Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
7/12.5TBVIS-I.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ GUERRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
PREJUÍZO
CREDOR
JUROS
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 10/23/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.238 Nº1 D) CIRE, 342 CC
Sumário: 1. Do simples facto de o insolvente se apresentar tardiamente à insolvência não se pode presumir, sem mais, a verificação de prejuízo para os credores, previsto no Art. 238º nº1 d) do CIRE.

2. O mero acumular de juros resultante dessa apresentação tardia à insolvência, não pode integrar o conceito de prejuízo de que se fala no citado normativo legal.

3. Esse prejuízo terá que ser efectivo e consubstanciado ou concretizado em factos que autorizem a conclusão quanto à existência do mesmo, e tendo sempre como causa ou relação a apresentação tardia à insolvência.

4. O ónus da prova desse prejuízo impende ao administrador da insolvência e aos credores ( Art. 342º nº2 do CC ).

Decisão Texto Integral:          Acordam do Tribunal da Relação de Coimbra

         I- Relatório

         1. F (…), apresentou-se – no 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial da comarca de Viseu -  a requerer a sua declaração de insolvência, a qual veio a ser decretada por sentença proferida em 04.01.2012, devidamente transitada.

         2. Na respectiva petição inicial o mencionado requerente pediu, ainda, a exoneração do passivo restante, invocando reunir os pressupostos legais exigidos para o efeito e que se dispõe a observar as condições impostas por lei.

         3. Pedido esse sobre o qual a Administradora da Insolvência, no relatório apresentado a que alude o Art. 155º do CIRE [ 1 ], se pronunciou no sentido de ser o mesmo apreciado pelos credores e, ainda, a invocar que o insolvente não referiu qual o montante disponível para cessão por conta da exoneração do passivo.

         4. Na assembleia de credores realizada nos termos previstos no Art. 156º do CIRE, foi realçado pela Administradora da Insolvência que, segundo declarações do próprio, o requerente/insolvente não exerce desde o ano de 2010 qualquer actividade comercial e que se encontra a trabalhar por conta de outrem, tendo sobre tal requerimento incidido a apreciação dos credores, no sentido do seu indeferimento manifestado por todos eles e também pela da Digna Magistrada do Mº Pº, invocando aqueles unanimemente as datas a que remonta o incumprimento dos créditos por parte do insolvente, e, ainda, a Digna Magistrada a circunstância do insolvente, ainda que não obrigado a apresentar-se à insolvência, se ter abstido da sua apresentação nos seis meses seguintes à verificação da impossibilidade de cumprir a generalidade das suas obrigações.

         5. Após a realização da aludida assembleia de credores, por decisão proferida em 21.06.2012, veio tal pedido de exoneração do passivo restante a ser indeferido liminarmente com o fundamento da verificação dos pressupostos integrantes da alínea d) do Art. 238º do CIRE.

        

         6. Inconformado com tal decisão dela veio a ser interposto recurso pelo requerente/insolvente, no qual pugna pela revogação da mesma e pela substituição por outra que decrete a exoneração do passivo restante.

        

         7. Nas alegações do recurso interposto formulou o recorrente as seguintes conclusões finais, que, sintetizadamente, assim se alinham:

         - o prejuízo a que se refere a alínea, com base na qual este pedido foi liminarmente indeferido – 238º, n.º 1, al. d) do CIRE– deve corresponder a um prejuízo irreversível e grave, designadamente, contracção de dívidas estando já o devedor em insolvência, ocultação do seu património ou actos de dissipação dolosa;

         - as dívidas do insolvente são aquelas que foram contraídas à data em que o requerente exercia a sua actividade em nome individual, não tendo sido, posteriormente, contraídas quaisquer outras dívidas;     

         - não houve, de facto, um aumento do passivo global;

        - o requerente não tardou em apresentar o seu pedido de insolvência, com o intuito de ocultar o seu património, mas sim por desconhecimento jurídico;

        - decorre da jurisprudência que, não basta a apresentação tardia à insolvência, com o consequente prejuízo dos credores pelo avolumar dos juros de mora, é antes necessário um prejuízo mais relevante, cujos factos e circunstâncias demonstrativas desse mesmo prejuízo terão de ser alegados e provados pelos próprios credores e administrador de insolvência;

- o despacho recorrido violou ou deu errada interpretação à norma ínsita na alínea d) do n.º 1 do artigo 238º do CIRE, pelo que é nulo.

         8. Não foram apresentadas contra-alegações a tal recurso.

         9. Colhidos os vistos, cumpre, então, apreciar e decidir.


***

         II- Fundamentação

         A) De facto

         Baseou o Tribunal da 1ª instância a decisão recorrida no seguinte acervo fáctico:

         A. O Insolvente F (…) requereu a declaração do seu estado de insolvência a 02 de Janeiro de 2012.

         B. Por sentença datada de 04 de Janeiro de 2012 foi declarada a insolvência daquele.

         C. Tal situação de insolvência resultou da impossibilidade do Insolvente cumprir as suas obrigações vencidas, seja pelo valor do seu passivo, quer pela insuficiência do activo susceptível de garantir o pagamento das dívidas, seja ainda pela incapacidade de gerar rendimentos ou recorrer ao crédito de forma sustentada.

         D. Em sede de lista provisória de credores, apresentada pela Sr.ª AI, constava já um montante global de dívidas apurado no valor de € 137.130,75.

         E. Dívidas essas constituídas nas seguintes datas:

         » no que diz respeito à dívida contraída junto do B (…)S.A., traduzindo-se a mesma em crédito emergente de contrato de mútuo, no valor de € 87.285,12, o incumprimento ocorreu a 25.10.2007;

         » no que tange à dívida contraída junto da C (…), atinente a financiamento, no valor de €16.000,00, o incumprimento ocorreu em 20.10.2008;

         » no que tange à Fazenda Pública, respeitante a montantes devidos a título IMI, IRS, IVA, IMT, coimas, juros e despesas, no valor de € 8.880,57, o  incumprimento ocorreu no ano de 2008;

         » no que toca ao Credor "J(…) - Materiais de Construção, Lda", no valor de € 14.787,78, o incumprimento ocorreu em  18.06.2008;

         » no que concerne ao ISS, I.P., respeitante a contribuições e juros, no valor de € 8.616,91, o incumprimento ocorreu em Outubro de 2007;

         » no que concerne ao credor O (…), S.A, cuja dívida era respeitante a prestação de serviços, no valor de € 518,63, o incumprimento ocorreu em 28.04.2008;

         » quanto à credora "P (…), Lda", respeitante a dívida inerente a prestação de serviços, no valor de  € 182,76, o incumprimento ocorreu em 01.04.2008;

         » no que toca à credora "S (…)Lda", respeitante a fornecimentos, no valor de € 858,42, o incumprimento ocorreu em 04.10.2007.

         F. Mais informou o Insolvente ter montantes em dívida junto das seguintes entidades:

         » junto do B (…), cujo incumprimento data de 11.04.2008;

         » junto do B (…), S.A, no valor de € 6.940,77, cujo incumprimento data do ano de 2008;

         » junto do B (…), S.A, no valor de € 2.350,00, cujo incumprimento ultrapassa os trinta meses;

         » junto do Condomínio (…) Bloco I, no valor de € 1.157,68;

         » junto de "M (…), Lda", no valor de € 75,69, cujo incumprimento data de 23.11.2007;

         » junto da "V (…),  Lda", no valor de € 1.549,25;

         » junto da "V (…)s", no valor de € 1.550,25, cujo incumprimento data de 11.03.2008;

         » junto da "R (…), Lda", no valor de € 710,47, cujo incumprimento data de 21.01.2008.

         G. Durante os meses de Junho e Julho de 2008, o Insolvente já não tinha capacidade para liquidar valores em dívida e inerentes à exploração comercial do estabelecimento comercial, de que era titular.

         H. Nessa decorrência, o Insolvente encerrou a actividade daquele estabelecimento, mas não fiscalmente, situação que se manteve até pelo menos à data de realização da assembleia de credores, dado que o Insolvente, até esse momento, não cessou a sua actividade como empresário em nome individual.

         I. As últimas declarações fiscais atinentes à actividade comercial que desenvolveu foram enviadas no ano de 2008.

         J. Em Março de 2010 o Insolvente começou a trabalhar na empresa denominada  " R..., Lda".

         K. Em sede de apenso de apreensão de bens foi arrolado como sendo da titularidade do Insolvente, o seguinte bem:

         » fracção autónoma, tipo estúdio destinado à habitação, sita em Crestelo, sétimo andar direito do Lote I, com a área total de 338m2, inscrito na matriz sob o nº x...Z e descrito na Conservatória do Registo Predial de Seia sob o nº Y.../19940207, da freguesia de Seia.

        

                                      ***

         B) De Direito

         1. Do objecto do recurso.

         Como é consabido e pacificamente entendido, é pelas conclusões das alegações dos recursos que se fixa e delimita o seu objecto, Artºs 684, nº 3, e 685-A, nº 1) do C.P.C. na redacção a estes introduzida emergente do DL nº 303/2007 de 24/8.

         Perscrutando as conclusões das alegações do presente recurso constata-se que a única questão que importa aqui apreciar e decidir, traduz-se em saber se no caso em vertente se verifica ou não a situação prevista na al. d) do nº 1 do Artº 238 do CIRE.

         Com efeito, o tribunal a quo fundamentou o indeferimento liminar do pedido do insolvente e ora apelante no sentido de ser exonerado do passivo restante, com base na verificação dos pressupostos integrantes do citado normativo legal, o que este último entende não ocorrer.

         2. Ainda que em jeito de breves considerações, importa contextualizar juridicamente a questão sob recurso referente ao instituto, inovador, da “exoneração do passivo restante” que significa a extinção de todas as obrigações do insolvente (que seja pessoa singular) que não logrem ser integralmente pagas no processo de insolvência ou nos 5 anos posteriores ao seu encerramento.

         Diz-se a tal propósito, no preâmbulo do CIRE, que “ (…) o código conjuga de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica. O princípio do fresh start para as pessoas singulares de boa fé incorridas em situação de insolvência, tão difundido nos Estados Unidos, e recentemente incorporado na legislação alemã da insolvência, é agora também acolhido entre nós, através do regime da exoneração do passivo restante. (…) A ponderação dos requisitos exigidos ao devedor e da conduta recta que ele teve necessariamente de adoptar justificará, então, que lhe seja concedido o benefício da exoneração, permitindo a sua reintegração plena na vida económica. (…)”

         Visando o actual código falimentar primordialmente a satisfação, na medida do possível, dos interesses dos credores dos insolventes (tal como decorre do Art. 1º do CIRE), todavia, esta particular medida, que é específica das pessoas singulares, tem como seu objectivo principal, já não a satisfação dos credores dos insolventes - embora, reflexamente, não olvide por completo esses seus interesses, na medida em que são impostos apertados limites para a sua admissão -, mas conceder uma segunda oportunidade ao devedor insolvente, permitindo que este se liberte do passivo que possui e que não consiga pagar no âmbito do processo de falência.

         Assim, e como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Vol. II, Quid Juris, pág. 184, a exoneração do passivo restante « traduz-se na liberação definitiva do devedor quanto ao passivo que não seja integralmente pago no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento nas condições fixadas no incidente. Daí falar-se do passivo restante».  

         Constam do nº 1 do citado Art. 238º do CIRE os fundamentos que podem determinar o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante.

         A respeito de tal indeferimento liminar não poderemos deixar de citar Assunção Cristas, em Exoneração do Devedor pelo Passivo Restante, in Novo Direito da Insolvência, Rev. Themis, ed. especial, 2005, págs. 169/170”), onde a mesma defende que « o indeferimento liminar a que a lei se refere não corresponde a um verdadeiro e próprio indeferimento liminar, mas a algo mais, uma vez que os requisitos apresentados por lei obrigam à produção de prova e a um juízo de mérito por parte do juiz. O mérito não é sobre a concessão ou não da exoneração, pois essa análise será feita passados cinco anos. Aqui o mérito está em aferir o preenchimento de requisitos, substantivos, que se destinam a perceber se o devedor merece que uma nova oportunidade lhe seja dada (…)».

         Com excepção da al. a) do citado normativo legal – que é de cariz processual, pois que se reporta ao prazo em que deve ser apresentado o pedido -, todas as demais alíneas que se integram no nº 1 do citado Art. 238º têm natureza substantiva e referem-se a comportamentos do devedor que justificam a não concessão da exoneração - cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, in ob. cit., pág. 190.

         Uma das situações que conduz ao indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante é aquela que se encontra elencada na al. d) do nº 1 do citado Art. 238º, tendo sido com base nela, única e exclusivamente, que o tribunal a quo justificou o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo que o insolvente apresentou.

         Dispõe o aludido Art. 238º, nº 1 al. d) do CIRE, que « O pedido de exoneração é liminarmente indeferido se o devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica ».

         Vejamos, então, se no caso submetido ao presente recurso ocorre ou não tal situação.

         Da análise da referida norma decorre serem três os requisitos que, uma vez verificados cumulativamente, determinam o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo:

         São eles:

         - O incumprimento do dever de apresentação à insolvência ou, não estando a tal obrigado, a sua não apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência;

         - A existência de prejuízos para os credores decorrentes desse incumprimento;

         - Saber o devedor, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.

         Porque, conforme ressalta das suas conclusões de recurso, o recorrente dá particular ênfase à inverificação do referido requisito do prejuízo para os credores decorrente da sua não apresentação à insolvência nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência – não apresentação essa no referido prazo que o mesmo não só não põe em causa, como até chega a aceitar como verificado ao justificar que tal se ficou a dever a mero desconhecimento jurídico -  vejamos, então se esse prejuízo se verifica in casu.

         A interpretação que, a nosso ver, se impõe da disposição legal em causa - al. d) do nº 1 do Art. 238º do CIRE – por dela resultar, é a de que o prejuízo para os credores nele referido não resulta automaticamente do atraso na apresentação à insolvência, mas abrange qualquer hipótese de redução da possibilidade de pagamento dos créditos, provocada por esse atraso, desde que concretamente apurada, em cada caso, não podendo restringir-se a sua aplicação às hipóteses em que o devedor contraiu novas dívidas ou dissipou o património, pois, tal significa encontrar outra causa do prejuízo. – neste sentido, vide Ac. do STJ, de 03-11-2011, in www.dgsi.pt.

         Com efeito, como vem sendo entendimento dominante da nossa jurisprudência, do simples facto de o insolvente se apresentar tardiamente à insolvência não se pode presumir, sem mais, a verificação de prejuízo para os credores, já que, na estrutura da norma, se autonomizou este requisito, pelo que a considerar-se o prejuízo implícito ou automático não faria sentido essa autonomização. Se assim fosse, estava então claramente posto em causa o princípio ínsito no Art. 9º nº 3, do CC, de que dispõe que « na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados » - neste sentido, vide Ac. da Rel. de Coimbra, de 25-10-2011, in www.dgsi.pt.

         Assim, e como se adianta em tal acórdão, que passamos a citar, « essa autonomização só será compreensível se o referido prejuízo tiver de ser concluído à luz dos factos apurados. Ou seja, esse prejuízo terá que ser efectivo e consubstanciado ou concretizado em factos que autorizem a conclusão quanto à existência do mesmo, e tendo sempre como causa ou relação a apresentação tardia à insolvência.

         E para tal não se argumente (como o faz uma certa corrente jurisprudencial, da qual parece partilhar o tribunal a quo) sequer que a apresentação tardia à insolvência faz avolumar os juros, e consequentemente aumentar os débitos, no que redonda em natural prejuízo para os credores ».

         É que, conforme se expende no acórdão do STJ, de 21.10.2010, disponível em www.dgsi.pt, que igualmente nos permitimos passar a citar, « o regime estabelecido na primeira parte do nº 2 do Art. 151º no CIRE, que estabelecia a cessação da contagem dos juros “na data da declaração de falência” deixou de existir com o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, passando os juros a ser considerados créditos subordinados, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 48º deste Código (…). »

         Quer dizer, actualmente e em face do regime estabelecido no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, os créditos continuam a vencer juros após a apresentação à insolvência, pelo que o atraso desta apresentação nunca ocasionaria qualquer prejuízo aos credores.

         Dito doutro modo: se no regime anterior, estabelecido no Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência se podia pôr a hipótese de quanto mais tarde o devedor se apresentasse à insolvência, mais tarde cessaria a contagem de juros, com o consequente aumento do volume da dívida, no regime actual, que se aplica ao presente processo, tal hipótese não tem cabimento, uma vez que os credores continuam a ter direito ao juros, com a consequente irrelevância do atraso da apresentação à insolvência para o avolumar da dívida ».

         Em suma, como os juros se continuam a vencer após a apresentação à insolvência (contrariamente ao regime falimentar anterior), o atraso na apresentação não pode causar prejuízo, visto que os credores continuam com direito aos juros que entretanto se vencerem. E daí que o simples acumular de juros, não pode integrar o conceito de prejuízo de que se fala no citado normativo legal (al. d) do nº 1 do Art. 238º ) – neste sentido, vide, entre outros, Acs. Rel. Lisboa, 14.05.2009 e de 14.12.2010; Acs. da Rel. Porto,de 11.01.2010, de 14.01.2010, de 07.10.2010, de 18.11.2010 e de 21.10.2010 e Acs. da Rel. Coimbra de 23.11.2010, de 02.03.2011, de 12.04.2011, de 10.05.2011 e de 31-01-2012  todos disponíveis em www.dgsi.pt.

         Do que se deixa dito decorre, pois, que, apesar de ser indiscutível que o recorrente não se apresentou à insolvência dentro do período de 6 meses a contar do momento da verificação da situação de impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas, a verdade é que o simples acumular de juros, não pode integrar o conceito de prejuízo para efeitos da verificação do preceito legal em análise, não podendo, pois, colher a argumentação em contrário aduzida na decisão recorrida que, quanto ao requisito do prejuízo, apenas nela se estriba.

         Ora, se por um lado não pode proceder a argumentação em que o tribunal a quo sustentou a verificação do prejuízo para os credores como requisito para o indeferimento liminar da exoneração do passivo por ele decidido, e se, por outro lado, da análise da panóplia fáctica em que a decisão recorrida se ancora não é possível descortinar qualquer facto concreto susceptível de exprimir qualquer prejuízo (concreto) para os credores resultante da apresentação tardia do ora apelante à insolvência - nomeadamente, factos donde possa extrair-se que, após a data da consolidação de facto da insolvência, o insolvente praticou qualquer acto conducente à dissipação do seu património ou qualquer diminuição das suas garantias patrimoniais, ou sequer qualquer outro comportamento que se revele ilícito, desonesto, de má fé ou desleal, do qual tenha resultado qualquer prejuízo efectivo para alguns dos seus credores - haverá que concluir que, por falta de prova do mesmo, quer por parte da administradora da insolvência, quer por parte dos credores – sobre quem impendia o respectivo ónus ( Art. 342º Nº2 do CC ) quanto a tal requisito - não se mostra preenchido o requisito do prejuízo (dos credores) -  entendimento este conforme  jurisprudência abundante da qual, a título de exemplo, se citam os Acs. do STJ de 06/07/2011 e de 21/10/2010, disponíveis em www.dgsi.pt.

         Assim sendo, julga-se procedente o recurso, revogando-se a decisão da 1ª instância.


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         III- Sumário ( Art. 713º Nº7 C.P.C. )

         1. Do simples facto de o insolvente se apresentar tardiamente à insolvência não se pode presumir, sem mais, a verificação de prejuízo para os credores previsto no Art. 238º Nº1 d) do CIRE.

         2. O mero acumular de juros resultante dessa apresentação tardia à insolvência, não pode integrar o conceito de prejuízo de que se fala no citado normativo legal.

         3. Esse prejuízo terá que ser efectivo e consubstanciado ou concretizado em factos que autorizem a conclusão quanto à existência do mesmo, e tendo sempre como causa ou relação a apresentação tardia à insolvência.

         4. O ónus da prova desse prejuízo impende ao administrador da insolvência e aos credores ( Art. 342º Nº2 do CC ).


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         IV- Decisão

         Assim, em face do exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso e revogar o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro a admitir liminarmente o incidente (de exoneração do passivo restante formulado pelo insolvente/ora apelante).

         Custas pela massa insolvente (Art. 304º do CIRE).

Maria José Guerra ( Relatora)

Albertina Pedroso

Virgílio Mateus

          

         [ 1 ] Rectificação do lapso material manifesto em que a decisão recorrida incorreu, porquanto, nesta se alude ao Art. 185º do CIRE.