo Automóvel matrícula ....
95. E que, no mesmo período, foi locatária no âmbito do contrato de locação financeira imobiliária relativo ao veículo automóvel com a matrícula....
96.  E que, no mesmo período, foi titular, ainda, de diversos equipamentos não sujeitos a registo, inerentes à produção vinícola, tais como móveis, máquinas e equipamentos industriais, cubas de vinificação, cubas de stockagem, equipamentos de laboratório e equipamento administrativo.
97. Em reunião realizada no decurso do mês de Novembro de 2017 a Administradora da Insolvência solicitou ao requerido B... os elementos contabilísticos da insolvente, incluindo a chave de acesso ao portal das finanças.
98. Nessa reunião o requerido B... transmitiu à Administradora da Insolvência que não tinha acesso aos elementos solicitados e forneceu o contacto telefónico da requerida C ... , que indicou como a pessoa que teria a senha de acesso ao Portal das Finanças e da Segurança Social.
99. No local onde ocorreu aquela reunião, existia um computador que era utilizado pela insolvente, que foi apreendido pela Administradora da Insolvência, e, bem assim, pastas com documentos relativos à insolvente.
100. Em 20 de Novembro de 2017, a Sr.ª Administradora da Insolvência remeteu email à requerida C ... a solicitar, “na qualidade de contabilista certificada e de sócia gerente da insolvente”, o envio dos seguintes documentos: 1. Relatório de gestão reportados aos exercícios de 2014, 2015, 2016; 2. Mapa das reintegrações e amortizações reportado aos exercícios de 2013 a 2016; 3. Último balancete analítico disponível; 4. Senha de acesso via internet, à Segurança Social e à Autoridade Tributária; 5. Mapa de pessoal ao serviço da devedora reportado a 08-2017 a 10-2017; 6. Declaração Modelo 22 do IRC reportada aos exercícios de 2014 a 2016; 7. Mapa de mais-valias e menos-valias fiscais reportado aos exercícios de 2014 a 2016; 8. Indicação das contas bancárias tituladas pela insolvente com identificação do respectivo NIB, Instituição Bancária e Agência, e último extracto bancário disponível, respectivamente; 9. Contratos de locação financeira e locação operacional em vigor (se aplicável); 10. Apólices de seguro em vigor (se aplicável); 11. Listagem dos contratos celebrados pela insolvente e que ainda se encontrem em vigor (ex. luz, água, telecomunicações, etc),; 12. Acordos que tenham sido celebrados e em vigor (ex. SS, Fisco, Execuções, etc.); 13. Certidão da Conservatória do Registo Comercial ou código da certidão permanente; 14. Informação sobre se a contabilidade da insolvente se encontra actualizada, expressa a realidade da empresa, com o respectivo lançamento de todos os documentos contabilísticos em circulação.
101. A requerida C ... respondeu à Administradora da Insolvência referindo que a empresa não tinha património, que a “Adega” tinha sido vendida, que foram liquidados os empréstimos e dívidas à Segurança Social e Finanças, que os funcionários foram despedidos (despedimento colectivo) e que tinham sido pagas as indemnizações, que não tinha consigo os documentos de suporte da sua demissão.
102. A requerida C ... transmitiu ainda à Administradora da Insolvência que “não tinha a senha, que quem tinha a senha era o gerente da empresa”.
103. A Administradora da Insolvência solicitou uma nova senha de acesso ao portal das Finanças.
104. Após o facto referido no artigo anterior a Administradora da Insolvência apurou que a anterior senha estava a ser utilizada para concluir o trânsito de vinhos, com o entreposto activo da A... , tendo, na sequência da solicitação efectuada pelos requeridos B... e C ... e do despachante daquele entreposto, facultado a senha obtida.
105. Sem prejuízo dos factos referidos no artigo 99.º, dos elementos juntos aos autos e dos que se encontravam submetidos no Portal da Autoridade Tributária e Aduaneira, aos quais teve acesso após ter solicitado a nova senha de acesso, não foram entregues à Administradora da Insolvência outros elementos contabilísticos da sociedade.
106. À solicitação da Administradora da Insolvência de 20-12-2017 quanto aos motivos fundamentadores dos débitos/levantamentos verificados, o Ilustre Mandatário da insolvente, em 3 de Janeiro de 2018, remeteu email à Sr.ª Administradora da Insolvência onde refere o seguinte: “1. As transferências efetuadas pela sociedade a B... em 28.11.2016, 09.12.2016, 12.12.2016, 23.12.2016 e 03.02.2017, no valor de €3.400,00, € 1.435,86, € 578,56, € 867,36 e € 984,68, respetivamente, reportam-se ao pagamento de salários.2. A transferência efetuada pela sociedade em 30.11.2016, no valor de € 1.000,00 a E... reporta-se ao reembolso do pagamento de uma fatura referente ao fornecimento de energia elétrica que aquele fez por conta da sociedade por absoluta impossibilidade financeira desta e de forma a evitar o corte de energia por falta de pagamento. 3. As transferências efetuadas pela sociedade a D... em 30.11.2016, 09.12.2016, 15.12.2016, 03.02.2017, no valor de € 900,00, € 1.000,00, €1.203,40 e € 6.000,00, respetivamente, reportam-se ao pagamento de suprimentos feitos por aquele sócio à sociedade. Cumpre, no que a este particular respeita, esclarecer que, porquanto a sociedade já havia esgotado a sua capacidade de crédito, o sócio D... contraiu diversos créditos em nome pessoal, designadamente junto da P..., cujo valor foi totalmente empregue na sociedade. As transferências acima referenciadas, bem como a transferência registada em 06.02.2017, no valor de € 8.000,00 identificada no v/ email, reportaram-se ao reembolso do referido sócio por conta dos aludidos créditos. (…) 4. As transferências efetuadas pela sociedade a C ... em 07.12.2016, 23.12.2016, 21.12.2016, 30.12.2016 e 03.02.2017, no valor de € 1.549,50, € 916,57, € 1.294,00, € 160,00, € 428,40, € 1.129,50, € 408,00 e € 18.800,00 reportam-se ao pagamento de créditos salariais e pagamento de serviços de contabilidade devidos pela sociedade. 5. As transferências efetuadas pela sociedade em 03.02.2017 e em 08.02.2017 para E... , no valor de € 26.500,00 e € 15.000,00, bem como a transferência, no valor de € 50.000,00 registada em 03.02.2017, reportam-se ao pagamento de parte do terreno onde se encontra implantada a vinha que pertencia à sociedade.Com efeito, tal terreno pertencia ao Sr. E... (pai dos sócios B... e D... ), tendo sido avaliado em € 238.218,00. O referido E... cedeu o terreno para que fosse implantada a vinha, na condição de a sociedade lhe pagar o referido montante com os lucros que fosse gerando. As transferências identificadas por V/Exa. consistiram em amortizações ao Sr. E... do valor do terreno que este cedeu à sociedade. 6. Por fim, o valor de € 30.053,52 levantado da conta da sociedade destinou-se ao pagamento de diversas dívidas da sociedade, designadamente, as seguintes:  Serviço de telecomunicações;  -EDP;  Fornecedores;  Viticultores,  Segurança Social;  Salários;  Finanças (IVA, IRS, IRC)”. (DOC. 17 DO PARECER).
107. Para a massa insolvente foram apreendidos os bens e direitos descritos nos autos de apreensão juntos ao apenso C em 23-01-2018 e 04-06-2019 cujo teor se dá por reproduzido, tendo em 10-10-2019 sido determinada a separação da massa insolvente do veículo com a matrícula ....
108. Em 10 de Novembro de 2019, no apenso B, foi proferida sentença, pendente de recurso interposto pela insolvente, na qual foram reconhecidos e verificados os seguintes créditos:
· BT... € 29 691,01;
· BU... € 30 602,25;
· Autoridade Tributária e Aduaneira / Fazenda Pública: a) IRS - constituído menos de 12 meses antes da data de início dos autos € 556,96: b) Coimas, encargos, IUC e IMI € 1 250,56 c) Sob condição € 60 576,49;
· P... , CRL (sob condição) € 13 500,00;
· BX... € 896,65;
· II... € 5 300,13;
· HH... € 7 162,99;
· I... . € 151 636,09;
· Herança Indivisa de BZ... ;
· IEFP - Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P. € 1.998,27;
· H... . € 429.924,45
· Instituto da Segurança Social, I.P: a) Contribuições e juros relativos aos 12 meses anteriores ao início do processo de insolvência €6.915,43; b) Custas processuais € 348,43;
· CC... . € 7 519,35
· LL... . € 2 485,81
· JJ... € 5 526,98;
· DU..., S.A. € 816,78;
· NOS Comunicações, S.A. € 182,16;
· DN... . € 43 096,14;
· DO... . € 5 465,63.
109. Em reunião da Autoridade de gestão do Programa de Desenvolvimento Rural de 07-08-2009, foi decidido conceder à agora insolvente um subsídio no montante de € 419 411,95, nos termos da ficha resumo junta ao documento 63 da oposição da insolvente, cujo teor se dá por reproduzido, onde estavam previstas como datas de início e fim da operação respectivamente os dias 30-09-2007 e 15-10-2009.
110. Posteriormente foi prorrogada a data da conclusão para 31-03-2013.
111. Em 2013 a insolvente tinha a unidade de produção de vinhos do Porto e VQPRD “Douro” a laborar.

Factos não provados:
a) O teor das comunicações reproduzidas nos artigos 10.º e 11.º do parecer da Administradora da Insolvência;
b) Que o requerido B... transmitiu à Administradora da Insolvência que a senha de acesso ao portal das finanças estava na posse do despachante BR....;
c) Que B... não dispunha da senha de acesso ao portal das finanças;
d) Que C ... deixou de ter acesso a qualquer programa e toda a informação que dizia respeito à insolvente, deixou de ter acesso a uma sala onde estariam os computadores, bem como a todos os documentos que saíram do escritório da “Adega”;
e) Que o preço de construção das instalações da insolvente e o valor de aquisição dos equipamentos mencionados no artigo 22.º - cláusula sétima – e 32.º, é superior a €1.650.00,00;
f) Que o preço de venda declarado em 29.º e 32.º é inferior ao valor do negócio;
g) Que a alienação das instalações da “A A... , Lda.” a favor da “ R... ”, livre de ónus e encargos, não se encontrava condicionada ao reembolso à P... , C.R.L. da quantia de EUR 420.441,24, devida no âmbito dos contratos de empréstimo nº ... e nº ..., uma vez que estes contratos não se encontravam garantidos pelo bem objeto da venda;
h) Que os contratos de empréstimo nº 51008815963 e nº ... só estavam garantidos pelos prédios mencionados no artigo 37.º;
i) Que os bens mencionados no artigo 37.º tinham capacidade para, por si só, liquidarem os referidos empréstimos;
j) Que o pagamento mencionado no artigo 33.º foi efectuado com base num plano previamente delineado para desonerar os bens mencionados no artigo 37.º;
k) Que o dinheiro da venda foi utilizado para pagar empréstimos bancários não vencidos e não exigíveis;
l) Que foi depositada a importância de € 400.000,00 (quatrocentos mil euros) nas contas pessoais dos sócios da insolvente;
m) Que os pagamentos mencionados no artigo 74º, alíneas i) a iii) foram efectuados em 28-04-2017;
n) Que em 20-06-2017 DT... recebeu da insolvente a importância de € 503,27;
o) Que os valores mencionados no artigo 42.º foram destinados ao pagamento de salários ou remuneração como gerente;
p) Que D... e B... são proprietários do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 428 – ... ;
q) Que E... cedeu o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número 776 – ... para que fosse implantada a vinha, na condição da sociedade lhe pagar o montante de €238.218,00 com os lucros que fosse gerando;
r) Que na data da escritura mencionada no artigo 14.º dos factos provados, o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número 776 – ... em 2010 tinha o valor de € 238 218,00 ou de € 303.652,35;
s) Que para além do que consta dos artigos 56.º i), v) e 57.º, os cheques e as transferências mencionados naqueles artigos foram destinados a empréstimos à sociedade insolvente e a pagamento de diversas dívidas da mesma;
t) Que o requerido B... destinou o montante de € 67 500,00, relativo a um crédito pessoal que contraiu junto da P... , CRL, ao financiamento da actividade da devedora e do qual não foi ressarcido de qualquer forma;
u) Que a requerida C ... liquidou € 37 500,00 à Segurança Social;
v) Que a insolvente pagou à “ CB... ” os valores de € 103,75 e € 110,46;
w) Que os valores mencionados no artigo 83.º foram liquidados com o montante mencionado no artigo 82.º;
x) Que com o montante levantado em 31-07-2017 a sociedade insolvente liquidou outras despesas, designadamente junto da EDP e de outros fornecedores;
y) Que os veículos com as matrículas ..., ... e ... tinham o valor de € 10.000,00;
z) Que não foi efectuada a participação pela “A A... , Lda.” de vendas de imobilizado com data reportada ao período das transmissões dos veículos mencionados na alínea anterior;
aa) ... tinha o valor estimado de realização de € 14.000,00;
bb) Que E... mandou construir as instalações e negociou a construção da adega e a aquisição dos equipamentos;
cc) Que E... contratava e despedia funcionários;
dd) Que vendia e comprava as uvas para a produção de vinhos, estabelecendo os preços;
ee) Que, além dos factos referidos nos artigos 54.º e 55.º, realizava outros negócios em nome da insolvente;
ff) Que a credora I... . não suspeitava “se o requerido E... era gerente de direito ou de facto, por agir sempre como se fosse o dono”.
gg) Que, sem prejuízo do facto referido no artigo 108.º, a insolvente tem as dívidas mencionadas nos artigos 87.º a 90.º do parecer da administradora da Insolvência;
hh) Que a operação n.º ... tem a sua data de termo a 31-12-2017;
ii) Que a operação n.º ... tem a sua data de termo a 18-05-2018;
jj) Que em relação à demais matéria constante dos artigos 87.º a 90.º, 91.º a 94.º, 96.º e 97.º do parecer da Administradora da Insolvência, artigos 27.º, 104.º, 106.º e 108.º a 110.º da oposição da insolvente só resulta provado o que consta dos artigos 109.º a 111.º;
kk) Que a maior parte da facturação era efectuada em Dezembro e Janeiro com a venda dos vinhos generosos;
ll) Que a produção do vinho diminuiu cerca de 40%;
mm) Que a quebra das receitas resultou dos rumores de dificuldades da empresa;
nn) Que a crise generalizada provocou uma quebra nas vendas de, pelo menos, 20%, com o mercado brasileiro que era o principal mercado da insolvente;
oo) Que ocorreu uma diminuição da margem bruta das vendas.


*

(…)

*

Erro na qualificação jurídica dos factos:

Apreciemos, de seguida, a questão de saber se a sentença recorrida errou ao qualificar a insolvência de “ A... , Lda,” como culposa.

Para bem se perceberem os fundamentos do recurso, importa expor as razões da sentença.

A sentença qualificou a insolvência como culposa ao abrigo do artigo 186.º do CIRE, segundo a seguinte ordem: alíneas a) e b) do n.º 3 e alíneas a), d) e f) do n.º 2.

Qualificou a sentença ao abrigo da alínea a) do n.º 3 do artigo 186.º, dizendo que os administradores deviam ter requerido a insolvência até 2 de Março de 2017, o que não fizeram. Para tanto teve em conta o n.º 1 do artigo 18.º do CIRE e os seguintes factos: 1) a venda das instalações em 31 de Janeiro de 2017, que tornou manifesto que o passivo da ora insolvente era muito superior ao seu activo; 2) o facto de, com a venda das instalações e do equipamento a sociedade, a sociedade ficar impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas

E qualificou a insolvência ao abrigo da alínea b) do mesmo preceito por os administradores não terem elaborado as contas relativas ao exercício de 2016.

De seguida, debruçou-se sobre a interpretação do n.º 3 do artigo 186.º, indicando que o preceito é objecto de interpretações divergentes, com uma a afirmar que ele consagra presunções de insolvência culposa e com outra a entender que prevê apenas uma presunção de culpa grave na criação ou agravamento da situação de insolvência, que não dispensa a prova da acção ou acções causadoras da situação de insolvência ou do agravamento da situação de insolvência.

A sentença não tomou posição sobre a questão, dizendo que, independentemente da posição que se assumisse, estava provado que a circunstância de os administradores não terem apresentado a devedora à insolvência dentro do prazo legal agravou a situação de insolvência.

Indicou, para tanto, os seguintes factos que tiveram como efeito o agravamento da situação de insolvência, por diminuírem a possibilidade de satisfação dos credores da insolvência:
1. O pagamento pela insolvente de € 1 497 461,59, à P... , CRL, quando a hipoteca de que beneficiava este credor da insolvente sobre o prédio vendido garantia apenas o pagamento de € 1 400 000,00;
2. As transferências da insolvente para E... , em 3 de Fevereiro de 2017 e 8 de Fevereiro de 2017, sem justificação, no montante € 91 500,00, acrescentando que, ainda que esta quantia se destinasse a pagar uma dívida, ela não poderia ser paga sem se saldarem antes as restantes dívidas, dado que o credito de E... seria crédito subordinado;
3. As transferências da insolvente para D... , em 3 e 6 de Fevereiro de 2017 (artigo 46.º dos factos provados) nos valores, respectivamente, de 6 000 euros e 8 000 euros, cujo crédito de suprimentos também era subordinado;
4. As transferências de dinheiro da insolvente para B... em 3-02-2017, no montante de 984,68 uros a que se refere o ponto n.º 42;
5. As transferências de dinheiro da insolvente para C ... a que se refere o ponto n.º 51, concretamente transferência em 3-02-2017;
6. O levantamento pela insolvente, em 25-07-2017, de uma conta bancária da ora insolvente da quantia de € 30 053,52 levantado em 25-05-2017 (pontos n.ºs números 81 e 82).

As razões do recurso:

Os recorrentes contestam a sentença com a seguinte linha argumentativa:
1. Que as hipóteses previstas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 186.º do CIRE carecem sempre de demonstração de nexo de causalidade entre a actuação culposa da insolvente ou dos seus administradores e a criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do n.º 1 do mesmo preceito;
2. Que o tribunal recorrido qualificou a insolvência como culposa sem que se encontrasse estabelecido o nexo de causalidade entre os factos que são apontados aos afectados pela qualificação e a situação de insolvência ou o seu agravamento, bastando-se com a mera referência às presunções previstas na lei;
3. Que o entendimento do tribunal de que a A... tinha o dever de se apresentar à insolvência pelo menos até 2 de Março não podia merecer acolhimento por absolutamente desfasado da realidade dos factos que o próprio tribunal deu como provados;
4. Que o tribunal recorrido não deu como provado, nem tal resulta da prova produzida, que a devedora cessou a sua actividade com a venda das instalações e equipamentos em 31.01.207;
5. Que resultava dos factos dados como provados - ponto 81 da douta sentença recorrida – que a devedora manteve a sua actividade até, pelo menos, 25.07.2017, tendo, nomeadamente, ainda vendido vinho de mesa – o que é bem demonstrativo que a cessação da actividade da devedora não ocorreu com a venda das instalações (em 31.07.2017) - pelo que mal se compreendia por que motivo é que o tribunal recorrido considerou que a devedora tinha o dever de se apresentar à insolvência “pelo menos até 2 de março de 2017” – o que era manifestamente um erro;
6. Que da prova produzida decorria de forma inequívoca que após a venda das suas instalações e dos seus equipamentos a insolvente manteve a sua actividade da qual resultou nomeadamente a mencionada venda de vinho de mesa cerca de meio ano depois da referida venda, além de outros actos de gestão associados, cuja data o tribunal não tratou de fixar para efeitos de contagem do referido prazo de apresentação;
7. Que para além disso, estava também demonstrado nos autos que a insolvente fez pagamentos após a venda das instalações e equipamentos, ocorrida em 31.01.2017, como sejam pagamentos de retribuições e indemnizações a trabalhadores, dívidas ao Instituto da Segurança Social IP, valores relativos a uvas da e diversas dívidas fornecedores e prestadores de serviços (cfr. pontos 73, 74., als. iii) e vi), 75, 76, 77, 78, 79, 80 e 83 dos factos dados como provados);
8. Que ainda que assim não tivesse sido – o que apenas por mera cautela de patrocínio se admite – seria necessário que o alegado incumprimento do dever de se apresentar à insolvência pela insolvente no prazo a que alude o artigo 18º do CIRE, tivesse criado ou agravado a sua situação de insolvência – o que ostensivamente não se encontra demonstrado nos presentes autos;
9. Que resultava ostensivamente, por exemplo, do facto dado como provado em 79 da sentença recorrida, a insolvente tinha actividade corrente na data em que foi declarada insolvente (18.10.2017), motivo pelo qual nem sequer se iniciara o prazo previsto no artigo 18º, nº 1 do CIRE;
10. Que resultava da factualidade dada como provada que, com o produto da venda do imóvel onde tinha as suas instalações e do seu equipamento (€ 1.650.000,00), a devedora liquidou os empréstimos junto da P... CRL no valor de, pelo menos, € 1.300.461,59, bem como amortizou o valor de € 197.000,00 relativo ao saldo devedor da insolvente numa conta corrente existente na instituição bancária acima referenciada (cfr. ponto 34 dos factos dados como provados na sentença recorrida);
11. Que decorria inequivocamente da prova produzida – designadamente do depoimento prestado pela testemunha Fábio Roberto Felisberto Espanhol, que depôs com total isenção absoluta credibilidade – que a liquidação da totalidade das suas responsabilidades perante P... CRL supra descritas foi imposição da própria instituição bancária e não uma opção livre da devedora e dos gerentes e/ou sócios;
12. Que não obstante as afirmações peremptórias da referida testemunha, o tribunal “a quo” não incluiu, como devia, no rol dos factos que deu como provados, que o pagamento efetuado pela insolvente à P... CRL da totalidade das suas responsabilidades de crédito – incluindo as que se encontravam garantidas por terceiros – constituiu exigência da própria instituição bancária;
13. Que o Tribunal recorrido devia, assim, ter dado como provado que a P... CRL impôs, na negociação de liquidação das responsabilidades da devedora, que lhe fossem pagas todas nos termos e condições em que ocorreram;
14. Que se tal factualidade tivesse sido considerada pelo Tribunal “a quo” (como devia) na subsunção dos factos ao direito, concluir-se-ia pelo não preenchimento da presunção prevista no artigo 186º, nº 2 al. a) CIRE;
15. Que como resultava do depoimento da referida testemunha, tais empréstimos configuravam dívidas da sociedade, que foram garantidas com bens de terceiros para que tais créditos lhe fossem concedidos (à devedora), para financiamento da actividade desta e foram pagas por esta – isto é, com tais pagamentos a devedora logrou liquidar dívidas que eram suas, não obstante a garantia prestada por terceiros;
16. Que com a venda do imóvel e dos seus equipamentos, a devedora pagou todas as dívidas à P... CRL, não tendo utilizado nenhum critério de distinção ou de privilégio dessas mesmas dívidas à mesma credora, designadamente para benefício de qualquer dos sócios;
17. Que para além do pagamento dos referidos empréstimos, a devedora liquidou também dívidas que tinha junto do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social IP (€ 81.487,64), da Fazenda Nacional/AT (€ 32.025,68), retribuições e indemnizações a funcionários (€ 26.847,51), valores relativos a venda de uvas (€ 22.050,92) e a diversos fornecedores (€ 2.546,56) – cfr. factos dados como provados, respectivamente, em 75, 83, als. ii) a v), 25, 73, 74, 76, 83 (al. vi), 77 a 80 e 83 (al. i) da sentença aqui causa);
18. Aos quais acresceu o pagamento de € 91.500,00 a outros credores através da conta bancária do recorrente E... , que aparecem como créditos a favor do recorrente mas que se encontram devidamente justificados, contrariamente ao que concluiu o Mº Juiz “a quo” - tais pagamentos foram, aliás, dados como provados na sentença recorrida (pontos 56 e 57) e ocorreram apenas porque a sociedade insolvente se encontrava inibida do uso de cheques (cfr. ponto 53 dos factos dados como provados na sentença recorrida);
19. Que a insolvente destinou o produto da venda das suas instalações e equipamentos ao pagamento de dívidas exclusivamente suas e não em benefício de terceiros;
20. Que tal actuação não configura o preenchimento da presunção a que se reporta o artigo 186º, nº 3, al. a) do CIRE;
21. Que não existia qualquer nexo de causalidade entre tal comportamento e a criação ou agravamento da sua situação de insolvência, porquanto, como acima se referiu, a devedora se limitou a liquidar, com o produto da venda das instalações e equipamentos, dívidas que eram suas (como resulta dos factos dados como provados);
22. Que a presunção do artigo 186, nº 3, al. a) do CIRE carece da demonstração do nexo de causalidade entre a actuação da devedora/gerentes como causa da insolvência ou agravamento da situação dos credores nos termos do nº 1 do mesmo artigo;
23. Que também no que concerne à falta de depósito das contas, impunha-se a conclusão de que não existe nexo de causalidade adequado entre tal facto e a situação de insolvência ou o seu agravamento, sendo, aliás, a sentença recorrida omissa no que a este particular respeita, bastando-se com a mera referência à lei, sem cuidar de esclarecer de que forma é que a falta de depósito das contas por parte da insolvente contribuiu para a criação ou para o agravamento da sua situação de insolvência;
24. Que “in casu” é manifesta a inexistência de nexo de causalidade entre o facto de a devedora não ter depositado as suas contas (art. 186º, nº 3, al. b) CIRE) e a criação ou agravamento da sua situação de insolvência – que, para além de não ter resultado demonstrado nos autos, nem sequer decorre da sentença recorrida.

Apreciação do tribunal

Como se vê pela transcrição efectuada, as linhas de força da argumentação dos recorrentes são as seguintes:
1. A ora insolvente não cessou a sua actividade com a venda das instalações;
2. Estava provado que a insolvente tinha actividade corrente na data em que foi declarada em situação de insolvência, pelo que nem sequer se iniciou o prazo previsto no n.º 1 do artigo 18.º do CIRE;
3. Se o tribunal tivesse julgado provado, como devia, que a P... impôs, na negociação da liquidação das responsabilidades da devedora, que lhe fossem pagas nos termos e condições em que ocorreram, concluir-se-ia pelo não preenchimento da presunção prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 186.º;
4. Ainda que tivesse havido incumprimento do dever de requerer a declaração de insolvência, tal incumprimento só levaria à qualificação da insolvência se ele tivesse criado ou agravado a situação da insolvência, o que não estava demonstrado nos autos;
5. E não estava demonstrado porque a insolvente destinou o produto da venda das suas instalações e equipamentos ao pagamento de dívidas suas e não em benefícios de terceiros;
6. Que no que diz respeito à falta de depósito das contas, não existia nexo de causalidade adequado entre tal facto e a situação de criação ou agravamento da situação de insolvência, sendo a sentença omissa a esse respeito. 

Pelas razões a seguir expostas, é de julgar improcedente a alegação dos recorrentes.

Em primeiro lugar, não assiste razão aos recorrentes quando alegam que o tribunal a quo não julgou provado que o pagamento efectuado pela insolvente à P... CRL da totalidade das suas responsabilidades de crédito – incluindo as que se encontravam garantidas por terceiros – constituiu exigência da própria instituição bancária. Com efeito, ao julgar provado sob o n.º 33 que parte do preço da alienação do prédio misto, no montante de € 1300 461,59, foi pago através de cheque emitido pela compradora à ordem da P... , para pagamento dos empréstimos mencionados no artigo 35.º, nos termos exigidos por ela, P... , o tribunal a quo julgou provado que a referida P... exigiu, para cancelar a hipoteca que incidia sobre o prédio alienado, o pagamento de todas as responsabilidades de crédito da ora insolvente.

Em segundo lugar, não colhe contra a sentença a alegação de que a sociedade A... não cessou a sua actividade com a venda das instalações e que tal sociedade tinha actividade corrente na data em que foi declarada em situação de insolvência pelo que nem sequer se iniciara o prazo previsto no n.º 1 do artigo 18.º do CIRE. Vejamos.

 Apesar de as partes (sociedade A A... , como vendedora, e a sociedade R... .) terem designado o contrato que celebraram entre si, em 31 de Janeiro de 2017, como compra e venda de bens imóveis e de bens móveis, na realidade, o que a A... vendeu foi o estabelecimento comercial onde exercia a sua actividade. Com efeito, o prédio misto vendido era o imóvel onde ela desenvolvia a sua actividade de produção e comercialização de produtos vinícolas e agrícolas e onde tinha fixada a sua adega e onde os seus trabalhadores exerciam as suas funções (ponto n.º 23) e os móveis vendidos (todos os móveis, máquinas e equipamentos industriais, cubas de vinificação, equipamentos de laboratório, equipamentos de escritório) faziam parte desse estabelecimento. Aliás, a gerente C ... , ao comunicar à sociedade a renúncia ao cargo de gerente, declara que as “instalações foram vendidas pelo que ficou sem actividade”.

É certo que, depois da celebração do contrato de compra e venda, provou-se que, em 25-07-2017, a A... vendeu vinho de mesa tinto e branco a granel à sociedade R... pelo preço de € 30 053,52 e fez uma multiplicidade de pagamentos. Sucede que a venda do vinho constitui um acto isolado, cuja autoria em concreto, se ignora, pois não está provado quem é que vendeu o vinho em nome da A.... Por sua vez, os pagamentos de dívidas não foram feitos para continuar o exercício da actividade. A venda e os pagamentos são actos de liquidação posteriores à dissolução “de facto” da sociedade através da venda do estabelecimento comercial onde exercia a sua actividade.          

Em terceiro lugar, ao alegarem que o prazo para a sociedade se apresentar à insolvência ainda não se iniciara, os recorrentes argumentam como se o prazo para ela requerer a sua declaração de insolvência só se iniciasse com a cessação da sua actividade, argumento que não tem o mais leve amparo no n.º 1 artigo 18.º do CIRE. Vejamos.

O n.º 1 estabelece que “o devedor deve requerer a declaração de insolvência dentro dos 30 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no n.º 1 do artigo 3.º, ou à data em que devesse conhecê-la”.

O n.º 3 do artigo 18.º estabelece que, quando o devedor seja titular de uma empresa, presume-se de forma inilidível o conhecimento da situação de insolvência decorridos pelo menos três meses sobre o incumprimento generalizado de obrigações de algum dos tipos referidos na alínea g), do n.º 1 do artigo 20.º.

Combinando o n.º 1 do artigo 18.º, com o n.º 1 do artigo 3.º do CIRE, onde se afirma que é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, vê-se que a situação que releva para o prazo de apresentação à insolvência não é a cessação da actividade da devedora; o que conta é a impossibilidade de cumprir pontualmente as suas obrigações vencidas.

Assim, no caso, para responder à questão de saber se os administradores da A... tinham incumprido o dever de requerer a declaração de insolvência da sociedade, o que interessava saber era quando é que a devedora ficou impossibilitada de cumprir pontualmente as suas obrigações vencidas.

E sobre esta questão, os factos apurados permitem ir mais longe do que foi a sentença. Com efeito, esta considerou que, “tendo vendido as suas instalações e o seu equipamento, seguramente que, em 31 de Janeiro de 2017, a sociedade “ A... , Lda” estava numa situação de insolvência, por pelo menos, estar impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas (artigo 3.º, n.º 1).

Ir mais longe do que a sentença significa que os factos apurados permitem a conclusão de que, antes de vender as instalações e os equipamentos, a sociedade já não cumpria pontualmente as suas obrigações e não as cumpria por não ter liquidez para o fazer.

Como é sabido, não é fácil e, por vezes, nem sequer é possível estabelecer com precisão o momento em que um devedor ficou em situação de insolvência.

Consciente destas dificuldades, o CIRE indica no n.º 1 do artigo 20.º, uma pluralidade de factos que indiciam ou fazem presumir que o devedor se encontra impossibilitado de cumprir pontualmente as suas obrigações. Um deles é a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações (alínea b)]. Socorrendo-nos de um exemplo dado por Luís Carvalho Fernandes e João Labareda: “… se, por hipótese, uma sociedade comercial com algumas centenas de trabalhadores entra em ruptura quanto aos seus encargos com a segurança social e deixa também de honrar as dívidas com os seus credores bancários mais relevantes, ela não deixará de se encontrar numa situação de insolvência actual, apesar de manter religiosamente o pagamento aos seus colaboradores e mesmo assegurar o serviço da dívida a um ou outro banco” [Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, página 72].

Colhe-se na matéria assente que, quando celebrou o contrato-promessa de compra e venda, em 24 de Novembro de 2018, a A... já estava em situação de incumprimento em relação a vários credores, designadamente à P... , ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, como o atestavam os processos de execução fiscal, e à Fazenda – Nacional – Serviço de Finanças de ... , como o atestavam também os processos de execução fiscal.

O montante do crédito em dívida à P... era de 1 497 461,59 euros (pontos n.ºs 34 e 35 dos factos provados).

A falta de cumprimento das obrigações contraídas junta da P... , pelo seu montante, aliada à falta de cumprimento de créditos tributários e da segurança social, já em fase de execução, fazem presumir que a A... não tinha meios para cumprir pontualmente a generalidade das suas obrigações.

E sublinha-se pontualmente porque, como escrevem Carvalho Fernandes e João Labareda, em anotação ao artigo 3.º do CIRE, “… não interessa somente que (ainda) se possa cumprir num momento futuro qualquer, importa igualmente que a prestação ocorra no tempo adequado e, por isso, pontualmente (Código da Insolvência e da Recuperação e Empresas Anotado, Quid Juris, página 70).

A presunção de que quando a A... celebrou o contrato-promessa já não tinha meios para cumprir pontualmente a generalidade das suas obrigações é reforçada com os seguintes factos:

Em primeiro lugar, com o facto de a sociedade ter recebido € 200 000,00 com a celebração do contrato-promessa e de essa quantia ter amortizado o valor de € 197 000,00, relativo ao saldo devedor de uma conta corrente existente na P... , CRL (ponto n.º 34).

Em segundo lugar, com facto de parte do preço da alienação das instalações, no montante de € 1 300 461,59, ter servido para liquidar vários empréstimos de dinheiro concedidos pela mesma P... (pontos n.ºs 33, 34 e 35 dos factos provados).

Quando um devedor só consegue cumprir parte das suas obrigações já vencidas com o recurso à alienação de património, isso é um sinal claro que não tem meios, liquidez, para cumprir pontualmente a generalidade das obrigações vencidas.

E quando uma sociedade não tem meios para cumprir pontualmente a generalidade das suas obrigações vencidas, o dever que a lei impõe à respectiva administração [artigo 18.º, n.º 1, e artigo 19.º, ambos do CIRE] é o de apresentar a sociedade à insolvência, dentro dos 30 dias seguintes à data do conhecimento da impossibilidade de cumprir pontualmente a generalidade das obrigações ou à data em que devesse conhecê-la.

No caso, os gerentes da sociedade, B... e C ... sabiam, pelo menos quando celebraram o contrato-promessa em 24 de Novembro de 2016, que a A... não tinha liquidez para cumprir pontualmente a generalidade das obrigações e, por isso, era seu dever (artigo 19.º do CIRE) requererem a declaração da insolvência o mais tardar no início de Janeiro de 2017, o que não fizeram. Só em 28-09-2017 é que a sociedade se apresentou à insolvência.

Conclui-se, assim, que B... e C ... incumpriram o dever de requerer a declaração de insolvência da sociedade A... .

Os mesmos gerentes incumpriram também a obrigação de elaborar as contas anuais da sociedade. Com efeito, resulta dos n.ºs 1 e 5 do artigo 65.º do Código das Sociedades Comerciais que os membros da administração devem relatar a gestão e apresentar contas ao órgão competente, salvo nos casos particulares previsto na lei (sem relevância para o caso), no prazo de 3 meses a contar da data do encerramento de cada exercício anual, e provou-se que os gerentes da A... não relataram a gestão nem elaboram as contas relativas ao exercício de 2016.

Não merece, pois, qualquer censura a decisão recorrida quando afirmou que estavam verificadas a situação prevista na alínea a) do n.º 3 do artigo 186.º e a prevista na 1.ª parte da alínea b) do mesmo preceito (incumprimento da obrigação de elaborar as contas anuais).

A segunda linha argumentativa da recorrente em relação à qualificação da insolvência ao abrigo das alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 186.º é constituída pela alegação de que, ainda que tivesse havido incumprimento do dever de requerer a declaração de insolvência, tal incumprimento só levaria à qualificação da insolvência como culposa se ele tivesse criado ou agravado a situação da insolvência, o que não estava demonstrado nos autos, pois – continuam os recorrentes - a insolvente destinou o produto da venda das suas instalações e equipamentos ao pagamento de dívidas suas e não em benefício de terceiros.

Ainda segundo os recorrentes, a falta de depósito das contas também não era suficiente para qualificar a insolvência como culposa, dado que não existia nexo de causalidade adequado entre tal facto e a situação de criação ou agravamento da situação de insolvência. 

Esta alegação não é de acolher, apesar de não se ignorar que o n.º 3 do artigo 186.º do CIRE tem sido interpretado por várias decisões judiciais no sentido de que os factos previstos nas suas alíneas fazem presumir [presunção iuris tantum] que o incumprimento das obrigações neles previstas procede de culpa grave do administrador, mas não fazem presumir que a situação de insolvência foi criada ou agravada pela acção do administrador. Segundo esta interpretação, a prova do incumprimento das obrigações previstas na norma não seria suficiente para qualificar a insolvência como culposa. Além do incumprimento de tais obrigações, seria necessária a prova de que a situação de insolvência foi criada ou agravada pela acção do administrador. Citam-se, a título de exemplo, em abono desta interpretação as seguintes decisões judiciais: o acórdão do STJ proferido em 6-10-2011, no processo n.º 46/07.8TBSVC; o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24-09-2015, processo n.º 951/12.0TBPTG-B; o acórdão do tribunal da Relação de Guimarães proferido em 1-06-2017, processo n.º 1617/16.T8GMR-B; o acórdão do tribunal da Relação de Guimarães proferido em 14-09-2017, processo n.º 7165/15.5T8VNF-A; o acórdão do tribunal da Relação de Guimarães proferido em 11-07-2017, processo n.º 1255/12.3TBBGL; o  acórdão do tribunal da Relação do Porto de 7-07-2016, processo n.º 353/09.5TYVNG-E; o acórdão do STJ proferido em 29-10-2019, no processo n.º 434/14.3T8VFX-C, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13-07-2021, no processo n.º 1067/12.47YVNG-A.P1, todos publicadas no sítio www.dgsi.pt.

Pese embora o respeito que nos merece a interpretação acima exposta, este tribunal interpreta o n.º 3 do artigo 186.º do CIRE, no sentido de que os factos nele previstos fazem presumir [presunção iuris tantum] a insolvência culposa do devedor.

As razões desta interpretação são as seguintes:

Em primeiro lugar, a interpretação que se segue tem cabimento na letra da lei. Com efeito, a expressão “presume-se a existência de culpa grave” acolhe sem esforço o seguinte sentido: “presume-se a existência de culpa grave na criação ou agravação da situação de insolvência...”.

Em segundo lugar, o pensamento legislativo, reconstituído a partir do preâmbulo do diploma que aprovou o Código da Insolvência (Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março) e de outros preceitos do CIRE, designadamente dos n.ºs 1, 2 e 5, do artigo 186.º, apontam no sentido de que o preceito contém uma dupla presunção. Vejamos.

Ao falar sobre as soluções do CIRE relativas ao dever de apresentação à insolvência, escreveu-se no preâmbulo o seguinte: “Com o intuito de promover o cumprimento do dever de apresentação à insolvência, que obriga o devedor pessoa colectiva ou pessoa singular titular de empresa a requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 60 dias seguintes à data em que teve, ou devesse ter, conhecimento da situação de insolvência, estabelece-se presunção de culpa grave dos administradores, de direito ou de facto, responsáveis pelo incumprimento daquele dever, para efeitos da qualificação desta como culposa”.

Este trecho do relatório aponta no sentido de que o propósito da lei foi o de erigir o incumprimento do dever de apresentação à insolvência como base de presunção de insolvência culposa e não apenas como presunção de culpa referida ao não cumprimento de tal dever.

O mesmo se pode dizer da seguinte passagem do preâmbulo dedicada à explicação do novo incidente de qualificação de insolvência: “O incidente destina-se a apurar (sem efeitos quanto ao processo penal ou à apreciação da responsabilidade civil) se a insolvência é fortuita ou culposa, entendendo-se que esta última se verifica quando a situação tenha sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave (presumindo-se a segunda em certos casos), do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, e indicando-se que a falência é sempre considerada culposa em caso da prática de certos actos necessariamente desvantajosos para a empresa

No mesmo sentido depõe o n.º 5 do artigo 186.º cujos termos são os seguintes: “Se a pessoa singular insolvente não estiver obrigada a apresentar-se à insolvência, esta não será considerada culposa em virtude da mera omissão ou retardamento na apresentação, ainda que determinante de um agravamento da situação económica do insolvente”. Com efeito, se o legislador, no caso de pessoa não obrigada a apresentar-se à insolvência, entendeu que a não apresentação ou a apresentação tardia, ainda que determinante de um agravamento da situação de insolvência, não era de considerar insolvência culposa, é de presumir, por aplicação do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, que quando afirmou que presumia-se a existência de culpa grave dos que não cumpriram o dever de requerer a declaração de insolvência estava a presumir a culpa no agravamento da situação de insolvência.

Em terceiro lugar, a interpretação que se vem defendendo é ainda aquela que preserva melhor a unidade do sistema jurídico, designadamente a relação do n.º 3 com os preceitos antecedentes. Vejamos.

O CIRE distingue dois tipos de insolvência, a culposa e a fortuita [artigo 185º].

O n.º 1 do artigo 186º diz que a insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.

Esta noção geral de insolvência culposa é complementada pelo n.º 2 e pelo n.º 3 do mesmo preceito.

Sobre o n.º 2 não há dúvidas de que, nas suas várias alíneas, estão tipificadas acções que qualificam a insolvência como culposa. E qualificam-na sem necessidade de demonstração que causaram ou agravaram a insolvência e/ou que o devedor actuou com dolo ou com culpa grave. Mais: tal preceito não só não exige, para qualificar a insolvência como culposa, a prova de que a acção do devedor causou ou agravou a insolvência e/ou a prova de que actuou com dolo ou com culpa grave, como veda ao devedor a prova de que a sua acção não causou a insolvência nem a agravou, bem como veda a prova de que não actuou com dolo ou com culpa grave.

Entre tais acções estão algumas que seguramente nem causaram nem agravaram a situação de insolvência. É o caso das tipificadas nas alíneas h) e i), respectivamente: incumprimento em termos substanciais da obrigação de manter contabilidade organizada, manutenção de uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou a prática de irregularidades com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor [alínea h)]; incumprimento, de forma reiterada dos deveres de apresentação e de colaboração até à data da elaboração do parecer referido no n.º 2 do artigo 188.º [alínea i)].

Ora, apesar de ser certo que tais acções não causaram nem agravaram a situação de insolvência, elas foram erigidas em presunções inilidíveis ou em ficções legais de insolvência culposa porque os dados da experiência revelam que elas estão associadas, com elevada probabilidade, a situações de insolvência culposa e porque, em tais situações, tornava-se difícil a prova da conduta que causou ou agravou a situação de insolvência.

Nesta linha, é de presumir que o n.º 3 do artigo 186.º se insira no sistema que complementa o n.º 1 do artigo 186.º; e complementa-o mediante a indicação de condutas que fazem presumir (iuris tantum) uma situação de insolvência culposa.       

Em quarto lugar, depõe a favor da interpretação que se segue a seguinte nota de direito comparado.

Sabe-se, através do preâmbulo do diploma que aprovou o CIRE, que o tratamento dispensado ao incidente de qualificação da insolvência inspira-se, quanto a certos aspectos, na Ley Concursal Espanhola [Lei 22/2003, de 9 de Julho].

O artigo 165.º desta lei, sob a epígrafe “presunções de culpabilidade”, estabelece no n.º 1 que a insolvência se presume culpável, salvo prova em contrário, quando o devedor ou os seus representantes legais, administradores ou liquidatários tiverem incumprido o dever de requerer a declaração de insolvência.

Dadas as semelhanças notórias entre os termos deste preceito da lei Espanhola e os da alínea a) do n.º 3 do artigo 186.º do CIRE pode dizer-se com segurança que aquele preceito serviu de inspiração à norma da lei portuguesa.

Ora, como se pode ler na sentença do Tribunal Supremo Espanhol proferida em 1/6/2015, no recurso n.º 1449/2013, ou na sentença do Tribunal Supremo Espanhol STS 1781/2016, datada de 22/04/2016, publicadas em http://www.poderjudicial.es/, constitui jurisprudência consolidada a que afirma que o artigo 165.º, n.º 1, da Lei Concursal é uma norma complementar do artigo 164.º, n.º 1 (cuja epígrafe é insolvência culposa), que contém a concretização do que pode constituir uma conduta gravemente culposa com incidência causal na criação ou agravação da insolvência e que estabelece uma presunção iuris tantum, que, no caso do incumprimento do dever de requerer a declaração de insolvência, se estende tanto ao dolo ou culpa grave como à sua incidência causal na agravação da insolvência. Isto é, a norma da Lei Concursal que inspirou a alínea a) do n.º 3 do artigo 186.º do CIRE é interpretada pelo tribunal superior do poder judicial de Espanha no sentido de que estabelece uma presunção iuris tantum de insolvência culposa.

Pelo exposto interpreta-se o n.º 3 do artigo 186.º do CIRE no sentido de que, quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor não cumpram os deveres mencionados nas alíneas a) e b) têm contra si a presunção ilidível de que a situação de insolvência foi criada ou agravada, por eles, com culpa grave. Em abono desta interpretação citam-se o acórdão do tribunal da Relação de Coimbra de 22-11-2016, proferido no processo n.º 2675/13.1TBLRA-C.C1, e o acórdão do STJ proferido em 23-10-2018, no processo n.º 8074/16.6T8CBR-D, ambos publicados em www.dgsi.pt].

Considerando a interpretação do n.º 3 do artigo 186.º do CIRE acabada de expor e o facto de os administradores de direito da sociedade terem incumprido o dever de requerer a declaração de insolvência a sociedade “ A... , Lda” e a obrigação de elaborar as contas relativas ao ano de 2016, é de presumir a insolvência culposa da sociedade.

Esta presunção podia ser ilidia mediante prova em contrário (n.º 2 do artigo 350.º do Código Civil). E a prova do contrário implicava a prova de factos de onde resultasse que os gerentes não tiveram culpa grave no incumprimento do dever de requerer a declaração de insolvência e no incumprimento da obrigação de elaborar as contas relativas ao ano de 2016 ou a prova de factos de onde resultasse que não criaram ou agravaram a situação de insolvência, o que os gerentes de direito, B... e C ... , não demonstraram.

Por todo o exposto, mantém-se o segmento da sentença que qualificou a insolvência como culposa ao abrigo do artigo 186.º, n.º 3, alíneas a) e b), do CIRE.


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A sentença sob recurso foi ainda do entendimento que a insolvência da sociedade “ A... , Lda” era de qualificar como culposa ao abrigo das alíneas a), d) e f) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE.

Justificou a qualificação ao abrigo da alínea a), dizendo que não se apurara o destino dado ao valor de € 30 053,52 (proveniente da venda de vinho de mesa tinto e branco à sociedade R... .), depositado na conta bancária da insolvente em 25-07-2017 e levantado nesse mesmo dia [pontos números 81 e 82], o que significava que os administradores ocularam este valor ou fizeram-no desaparecer.

Justificou a qualificação ao abrigo da alínea d), dizendo que as seguintes transferências configuravam disposição de bens em proveito de terceiros:
1. Transferências de € 26 500 euros e 50 000 euros em 3 de Fevereiro de 2017 e de € 15 000,00 em 8 de Fevereiro de 2017, para E... (pontos números 43 e 44);
2. Transferências para D... em 3 e 6 de Fevereiro de 2017 nos montantes, respectivamente, de 6 000 euros e 8 000 euros (ponto n.º 46);
3. Transmissão da propriedade de veículos em benefício de G ... (pontos n.º 58 a 60).

Justificou a qualificação ao abrigo da alínea f), dizendo que a constituição de um crédito de 91 500 euros a favor de E... (pontos números 43 e 44), sem qualquer justificação, correspondia a uma forma de retirar um activo da insolvente a favor do requerido.

Os recorrentes contestam estes segmentos da decisão com os seguintes argumentos:
1. Que as hipóteses do n.º 2 carecem sempre da demonstração do nexo de causalidade entre a actuação culposa da insolvente ou dos seus administradores e a criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos previstos no n.º 1 do mesmo artigo;
2. Que a sentença qualificou a insolvência como culposa sem que se encontrasse estabelecido o nexo de causalidade entre os factos que são apontados aos afectados pela qualificação e a situação de insolvência ou o seu agravamento;
3. Que resultaram demonstradas todas as movimentações à conta bancária da devedora, nada omitindo a devedora a quem foram prestadas todas as informações e esclarecimentos solicitados, conforme pontos 98, 99 e 106 da sentença recorrida;  
4. Que o recebimento de valores por parte do recorrente D... , que a sentença qualificou como suprimentos, foram devolvidos à massa insolvente, pelo que nenhum prejuízo resultou para a massa ou para os credores;
5. Que no que concerne aos negócios objectos de resolução por parte da administradora decorria dos factos provados (ponto n.º 72) que por sentença transitada em julgado foi homologada a transacção nos termos da qual o recorrente E... e mulher procediam à entrega à massa insolvente da quantia de 7 500 euros e da viatura com a matrícula ..., tendo esta declarado que, com o recebimento deste valor e daquela viatura, reconhecia plenamente válidos e eficazes os negócios sobre os demais bens objecto das resoluções em causa nos autos, desistindo das mesmas, que se encontrava igualmente compensada de todos os eventuais prejuízos dos credores.
6. Que em relação à constituição do crédito de 91 500 euros a favor de E... , ela estava justificada pelos pagamentos de dívida da sociedade efectuados pelo recorrente E... , dados como provados na sentença recorrida, pontos números 56 e 57; e que os pagamentos foram efectuados por conta e a pedido da sociedade, uma vez que se encontrava inibida do uso de cheques, tal como decorria do ponto n.º 53;
7. Que a transferência estava justificada e não resultou qualquer benefício para o recorrente ou para outrem;
8. Que subsunção da constituição de tal crédito na hipótese da alínea f) do n.º 2 do artigo 186.º não encontrava respaldo na prova produzida e era contraditório em si mesmo, atenta a factualidade dada como provada em 53, 56 e 57.

Apreciação do tribunal:

Em primeiro lugar, não vale contra a sentença a alegação de que a qualificação da insolvência ao abrigo do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE depende da demonstração do nexo de causalidade entre a actuação culposa da insolvente ou dos seus administradores e a criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos previstos no n.º 1 do mesmo artigo. Como se escreveu acima, a propósito da interpretação do n.º 3 do artigo 186.º do CIRE, o n.º 2 tipifica acções que qualificam a insolvência como culposa. E qualificam-na sem necessidade de demonstração que causaram ou agravaram a insolvência e/ou que o devedor actuou com dolo ou com culpa grave. Mais: tal preceito não só não exige, para qualificar a insolvência como culposa, a prova de que a acção do devedor causou ou agravou a insolvência e/ou a prova de que actuou com dolo ou com culpa grave, como veda ao devedor a prova de que a sua acção não causou a insolvência nem a agravou, bem como veda a prova de que não actuou com dolo ou com culpa grave.

Citam-se, em abono desta interpretação do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE, o acórdão do STJ de 6-10-2011, proferido no processo n.º 46/07.8TBSVC, o acórdão do STJ proferido em 15-02-2018, no processo n.º 7353/15.4T8VNG-A.P1.S1, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-05-2012, proferido no processo n.º 1053/10.9TJCBR e o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14-01-2014, proferido no processo n.º 785/11.9TBLRA, todos publicados no sítio www.dgsi.pt.

Na doutrina citam-se em abono desta interpretação:
1. Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvênc1ia e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, que em anotação ao artigo 186, página 610, escrevem: “Da letra da lei (considera-se sempre) resulta claramente que no preceito em anotação se estabelece uma presunção iuris et de iure, em vista do que dispõe o n.º 2 do artigo 350º”;
2. Manuel A. Carneiro da Frada [A responsabilidade dos administradores na insolvência, publicado na Revista da Ordem dos Advogados, ano 66º, Volume II, disponível no sítio http://www.oa.pt] que escreve a este propósito o seguinte: “Tendo lugar alguma das situações previstas, a culpa presume-se, não havendo lugar a prova em contrário e estando portanto precludida a alegação e demonstração de alguma causa de desculpação (…) O n.° 2 do art. 186 contempla desta sorte um conjunto de hipóteses em que se estabelece inilidivelmente ter ocorrido uma conduta ilícita e culposa dos administradores. Mas não se trata apenas disso. A referida conduta é tida pelo preceito como causadora ou agravadora de uma insolvência. Só assim é que a insolvência pode ser qualificada como culposa pelo legislador. Temos, portanto, que o art. 186 n.° 2 também faz presumir iuris et de iure a causalidade da violação ilícita e culposa de determinados deveres em relação à insolvência”;

Mesmo que se entendesse – como o fez o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 570/2008 (DR, 2ª série de 14 de Janeiro de 2009) - que era duvidoso, perante a noção de presunções legais constantes do artigo 349º, do Código Civil, que o n.º 2 do artigo 186º instituísse verdadeiras presunções, sempre se teria de entender que as situações em causa foram configuradas pelo legislador como situações típicas, características de insolvência culposa. A este propósito escreveu-se no citado acórdão: “Na verdade, o que o legislador faz corresponder à prova da ocorrência de determinados factos não é a ilação de que um outro facto (fenómeno ou acontecimento da realidade empírico-sensível) ocorreu, mas a valoração normativa da conduta que esses factos integram. Neste sentido, mais do que perante presunções inilidíveis, estaríamos perante a enunciação legal (não importa aqui averiguar se mediante enunciação taxativa ou concretizações exemplificativas) de situações típicas de insolvência culposa”.

Acrescentou, porém, que “…numa ou noutra perspectiva (presunção inilidível de culpa, factos -índice ou tipos secundários de insolvência culposa), o legislador prescinde de uma autónoma apreciação judicial acerca da existência de culpa como requisito da adopção das medidas restritivas previstas no artigo 189.º do CIRE contra os administradores julgados responsáveis pela insolvência”.

Diga-se, por fim, que o tribunal Constitucional não julgou inconstitucional a norma do artigo 186º, n.º 2, no caso a alínea a), interpretada no sentido de que consagrava uma presunção de culpa iure et iure.

Em síntese: a qualificação da insolvência como culposa ao abrigo do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE basta-se com o concurso dos seguintes factos:
1. Com a declaração de insolvência;
2. Com a prática, pelos administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular, de alguma das acções previstas nas suas alíneas, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.

Em segundo lugar é exacta a alegação dos recorrentes de que foram prestados esclarecimentos sobre as movimentações da conta bancária da recorrente, designadamente sobre as transferências bancárias supra indicadas e sobre o destino dado à importância de € 30 053,52, levantada de uma conta bancária da sociedade A... . Com efeito, está provado no ponto n.º 106 que o ilustre mandatário da insolvente, a pedido da administradora da insolvência, remeteu-lhe um email com as seguintes explicações:
1. Que as transferências para E... , no valor total de 91 500 euros (pontos n.ºs 43 e 44), reportavam-se ao pagamento de parte do terreno onde se encontrava implantada a vinha que pertencia à sociedade;
2. Que o valor de 30 053,52, levantado da conta da sociedade (ponto n.º 82), destinou-se ao pagamento de diversas dívidas à sociedade, designadamente serviço de telecomunicações, EDP, fornecedores, viticultores, segurança social, salários, finanças (IVA, IRS, IRC) – ponto n.º 106 dos factos provados.

Sucede que o tribunal a quo não julgou provado que as transferências e o levantamento do dinheiro depositado tiveram o destino alegado, como o atestam as alíneas q), w) e x) dos factos julgados não provados.

Em terceiro lugar, não é exacta a alegação dos recorrentes de que os valores recebidos por D... , qualificados pela sentença como suprimentos, tenham sido devolvidos à massa insolvente. Com efeito, embora esteja provado que a administradora da insolvência resolveu em benefício da massa insolvente tais transferências e que a acção de impugnação da resolução proposta por D... contra a massa insolvente (pontos n.ºs 48 e 49) foi julgada improcedente, não está provado que o beneficiário das transferências tenha restituído à massa insolvente o dinheiro que recebeu.

Quanto à questão de saber se a sentença incorreu em erro na subsunção dos factos às hipóteses previstas nas alíneas a), d) e f) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE, o entendimento deste tribunal é de que apenas as transferências de dinheiro para E... descritas nos pontos n.ºs 43 e 44 não preenchem a hipótese da alínea f). Vejamos.

Comecemos por apreciar a decisão de qualificação da insolvência como culposa ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE.

Segundo esta alínea considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor.

Como escrevemos acima, o tribunal a quo entendeu que não se apurou o destino que foi dado ao valor de € 30 053,2 depositado na conta bancária da insolvente em 25-07-2017 e levantado nesse mesmo dia, e o desconhecimento do destino significava que estávamos perante uma acção que ocultou ou fez desaparecer o dinheiro.

Para efeitos da alínea a), a expressão “feito desaparecer… o património do devedor” compreende as acções que fazem sair bens do património do devedor de forma tal que o destino deles não seja conhecido.  A favor desta interpretação cita-se Pedro Caeiro, que, em comentário ao artigo 227.º do Código Penal escreve: estão em causa “condutas que provocam uma diminuição real do património”; com elas “o devedor deprecia realmente o valor do seu património, causando por essa forma uma situação de insolvência. No que diz respeito à expressão “fazer desaparecer parte do seu património”, parece que ela servirá para atalhar os casos em que não se descobre o paradeiro de bens que supostamente se deviam encontrar na titularidade do devedor. Não se importa se eles foram objecto de uma alienação real ou tão só-fictícia, importa tão só que os credores não conseguem atingi-los para garantir a satisfação das suas dívidas, pelo que o valor ostensivo do património resulta, em qualquer caso diminuído” [Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial Tomo II, páginas 412 e 413].  

Interpretada a expressão “feito desaparecer … o património do devedor” com o sentido exposto, é de afirmar que ela cobre, na realidade, o levantamento da quantia de € 30 053,52, considerando que ela não foi encontrada no património da insolvente e que se desconhece o destino que lhe foi dado.

Pelo exposto, mantém-se a decisão de qualificar a insolvência como culposa ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE.

Apreciemos, de seguida, a decisão de qualificação ao abrigo da alínea d) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE.

Segundo esta alínea “considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros”.

Para efeitos da norma em apreciação, devem considerar-se “actos de disposição” tanto aqueles que têm por efeito a saída dos bens do património do devedor (como sucede, por exemplo com a venda ou a doação de bens) como os que, não implicando necessariamente tal saída, retiram-lhe, no entanto, a disponibilidade deles, colocando-os na disponibilidade de outrem. Cita-se em abono desta interpretação o Acórdão do STJ proferido em 15-02-2018, no processo n.º 7352/15.4T8VNG-A, publicado em www.dgsi.pt onde se escreveu: “a previsão legal é preenchida não apenas quando por negócio jurídico a titularidade do direito sobre os bens do insolvente é transferida para o terceiro, mas também quando, independentemente disso, é consentido a este que use, goze e frua os bens, que deles retire as respetivas utilidades em benefício próprio. Neste caso o insolvente fica, na prática, numa situação equivalente à de não ser proprietário desses bens, ou de não ter qualquer direito de gozo dos mesmos”. É certo, entretanto, que para os fins em presença só há que falar em proveito quando o ato de disposição se traduz na outorga de um benefício sem uma justa ou legítima correspondência prestacional (se existe correspondência prestacional do terceiro, não há proveito deste, mas sim o recebimento do que lhe compete, justa e legitimamente, receber)”.

Ainda sobre a norma em apreciação cabe dizer que a exigência feita nela de que de que o acto de disposição seja feito em proveito pessoal dos administradores (de direito ou de facto) ou de terceiros serve para excluir do alcance da norma os actos de disposição que “produzam uma perda absoluta do direito, ou seja, a extinção do direito sem que lhe corresponda qualquer aquisição” [seguimos neste aspecto o entendimento de Pedro Sousa Macedo, Manual de Direito das Falências, Volume II, Livraria Almedina, Coimbra 1968, página 220, a propósito do conceito de actos onerosos constante do artigo 1202º, alínea d) do Código de Processo Civil de 1961, que se presumiam celebrados de má-fé].

Por último, como exemplos de actos abrangidos pelo preceito, podemos citar o pagamento, pela sociedade, de despesas ou investimentos estritamente pessoais do administrador, o pagamento de remunerações excessivas relativamente à situação económica da empresa ou a disposição de de bens da sociedade como se fossem bens próprios do administrador.

Interpretada a alínea d) com o sentido e o alcance acabados de expor, é de afirmar que as transferências de dinheiro a favor de E... (pontos n.ºs 43 e 44) e a transmissão a propriedade dos veículos a favor de G ... (pontos números 58 a 60) constituíram actos de disposição de bens da sociedade em proveito de terceiros.

Em relação às transferências de dinheiro a favor de D... , está provada, é certo, a causa delas. Elas serviram para reembolsar suprimentos feitos pelo referido sócio à sociedade (artigos 45.º e 46.º dos factos julgados provados). Também estas transferências devem ser consideradas disposições em benefício de terceiros. Com efeito:
1. Em primeiro lugar, D... viu satisfeito, em parte, o seu crédito, fora do concurso de credores, numa altura em que a sociedade estava insolvente;
2. Em segundo lugar, se não tivesse sido pago fora do concurso, provavelmente não obteria no processo de insolvência o pagamento do crédito, visto que os créditos por suprimentos são créditos subordinados (artigo 48.º, alínea g) do CIRE) e resulta do n.º 1 do artigo 177.º do CIRE e da alínea a) do n.º 3 do artigo 245.º do Código das Sociedades Comerciais que os suprimentos só podem ser reembolsados aos credores da sociedade declarada em situação de insolvência depois de inteiramente satisfeitas as dívidas daquela para com terceiros.

É, assim, de concluir que a transferências a favor de D... beneficiou-o. E beneficiou-a em prejuízo dos restantes credores, pois ficaram privados de obterem o pagamento dos seus créditos, ou de parte deles, com o dinheiro transferido.

Contra esta conclusão não vale a alegação de que o recebimento de valores por parte do recorrente D... , que a sentença qualificou como suprimentos, foram devolvidos à massa insolvente, pelo que nenhum prejuízo resultou para a massa ou para os credores.

Em primeiro lugar, como se escreveu acima, embora esteja provado que a administradora da insolvência resolveu em benefício da massa insolvente tais transferências e que a acção de impugnação da resolução proposta por D... contra a massa insolvente (pontos n.ºs 48 e 49) foi julgada improcedente, não está provado que D... restituiu à massa insolvente o dinheiro transferido para si.

Em segundo lugar, a resolução em benefício da massa insolvente de um acto que tenha servido de fundamento à qualificação da insolvência como culposa não tem efeitos sobre a decisão de qualificação. É que a resolução em benefício da massa insolvente e o incidente de qualificação da insolvência têm fins e pressupostos diferentes. A primeira visa reagir contra os actos prejudiciais à massa dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência, a fim de reintegrar nela bens e direitos que dela saíram. O incidente da qualificação da insolvência, como se assinala no preâmbulo do Decreto-lei n.º 53/2004, de 18 de Março, que aprovou o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, visa apurar se a insolvência é fortuita ou culposa, sendo que os factos que relevam para esta decisão são os ocorridos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.

Com isto não se quer dizer que a resolução de actos em benefício da massa insolvente seja totalmente irrelevante para a decisão, em caso de qualificação da insolvência como culposa. Não o é. Com efeito, na sentença que qualifique a insolvência como culposa deve o juiz determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelas pessoas afectadas pela qualificação e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos (alínea d) do n.º 2 do artigo 189.º do CIRE) e condenar as pessoas afectadas a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente até ao montante dos créditos não satisfeitos, até às forças dos respectivos patrimónios, sendo solidária tal responsabilidade entre todos os afectados (alínea e) do mesmo preceito).

Ora, em caso de resolução em benefício da massa insolvente de algum acto que tenha servido de base à qualificação da insolvência como culposa, não é de excluir a hipótese de tal resolução ter influência nestes segmentos da decisão, visto os efeitos que a lei assinala à resolução (n.º 1 do artigo 126.º do CIRE).

Contra a influência da resolução em benefício da massa insolvente na decisão sobre a qualificação da insolvência como culposa depõe ainda o seguinte. Uma vez provada a prática de alguma das acções previstas nas várias alíneas do n.º 2 do artigo 186.º, nos 3 anos anteriores ao início do processo de insolvência, a lei considera sempre, isto é, sem possibilidade de prova em contrário, a insolvência culposa. Isto é, nem releva a prova de que o acto não causou prejuízo nem a prova de que o prejuízo causado foi reparado.

Daí que quer a resolução das transferências a favor de D... , quer a resolução das transmissões dos veículos e a transacção referido no ponto n.º 72 dos factos provados, sejam irrelevantes para afastar a qualificação da insolvência como culposa.

Pelo exposto, mantém-se a decisão de qualificar a insolvência ao abrigo da alínea d) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE.

Apreciemos, por último a decisão de qualificar a insolvência ao abrigo da alínea f).

Nos termos desta alínea considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse directo ou indirecto.

Considerando a letra do preceito, o preenchimento da hipótese pressupõe por parte dos administradores de direito ou de facto:
1. Um acto de uso de bens ou do crédito do devedor;
2. Contrário ao interesse deste;
3. Em proveito pessoal ou de terceiros.

O que está em causa neste preceito é o uso abusivo, por parte do administrador, dos bens ou do crédito da sociedade, em proveito pessoal ou de terceiros.

Sendo este o alcance do preceito, é de afirmar que ele não abrange as disposições de bens em benefício de um terceiro, como é o caso das transferências de dinheiro a favor de E... .

Contra a subsunção das transferências de dinheiro a favor de E... na hipótese da alínea f) depõe ainda o seguinte.

Na interpretação das várias alíneas do n.º 2 do artigo 186.º é de presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil) e que não quis incluir a mesma acção em alíneas diferentes. O que devemos presumir é que cada alínea tem um alcance diferente. Ora se as transferências de dinheiro em benefício de terceiros integram a hipótese da alínea d) é de presumir que o legislador não as tenha querido incluir também na alínea f).

Em consequência, há fundamento para revogar a sentença na parte em que qualificou a insolvência como culposa ao abrigo da alínea f) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE.

Em suma: mantém-se a qualificação da insolvência ao abrigo das alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 186.º e das alíneas a) e d) do n.º 2 do mesmo preceito.


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Decisão sobre a afectação de E... e D... pela qualificação da insolvência como culposa

Para a hipótese de este tribunal manter a qualificação da insolvência como culposa, os recorrentes pediram a revogação da sentença na parte em que considerou afectados, pela qualificação da insolvência como culposa, E... e D... .

Para bem se compreenderem os fundamentos do recurso importa dizer que a sentença considerou que E... era de considerar afectado pela qualificação da insolvente por ter sido administrador de facto da insolvente e que D... , sócio, era de considerar afectado pelas seguintes razões:
1. Não ignorava que os bens destinados ao exercício da actividade da insolvente foram vendidos;
2. Não podia ignorar que o activo da insolvente não permitia o pagamento das dívidas;
3. Não podia ignorar que só podia receber os créditos de suprimentos após a liquidação dos restantes credores não subordinados;
4. Que, ao receber os valores liquidados em Fevereiro de 2017, estava a agravar a situação de insolvência, dificultando a satisfação dos credores da insolvência;
5. Na sua qualidade de sócio não fez nada para cuidar da substituição da gerente em falta e de tomar as medidas necessárias para evitar a retirada de valores pertencentes à sociedade que deviam ser destinadas ao pagamento dos credores.

Os recorrentes, laborando no pressuposto de que foi com base na matéria descrita sob os pontos números 54 e 55 que o tribunal a quo considerou E... administrador de facto da sociedade “ A... , Lda” impugnaram a decisão de julgar provada tal matéria, ou seja:
1. Que E... contactava o gerente de I... , a solicitar o fornecimento de aguardente, com quem negociava o respectivo preço e depois o vencimento das facturas em dívida e que lhe transmitiu que se a ora insolvente vendesse algum património liquidava o saldo [ponto n.º 54];
2. Que em data posterior à alienação das instalações da insolvente, E... propôs entregar aos gerentes de I... , uma loja que não pertencia à insolvente, pretendendo com essa entrega liquidar o valor total da dívida desta credora, o que aqueles não aceitaram por considerarem que o valor do imóvel era insuficiente para o pagamento da dívida [ponto n.º 55].

Mais alegaram para contestar a decisão de julgar E... administrador de facto:
1. Que não se provou que a proposta de pagamento tivesse sido feita a I... em nome e em representação da sociedade;
2. Que ninguém esta inibido de pagar dívidas a terceiros, não podendo tal actuação enquadrar-se como uma actividade societária ou gestionária;
3. Que a proposta para a liquidação do crédito indiciava o pagamento de uma dívida que o credor não aceitou, da qual não se podia extrair quaisquer efeitos jurídicos;
4. Que a natureza jurídica da proposta de pagamento não permite enquadrá-lo como um acto de gestão da sociedade ou como uma acção relacionada como actividade regular da sociedade definida pelo seu fim em função do respectivo objecto;
5. Que ainda que tivesse sido aceite a proposta, tal apenas poderia ser qualificado como mera assunção de dívida de terceiro e jamais como acto de gestão da sociedade insolvente.

Apreciação do tribunal:

Antes de mais cumpre dizer que os recorrentes laboram em erro quando pressupõem que toda a matéria do ponto n.º 54 foi relevante para considerar E... como administrador de facto da sociedade “A A... ”. Com efeito, a matéria descrita na 1.ª parte desse número, concretamente a constituída pela afirmação de que E... contactava o gerente de I... a solicitar o fornecimento de aguardente e negociava com ele o preço não teve relevo na decisão sobre a questão administração de facto, como o atesta o seguinte trecho da sentença: “o facto de fazer encomendas e negociar o preço de aquisição, só por si, não integra a prática de actos de gestão com autonomia, por estarem em causa funções que podem ser desempenhadas por qualquer funcionário da sociedade”.

Do ponto n.º 54, o que pesou na decisão de considerar E... administrador de facto foi a afirmação de que E... transmitiu ao gerente de I... , depois do vencimento das facturas, que ora insolvente liquidava o saldo, no caso de vender algum património.

Apesar de nem toda a matéria do artigo 54.º ter sido relevante par a afirmação de que E... era administrador de facto da sociedade “A A... ” não se deixará de conhecer da impugnação no seu todo.

Ouvidos os depoimentos de J... (gerente da sociedade I... ), L... (também gerente da mencionada sociedade) e M... (empregada de escritório da referida sociedade), a convicção deste tribunal é a de que, pelo menos nos anos de 2014 e 2015, E... contactou J... , gerente de I... Lda, para que esta sociedade fornecesse aguardente à A... (ora insolvente) e negociou o preço da transacção.

Com efeito, este tribunal não encontra razões para duvidar de J... quando declarou que, nos últimos dois ou 3 anos que forneceu aguardente à A... quem o contactava e quem negociava com ele o preço era E... , “pai”, como não tem razões para duvidar de L... quando declarou que foi duas vezes às instalações da A... na companhia de J... (seu tio) para negociar a venda de aguardente e a pessoa que negociou com eles foi E... , “pai”.

Como não tem razões para duvidar de J... quando afirmou que as facturas relativas ao último fornecimento de aguardente são de 15 de Julho e 22 de Setembro de 2015.

Com base nestes depoimentos, que nos mereceram crédito, pode afirmar-se que, pelo menos, nos anos de 2014 e 2015, quem contactou J... , gerente de I... Lda, para fornecer aguardente à A... (ora insolvente) e quem negociou o preço da aquisição foi E... .

Dizemos “pelo menos” nos anos de 2014 e 2015 porque, embora a referida sociedade tenha fornecido aguardente à A... em anos anteriores, J... admitiu que, em tais anos, os fornecimentos podem ter sido efectuados com a intervenção de um intermediário/comissionista (Sr. Germano).

Quanto à questão de saber se, depois do vencimento das últimas facturas, E... disse a J... que a A... liquidava o saldo se vendesse algum património, os depoimentos de J... e de L... não foram esclarecedores e o da testemunha não trouxe qualquer contributo para o esclarecimento da questão.

Com efeito, embora tenha sido perguntado a J... se E... lhe falou na hipótese de venda da A... para pagar o preço do último fornecimento e o declarante tenha respondido que E... chegou a comentar que poderia passar por aí para se capitalizar, a verdade é que o declarante afirmou que não percebeu os bens que iriam ser vendidos e que não pensou que fosse a “adega”.  

Quanto a L... , limitou-se a afirmar, após vários perguntas sugestivas da mandatária de I... , que “houve esse comentário que se vendesse a adega que lhe pagariam”. O declarante não explicou, no entanto, quem é que fez o comentário, em que contexto é que ele foi feito e quando é que foi feito. Daí que a alusão vaga e imprecisa a um comentário sobre a venda da adega para liquidação da dívida à sociedade I... , seja imprestável para julgar provada a matéria da parte final do n.º 54.

A testemunha M... não sabia nada sobre a questão.

Pelo exposto, altera-se a decisão proferida quanto ao ponto n.º 54 no seguinte sentido:
1. Julga-se provado que, pelo menos nos anos de 2014 e 2015, quem contactou J... , gerente de I... Lda, para fornecer aguardente à A... (ora insolvente) e quem negociou o preço da aquisição foi E... ”;
2. Julga-se não provado que “depois do vencimento das últimas facturas, E... transmitiu a J... que se a ora insolvente vendesse algum património liquidava o saldo”.

Em relação ao ponto n.º 55, os recorrentes pedem se julgue não provada a matéria deste ponto, invocando, para o efeito, excertos devidamente identificados dos depoimentos de J... e de L... .

Apesar de terminarem a impugnação pedindo se julgue não provada toda a matéria do ponto n.º 55, os recorrentes não se insurgem contra ela no seu todo. A sua discordância é em relação ao segmento da decisão que julgou provado que a loja que E... propôs entregar ao credor I... não pertencia à insolvente e ao segmento onde se afirmou que “o valor do imóvel era insuficiente para o pagamento da dívida”.

Antes de exprimirmos a nossa convicção sobre a prova, importa dizer que o tribunal a quo não julgou provado, como pressupõem os recorrentes, que o valor do imóvel era insuficiente para o pagamento da dívida. O que o tribunal a quo julgou provado foi que os gerentes de I... (concretamente J... e L... ) consideraram que o valor do imóvel era insuficiente para o pagamento da dívida.

E em relação a esta questão, a convicção deste tribunal não difere da do tribunal a quo. Na verdade, apesar de J... e L... terem indicado valores diferentes para o imóvel que E... propôs entregar a I... , para pagar o preço do último fornecimento de aguardente e de essa indicação não passar de uma mera opinião, não alicerçada em qualquer avaliação, a verdade é que ambos consideraram que o valor do imóvel era insuficiente para pagamento da dívida. Daí que não haja razões para alterar tal segmento da decisão.

Já é de alterar, no entanto, a decisão na parte em que julgou provado que a loja que E... propôs entregar ao credor I... não pertencia à insolvente. Na verdade, os declarantes não sabiam a quem é que pertencia o imóvel que E... lhes mostrou e que propunha entregar à sociedade I... , para pagamento do último fornecimento de aguardente. J... , instado sobre a questão da propriedade da loja, respondeu espontaneamente “não fui ver na conservatória”. E de seguida o mais que fez foi exprimir opinião ou convicção de que a loja era de E... .

L... , instado a dizer de quem era respondeu que, segundo o que disse E.... disse, a loja era dele. Instado a precisar se era dele, a título pessoal, o declarante afirmou que não sabia se era dele ou da empresa.

Justifica-se, assim, que se altere a decisão no sentido de se julgar não provado que a loja não pertencia à sociedade.

Pelo exposto, altera-se a decisão proferida sob o n.º 55 no seguinte sentido: “Em data posterior à alienação das instalações, E... propôs aos gerentes de I... a entrega de uma loja para pagamento do montante em dívida a esta sociedade, o que aqueles não aceitaram por considerarem que o valor do imóvel era insuficiente para pagar o montante em dívida”.

Além de impugnarem a decisão proferida sob os pontos números 54 e 55, os recorrentes entendem que o tribunal a quo devia ter julgado como provados outros factos além dos que julgou como provados, a saber:
1. Que E... e a sua mulher G ... não receberam qualquer valor pela venda do prédio descrita no ponto n.º 14 dos factos julgados provados, que tinha um valor de € 238.218,00, como resultava das declarações prestadas por D... ;
2. Que a ora insolvente incorporou directamente e à custa de E... e mulher o montante de € 238 218, que a sociedade não pagou.

A pretensão do recorrente é de julgar improcedente.

Em primeiro lugar o tribunal julgou não provado sob a alínea r) que, na data da escritura mencionada no artigo 14.º dos factos provados [17 de Setembro de 2010], o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º 776 – ... , tinha o valor de € 238 218,00 ou € 303 625,35.

Em segundo lugar, a alegação de que a ora insolvente incorporou directamente e à custa de E... e mulher o montante de € 238 218 é conclusiva.

Quanto à alegação de que E... e a sua mulher G ... não receberam qualquer valor pela venda do prédio descrita no ponto n.º 14 dos factos julgados provados, é certo que o tribunal a quo não se pronunciou sobre ela.

Esta omissão de pronúncia é, no entanto, irrelevante, visto que tal matéria não tem qualquer influência na decisão do recurso.

Apreciadas as questões de facto, vejamos, de seguida, se a sentença recorrida incorreu em erro ao considerar E... como administrador de facto da sociedade A A... .

O CIRE não define o conceito de administrador de facto para efeitos do n.º 1 do artigo 186.º do CIRE e da alínea a) do n.º 2 do artigo 189.º do mesmo diploma.

Cabe ao intérprete fazê-lo. Como é bom de ver, o conceito de administrador/gerente de facto não pode deixar de ser elaborado a partir do conceito de administrador/gerente de direito. A lei também não fornece o conceito de administrador de direito. Diz, no entanto, a propósito dos gerentes de direito que hão-de ser pessoas jurídicas singulares com capacidade jurídica plena a quem cabe administrar e representar a sociedade (n.º 1 do artigo 252.º do CSC), ou seja, cabe-lhes dirigir os negócios da sociedade sem obedecer a ordens de outrem, só prestando contas dos seus actos de gestão à sociedade e representar a sociedade. Pode dizer-se, assim, que o gerente de facto é a pessoa que, não tendo sido designado como gerente pela forma prevista na lei ou no contrato de sociedade, dirige, na realidade, os negócios da sociedade e age e é visto, na realidade, nas relações da sociedade com o exterior, como o representante da sociedade. O gerente de facto para assumir este título há-de exerce todas as atribuições que são próprias do gerente de direito, sem ter esta qualidade, e há-de exercê-las com a constância de um gerente de direito.

A sentença considerou que a circunstância de E... ter proposto à sociedade I..., Limitada, o pagamento do seu crédito, proveniente do fornecimento de aguardente à sociedade “ A... , Lda”, com um móvel não pertencente à insolvente era um acto próprio de um administrador, tanto mais que efectuou alguns pagamentos destinados à liquidação de dívidas da sociedade (ponto n.º 57 ii) e emitiu um cheque à ordem de C ... e B... (ponto n.º 56, viii e x).

É certo que a apresentação de uma proposta de pagamento de uma dívida de uma sociedade comercial mediante a entrega de um bem imóvel é acto que normalmente é praticado por quem é administrador da sociedade. O mesmo se pode dizer da emissão de cheques para pagar dívidas. Qualquer um destes actos cabe na esfera de acção de quem administra a sociedade.

Pode, assim, dizer-se que E... , ao propor a entrega de um imóvel para pagar uma dívida da sociedade A A... e ao passar cheques para pagar dívidas da mesma sociedade praticou actos que normalmente são praticados pelos gerentes de uma sociedade.

Sucede que estamos perante actos isolados, ao passo que a administração de facto pressupõe uma acção continuada. Além de continuada, a acção do administrador de facto há-de relevar de modo inequívoco a direcção dos negócios da sociedade, significado que não se pode atribuir aos actos em causa, visto que tiveram lugar num período em que a sociedade já havia vendido as suas instalações, já cessara a sua actividade e já se encontrava em situação de insolvência.

Pelo exposto, há fundamento para revogar o segmento da decisão que considerou E... afectado pela qualificação da insolvência como culposa.

Vejamos, por último, a questão de saber se é de manter a decisão de considerar D... afectado pela qualificação da insolvência como culposa.

Este segmento da decisão apoiou-se nos factos acima expostos e na interpretação da alínea a) do n.º 2 do artigo 189.º do CIRE, no sentido de que, além dos administradores de facto e de direito são afectados pela qualificação da insolvência culposa aqueles que: a) actuaram como dolo ou culpa grave; b) aqueles cuja actuação criou ou agravou a situação de insolvência; c) a sua actuação teve lugar nos três anos anteriores ao processo de insolvência [esta interpretação é afirmada por Alexandre Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, Volume I, 3.ª edição revista e actualizada, páginas 521 e 522].

Pelas razões a seguir expostas, o recurso é de julgar procedente.

A alínea a) do n.º 2 do artigo 189.º do CIRE impõe ao juiz o dever de identificar, na sentença que qualifique a insolvência como culposa, as pessoas afectadas pela qualificação, nomeadamente os administradores, de direito ou de facto, técnicos oficiais de contas e revisores oficiais de contas.

A letra da lei, recorrendo ao advérbio nomeadamente, aponta no sentido de que, além dos administradores, de direito ou de facto, dos técnicos oficiais de contas e revisores oficiais de contas, “outras pessoas” poderão ser afectadas pela qualificação da insolvência.

Porém, para que tal suceda é necessário que tais pessoas tenham praticado ou participado, com dolo ou culpa grave, nos actos que tenham servido de fundamento à qualificação da insolvência como culposa. Se tais pessoas foram estranhas a tais actos ou, não o sendo, os mesmos lhes não puderem ser imputados a título de dolo ou culpa grave, é de excluir a sua afectação pela qualificação da insolvência como culposa.

Interpretando a alínea a) do n.º 2 do artigo 189.º do CIRE com este sentido e alcance, D... seria de considerar afectado pela qualificação da insolvência de “A A... ” como culposa se tivesse praticado ou participado, com dolo ou culpa grave, os actos que serviram de fundamento à qualificação da insolvência como culposa.

Esta condição não se verifica. Com efeito, não era sobre o ora recorrente, D... , que impendia o dever de requerer a declaração de insolvência da sociedade ou a obrigação de elaborar as contas relativas ao exercício de 2016. Não há prova de que tenha sido ele a efectuar as transferências de dinheiro ou a transmitir veículos.

O ora recorrente tem relação apenas com a transferências das quantias de € 6000,00 e € 8000,00 em, respectivamente, 3 de Fevereiro de 2017 e 6 de Fevereiro de 2017, a título de reembolso de suprimentos [ponto n.º 46].

Sucede que o que qualificou a insolvência não foi o recebimento de tais quantias, mas a transferência delas. Mas ainda que se interpretasse o recebimento como um acto de cooperação do ora recorrente com o gerente da sociedade que procedeu às transferências de dinheiro, para o reembolso dos suprimentos, ainda assim não seria de o considerar afectado pela qualificação da insolvência. Com efeito, como escrevemos acima, a participação numa acção que tenha servido de fundamento à qualificação da insolvência como culposa determinará a afectação do participante desde que ele tenha agido com dolo ou culpa grave e, no caso, não há prova de factos de onde resulte que o ora recorrente sabia ou não devia ignorar que o recebimento dos suprimentos agravava a situação de insolvência da sociedade.

Pelo exposto, também há fundamento para revogar o segmento da decisão que considerou D... afectado pela qualificação da insolvência como culposa.


*

Decisão:

Julga-se parcialmente procedente o recurso e, em consequência:
1. Revoga-se a sentença na parte em que qualificou a insolvência da sociedade “A A... , Lda” como culposa ao abrigo do artigo 186.º, n.º 2, alínea f) do CIRE;
2. Revoga-se a sentença na parte em que considerou afectados, pela qualificação da insolvência como culposa, E... e D... e substituiu-se tal segmento da sentença por decisão a não considerar E... e D... afectados pela qualificação da insolvência da sociedade “A A... , Lda” como culposa;
3. Mantém-se a parte restante da decisão.

Responsabilidade quanto a custas:

Considerando a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito e o facto de os recorrentes e o recorrido terem ficado vencidos, em parte condenam-se os mesmos nas custas do recurso na proporção de, respectivamente, ¾ e ¼.

Coimbra, 26 de Outubro de 2021