Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6770/18.2T8CBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
CONTESTAÇÃO
LITISCONSÓRCIO PASSIVO
APOIO JUDICIÁRIO
Data do Acordão: 05/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JC CÍVEL - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.530 Nº4, 570 Nº2 CPC, LEI Nº 34/2004 DE 29/7
Sumário: Apesar de no n.º 4 do artigo 530.º do Código de Processo Civil se referir que «Havendo litisconsórcio, o litisconsorte que figurar como parte primeira na petição inicial, reconvenção ou requerimento deve proceder ao pagamento da totalidade da taxa de justiça, salvaguardando-se o direito de regresso sobre os litisconsortes», o benefício de apoio judiciário concedido a um dos litisconsortes não dispensa os restantes do pagamento da taxa de justiça devida.
Decisão Texto Integral:





I. Relatório

a) A recorrente Ré «O (…), Lda.» foi notificada pela secretaria do tribunal para pagar a taxa de justiça devida pela contestação, nos termos do artigo 570.º, n.º 2, do C.P.C, acrescida da multa prevista no n.º 3 deste artigo.

Tal notificação ocorreu na sequência do indeferimento do pedido de apoio judiciário que a recorrente «O (…)» solicitou na Segurança Social.

A Recorrente reclamou argumentando que o artigo 530.º, n.º 4, do CPC, dispõe que encontrando-se paga a taxa de justiça por parte de um dos sujeitos processuais, no caso por A (…), também réu e beneficiário de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça, não tem a secretaria de dar cumprimento ao disposto do artigo 570.º, n.º 3, do CPC, em relação aos demais sujeitos processuais dessa parte, porque, como é apenas devido o pagamento de uma taxa de justiça pela contestação apresentada por ambos os Réus, o réu A (…) e a ora recorrente, face à isenção de pagamento de taxa de justiça de que beneficia o réu A (…), dever-se-á ter por satisfeita a imposição de tributação desse ato processual.

Esta reclamação foi indeferida, porquanto o tribunal entendeu que a Recorrente figura na contestação como primeira parte e, por isso, nos termos do n.º 4 do artigo 530.º do CPC, tinha o dever de pagar a taxa de justiça ou juntar aos autos documento comprovativo de pedido de apoio judiciário na respetiva modalidade é, logo que fosse notificada pela Segurança Social do respetivo indeferimento devia pagar a taxa, sem esperar que o tribunal a notificasse para esse efeito, o que não fez.

b) É desta decisão que vem interposto o recurso, cujas conclusões são estas:

«I. Na verdade, apenas é devido o pagamento de apenas uma taxa de justiça pela contestação apresentada por ambos os RR. A8…) e O (…)Lda.”, e, face à isenção de pagamento de taxa de justiça de que beneficia o Réu A (…), dever-se-á ter por satisfeita a imposição de tributação desse acto processual.

II Estando em causa uma situação de litisconsórcio passivo, que pressupõe uma única relação material controvertida, não faz sentido a imposição do pagamento de uma taxa de justiça por cada um dos sujeitos processuais que compõem a parte passiva da relação processual. (vide Acordão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02/07/2013 no âmbito do processo nº 41777/12.4YIPRT-A.G1 cfr.http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/c0196733567af57c80257bb100 397568?OpenDocument:)

III No regime constante do artigo 530º n.º 4 do Código de Processo Civil e do Regulamento das Custas Processuais, nos casos de litisconsórcio, seja necessário seja voluntário, ocorrendo ou não a prática conjunta de um mesmo e único acto processual sujeito ao pagamento de taxa de justiça, é devido sempre o valor singular da taxa de justiça, sendo solidária a responsabilidade pelo seu pagamento, tal como o era no âmbito do Código das Custas Judiciais; (vide Ac. Relação de Lisboa – Proc. 825/09.1TBLNH-A.L1-6 http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/21b65df10babb28a80257961004048 0b?OpenDocument).

IV A secretaria devia proceder à notificação da Ré do despacho de indeferimento da concessão do benefício do apoio judiciário, concedendo-lhe prazo de 10 dias para juntar o comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida, e, só depois de concedido o prazo do pagamento voluntário e sem qualquer penalização, ao abrigo do artigo 570º n.º 2 do C.P.C, é que poderia e deveria a secretaria notificar a Ré nos termos e com a multa prevista ao abrigo do n.º 3 do artigo 570º do C.P.C, sob pena de nulidade e violação dos princípios do acesso ao direito plasmados no artigo 20º da C.R.P e 3º n.º 3 do C.P.C, o que se invoca com todas as legais consequências.

V Há por isso erro na Interpretação e Aplicação do Direito.

VI Na sequência do nosso modesto raciocínio, consideramos que o Senhor Juiz a quo violou os artigos, 530.º n.º 4, 570º n.º 2 e 3, 32º ss, 3n.º 3 do C.P.C e 20º da C.R:P, entre outros.

Nestes termos e nos melhores de direito, devem Vossas Excelências julgar procedente o presente Recurso, e proferir Douto Acórdão que revogue o despacho ora proferido, substituindo-o por outro que julgue procedente a reclamação apresentada, não sendo devida qualquer taxa de justiça pela ora Recorrente, ou se assim não se entender, deve ser ordenada a notificação da mesma para juntar o comprovativo da taxa de justiça devida sem qualquer multa. Assim se fazendo Justiça!!!».

c) O Ministério Público pronunciou-se neste sentido:

«Requerimento da Ré “O (…), Lda.” com a referência nº 31167227: compulsados os autos e atendendo aos motivos alegados pela Ré afigura-se-nos que lhe assiste razão.

Na verdade, parece-nos que apenas é devido o pagamento de apenas uma taxa de justiça pela contestação apresentada por ambos os RR. A e O (…), Lda.”, e, face à isenção de pagamento de taxa de justiça de que beneficia o R. A (…) dever-se-á ter por satisfeita a imposição de tributação desse acto processual.

Neste sentido veja-se o que se escreveu no Acordão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02/07/2013 no âmbito do processo nº 41777/12.4YIPRT-A.G1, cfr. http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/c0196733567af57c 80257bb100397568?OpenDocument:

“1 – Os artigos 447º-A, nºs 4 e 5 do CPC e os artigos 6º, nº 1 e 13º, nº 6 do RCP, tratam diferentemente as situações de litisconsórcio e de coligação, quer quanto à responsabilidade pelo pagamento da taxa de justiça, quer quanto á respectiva base de cálculo.

2 – Estando em causa uma situação de litisconsórcio passivo, que pressupõe uma única relação material controvertida, não faz sentido a imposição do pagamento de uma taxa de justiça por cada um dos sujeitos processuais que compõem a parte passiva da relação processual.

3 – Assim, enquanto não for decidido o apoio judiciário solicitado por um dos litisconsortes, o outro litisconsorte, em virtude do indeferimento do pedido de apoio judiciário por si formulado, não terá que pagar taxa de justiça pelo impulso processual devido pelo oferecimento da contestação.”

Também o Acordão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/03/2011 no âmbito do processo nº 891/09.0TBLNH.L1-2 decidiu no mesmo sentido, cfr. in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/7bc31176d1288e7 9 8025788f0053643d?OpenDocument: “Estando em causa uma situação litisconsorcial activa que pressupõe uma única relação material controvertida, não faz sentido a imposição do pagamento de uma taxa de justiça por cada um dos sujeitos processuais que compõem a parte activa da relação processual.”

Por conseguinte, promove-se o deferimento da pretensão vertida no requerimento com a referência nº 31167227».

II. Objeto do recurso

Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões que este recurso coloca são as seguintes:

1 – Em primeiro lugar, cumpre verificar se tendo dois réus, A e B, apresentado uma só contestação, existindo uma situação de litisconsórcio voluntário e beneficiando B de apoio judiciário na modalidade de isenção do pagamento da taxa de justiça, fica por esta razão satisfeita para A a obrigação do pagamento da taxa de justiça ou se, ao invés, é devida taxa de justiça por A.

2 – Em segundo lugar, cumpre saber se o réu A, tendo pedido também apoio judiciário, tendo-lhe sido indeferido esse pedido e tendo sido notificado pela Segurança Social desse indeferimento, deve pagar de imediato a taxa de justiça devida, sob pena de não o fazendo acrescer o pagamento da multa prevista no artigo 570.º, n.º 3, do CPC, ou se deve aguardar que o tribunal o notifique desse mesmo indeferimento e, além disso, para pagar a taxa de justiça devida, sem multa.

III. Fundamentação

a) Matéria factual

A matéria a considerar é de natureza processual e é a que resulta do relatório que antecede.

b) Apreciação das questões enunciadas

1 – Vejamos então se tendo dois réus, A e B, apresentado uma só contestação, existindo uma situação de litisconsórcio voluntário e beneficiando B de apoio judiciário na modalidade de isenção do pagamento da taxa de justiça, fica por esta razão satisfeita para A a obrigação do pagamento da taxa de justiça.

É esta a posição afirmada pelo Recorrente.

Não lhe assiste razão, como se vai procurar mostrar.

(I) Vejamos, antes de mais, o que refere a lei.

Nos termos dos n.º 1 e 4 do artigo 530.º do CPC, respetivamente, «A taxa de justiça é paga apenas pela parte que demande na qualidade de autor ou réu, exequente ou executado, requerente ou requerido, recorrente e recorrido, nos termos do disposto no Regulamento das Custas Processuais» e «Havendo litisconsórcio, o litisconsorte que figurar como parte primeira na petição inicial, reconvenção ou requerimento deve proceder ao pagamento da totalidade da taxa de justiça, salvaguardando-se o direito de regresso sobre os litisconsortes».

Por sua vez, a lei do apoio judiciário (Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho – Acesso ao Direito e aos Tribunais) determina, no seu n.º 1 do seu artigo 1.º que «O sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos» e mais à frente, no n.º 1 do artigo 7.º refere que «Têm direito a proteção jurídica, nos termos da presente lei, os cidadãos (…), que demonstrem estar em situação de insuficiência económica», sendo a proteção jurídica dispensada em várias modalidades, uma das quais consiste precisamente na «Dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo» al. a), do n.º 1 do artigo 16.º da mesma lei.

Retira-se destas normas que o acesso à justiça não é gratuito, dependendo, entre outros custos, do pagamento de uma taxa, mas os cidadãos carenciados podem ser dispensados do pagamento dessa taxa.

Verifica-se, por conseguinte, que esta dispensa ou isenção de custos com a justiça é pessoal, digamos, subjetiva.

Em matéria de isenção de custas há casos de isenção subjetiva e de isenção objetiva, estando a primeira relacionada com certas categorias de pessoas, como o Ministério Público, membros do Governo, partidos políticos, pessoas coletivas, trabalhadores, etc., verificadas certas circunstâncias, quando demandam ou são demandadas e as segundas com a natureza da matéria sobre a qual versa o processo, como ocorre com os processos de confiança de menores ou de adoção – cfr. artigo 4.º do Regulamento de Custas Processuais.

Sendo o apoio judiciário dirigido ao cidadão e não ao processo em si, não olhando à natureza das relações jurídicas que aí se debatem, então se a relação processual em litígio tem outros sujeitos processuais do mesmo lado (ativo ou passivo), estes não podem beneficiar da isenção de custas que resulta do apoio judiciário concedido a um dos titulares dessa relação, pois este apoio é pessoal.

Se não fosse deste modo, o apoio judiciário concedido a um dos sujeitos litisconsortes resultava na concessão indireta de apoio judiciários aos demais litisconsortes, mesmo que todos estes gozassem de larga fortuna pessoal.

Não se segue, por esta razão, o caminho seguido no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02-07-2013, proferido no processo n.º 1777/12.4YIPRT-A, citado nas alegações de recurso, com este sumário:

«1 – Os artigos 447.º-A, n.ºs 4 e 5 do CPC e os artigos 6.º, n.º 1 e 13.º, n.º 6 do RCP, tratam diferentemente as situações de litisconsórcio e de coligação, quer quanto à responsabilidade pelo pagamento da taxa de justiça, quer quanto á respetiva base de cálculo.

2 – Estando em causa uma situação de litisconsórcio passivo, que pressupõe uma única relação material controvertida, não faz sentido a imposição do pagamento de uma taxa de justiça por cada um dos sujeitos processuais que compõem a parte passiva da relação processual.

3 – Assim, enquanto não for decidido o apoio judiciário solicitado por um dos litisconsortes, o outro litisconsorte, em virtude do indeferimento do pedido de apoio judiciário por si formulado, não terá que pagar taxa de justiça pelo impulso processual devido pelo oferecimento da contestação».

Argumentou-se que exigindo a lei no litisconsórcio o pagamento de uma única taxa de justiça, ao contrário do que ocorre na coligação, então se o devedor litisconsorte da taxa de justiça beneficiar de apoio judiciário, fica regularizada a pretensão tributária do Estado em relação a esta parte processual, não podendo ser exigida dos outros litisconsortes a taxa de justiça devida. 

Como se referiu, a dispensa ou isenção de custos com a justiça, decorrente do apoio judiciário concedido, é pessoal, é subjetiva.

É um benefício concedido a determinada pessoa que é parte no processo em razão da sua carência económica.

A taxa de justiça existe em função do processo, devido ao facto da administração da justiça ser dispendiosa e não existirem condições económicas para poder ser gratuita; é devida, por isso, por razões objetivas, decorrentes da atividade processual desenvolvida no processo e do seu custo económico.

Por isso, quando um dos lados da relação jurídica debatida no processo é composto ou preenchido por várias pessoas, todas elas são à partida responsáveis, perante o Estado, pelo pagamento da taxa de justiça.

E essa responsabilidade de todos não desaparece se porventura o primeiro subscritor da petição ou da contestação vem a beneficiar de apoio judiciário.

Conclui-se, por conseguinte, que se porventura uma dessas pessoas for economicamente carenciada e beneficiar de apoio judiciário, como a taxa de justiça é devida objetivamente pela atividade processual e por todos, esta responsabilidade em nada é afetada pela concessão do apoio judiciário a um dos litisconsortes, pelo que a taxa de justiça continua a ser devida pelos litisconsortes que a puderem pagar.

2 – Vejamos agora se tendo o autor pedido apoio judiciário; tendo-lhe sido indeferido esse pedido e tendo sido notificado pela Segurança Social desse indeferimento, deve pagar de imediato a taxa de justiça devida, sob pena de não o fazendo acrescer o pagamento da multa prevista no artigo 570.º, n.º 3, do CPC ou se deve aguardar que o tribunal o notifique desse mesmo indeferimento e, além disso, o notifique para pagar a taxa de justiça devida, sem multa.

Vejamos o que diz a lei.

No artigo 570.º do Código de processo Civil, norma que disciplina a junção aos autos do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça pelo réu, determina-se no seu n.º 2 que «…o réu deve comprovar o prévio pagamento da taxa de justiça ou juntar ao processo o respetivo documento comprovativo no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que indefira o pedido de apoio judiciário» e, nos termos do n.º 3, «Na falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou de comprovação desse pagamento, no prazo de 10 dias a contar da apresentação da contestação, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efetuar o pagamento omitido com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC».

Face a esta norma, verifica-se que a lei obriga o devedor da taxa a fazer o pagamento após ter sido notificado do indeferimento da pretensão pela Segurança Social, sem necessitar de receber qualquer notificação do tribunal para o fazer.

Só se o não fizer espontaneamente no prazo assinalado é que a secretaria intervém, notificando o interessado para, em 10 dias, efetuar o pagamento omitido com acréscimo de multa de igual montante, não inferior a 1 UC, nem superior a 5 UC.

No caso, o recorrente foi notificado do indeferimento e não procedeu ao pagamento da taxa de justiça, como devia ter feito e daí a intervenção da secretaria.

Improcede, por conseguinte também esta pretensão do Recorrente, cumprindo, por isso, manter a decisão.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e mantém-se a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.


*

Coimbra, 28 de maio de 2019

Alberto Ruço ( Relator)

Vítor Amaral

Luís Cravo