Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3091/08.2TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
PLANO DIRECTOR MUNICIPAL
ESPAÇO AGRÍCOLA
ESPAÇO FLORESTAL
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 02/23/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU – 4º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 26º, Nº 12, DO CÓDIGO DE EXPROPRIAÇÃO.
Sumário: I – A definição, por um Plano Director Municipal, de um terreno como “espaço agrícola” e “espaço florestal” (espaços destinados a um uso específico, mas nos quais não existe uma proibição absoluta de edificar, dentro de determinados condicionalismos) corresponde a uma classificação do solo resultante da vontade de afectação de terrenos ao uso específico, expresso nesse instrumento de ordenação territorial – traduz esta classificação aquilo que habitualmente se designa como uma “classificação do plano”.

II – Nestas situações (classificação de solos decorrente de um PDM), tem sentido recorrer ao critério do nº 12 do artigo 26º do CE no cálculo da indemnização, tomando por base o pressuposto de que este critério de cálculo só se aplica a classificações decorrentes de um PDM (e não a situações em que a exclusão da edificabilidade decorre da integração na RAN).

III – Independentemente desta incidência, mesmo que o solo integrasse a RAN, a circunstância de a expropriação visar a construção (a edificação), inviabilizada por essa integração, sempre determinaria que o cálculo da indemnização assentasse, por razões de justiça, na projecção de uma aptidão edificativa (o uso que na realidade foi dado ao terreno após a expropriação).

IV – O cálculo da indemnização com base no artigo 26º, nº 12, do CE projecta uma probabilidade de aptidão edificativa de um terreno, em função da proximidade a terrenos onde se pode construir, intuindo como expectável uma evolução daquele terreno para a aptidão edificativa existente nos circundantes.

V – Tal elemento evolutivo é interiorizado pelo mercado na formação do preço daquele solo, mesmo no presente, sendo a consideração deste aspecto no cálculo da indemnização adequado à projecção de um valor justo pela expropriação.

VI – Sendo certo que essa expectativa de valorização se mantém intacta relativamente aos proprietários circundantes não expropriados, não existe qualquer violação do princípio constitucional da igualdade em função da aplicação ao prédio expropriado do critério de cálculo do valor do terreno previsto no artigo 26º, nº 12 do CE.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – A Causa


            1. Refere-se a presente expropriação por utilidade pública, cuja fase judicial teve início em 19 de Setembro de 2008[1], à denominada “parcela nº 3” (trata-se esta de um prédio rústico com a área de 6.280 m2, sito na freguesia de S. João de Lourosa, concelho de Viseu[2]), cuja apropriação pelo Estado, através da entidade Expropriante, EP – Estradas de Portugal, S.A. (doravante referida como Expropriante e, no contexto deste recurso, como Apelante), se destina à execução da obra pública identificada como SCUT Beiras Litoral e Alta – A 25-IP 5 – nó do IC 2-Viseu-Mangualde – sublanço da EN 2-Centro de Assistência e Manutenção de Viseu.

            Neste procedimento expropriativo assumem a qualidade de Expropriados os proprietários dessa parcela, A… e mulher, M…(doravante referidos como Expropriados e Apelados).

            Refere-se este recurso de apelação, interposto pela Expropriante a fls. 315/335 e recebido a fls. 337, à Sentença de fls. 305/314, que fixou em €149.087,20 o montante indemnizatório devido pela expropriação da parcela aqui em causa, sendo que o fez a culminar um recurso, dessa feita interposto pelos Expropriados (fls. 101/113), referido à decisão arbitral necessária de fls. 76/79[3].

            1.1. Com efeito – e percorreremos aqui o iter da expropriação até à chegada a esta instância –, foi a mencionada “parcela nº 3”, conjuntamente com outras e visando possibilitar a execução da mencionada obra, objecto de Declaração de Utilidade Pública (DUP) pelo Despacho nº 21.207-B/2005 (2ª série), do Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas e das Comunicações [publicado no Diário da República – II Série, nº 193, de 07/10/2005, pp. 14 476 – (4/5)].

            Na sequência desta declaração, realizada que foi a vistoria ad perpetuam rei memoriam (consta ela de fls. 20/28) e inexistindo acordo entre os Expropriados e a Expropriante, foi fixado, no quadro da arbitragem necessária prevista no artigo 42º e seguintes do Código das Expropriações (CE), como se referiu, o valor de €7.930,00, sendo a propriedade da parcela adjudicada à Expropriante através do despacho de fls. 86.

            1.2. Notificados deste despacho, interpuseram os Expropriados o recurso de fls. 101/113 – referimo-nos ao recurso da decisão arbitral, dirigido ao Tribunal da Comarca da situação da parcela expropriada, previsto no artigo 52º, nº 1 do CE –, aí impugnando, desde logo, a classificação do solo em questão como “apto para outros fins” (se preferirmos, como não apto para construção), propondo, alternativamente e dentro deste pressuposto, como valor indemnizatório o que considere como base de cálculo do valor do terreno €30,00/m2[4].

            Admitido este recurso (pelo despacho de fls. 134, constando a resposta da Expropriante de fls. 138/148), realizou-se a avaliação prevista no artigo 61º, nº 2 do CE (fls. 189/190 e relatório de fls. 194/208), tendo os peritos, por maioria, atribuído à parcela, classificando o solo como apto para construção, o valor de €149.087,20 (v. fls. 201). Relativamente a este entendimento, votou vencido o perito da entidade Expropriante (v. fls. 261/263), pugnando este último pela confirmação do laudo arbitral necessário.

            1.3. Alcançou-se, assim, a fase de julgamento do recurso, proferindo o Tribunal a Sentença de fls. 305/314 – que é, como antes se indicou, a decisão apelada. Esta, confirmando a classificação do solo expropriado como apto para construção, fixou, seguindo o entendimento maioritário expresso na avaliação, o valor indemnizatório global em €149.087,20.

            1.4. Inconformada, interpôs a entidade Expropriante o presente recurso de apelação, motivando-o a fls. 315/335, aí formulando as seguintes conclusões:
“[…]

            Os Expropriados/Apelados responderam a fls. 367/371, pugnando pela confirmação do entendimento do Tribunal.


II – Fundamentação


            2. Relatada a marcha do processo, importa apreciar o recurso.

Os factos a considerar nessa apreciação são os elencados no texto da Sentença – factos que a Apelante, aliás, não contesta –, sendo que – constata-o, desta feita, esta Relação –, inexistindo nesse rol deficiências, obscuridades, contradições ou incompletudes que inquinem a respectiva compreensão lógica [v. o artigo 712º, nº 4 do Código de Processo Civil (CPC)], há que considerar assentes tais factos, transcrevendo aqui o respectivo elenco, importado do texto da decisão apelada a fls. 307:
“[…]

            2.1. Avançando na apreciação do recurso – do recurso de apelação que culminou a tramitação da expropriação na primeira instância induzida pela impugnação da decisão arbitral necessária –, importa ter presente que o âmbito objectivo do mesmo foi definido através das conclusões com as quais o Apelante rematou a respectiva motivação, como decorre dos artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do CPC.

Sendo os factos a considerar os indicados, é em função das conclusões da Apelante, como se disse, que aqui isolaremos as duas interrogações (fundamentos) suscitadas(os) pelo recurso, a saber: (a) deve o solo da parcela expropriada ser classificado, tendo presente as suas características e localização, designadamente a afectação pelo PDM aplicável a “espaço agrícola” e a “espaço florestal”, como apto para construção, nos termos do nº 2 do artigo 25º do CE[5], aplicando-se-lhe o critério de cálculo da indemnização previsto no artigo 26º, nº 12 do CE, tendo presente, quanto a este (artigo 26º, nº 12), o teor do item 8 dos factos; (b) subsequentemente, pressupondo a integração da facti species deste nº 12, importará determinar se este, como sustenta a Apelante, viola o princípio da igualdade previsto no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

            Estas duas questões – como dissemos, ambas suscitadas pela Apelante na motivação e levadas às conclusões[6] – emergem como decisoriamente operantes em função da ratio decidendi da Sentença, sendo certo que esta aplicou efectivamente o artigo 26º, nº 12 do CE no cálculo da indemnização [disse que o fazia analogicamente (v. trecho sublinhado a fls. 312), asserção que adiante apreciaremos], acrescentando preencher o terreno expropriado os critérios previstos nas alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 25º do CE (v. fls. 312), significando isto que, contrariamente ao propugnado pela Apelante, considerou-se a parcela expropriada como integrada por terreno detentor de capacidade edificativa – rectius, como terreno apto, à partida, para a construção.

            2.1. (a) Discute-se aqui, pois, expressando a essência do recurso – e assim encetamos a abordagem da primeira questão enunciada no item anterior –, a natureza do terreno que integra a parcela expropriada, enquanto elemento-base operante na fixação de uma “justa indemnização”, por referência às duas categorias matriciais legais de classificação dos solos que subjazem ao nº 1 do artigo 25º do CE[7].

A introdução de tal discussão implica determinar se o terreno em causa, conforme entendeu a Sentença recorrida, secundando o sentido da avaliação maioritária realizada na fase de julgamento, constitui “solo apto para construção”, ou, como defende a Apelante/Expropriante, “solo apto para outros fins”, por não preenchimento dos critérios legais definidores da aptidão edificativa.

            O Legislador, seguindo uma técnica que já vinha do anterior Código das Expropriações[8], no qual constituíra uma inovação relativamente ao Código de 1976[9], delimitou o conceito correspondente a cada um dos grupos de solos definindo-os pela positiva, no caso dos “solo[s] apto[s] para construção” (nº 2 do artigo 25º do CE), e delimitando pela negativa o respectivo universo, no caso dos “solo[s] apto[s] para outros fins” (nº 3 do mesmo artigo)[10].

            Releva tal classificação como pressuposto da operação de cálculo do valor do solo expropriado (por referência, fundamentalmente, aos critérios gerais diferenciados contidos nos artigos 26º e 27º do CE), maxime para a aplicação prática do conceito de “justa indemnização”, nos termos em que esta é condicionalmente associada pelo texto constitucional – através do uso do advérbio de exclusão “só” – à ideia de requisição e expropriação por utilidade pública (artigo 62º, nº 2 da CRP)[11].

            Existe, assim, um espaço argumentativo preambular, referido à caracterização do conceito de “justa indemnização”, que importa aqui percorrer, no quadro da dilucidação desta vertente do recurso.

            2.1.1. (a) Interessa-nos concretizar o sentido do conceito operativo fundamental em torno do qual se constrói o poder do Estado de afectar ao domínio público, com base em lei e mediante indemnização, bens objecto de propriedade privada. Importará caracterizar, enfim, como se disse, o conceito de “justa indemnização”.

            Há que não esquecer – e seguimos as observações tecidas por Miguel Nogueira de Brito a respeito da caracterização do direito fundamental de propriedade privada –, que “[t]oda a norma que disciplina a expropriação deve ser entendida como uma norma restritiva do direito fundamental de propriedade […]. O direito a não ser privado da propriedade é o direito fundamental de propriedade consagrado no artigo 62º, nº 1 da [CRP]; a expropriação por utilidade pública e a requisição, previstas no nº 2 do mesmo artigo, são apenas casos de restrição daquele direito fundamental, não integrando o seu conceito”[12].

            Embora diferenciados – rectius, referidos a realidades distintas – os conceitos de propriedade e de património apresentam uma relevante conexão em sede de expropriação, que os torna operativamente complementares. Esta questão é equacionada em termos gerais por Miguel Nogueira de Brito, nos seguintes termos:
“[…]
Qual é […] a conexão que se estabelece entre os conceitos de propriedade e de património? A resposta prende-se com o necessário reconhecimento de que a propriedade, na ordem económica actual, é sempre também património, porque é convertível em dinheiro […].”[13]

            E acrescenta o mesmo Autor, formulando uma resposta na base da distinção, relativamente à garantia constitucional da propriedade, entre as duas dimensões relevantes dessa garantia: a “garantia de permanência” e a “garantia de valor”:
“[…]
[A] propriedade em sentido constitucional não consiste no património dos cidadãos, mas nas suas posições jurídicas com valor patrimonial.
[…]
A distinção entre uma função primária, ou de defesa, e uma função secundária, ou de compensação, da garantia da propriedade, corresponde à ideia de que essa garantia não consiste, em primeira linha, numa «garantia de valor», mas sim numa «garantia de permanência» […]. Isso significa também […] que a transformação da «garantia de permanência» numa «garantia de valor» apenas ocorre quando se verifiquem os pressupostos de uma expropriação legítima ou de um legítimo acto de nacionalização ou socialização de meios de produção. Mais ainda, as duas dimensões da garantia individual da propriedade e a relação de prioridade que entre elas se estabelece, conduzem a uma distinção entre garantia de valor de uso e garantia de valor de troca. A garantia de permanência é uma garantia de valor de uso dos concretos direitos de propriedade, tal como eles existem na ordem jurídica; pelo contrário, apenas em caso de expropriação ou nacionalização, em que a garantia de permanência dá lugar a uma garantia de valor, é assegurado ao proprietário o valor de troca (ou valor de mercado) do bem expropriado ou nacionalizado. Assim, no âmbito da sua tarefa de determinação do conteúdo e limites da propriedade, o legislador está obrigado a preservar o valor de uso dos bens objecto da propriedade, nos termos em que eles são configurados num caso concreto, e só num caso de afectação de tais bens que reúna os pressupostos de uma expropriação ou nacionalização se pode falar numa garantia do valor de troca.”[14]
            [sublinhado acrescentado]

Existe uma correspondência entre este “valor de troca” e o conceito de “justa indemnização”, representando este último, assim, uma espécie de “preço” (v., todavia, contextualizando a expressão “preço” aqui empregue, a nota 21, infra e o texto do Acórdão que para ela remete) ou contrapartida necessária da restrição e, nos termos em que o caracterizam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, expressa estruturalmente a ideia de transformação do direito de propriedade, para o expropriado, em função do acto lesivo deste direito consubstanciado na expropriação por utilidade pública, “no direito ao respectivo valor”[15].
Com efeito, embora a Constituição – e continuamos a citar os dois últimos Autores – não estabeleça “[…] qualquer critério indemnizatório («valor venal», «valor de mercado», «valor real», etc.) […]”, não deixa ela de expressar, através do conceito de “justa indemnização” uma imposição de respeito pelo “[…] princípio da equivalência de valores, expulsando desta equivalência valores especulativos ou ficcionados, decisivamente perturbadores da «justa medida» que deve existir entre as consequências da expropriação e a sua indemnização”, valendo aqui, numa espécie de súmula do conceito (constitucional) de “justa indemnização”, as seguintes ideias-força: “[…] (a) uma ideia tendencial de contemporaneidade, pois, embora não sendo exigível o pagamento prévio, também não existe discricionariedade quanto ao adiamento do pagamento da indemnização; (b) justiça de indemnização quanto ao ressarcimento dos prejuízos suportados pelo expropriado, o que pressupõe [uma] fixação do valor dos bens ou direitos expropriados que tenha em conta, por exemplo, a natureza dos solos (aptos para construção ou para outro fim), o rendimento, as culturas, os acessos, a localização, os encargos, etc.; isto é, as circunstâncias e as condições de facto”[16].

É este, aliás, o sentido profundo da jurisprudência do Tribunal Constitucional, na caracterização que faz, num já vasto corpo de decisões, do conceito de “justa indemnização”, podendo captar-se esse sentido através do seguinte trecho retirado do Acórdão nº 422/2004[17] relatado pelo Conselheiro Artur Maurício, Presidente do Tribunal entre 2004 e 2007:
“[…]
A justeza de um montante indemnizatório por expropriação dependerá, em termos gerais, da circunstância de esse valor «traduzir uma adequada restauração da lesão patrimonial» (palavras do Acórdão nº 381/89), o que implica – e a jurisprudência do Tribunal Constitucional também o tem afirmado (v.g. no […] Acórdão nº 314/95) – um mínimo de correspondência a referenciais de mercado na determinação do quantum indemnizatório. É que, se é no mercado onde os actores económicos, através da oferta e da procura, fixam o valor dos bens transaccionados, não poderá ter-se por adequado um valor completamente desfasado daquilo que corresponderia, nesse mesmo mercado, ao valor de transacção do bem expropriado.
Quando se fala em um mínimo de correspondência a referenciais de mercado, quer-se sublinhar um outro elemento, também invariavelmente presente na jurisprudência deste Tribunal, e que acentua que a expressão (que é usada por Alves Correia, in O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, 1989, p. 540) «valor de mercado normativamente entendido» corresponde «a um valor de mercado «normal» ou «habitual», em que não entrem em linha de conta factores especulativos ou anómalos, o que faz com que, algumas vezes, o pretium dos bens que poderia ser obtido num mercado onde jogam livremente as regras da oferta e da procura, seja, acentuada ou substancialmente diferente daquele que se obteria por recurso ao conceito normativo delineado» (citação do Acórdão nº 314/95; v. ainda Alves Correia, A Jurisprudência do Tribunal Constitucional..., cit. pp. 233/234, dos nºs. 3905 e 3906).
Ou seja, o que se pretende dizer é que o valor justo, o «justo preço», não podendo ser alheio aos critérios de mercado, não tem que coincidir integralmente com eles, sendo possíveis, sem que a indemnização deixe de ser constitucionalmente adequada, «reduções (...) impostas pela especial ponderação do interesse público que a expropriação serve», tal como «são admitidas majorações, devido à natureza dos danos provocados pelo acto expropriativo» (Alves Correia, o Plano Urbanístico..., cit.).
[…]”
            [sublinhado acrescentado]


            Servem estas considerações para tornar claro – e trata-se de um elemento relevante para a ulterior exposição relativamente às duas vertentes do recurso acima enunciadas – que o parâmetro aferidor da justeza de uma indemnização respeitante a expropriação por utilidade pública de solo, não se encerrando ou esgotando na procura de um – rectius, “do” – valor de mercado, entendido este como a procura de um montante que expresse exactamente uma espécie de intercepção estatística entre a curva da “oferta agregada” de terra (o conjunto de terra passível de colocação no mercado num determinado espaço territorial) e a “procura agregada” do mesmo bem (o conjunto do que os consumidores de terra, nesse espaço, estão dispostos a gastar na aquisição de terra com aquelas características)[18], não se encerrando a fixação de uma indemnização, dizíamos, na procura do tal valor idealizado de mercado, não pode deixar ela de manter, sob pena de já não ser “justa” no sentido de “valor de troca”, uma espécie de “reserva mínima” referida ao valor ou preço de mercado, em termos de excluir valores que, para mais ou para menos, se mostrem, como sublinhou o Tribunal Constitucional no citado Acórdão nº 422/2004 (e em tantos outros), “completamente desfasado[s]” dos valores de mercado, ou que, acrescenta-se aqui, não se baseiem em elementos susceptíveis de actuar no que poderíamos indicar como o “ambiente de mercado”[19]. É que a ideia de justiça referida a uma indemnização – o conceito matriz de “justa indemnização” –, expressando também um elemento relacional, não pode prescindir de uma comparação de realidades, e o elemento fundamental de comparação do qual dispomos para aferir a compensação devida àquele que é privado, contra ou sem a sua vontade, de um direito, não pode deixar de ser, em última análise, a situação de quem transacciona no mercado um bem dessa mesma natureza. É neste sentido que um dos elementos de controlo dessa justeza indemnizatória é referido como “princípio da igualdade na relação externa de expropriação” (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 422/2004), assentando numa comparação entre expropriados e não expropriados.

            Aliás, esta referenciação ao princípio da igualdade coloca-nos no núcleo central do problema da natureza da indemnização nas expropriações por utilidade pública. Trata-se através da indemnização, com efeito, de realizar, ainda, através da introdução de um elemento de substituição, uma ideia de igualdade entre os cidadãos, quando um destes é directamente afectado pela atribuição individualizada de um custo da prossecução do interesse público, não repartido equitativamente pelos restantes colocados na mesma posição de partida do afectado. É neste sentido que a indemnização devida pela expropriação é elevada, pelo texto constitucional, à categoria valorativa de justa; é também neste sentido que o entendimento desta indemnização (da indemnização por expropriação) evoluiu de concepções ligadas a institutos jurídicos cujo referencial se esgota numa enganadora aparência induzida pelas palavras, mas que não captam devidamente a essência – a especificidade – que a ideia de indemnização aqui apresenta. Referimo-nos, a propósito dessa aparência, que reputamos de enganadora, a concepções da indemnização que procuram o seu sentido na construção de uma espécie de “compra e venda forçada”, na qual haveria que procurar algo aparentado, ou mesmo idêntico, a um “preço” no quadro ficcionado de uma venda[20]. Não se trata aqui, com efeito de realizar uma venda coactiva, embora a ficção da venda do bem expropriado forneça, como acima referimos, elementos relevantes e consistentes de aferição da justeza do valor indemnizatório.

A especificidade da indemnização por expropriação reside na sua caracterização teleológica por referência à ideia de recomposição da igualdade afectada pelo acto de apropriação forçada (extinção coactiva[21]) pelo Estado de um concreto direito de propriedade alheio. É neste sentido – e seguimos aqui a exposição de Menezes Cordeiro e Miguel Teixeira de Sousa – que se afirma, a propósito da “[…] natureza da indemnização atribuída, por lei e pela Constituição, ao expropriado”:
“[…]
Não se trata duma verdadeira indemnização, uma vez que não deriva do funcionamento do instituto da responsabilidade civil.
Também se deve afastar a hipótese dum preço, uma vez que foi repudiada a construção da expropriação como «venda forçada».
Tão pouco esclarece a afirmação da presença duma conversão de bens em dinheiro: trata-se duma fórmula descritiva que não pretende, por certo, sugerir a aplicação de nenhum particular instituto civil.
A Ciência do Direito actual inclina-se para fazer derivar a indemnização do princípio da igualdade.
As diversas Constituições, designadamente nos Estados de Direito, consagram o princípio da igualdade nas suas várias facetas. Entre elas, conta-se o dever de contribuir para o bem público: todos devem fazê-lo na medida da sua capacidade. Ora, tal princípio seria gravemente perturbado pela expropriação que atingiria selectivamente as pessoas, sem consideração do seu património global.
A indemnização visa, pois, restabelecer a igualdade perdida, colocando o expropriado na precisa situação em que se encontram os seus concidadãos que, tendo bens idênticos, não foram atingidos.
[…]”[22]     

            É com base nestes pressupostos que importa avançar nas específicas questões suscitadas pela Apelante, a propósito da qualificação da parcela expropriada como terreno apto para construção a culminar o percurso argumentativo da decisão apelada.

            2.1.2. (a) Caracterizado o conceito (constitucional) de justa indemnização, importa avançar, particularizando as incidências do caso concreto.

Os dados de facto a considerar, isolando no elenco acima transcrito os directamente respeitantes (os como tal indicados pelo Tribunal a quo) à qualificação da parcela expropriada como terreno apto para construção, isolando tais elementos, dizíamos, observamos corresponderem eles, nesse elenco, aos itens 4. (“[d]e acordo com o PDM de Viseu, a propriedade afectada pela expropriação […] encontra-se situada em zona definida como «Espaço Florestal I», em 5.880m2 e como «Espaço Agrícola I» em 400 m2”), 8. (“[a]o longo do caminho dispõe de energia eléctrica em baixa tensão, de telefone e [a] menos de 300 m existem várias construções industriais e habitacionais”), 9. (“[à] parcela acede-se através de caminho público asfaltado”) e 10. (“[a] parcela encontra-se integrada no núcleo urbano de Cabanões de Baixo e Teivas”).

2.1.2.1. (a) O primeiro obstáculo à qualificação do terreno como apto para construção residiria – e estamos a reproduzir a argumentação da Apelante – na afectação deste pelo PDM a um uso (definido como «Espaço Florestal I», maioritariamente, e «Espaço Agrícola I», neste caso numa pequena parte) que excluiria a possibilidade de construção e, consequentemente, a recondução a qualquer dos critérios referidos nas quatro alíneas do nº 2 do artigo 25º do CE.

Interessa-nos aqui o texto do “Regulamento do Plano Director Municipal de Viseu” (doravante designado PDM), ratificado pela Resolução do conselho de Ministros nº 173/95, de 21 de Setembro[23], sublinhando-se que a afectação da parcela expropriada a um uso agrícola e florestal decorre, tanto quanto resulta dos factos disponíveis, exclusivamente da classificação introduzida pelo PDM.
Quanto à natureza de “Espaço agrícola” (Secção VI do PDM, artigos 35º a 38º), refere-se esta a “[…] áreas com características adequadas à actividade agrícola ou que possam vir a adquirir, incluindo-se áreas da RAN e REN[24] e outras áreas agrícolas complementares, admitindo-se outros usos como o habitacional, instalações de exploração agro-pecuárias, florestais, turismo rural, agro-turismo e turismo de habitação” (artigo 35º, nº 1, com sublinhado acrescentado), sendo que na categoria específica de “Espaço agrícola I” (como aqui sucede), “[o]s usos permitidos serão predominantemente o agrícola, sendo permitida a construção dos seguintes tipos de edificações […]: a) [e]dificação do agricultor ou proprietário da parcela, reconstrução e ampliação de edificações de natureza habitacional; b) [i]nstalações de apoio exclusivamente agrícola; c) [i]nstalações agro-pecuárias; d) [e]dificações referentes ao turismo rural, agro-turismo e turismo de habitação” (artigo 36º, nº 1, com sublinhado acrescentado).

Quanto à natureza – largamente preponderante no caso da parcela expropriada – de “Espaço florestal” (Secção VII do PDM, artigos 38º a 42º), existe, particularmente no caso de um “Espaço florestal I”, igualmente, alguma capacidade edificativa, mais ampla até que no caso do “Espaço agrícola I”, sendo possível a construção em termos mais amplos. Com efeito, referindo-se esta categoria, genericamente, a espaços que “[…] abrangem as áreas com características adequadas predominantemente ao uso florestal, ou que as possam vir a adquirir, admitindo-se outros usos, como [o] habitacional, instalações de explorações agro-pecuárias, unidades de exploração hoteleira, unidades industriais e ou de armazenagem, podendo, consoante as categorias, admitir outros usos complementares […]” (artigo 38º, nº 1), inclui, como “Espaço florestal I”, capacidade edificativa (“construção de edificações”, artigo 39º, nº 1) relativamente a “[…] a) [e]dificação de habitação unifamiliar, reconstrução e ampliação de edificações, b) [i]nstalações de apoio exclusivamente agrícola ou de apoio à produção florestal; c) [i]nstalação agro-pecuária; d) [e]dificações referentes ao turismo rural, turismo de habitação, e unidades de exploração hoteleira; e) [i]nstalações industriais; f) [i]nstalações comerciais ou de armazenagem” (alíneas do nº 1 do artigo 39º).

Tendo presentes estes elementos projectivos referidos à possibilidade de construção no terreno que integra a parcela expropriada, vale a caracterização desta, à luz do leque de possibilidades de uso admitidas pelo PDM aplicável para os tipos de “Espaços” correspondentes àquela parcela, como área na qual não existe uma proibição absoluta de construção (de toda e qualquer construção), sendo que daí decorre – e assim se refuta uma das críticas da Apelante – que o cálculo da indemnização com base em alguma capacidade edificativa não importou, em si mesma, a violação do PDM, tendo presente a afectação daquele terreno.
Note-se, complementarmente a este enquadramento, não resultar dos autos, designadamente das diversas apreciações de natureza pericial do terreno expropriado aqui realizadas (referimo-nos à peritagem que teve lugar em sede de arbitragem necessária, a fls. 76/84, e à avaliação que antecedeu o julgamento aqui discutido, a fls. 195/208, incluindo a posição discrepante do perito da Expropriante a fls. 261/263 e os esclarecimentos adicionais da posição maioritária de fls. 240/246), não resulta destas apreciações, dizíamos, a integração autónoma desta parcela na Reserva Agrícola Nacional (RAN)[25]. Com efeito, a definição no PDM como “Espaço agrícola” ou “Espaço florestal” não implica, em si mesma, a integração na RAN (ou na REN), sendo que estes dois tipos de espaços, autonomamente definidos pelo PDM, é que integram algumas zonas anteriormente definidas como RAN, nos termos decorrentes dos artigos 6º a 14º do Decreto-Lei nº 73/2009, de 31 de Março (v. especialmente o respectivo artigo 14º; anteriormente dispunham sobre a mesma matéria os artigos 3º e seguintes do Decreto-Lei nº 196/89, de 14 de Junho, v. nota 25, supra). Significa isto, pois, que a definição pelo PDM de um espaço como agrícola ou florestal não conduz, por si só, à integração desse espaço na RAN. Essa integração só ocorrerá se – autonomamente do PDM, anteriormente ou posteriormente a este –, por “delimitação” ou “integração específica” (artigos 5º e 6º do Decreto-Lei nº 196/89), um determinado espaço venha a ser incluído na RAN. Ora, na presente situação, nenhum elemento foi carreado para os autos (e trata-se fundamentalmente de uma asserção de facto) apontando no sentido da parcela expropriada estar integrada na RAN. Sabe-se, tão-só, que constitui, na definição do PDM, “Espaço agrícola I” e “Espaço florestal I”, sendo que – já o dissemos e repetimo-lo aqui – estes espaços integram terrenos da RAN e terrenos não integrados na RAN (espaços que como tal não estão definidos), sendo que quanto aos primeiros (os não integrados na RAN), a afectação a um uso agrícola decorre, tão-só, do PDM, constituindo aquilo que habitualmente se designa como uma “classificação do plano”.
2.1.2.2. (a) A equacionação da existência de capacidade edificativa na parcela expropriada passou também, no percurso argumentativo da decisão apelada (e passa igualmente na discussão promovida neste recurso), pela aferição da aptidão para construção por referência às alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 25º do CE, tendo presente o que consta dos itens 7., 8., 9. e 10. dos factos. Destes resulta, com efeito, como antes se viu, a presença no terreno de alguns dos elementos (infra-estruturas) previstas na alínea a) do indicado nº 2 (energia eléctrica em baixa tensão, telefone e acesso por caminho público asfaltado), associados à afirmação de integração da parcela num núcleo urbano existente (alínea b) do mesmo nº 2).

Note-se, desde logo, que a presença das infra-estruturas previstas na alínea a) do nº 2 do artigo 25º do CE, tanto na lógica de funcionamento desta alínea como na da alínea b) que para aquela remete, determina uma aptidão construtiva aferida pela potencialidade, assente desde logo em elementos de grande proximidade física, dessas infra-estruturas efectivamente poderem servir aquele terreno. É neste sentido que esta Relação entendeu, no Acórdão de 21/12/2010 (Gregório de Jesus)[26] – e citamos o respectivo sumário – que:
“[…]
I – Um solo apto para construção é aquele que apresenta condições materiais e jurídicas que permitam a construção, não tendo essa potencialidade edificativa, necessariamente, de ser imediata, podendo, outrossim, ser muito próxima.
II – Quando a lei estabelece no nº 2 do artigo 25º do CE o conjunto de infra-estruturas para considerar o solo apto para a construção fá-lo numa perspectiva não de impor que o terreno expropriado delas esteja dotado, ou sequer por elas marginado, mas de que pelo menos tenha a possibilidade de se servir de tais infra-estruturas porque existam nas proximidades e o seu alcance e utilização, também sob o ponto de vista técnico, seja óbvio e simples.
III – A distância em metros que as separa do terreno expropriado será sempre um factor a ponderar mas não tem de ser decisivo. Só caso a caso se relevará o seu peso, em função das características do local (facilidade ou dificuldade de acesso às mesmas), na parcela expropriada e no tipo de construção urbanístico viável.
IV – Não se pode afirmar não dispor de rede de saneamento a parcela expropriada que se situa a 50 metros de um supermercado, a 120 metros de instalações industriais, a cerca de 200 metros de um loteamento urbano já com duas moradias unifamiliares em uso há vários anos, e a cerca de 700 metros de um complexo de piscinas, com fácil acessibilidade às redes de saneamento já instaladas e em funcionamento para aqueles empreendimentos.
V – A localização da parcela a expropriar em área definida pelo PDM como Zona Florestal não lhe retira, só por si, a possibilidade de poder ser classificada como solo apto para construção.
[…]”

            Vale este entendimento – ao qual aderimos e que ora reafirmamos – para considerar que a existência das infra-estruturas enumeradas nos itens 8. e 9. do elenco dos factos, associada à integração do terreno num núcleo urbano existente (item 10. do mesmo elenco)[27], determina a aptidão para edificação no terreno aqui em causa, nos termos do artigo 25º, nº 2, alínea b) do CE.
            Não colhe, pois, o argumento da Apelante visando a não aplicação à parcela da definição de aptidão construtiva prevista na alínea b) do nº 2 do artigo 25º do CE, sublinhando-se que a não determinação in casu da circunstância deste terreno integrar a RAN (ou a REN), afasta a presença de uma proibição absoluta de construção, para além do que decorre da definição operada pelo PDM (que, como antes vimos, não proíbe em absoluto a edificação – aceita mesmo determinadas edificações – nos “Espaços agrícolas I” e nos “Espaços florestais I” por ele definidos).

            2.1.3. (a) Importa reter, neste caso, que o cálculo do valor do terreno como solo apto para construção utilizou (na avaliação de fls. 195/201) o critério previsto no nº 12 do artigo 26º do CE, sendo que a Sentença apelada sancionou positivamente o valor fixado na indicada avaliação com base na convocação desse nº 12 por “aplicação analógica”, entendendo encontrarem-se preenchidos – disse-se aí, no trecho sublinhado de fls. 312 – “[…] os critérios previstos nas alíneas a) e b) […]” do nº 2 do artigo 25º do CE.

            A ideia de uma aplicação analógica deste segmento remete-nos necessariamente para a existência de uma lacuna (artigo 10º do Código Civil), entendida esta como espaço não abrangido pelo legislador que, “[…] segundo a intenção reguladora subjacente, precisa de uma regulação”[28], sendo que a omissão de regulamentação se referiria neste caso particular (o do artigo 26º, nº 12 do CE) a zonas integradas na RAN e na REN, enquanto espaços também afectos a um uso restritivo (entendem-no alguns), tendencialmente excludente da edificação, que não se mostram abrangidos pela letra desse nº 12 (esta restringe-se às classificações decorrentes de um PDM, excluindo classificações com origem diversa, como sucede com a RAN e a REN), sendo que, relativamente a esses espaços da RAN e da REN deve funcionar, com base num argumento de identidade de razão e atendendo à teleologia da norma (e até à ideia de igualdade), a mesma solução alcançada para as situações abrangidas: que são as respeitantes a “[…] solos [a expropriar] classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz […]”[29].

            O caminho aqui assumidamente seguido pela decisão recorrida (que, aliás, aderiu expressamente a determinados precedentes jurisprudenciais que citou) – a indicada aplicação analógica do critério do nº 12 do artigo 26º do CE – é caracterizado (numa perspectiva crítica discordante) por Salvador da Costa, nos seguintes termos:
“[…]
O disposto neste normativo [refere-se ao nº 12 do artigo 26º do CE] tem suscitado intensa controvérsia interpretativa, designadamente se deve ou não ser aplicado aos terrenos expropriados integrados em zonas legalmente afectas às reservas agrícola nacional ou ecológica nacional, ou seja, se um terreno equiparado a solo para outros fins que não a construção pode ou não ser considerado apto para a construção para efeitos de cálculo do valor da respectiva indemnização.
Com efeito, algumas decisões dos tribunais consideraram que a inclusão de um terreno nas referidas reservas não acarretava necessariamente a extinção da sua capacidade edificativa nem impedia a sua classificação como solo apto para a construção, e que, por interpretação extensiva ou analógica do normativo em análise, deveria o valor do terreno ser calculado nos termos nele definidos.
Mas as outras, ao invés, consideraram que os terrenos integrados em zona de reserva ecológica nacional ou de reserva agrícola nacional não podem ser classificados como solos aptos para construção para efeito de indemnização expropriativa.
[…]
[O] referido normativo reporta-se aos solos que, se não fosse a sua classificação como zona verde ou de lazer ou a sua reserva para a implantação de infra-estruturas e equipamentos públicos em instrumentos de gestão territorial, seriam qualificados como aptos para a construção, face à sua localização, respectivas acessibilidades, desenvolvimento urbanístico da zona e infra-estruturas urbanísticas.
Isso significa que, inverificados os mencionados pressupostos, ainda que os terrenos se localizem na área referida no aludido normativo, se inseridos nas reservas ecológica ou agrícola nacional, não podem ser avaliados ao seu abrigo.  
[…]”[30]
            [sublinhado acrescentado]


            Esta posição é tributária, em grande medida, da interpretação de há muito defendida por Fernando Alves Correia[31] (interpretação que, como adiante veremos, é sufragada por algumas decisões do Tribunal Constitucional) relativamente ao sentido teleológico do nº 12 do artigo 26º do CE. Com efeito, refere este Autor a esse respeito o seguinte:
“[…]
Continuamos a entender que [o artigo 26º, nº 12] abrange somente a expropriação em sentido clássico de solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor. Trata-se de solos cujo destino definido pelo plano municipal não é o da efectiva construção, dado que são reservados por um instrumento de planeamento territorial a zonas verdes e de lazer públicas e à instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos, mas que, devido ao facto de terem uma aptidão ou uma vocação objectiva para a edificabilidade, resultante da verificação em relação a eles dos elementos constantes do nº 2 do artigo 25º [do CE], não podem deixar de ser considerados como se fossem solos «aptos para a construção», sendo indemnizados com base num critério específico, que é o do «valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada». É esta uma solução imposta pela proibição das classificações dolosas de solos ou da manipulação das regras urbanísticas por parte dos planos municipais, a qual constitui seguramente o objectivo daquela norma.
[…]
[S]endo as coisas assim, entendemos que a norma do nº 12 do artigo 26º do CE tem o seu âmbito circunscrito aos solos cuja classificação é o resultado da voluntas ordenadora dos planos municipais, isto é, àqueles cujo destino pode ser definido pelos planos municipais, em resultado da sua discricionariedade de planeamento, e não àqueles cujo regime particular de utilização é definido heteronomamente pelo legislador, constituindo limitações ou impedimentos às suas formas de aproveitamento, sendo obrigatoriamente assinalados nas plantas de condicionantes daqueles planos, como sucede com os solos incluídos na RAN e na REN […]. Ela não pode, por isso, ser usada, extensiva ou analogicamente, para atribuir aptidão construtiva a solos inseridos na RAN ou na REN. De facto, embora a delimitação de áreas da RAN e da REN possa decorrer em simultâneo com a formação de planos municipais de ordenamento do território, não são os órgãos dos municípios os competentes para incluir ou desafectar solos da RAN e da REN, mas sim órgãos do Estado, no primeiro caso a Direcção-Geral da Agricultura e do Desenvolvimento Rural, com homologação do membro do Governo responsável pela área do desenvolvimento rural (artigo 14º, nºs 12 e 15 do Decreto-Lei nº 73/2009), e, no segundo, a comissão de coordenação e desenvolvimento regional, com homologação do membro do Governo responsável pelas áreas do ambiente e do ordenamento do território (artigo 11º, nºs 14 e 15 do Decreto-Lei nº 166/2008). 
[…]”[32]
            [sublinhado acrescentado]


            Todavia, acrescenta este mesmo Autor, numa expressa referência à fixação da indemnização respeitante à expropriação de terrenos situados na RAN:
“[…]
[Consideramos] que deve ser calculada com base no solo «apto para construção» e não com base no «solo apto para outros fins», por exigência dos princípios da justiça e da proporcionalidade, implicados no princípio da «justa indemnização», constante do artigo 62º, nº 2 da Constituição, a indemnização correspondente à expropriação de solos integrados na RAN que, depois de desafectados desta reserva, sejam expropriados com a finalidade de neles se edificar, isto é, para fins diferentes da utilidade pública agrícola. Noutros termos, entendemos, na linha do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 267/97[[33]], que é inconstitucional a norma do artigo 25º, nº 3 do CE, por violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade, implicados no princípio da justa indemnização, quando interpretada por forma a excluir da classificação de solo «apto para construção» os solos integrados na RAN que, depois de desafectados desta reserva, foram expropriados com a finalidade de neles se edificar efectivamente.
[…]”[34]


            2.1.3.1. (a) Ora, pressupondo este entendimento quanto ao sentido do nº 12 do artigo 26º do CE, tendo presentes as incidências do caso concreto, vemos que os condicionamentos à aptidão edificativa da parcela aqui expropriada, não integrando esta, autonomamente, a RAN (não se apurou que integrasse), decorrem directamente de uma afectação de espaços realizada, em exclusivo, pelo PDM. Esta circunstância colocar-nos-ia, seguindo o entendimento de Fernando Alves Correia acima caracterizado, num plano – o das classificações restritivas ou proibitivas da edificabilidade originadas no próprio PDM – em que o cálculo da indemnização com base no critério indicado nesse nº 12 se justifica plenamente[35].

            Podemos concluir, assim, face às apontadas incidências do caso concreto, que a aplicação do referido artigo 26º, nº 12 não extravasa aqui da intencionalidade e, consequentemente, da cobertura teleológica que é atribuída a essa norma por Fernando Alves Correia. Em qualquer caso, a aludida não determinação de integração na RAN do solo respeitante à parcela expropriada (o que constitui um dado de facto negativo a considerar nesta situação), sempre tornaria desnecessário, quer-nos parecer, o recurso à aplicação analógica configurada na Sentença apelada, com base numa não apurada integração da parcela na RAN.

            Tratar-se-ia – trata-se –, pois, de aplicar, neste caso, o critério de cálculo da indemnização previsto no nº 12 do artigo 26º do CE, quando – como aqui sucede – o uso excludente ou restritivo da edificabilidade tem origem num “plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz”.

            A isto acresce, mesmo admitindo uma hipotética integração da parcela na RAN, a particular incidência da expropriação ter visado a edificação de um “Centro de Assistência e Manutenção” gerido por um concessionário de uma auto-estrada. De facto, assenta este tipo de destino funcional numa construção que, na sua volumetria características e funcionalidade, se situa muito para além daquilo que poderia ser construído pressupondo as limitações à edificabilidade decorrentes da definição pelo PDM daquele terreno como “espaço agrícola” ou “espaço florestal” (v. os artigos 36º e 39º do PDM). Ora, esta simples circunstância acarretaria, nos termos acima caracterizados, mesmo que ocorresse (ou mesmo se ocorrer) integração na RAN, por referência ao entendimento de Fernando Alves Correia, determinaria esta circunstância, dizíamos, que o cálculo indemnizatório pressupusesse a aptidão construtiva[36]. É certo que nestes casos este Autor defende que o cálculo da indemnização não se deve efectuar com base no nº 12 do artigo 26º, mas atendendo aos outros números do mesmo artigo[37]. Todavia, o cálculo aqui efectuado, conforme foi explicitado pelos Senhores peritos nos esclarecimentos adicionais de fls. 243 (v. o respectivo ponto 4.1.), teve em conta “[…] as capacidades aedificandi da parcela e especificamente no que respeita aos índices de construção dos espaços designados por «Espaço florestal» e «Espaço agrícola» […]”. Vale isto por dizer que, neste caso, a determinação do valor da parcela não deixou de aplicar, no que teriam de “aplicável”, passe a redundância, os critérios dos nºs 1 a 11 do artigo 26º do CE (em rigor, se bem interpretamos as operações de cálculo aqui realizadas, existe uma coincidência entre os critérios do nº 12, respeitantes à capacidade edificativa na área circundante, e os outros critérios de cálculo do valor do solo apto para construção).

            Servem estas considerações para confirmar a fixação de aptidão edificativa do solo integrante da parcela expropriada e a adequação do cálculo do seu valor por referência ao critério previsto no nº 12 do artigo 26º do CE e, consequentemente, o montante indemnizatório indicado na Sentença apelada.

            2.2. (b) Não obstante, subsiste a questão, igualmente introduzida pela Apelante, de uma possível inconstitucionalidade desse nº 12 do artigo 26º do CE.
            Percorrendo a jurisprudência do Tribunal Constitucional incidente sobre a conformidade ao princípio constitucional da igualdade do nº 12 do artigo 26º do CE, deparamo-nos, fundamentalmente, com nove decisões. Com efeito, ordenando-os cronologicamente, temos os seguintes pronunciamentos do Tribunal: Acórdão nº 114/2005 (Maria Fernanda Palma)[38]; Acórdão nº 145/05 (Maria Helena Brito)[39]; Acórdão nº 417/2006 (Maria João Antunes)[40]; Acórdão nº 118/2007 (Vítor Gomes)[41]; Acórdão nº 234/2007 (Paulo Mota Pinto)[42]; Acórdão nº 239/2007 (Mário Torres)[43]; Acórdão nº 276/2007 (Benjamim Rodrigues)[44]; Acórdão nº 469/2007 (Mário Torres)[45]; Acórdão nº 597/2008 (Joaquim de Sousa Ribeiro)[46].
            O primeiro dos pronunciamentos (Acórdão nº 114/2005) delimitou a questão de inconstitucionalidade apreciada nos seguintes termos:
“[…]
[S]aber se a norma segundo a qual «é de determinar segundo a regra do artigo 26º, nº 12, do CE 1999 o solo incluído na RAN quando saiam satisfeitos em relação a ele os critérios enquadráveis na al. a) do nº 2 do artigo 25º de proximidade da malha urbana (distância de cerca de 150 metros), de envolvência (inserção numa área envolvente onde se situam vivendas familiares) e de acesso por via púbicas, expropriado para fins de implantação de vias de comunicação» ofende o princípio constitucional da justa indemnização por desrespeito de alguma norma ou princípio constitucional, nomeadamente o da igualdade, considerada a sua vertente externa.
[…]”

            Respondendo a esta interrogação, disse o Tribunal Constitucional:
“[…]
A ofensa ao princípio da igualdade invocada parece […] fundar‑se num juízo sobre uma hipotética não indemnização nos mesmos termos de proprietários em idênticas condições a expropriar futuramente. No entanto, o próprio princípio da igualdade somente impõe a comparação de realidades existentes, extrapolando da sua racionalidade uma violação com fundamento na circunstância de outros proprietários na mesma situação poderem não vir a beneficiar de uma indemnização nos mesmos termos.
Coisa diferente seria a invocação do princípio da igualdade por quem, nas mesmas circunstâncias, não viesse efectivamente a beneficiar de uma indemnização idêntica […].
A invocação […] da violação da igualdade fundamenta-se apenas em que não será possível realizar no solo expropriado uma construção semelhante às existentes e possíveis de edificar na zona envolvente e assim na previsão de que outros expropriados não serão tratados equitativamente, eventualmente pela interpretação subjacente à solução aplicada ser incorrecta. Contra esta consideração, milita desde logo a circunstância de o terreno objecto de expropriação no caso concreto satisfazer as condições do artigo 25º, nº 2, alínea a) do CE de 1999.
Mas, a consideração de que, de acordo com o critério normativo sob análise, não será exigível a possibilidade de realizar no solo expropriado construção semelhante às existentes pressupõe que a Constituição concebe a justa indemnização confinada a limites mínimos, e que não admite que o legislador possa utilizar critérios de valoração do solo diversos, mas com semelhante expressão no valor da indemnização.
Por outro lado, o raciocínio hipotético segundo o qual esta solução viola a igualdade porque outros expropriandos não beneficiarão dela não pode ser pertinente, não podendo a igualdade aferir‑se pelo confronto com situações hipotéticas. Aliás, a ponderação realizada no caso para alcançar o valor da indemnização, dada a respectiva especificidade, impede uma comparação automática com hipotéticas situações de proprietários, eventualmente expropriáveis, de parcelas contíguas igualmente integradas na RAN mas que não foram expropriadas, quer considerando a indemnização por uma eventual futura expropriação quer o valor de mercado que os proprietários obterão se porventura decidirem vender os prédios.
Finalmente, a Constituição, em particular o artigo 62º, não configura deste modo restritivo o dever de indemnizar, em que está em causa acautelar a compensação do expropriado pela ablação do seu direito em nome do interesse público. Só perante uma manifesta desproporção entre o valor fixado e o valor do bem, o que não está em questão nos presentes autos ou que pelo menos o Tribunal Constitucional não pode avaliar, por neste caso concreto só poder surgir com uma dimensão de aplicação de critérios, é que se poderá colocar um problema de eventual ultrapassagem da justa indemnização por excesso.
[…]”
            [sublinhado acrescentado]

            E foi com base neste entendimento que o Tribunal considerou que a norma do artigo 26º, nº 12 do CE, nessa concreta interpretação (terreno integrado na RAN, mas que satisfazia os requisitos do nº 2 do artigo 25º do CE), não era materialmente inconstitucional.

            Diversamente, no Acórdão nº 145/2005, o Tribunal Constitucional entendeu ofender o princípio da igualdade o referido nº 12. Para tal efeito indicou o Tribunal, no seu percurso argumentativo conducente à decisão, a interpretação dessa norma adiantada por Fernando Alves Correia:

“[…]
Tendo o tribunal recorrido prescindido da averiguação da aptidão ou vocação objectiva para a edificabilidade do solo a que respeitava a parcela expropriada – ou, dizendo de outro modo, tendo o tribunal recorrido decidido que a aptidão edificativa da parcela expropriada não tem de aferir-se pelos elementos objectivos definidos no artigo 25º, n.º 2, do Código das Expropriações –, conclui-se que a norma do n.º 12 do artigo 26º do mesmo Código foi aplicada num sentido que, seguindo o raciocínio de Fernando Alves Correia, não satisfaz, em boa verdade, o objectivo de «evitar as classificações dolosas de solos ou a manipulação das regras urbanísticas por parte dos planos municipais».
É que, sendo esse o principal objectivo da norma, ela só pode abarcar no seu âmbito de aplicação aqueles solos que, se não fosse a sua classificação como «zona verde ou de lazer» ou como área destinada à «implantação de infra-estruturas e equipamentos públicos» por um plano municipal de ordenamento do território, teriam de ser considerados como «solos aptos para a construção», atendendo a um conjunto de elementos certos e objectivos, relativos à localização dos próprios terrenos, às suas acessibilidades, ao desenvolvimento urbanístico da zona e à existência de infra-estruturas urbanísticas, que atestem uma aptidão ou uma vocação objectiva para a edificabilidade, isto é, atendendo a elementos como os definidos pela própria lei no artigo 25º do Código das Expropriações de 1999.
[…]”
            [sublinhado acrescentado]

            Determinaram, pois, estes argumentos, o seguinte pronunciamento decisório:
“[…]
Julgar inconstitucional, por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição, a norma do n.º 12 do artigo 26º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, interpretada no sentido de que, para efeitos da sua aplicação, a aptidão edificativa da parcela expropriada não tem de aferir-se pelos elementos objectivos definidos no artigo 25º, n.º 2, do mesmo Código.
[…]”

            Sublinhamos aqui o teor do voto de vencido formulado a este Acórdão pelo Conselheiro Rui Moura Ramos:
“[…]
Não acompanhei a posição da maioria por discordar do entendimento segundo o qual o disposto no artigo 26º, nº 12 do Código das Expropriações de 1999, interpretado no sentido de que, para efeitos da sua aplicação, a aptidão edificativa da parcela expropriada não tem de aferir-se pelos elementos objectivos definidos no artigo 25º nº 2 do mesmo Código, viola o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição […].
Considero, com efeito, que, tratando-se de determinar a conformidade constitucional de uma disposição do CE com as características da norma sub judicio, a comparação entre o expropriado e os não expropriados – a análise da indemnização na perspectiva da chamada relação externa da expropriação – não deve realizar-se na base de conjecturas quanto ao valor de mercado (o mercado é uma realidade social e não normativa) dos terrenos dos restantes proprietários não expropriados, ficcionando uma hipotética venda dos terrenos destes.
[…]
A primeira divergência refere-se, como anteriormente disse, ao sentido que o Tribunal atribui ao princípio da igualdade relativamente à relação externa da expropriação. Ou seja, saber se a aplicação do critério de cálculo constante do nº. 12, do artigo 26º., do CE, “conduz à atribuição de uma indemnização excessiva ao expropriado, desproporcionada em relação ao real sacrifício representado pela expropriação e conducente a uma intolerável desigualdade em relação a todos os restantes proprietários de terrenos integrados na área classificada [...] que não tenham sido contemplados com a expropriação” (item 11 do Acórdão).
Para responder afirmativamente a esta questão (existe desigualdade relativamente aos não expropriados) o Tribunal acaba por ponderar – implicitamente, pelo menos – o valor que obteriam estes (os “que não tenham sido contemplados com a expropriação”) se procedessem à venda das respectivas parcelas, concluindo que esse valor, não se verificando os elementos do artigo 25º., nº. 2, do CE, nunca seria o de um “solo apto para a construção” (o “do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada”, como diz o nº. 12, do artigo 26º., do CE). Esta conclusão, porém, não se nos afigura evidente, por assentar na comparação entre realidades intrinsecamente distintas: as regras, normativas, de cálculo da indemnização no caso de expropriação, e as regras de comportamento dos agentes actuando no mercado.
Este – o mercado – “é a interacção do conjunto dos vendedores e compradores, actuais ou potenciais, que se interessam pela transacção de determinado produto” (Fernando Araújo, Introdução à Economia, Vol. I, 2ª. ed., Coimbra, 2004, pág. 232) e funciona com base numa lógica insusceptível de assimilação a uma realidade que se expressa através de conteúdos normativos. Significa isto que não sendo irrelevantes, na formação dos preços de um terreno no mercado concorrencial, constrangimentos administrativos à construção, estes não excluem que, em função de múltiplos factores (desde logo das possíveis expectativas de ulterior alteração desses constrangimentos, decorrentes, por exemplo, da evolução previsível do status quo traduzido numa proximidade de 300 m de terrenos aptos para construção), no mercado, a interacção entre a oferta e a procura produza preços equivalentes aos valores que, sem a verificação dos elementos elencados no nº. 2, do artigo 25º., do CE, seriam alcançados com base no nº. 12, do artigo 26º., do CE.
É certo que este Tribunal, em sede de controlo da relação externa da expropriação, afasta habitualmente possíveis objecções deste tipo, falando em “valor de mercado do bem [expropriado] normativamente entendido”, o que expressaria “a quantia que teria sido paga pelo bem [...] se este tivesse sido objecto de um livre contrato de compra e venda descontados os factores especulativos” (Fernando Alves Correia, caracterizando a jurisprudência do Tribunal Constitucional, no estudo: “Propriedade de Bens Culturais – Restrições de Utilidade Pública, Expropriações e Servidões Administrativas”, in Direito do Património Cultural, Lisboa, 1996, pág. 407). Porém, descontados esses factores, ou quaisquer outros actuantes no mercado, e pressupondo (o que não é certo) que esse desconto seja possível, o que fica já não é o valor de mercado e, consequentemente, a comparação entre quem é expropriado – que queira ou não o é – e quem hipoteticamente vendesse, já não tem qualquer sentido, pois já não expressa a realidade, mas uma mera ficção desta.
[…]
A isto acresce – e abordamos agora a outra divergência relativamente à posição da maioria – que a caracterização da norma em termos de pretender obstar às chamadas “classificações dolosas” (classificação de certa área como zona verde, expropriando-a como terreno não apto para construção, destinando-a posteriormente a fim diverso que conduziria, não fora a classificação, a uma mais elevada indemnização; v. Fernando Alves Correia, Código das Expropriações, Lisboa, 1992, pág. 23; cfr. José Osvaldo Gomes, Expropriações por Utilidade Pública, Lisboa, 1996, pág. 195), tal caracterização, dizíamos, não esgota o sentido possível da norma e não justifica, por isso, a «redução teleológica» que o Tribunal efectua, assente na interpretação de Fernando Alves Correia (“A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código de Expropriações de 1999”, in Revista de Legislação e Jurisprudência Ano 133, págs. 53/54) […].
[…]
Suscita-nos esta interpretação algumas dúvidas. Nada exclui que uma norma com as características da do nº 12 do artigo 26º do CE possa fundar-se igualmente numa ratio distinta, a saber: a proximidade até 300 m de áreas de construção, ou onde seja possível construir, pode implicar expectativas de valorização fundiária, a curto, médio ou longo prazo (mesmo sem as características indicadas no nº 2 do artigo 25º do CE) – expectativas estas que são definitivamente cortadas ao expropriado com a ablação do direito de propriedade, contrariamente ao não expropriado que mantém intactas essas expectativas – que, traduzindo um elemento não irrelevante na relação do proprietário com o bem, devem ser tidas em conta, na avaliação do sacrifício imposto ao expropriado, no momento da cessação coactiva dessas expectativas. Atente-se em que na formação dos preços, as expectativas relativas a acontecimentos futuros são determinantes do comportamento dos agentes e constituem um elemento imprescindível na análise dos mercados (v. Joseph Stiglitz, John Driffill, Economics, Nova Iorque, 2000, pág. 104), o que, aliás, é especialmente relevante na formação dos preços da propriedade imobiliária, relativamente às possíveis alterações do estatuto fundiário, através da projecção de futuras transferências de solo rural para solo urbano (v. Robert Ekelund, Robert Tollison, Economics, 4ª ed., Nova Iorque, págs. 370/373).
Nada nos permite excluir este sentido como um dos possíveis relativamente à norma apreciada. Bem vistas as coisas ao atender-se, na procura de um valor justo para a compensação do sacrifício decorrente da expropriação à extinção de expectativas (que, note-se, persistem incólumes relativamente ao não expropriado), estar-se-á ainda a realizar a justiça entre expropriados e não expropriados.
[…]”

            Os outros Acórdão antes citados dividem-se entre estas duas posições, com a particularidade, não irrelevante na hipótese vertente, de no Acórdão nº 417/2006 (e também no Acórdão nº 118/2007), seguindo no essencial os argumentos do Acórdão nº 145/2005, se proceder a um alargamento do respectivo pronunciamento no sentido da inconstitucionalidade do artigo 26º, nº 12 do CE, mesmo com determinação de aptidão edificativa, face ao nº 2 do artigo 25º do CE:
“[…]
[D]ecide-se […] Julgar inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, o artigo 26º, nº 12, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei nº 168/99, de 18 de Setembro, quando interpretado no sentido de ser indemnizável como solo apto para construção terreno integrado na RAN com aptidão edificativa segundo os elementos objectivos definidos no nº 2 do artigo 25º do mesmo Código.
[…]”
            [sublinhado acrescentado]

            2.2.1. (b) Ora, analisando, face aos diversos entendimentos expressos na indicada jurisprudência do Tribunal Constitucional, o caso concreto (terreno com aptidão edificativa aferida por um dos critérios indicados no nº 2 do artigo 25º do CE – o da alínea b) –, relativamente ao qual se verifica o preenchimento da facti species do nº 12 do artigo 26º do CE), ponderando esses elementos, dizíamos, resulta ser a aplicação, neste caso, do artigo 26º, nº 12 do CE, conforme à jurisprudência do Tribunal Constitucional, excepção feita à consubstanciada nos referidos Acórdãos nºs 417/2006 e 118/2007, que consideraram a norma inconstitucional, mesmo quando o terreno expropriado apresente aptidão edificativa aferida pelo nº 2 do artigo 25º do CE[47].

            É esta última, com efeito, a situação que aqui se configura, sendo que este Tribunal da Relação – seguindo, aliás, os argumentos constantes do voto de vencido aposto no Acórdão nº 145/2005, acima transcrito nos seus trechos fundamentais – não deixa de considerar que o artigo 26º, nº 12 do CE introduz um elemento relevante de justiça na determinação da indemnização, interiorizando (com base num elemento objectivo e razoável: a proximidade geográfica de terrenos aptos à construção) um factor que, no mercado, projectivamente, não deixaria de intervir na formação do preço (aliás, esse elemento sempre “adiantaria” a ponderação de uma realidade que se manteria intocável relativamente aos outros proprietários não expropriados, circundantes do expropriado).

            Vale este entendimento pela afirmação da conformidade constitucional do artigo 26º, nº 12 do CE.

            2.3. Assim, apreciadas as diversas incidências do recurso, emerge o entendimento desta Relação quanto à correcção da decisão apelada quanto à fixação do montante indemnizatório.

            Resta-nos, pois, confirmar esse entendimento, deixando antes sumariado o antecedente percurso argumentativo:
I – A definição, por um Plano Director Municipal, de um terreno como “espaço agrícola” e “espaço florestal” (espaços destinados a um uso específico, mas nos quais não existe uma proibição absoluta de edificar, dentro de determinados condicionalismos) corresponde a uma classificação do solo resultante da vontade de afectação de terrenos ao uso específico, expresso nesse instrumento de ordenação territorial – traduz esta classificação aquilo que habitualmente se designa como uma “classificação do plano”;
II – Nestas situações (classificação de solos decorrente de um PDM), tem sentido recorrer ao critério do nº 12 do artigo 26º do CE no cálculo da indemnização, tomando por base o pressuposto de que este critério de cálculo só se aplica a classificações decorrentes de um PDM (e não a situações em que a exclusão da edificabilidade decorre da integração na RAN);
III – Independentemente desta incidência, mesmo que o solo integrasse a RAN, a circunstância de a expropriação visar a construção (a edificação), inviabilizada por essa integração, sempre determinaria que o cálculo da indemnização assentasse, por razões de justiça, na projecção de uma aptidão edificativa (o uso que na realidade foi dado ao terreno após a expropriação);
IV – O cálculo da indemnização com base no artigo 26º, nº 12 do CE projecta uma probabilidade de aptidão edificativa de um terreno, em função da proximidade a terrenos onde se pode construir, intuindo como expectável uma evolução daquele terreno para a aptidão edificativa existente nos circundantes;
V – Tal elemento evolutivo é interiorizado pelo mercado na formação do preço daquele solo, mesmo no presente, sendo a consideração deste aspecto no cálculo da indemnização adequado à projecção de um valor justo pela expropriação;
VI – Sendo certo que essa expectativa de valorização se mantém intacta relativamente aos proprietários circundantes não expropriados, não existe qualquer violação do princípio constitucional da igualdade em função da aplicação ao prédio expropriado do critério de cálculo do valor do terreno previsto no artigo 26º, nº 12 do CE.


III – Decisão

            3. Face ao exposto, na improcedência da apelação, decide-se confirmar a Sentença recorrida.

            Custas pela Apelante.

           
J. A. Teles Pereira (Relator)
Manuel Capelo
Jacinto Meca


[1] Por estar em causa um processo que teve início – referimo-nos à fase judicial induzida pelo requerimento de fls. 1/3 – posteriormente à entrada em vigor da reforma dos recursos em processo civil (01/01/2008), introduzida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, aplicam-se aqui as disposições do Código de Processo Civil na redacção introduzida por este Diploma.
A remessa dos autos ao Tribunal pela entidade Expropriante resultou do cumprimento por esta de uma notificação de remessa da expropriação, nos termos do nº 2 do artigo 51º do Código das Expropriações.
[2] Trata-se do prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia de S. João de Lourosa sob o artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Viseu sob o nº …, freguesia de S. João de Lourosa.
[3] Esta havia considerado a parcela expropriada como “solo apto para outros fins” (v. fls. 77, ou seja, como solo não apto para construção), atribuindo-lhe, em função dessa classificação, o valor de €7.930,00 (v. fls. 79).
[4] Foram as seguintes as conclusões desse recurso:
“[…]
- A parcela insere-se em núcleo urbano e beneficia de várias infra-estruturas; além disso
- Está rodeada de inúmeras construções para habitação e outros fins, no raio de 300 metros a contar dos seus limites.
- A parcela expropriada foi afectada para a execução de obra de construção do Centro de Assistência e de Manutenção de Viseu de apoio à A 25, sendo a sua exploração concedida a terceiro do sector privado, tendo em vista a obtenção de lucro, pelo que
- Deverá a parcela ser qualificada e avaliada como terreno apto para construção.
- Assim não tendo sido considerado no acórdão arbitral recorrido, foram ofendidos os princípios constitucionais da justa indemnização e da igualdade, bem como o disposto pelos artigos 23º, nºs 1 a 5, 25º, nº 2 e 26º, nº 12 do CE, pelo que
- No provimento do presente recurso, deverá a decisão arbitral ser revogada e substituída por outra que, reconhecendo a parcela como solo apto para construção, fixe a indemnização à razão de €30,00/m2, em consonância com o valor de mercado.
[…]”
                [transcrição de fls. 111/112]
[5] Não constituindo uma questão que suscite, neste caso, qualquer discussão, tendo presente a data da DUP (Outubro de 2005), não deixará de se sublinhar que se aplica aqui o Código das Expropriações de 1999 (aprovado pela Lei nº 168/99, de 18 de Setembro, alterado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro, pela Lei nº 4-A2003, de 19 de Fevereiro, pela Lei nº 67-A/2007, de 31 de Dezembro e pela Lei nº 56/2008, de 4 de Setembro).
[6] Embora a questão de inconstitucionalidade referida sempre se prefigurasse como de conhecimento oficioso (artigo 204º da CRP e trecho final do artigo 660º, nº 2 do CPC), existe no argumentário da Apelante uma suscitação expressa, por referência a alguma jurisprudência do Tribunal Constitucional, da inconstitucionalidade do nº 12 do artigo 26º do CE (v. a conclusão 43 do recurso).
[7] Diz este:

Artigo 25º
(Classificação dos solos)
1 – Para efeitos do cálculo da indemnização por expropriação, o solo classifica-se em:
a) Solo apto para a construção;
b)Solo apto para outros fins
------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------.

[8] O Código aprovado pelo Decreto-Lei nº 438/91, de 9 de Novembro (v. o respectivo artigo 24º).
[9] Desta feita o aprovado pelo Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro.
[10] Aqui se transcrevem, completando a nota 8, os nºs 2 e 3 do referido artigo 25º:
Artigo 25º
(Classificação dos solos)
1 – ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
2 – Considera-se solo apto para construção:
a) O que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia eléctrica e de saneamento, com características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir;
b) O que apenas dispõe de parte das infra-estruturas referidas na alínea anterior, mas se integra em núcleo urbano existente;
c) O que está destinado, de acordo com instrumento de gestão territorial, a adquirir as características descritas na alínea a);
d) O que, não estando abrangido pelo disposto nas alíneas anteriores, possui, todavia, alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública, desde que o processo respectivo se tenha iniciado antes da data da notificação a que se refere o nº 5 do artigo 10º.
3 – Considera-se solo para outros fins o que não se encontra em qualquer das situações previstas no número anterior.
[11] Diz-se neste que “[a] requisição e a expropriação por utilidade pública podem ser efectuadas com base em lei e mediante o pagamento de justa indemnização”.
[12] A Justificação da Propriedade Privada numa Democracia Constitucional, Coimbra, 2007, p. 994.
[13] A Justificação da Propriedade…, cit. p. 973.
[14] A Justificação da Propriedade…, cit. p. 975/976.
[15] CRP Constituição da República Portuguesa anotada, Vol I, 4ª ed., Coimbra, 2007, p. 808.
[16] CRP…, cit., pp. 808/809.
[17] Tenha-se presente que este Acórdão nº 422/2004, disponível no sítio do Tribunal Constitucional em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20040422.html, na sua formulação decisória reportada ao artigo 23º, nº 4 do CE/99, foi posteriormente exautorado pelo Acórdão nº 11/2008 (Cura Mariano), disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20080011.html. Foi este último aresto objecto de anotação concordante de F. Alves Correia, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 137º (Janeiro-Fevereiro de 2008), nº 3948, pp. 195/200. Note-se, aliás, que o artigo 23º, nº 4 do CE (julgado inconstitucional pelo referido Acórdão nº 11/2008) foi entretanto revogado pela Lei nº 56/2008, de 4 de Setembro.
Esta questão (a exautoração do “precedente” consubstanciado no Acórdão nº 422/2004) é, todavia, totalmente independente da (e irrelevante para a) caracterização, feita preambularmente nesse Acórdão, do conceito de justa indemnização. É neste sentido que, retomando considerações já tecidas em anteriores decisões das quais fomos relatores nesta Relação, utilizamos aqui a caracterização da ideia de justa indemnização feita no referido Acórdão nº 422/2004, sublinhando a vocação de generalidade dessa caracterização – rectius, de independência da questão concreta nele julgada. Aliás, também resumindo as grandes linhas de força da nossa jurisprudência constitucional respeitantes ao conceito de justa indemnização, poderíamos remeter para o texto de um outro Acórdão do Tribunal, o nº 276/2007 (Benjamim Rodrigues), disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20070276.html
[18] É assim, em termos gerais, que se forma no mercado o preço da terra (v. Robert B. Ekelund, Jr., Robert D. Tollison, Economics, 4ª ed., Nova Iorque, 1994, pp. 370/373).
[19] No direito anglo-saxónico, em que o instituto da expropriação é tradicionalmente referido como “eminent domain” [usando a designação clássica latina – dominium eminens – de Hugo Grócio, no De Jure Belli et Pacis, publicado em 1625, visando o direito do Estado – dito “domínio supremo” – de apropriar bens alheios para satisfação do interesse público mediante uma contrapartida: “[b]ut it is to be added that when this is done the state is bound to make good the loss to those who lose their property”], no direito anglo-saxónico, dizíamos, a caracterização da contrapartida devida pela “expropriação”, é genericamente caracterizada como correspondendo a um “ justo valor de mercado”: “[a]lthough the Fifth Amendment requires payment of "just compensation,"[a]merican courts have held that the proper measure of compensation is "fair market value," i.e., the price that a willing but unpressured buyer would pay a willing but unpressured seller for the subject property, with both parties fully informed of the property's good and bad features. Also, this approach takes into account the property's highest and best use (i.e., its most profitable use) which is not necessarily its current use or the use mandated by current zoning if there is a reasonable probability of zone change” (v. a entrada “Eminent domain” na Wikipédia, em,  http://en.wikipedia.org/wiki/Eminent_domain, na versão de 4 de Fevereiro de 2011).
[20] Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil, em comentário ao Código Civil Português, vol XII, Coimbra, 1937, pp. 189/190: “[…] o termo «expropriação» não é rigorosamente exacto; porque a nossa lei só autoriza a exigência da venda forçada da cousa apropriada. O proprietário recebe o respectivo preço […]. O proprietário não é privado do seu direito; este direito é, apenas, transformado; a cousa é substituída pelo seu preço, exactamente como na vulgar compra e venda. […] a expropriação é o acto pelo qual legalmente se impõe ao proprietário a venda de uma cousa sua, para a realização de um determinado proveito da colectividade”.
[21] É hoje dominante o entendimento que nega à expropriação a natureza de aquisição a título derivado (transmissão da propriedade), prevalecendo o entendimento de que o expropriante “[…] adquire a título originário, isto é, vê constituir-se ex novo um direito seu sobre a coisa expropriada. Consequentemente, a expropriação provoca a extinção do direito ou direitos anteriores” (António Menezes Cordeiro, Direitos Reais, II vol., Lisboa, 1979, p. 802).
[22] “Expropriação por Utilidade Pública”, Parecer publicado na Colectânea de Jurisprudência, Tomo V/1990, p. 25.
[23] Publicado no Diário da República – I Série-B, nº 291, de 19/12/1995, pp. 7964/7988; também disponível no sítio do “Sistema Nacional de Informação Territorial”, a partir do endereço: http://195.23.12.198:8001/sigsnit1.3/Regulamento.aspx?action=reg&conc=Viseu&plano=PDM.
[24] O que evidencia a autonomia da afectação agrícola e florestal directamente decorrente do PDM (como sucede com a parcela expropriada) e a integração nesses espaços agrícolas e florestais de terrenos autonomamente – rectius, exteriormente ao PDM – integrados na RAN e na REN.
[25] Só mesmo a Sentença contém esta asserção no seu processo argumentativo (v. fls. 310/312). Todavia, nenhuma das apreciações de natureza pericial respeitantes à caracterização do terreno afirma ou justifica a integração deste na RAN ou na REN e tal asserção não consta, aliás, do elenco dos factos.
[26] O qual foi proferido no processo nº 4001/08.2TBVIS.C1, disponível, nos campos aqui indicados, no sítio do ITIJ, ou, directamente, no seguinte endereço: http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/e0f35afd8788967f8025781b0041b8a1.
[27] “Não define a lei o que é núcleo urbano. Não encontramos no nosso ordenamento jurídico nenhuma disposição que o defina. Por aproximação teremos de utilizar o artigo 62º do Decreto-Lei nº 794/76, de 5 de Novembro. Núcleo urbano, será um conjunto de edificações e terrenos contíguos marginados por vias públicas urbanas” (João Pedro de Melo Ferreira, Código das Expropriações anotado, 4ª ed., Coimbra, 2007, p. 185; defendendo um conceito mais abrangente – áreas de expansão de um conjunto de edificações existentes – v. José Osvaldo Gomes, Expropriações por Utilidade Pública, Lisboa, 1997, p. 188, nota 406; cfr. Salvador da Costa, Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores Anotados e Comentados, Coimbra, 2010, p. 166).
[28] Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, 5ª ed., Lisboa, 2009 (tradução, por José Lamego, da 6ª ed. Alemã), p. 528 – “[n]ão se trata de que aqui a lei, se se quiser aplicar sem uma complementação, não possibilite uma resposta em absoluto; a resposta teria de ser que justamente a questão não está regulada e que, por isso, a situação de facto correspondente fica sem consequência jurídica. Mas uma tal resposta, dada pelo juiz, haveria de significar uma denegação de justiça, se se tratar de uma questão que caia no âmbito da regulação jurídica intentada pela lei e não seja de atribuir, por exemplo, ao espaço livre do Direito. Por isso, para chegar a uma resolução juridicamente satisfatória, o juiz precisa de preencher a lacuna da regulação legal e, por certo, em concordância com a intenção reguladora a ela subjacente e com a teleologia da lei”.
[29] Interessa aqui ter presente o texto integral da norma do CE aqui em causa:
Artigo 26º
(Cálculo do valor do solo apto para a construção)
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
12 – Sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos, será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada.
[30] Código das Expropriações…, cit. pp. 189/190.
[31] Veja-se “A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre expropriações por utilidade pública”, separata da Revista de Legislação e de Jurisprudência, Coimbra, pp. 145/146. 
[32] Manual de Direito do Urbanismo, vol. II, Coimbra, 2010, pp. 314/316.
[33] http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19970267.html. Este Acórdão, relatado pelo Conselheiro Guilherme da Fonseca, destaca-se por ter introduzido na jurisprudência do Tribunal Constitucional a questão das chamadas “classificações dolosas”, aquelas em que o instrumento de planeamento local proibia ou limitava a edificabilidade e de seguida expropriava para edificar.
[34] Fernando Alves Correia, Manual de Direito do Urbanismo, cit, p. 316.
[35] Conforme já foi referido neste Acórdão, a definição pelo PDM de Viseu de um terreno como “espaço agrícola” não implica, por si, a integração desse espaço na RAN, caso essa integração não existisse anteriormente com base no procedimento geral de afectação de terrenos à RAN (v. o texto do artigo 35º do PDM). Neste caso, tendo-se apurado uma integração parcial da parcela num espaço agrícola e num espaço florestal, não se determinou (trata-se, pois, de facto não apurado) que essa parcela tivesse sido integrada na RAN.
[36] V., numa hipótese muito semelhante à que aqui se configura (envolvendo, aliás, a ora Apelante), na jurisprudência do Tribunal Constitucional, o (já referido na nota 18, supra) Acórdão nº 276/2007 (Benjamim Rodrigues), no qual estava em causa uma expropriação de um terreno integrado na RAN para instalação de uma área de serviço de uma auto-estrada. Com efeito, aí se referiu:
“[…]

[P]ode concluir-se que a construção de edificações nas «áreas de serviço», ainda que «marginais às auto-estradas» segundo a qualificação constante das Bases do Contrato de Concessão, aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 248-A/99, de 6 de Julho, para cujo fim os solos sejam expropriados, não deixa de traduzir, a se, numa concretização da aptidão ou vocação edificativa que seria expectável para tais solos anteriormente à sua inclusão na RAN por plano de ordenamento de território posterior e ocorrem as demais circunstâncias objectivas previstas no art.º 26.º, n.º 12, do CE/99.
[…]”
[37] “[A] indemnização a atribuir neste caso – fundamentada, sobretudo, no impedimento da «manipulação» das regras urbanísticas pela Administração – não é calculada com base no critério definido na norma do nº 12 do artigo 26º do CE – desde logo, porque a integração e a desafectação de um terreno da RAN não é feita directamente pelo plano municipal de ordenamento do território –, mas nos critérios referenciais definidos no artigo 26º daquele Código” (Fernando Alves Correia, Manual de Direito do Urbanismo, cit, p. 317).
[38] http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20050114.html.
[39] http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20050145.html.
[40] http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/200601417.html.
[41] http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20070118.html.
[42] http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20070234.html.
[43]  http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20070239.html.
[44] V. notas 18 e 37, supra.
[45] http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20070469.html.
[46] http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20080597.html.
[47] Pode-se adiantar que a decisão de improcedência do recurso que aqui será proferida, abrirá a via de recurso de constitucionalidade previsto na alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82, de 15 de Novembro).