Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2314/20.4T8ACB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ANULAÇÃO DA DECISÃO
REPETIÇÃO PARCIAL DO JULGAMENTO
Data do Acordão: 12/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ALCOBAÇA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA
Legislação Nacional: ARTIGO 662.º, N.º 2, ALÍNEA C), DO CPC
Sumário: Se for necessária a ampliação da matéria de facto, a sentença deve ser anulada, com repetição parcial do julgamento, como no caso de necessidade de determinação fáctica tendente a esclarecer, no quadro da problemática da não integração dos devedores em PERSI, quanto à invocada penhora anterior sobre o bem objeto da hipoteca a favor da exequente/apelante, sentença de graduação de créditos, seu trânsito em julgado e satisfação, ou não, nesse âmbito do crédito exequendo.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:


***
I – Relatório

AA e BB, com os sinais dos autos,

vieram, por apenso à execução para pagamento de quantia certa que lhes move

E..., S.A.”, também com os sinais dos autos,

deduzir oposição à execução, mediante embargos de executado,

pedindo que sejam «os presentes embargos (…) julgados procedente por provados com as legais consequências».

Alegaram, em síntese:

- a falta de legitimidade da Exequente, por não provar que é cessionária dos créditos para com os Executados;

- a inexequibilidade/insuficiência dos títulos, por das escrituras juntas aos autos como título não resultar, por si, ou diretamente das suas cláusulas, a obrigação exequenda, sendo que a Exequente não cumpriu a obrigação de interpelação dos executados, nem lhes comunicou a resolução dos contratos; e

- a preterição do denominado PERSI, com as suas obrigações legais, implicando o naufrágio da execução.

Contestou a Exequente, pugnando pela improcedência dos embargos e alegando, para tanto, no essencial:

- terem as cessões de créditos, formalizadas por escrituras públicas juntas, com a transmissão da hipoteca, sido comunicadas aos Executados;

- ter a Exequente demonstrado, no seu requerimento executivo, a liquidação da obrigação exequenda, sendo que procedeu à interpelação dos Executados/Opoentes, razão pela qual inexiste inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação;

- impondo-se concluir, ainda, pela existência de início e fim do PERSI, ainda que através de cartas de interpelação prévias à instauração de ação executiva, não passando a alegação de violação do PERSI de uma manobra dilatória ([1]).

Realizada a audiência prévia, com observância do princípio do contraditório, foi depois proferido saneador-sentença, por se considerar que os autos estavam preparados para tanto – conhecimento de mérito –, julgando procedentes os embargos de executado e, em consequência, extinta a execução.

Inconformada, vem a Exequente interpor o presente recurso, apresentando alegação e as seguintes

Conclusões:

«1. Constitui tema nuclear do presente recurso a questão de saber se, à presente ação executiva, são ou não aplicáveis as regras previstas no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 Outubro, designadamente as relativas ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, o denominado PERSI.

2. Com efeito, a integração dos clientes bancários no supra referido procedimento extrajudicial apenas é obrigatória nos casos em que se verifiquem os respetivos pressupostos de aplicabilidade – cfr. artigos 12.º a 22.º do D.L. 227/2012, de 25 de Outubro.

3. Na perspetiva da Recorrente e contrariamente ao que resulta da douta sentença recorrida, não é o caso da execução sub judice, designadamente face ao registo de penhora prévia sobre o imóvel garantia em ação executiva de terceiros com a consequente citação da Recorrente para reclamar os respetivos créditos.

4. Não se verificando, consequentemente, qualquer incumprimento de legislação obrigatória por parte da Exequente, suscetível de determinar, como decidido pelo Tribunal “a quo”, a absolvição dos Executados da instância com fundamento na verificação de uma exceção dilatória inominada.

5. A sentença recorrida considerou “(…) Consequentemente, no caso concreto, por não preenchida a condição objectiva de procedibilidade ou por verificada a excepção dilatória inominada acima mencionadas, entende-se que a oposição mediante embargos deverá proceder desde já nessa exacta medida, com a consequente extinção da execução (art. 732.º, n.º 4, do CPC), ficando prejudicada a apreciação das demais questões.”

6. Para garantia do cumprimento dos contratos de mútuo, título executivo dos autos, foi constituída a favor da Exequente, ora Recorrente, hipotecas sobre o seguinte bem imóvel:

- “Fração” autónoma designada pela letra “F”, correspondente a moradia de rés-do-chão e primeiro andar, do prédio urbano, destinado a habitação, sito em ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº ...18..., da freguesia ..., e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o nº ...80º.

7. Conforme certidão predial dos autos, o imóvel em causa encontra-se onerado com uma penhora desde 21/04/2012.

8. A penhora em causa encontra-se registada sob a AP. ...5 de 2012/04/21 a favor da ação executiva instaurada pelo B...,S.A., no âmbito do processo que sob o nº 122/12.... corre termos na Comarca ... – ... – Juízo de Execução – Juiz ....

9. A Recorrente foi aí citada para reclamar os seus créditos nos termos legais, o que fez em 23/03/2015, tendo o respetivo crédito sido graduado e reconhecido por sentença de verificação e graduação de créditos em 28/10/2016, sentença essa, transitada em julgado.

10. Ora, sendo a penhora registada sobre o imóvel garantia um incumprimento ao contrato bem como uma causa de exclusão do PERSI, salvo melhor entendimento, não tinha a Recorrente (à data, Banco cedente C...) o ónus de dar início e fim ao PERSI, por inutilidade do procedimento.

11. O PERSI sempre estaria condenado ao fracasso nos termos dos artigos 17º nº 2 alínea a) e 22º nº 3 alínea b) do Decreto-Lei 227/2012, de 25 de Outubro.

12. Por outro lado, caso não tivesse reclamado os respetivos créditos na supra mencionada ação executiva de terceiro (processo nº 122/12....), estes não seriam reconhecidos nem graduados, com a consequente perda da garantia hipotecária, vulgo, pagamento da dívida através do imóvel dos autos.

13. A propósito da inutilidade e por conseguinte inaplicabilidade do PERSI, transcreve-se infra o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 11/08/2018 (Proc.º 246/16.0T8MMN-A.E1), disponível em www.dgsi.pt:

“Se à partida se sabe que procedimento a iniciar vai ser extinto pelo facto de já existir penhora a favor de terceiro, sobre os bens do devedor, não faz sentido, até, atento o principio de limitação dos actos, a realização de actos inúteis, não devendo a não integração no PERSI ser obstáculo à instauração da execução.” (sublinhado nosso)

14. Acresce que, a Embargada não é uma instituição de crédito e sim uma STC, Sociedade de Titularização de Créditos, cujo regime não encontra enquadramento legal no regime do PERSI, não sendo passível de aplicação por parte da Exequente, pois esta é regida pelo Decreto-Lei n.º 453/99 de 5 de novembro.

15. Assim e na senda do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-09-2020 (Processo n.º 1827/18.2T8ALMB.L1.7), “só a verificação dos pressupostos para a integração do devedor no PERSI ocorrida em momento posterior à cessão de créditos pela entidade mutuante para uma sociedade de titularização de créditos não é oponível à cessionária.”

16. O cumprimento do PERSI por parte da cessionária, continuaria vertido de inutilidade, uma vez que se mantém a penhora registada sobre o imóvel garantia por via da AP. 45 de 2012/04/21, sendo como vimos, uma das causas de exclusão do PERSI.

17. Não obstante, a cessionária, cumpriu com tudo o que estava ao seu alcance para alcançar uma solução extrajudicial.

18. Nomeadamente, tentou oferecer inclusive descontos aos Embargantes, caso estes pretendessem uma solução amigável, mas sem sucesso, conforme se poderá comprovar através das cartas remetidas em 27/05/2020 e 01/06/2020, juntas com a Contestação dos autos.

19. Face ao exposto, estavam e estão, os Embargantes, bem cientes da situação de incumprimento em que se encontram.

20. Salvo melhor entendimento, a alegação de uma eventual violação do PERSI nos termos do DL 272/2012 de 25/10/2012, mais não é do que uma manobra dilatória para perpetuar a situação de incumprimento e permitir aos Embargantes furtarem-se ao cumprimentos das suas obrigações.

21. Ao decidir como decidiu o tribunal de 1.ª instância fez errada interpretação e violou o disposto no diploma supra referido, particularmente nos artigos 17º nº 2 alínea a) e 22º nº 3 alínea b) do Decreto-Lei 227/2012, de 25 de Outubro, 551.º, n.º 1, 576.º, n.º 2 e 577.º do C.P.C.

Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida e substituindo-se por uma outra que determine o prosseguimento dos autos.

Assim se fará JUSTIÇA».

Na sua contra-alegação, a parte embargante, invocando que a Recorrente veio, indevidamente, carrear matéria nova para os autos na sua peça recursiva, pugna pelo não provimento do recurso e manutenção da decisão impugnada.


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O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa do processo a este Tribunal ad quem, onde foram mantidos o regime e o efeito determinados.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.


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II – Âmbito do recurso

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([2]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.) –, cabe decidir ([3]):

a) Se a Recorrente pretende a apreciação recursiva com base em factos novos, não constantes da fundamentação de facto da sentença, por não terem sido alegados por ela (nem no requerimento executivo, nem na contestação aos embargos), como era seu ónus, assim suscitando questão nova, o que não lhe é lícito fazer (cfr. conclusões 4.ª a 11.ª dos Apelados);

b) Se não tinha a Recorrente (à data, banco cedente C...) o ónus de dar início e fim ao PERSI, por inutilidade do procedimento – este sempre fracassaria nos termos dos art.ºs 17.º, n.º 2, al.ª a), e 22.º n.º 3, al.ª b), do DLei n.º 227/2012, de 25-10;

c) Ou se é necessária, desde logo, a ampliação da matéria de facto, no âmbito do disposto no art.º 662.º, n.º 2, al.ª c), do NCPCiv., obrigando à anulação oficiosa da decisão recorrida;

d) Se foram, ou não, observadas as exigências legais inerentes ao PERSI.


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III – Fundamentação

A) Matéria de facto

É a seguinte a factualidade julgada provada pela 1.ª instância:

«1.º Mediante escritura pública denominada “mútuo com hipoteca”, outorgada em 19/05/2006, que se encontra anexa ao r.e. (doc. ...) e aqui se dá por integralmente reproduzida, entre o mais, a “CEMG” concedeu aos oras executados AA e BB um empréstimo da quantia de 65.000 €, importância da qual se confessaram devedores e se obrigaram a reembolsar em prestações mensais, com a constituição de hipoteca sobre o imóvel ali melhor identificado, nos termos que ali e no documento complementar constam e aqui se dão por reproduzidos

2.º Mediante escritura pública denominada “mútuo com hipoteca”, outorgada em 19/05/2006, que se encontra anexa ao r.e. (doc. ...) e aqui se dá por integralmente reproduzida, entre o mais, a “CEMG” concedeu aos oras executados AA e BB um empréstimo da quantia de 108.000 €, importância da qual se confessaram devedores e se obrigaram a reembolsar em prestações mensais, com a constituição de hipoteca sobre o imóvel ali melhor identificado, nos termos que ali e no documento complementar constam e aqui se dão por reproduzidos

3.º Mediante escritura pública outorgada em 27/12/2018, que se encontra anexa ao r.e. (doc. ...) e aqui se dá por integralmente reproduzida, entre o mais, a “CEMG” declarou ceder os créditos identificados no documento complementar, onde se incluem os empréstimos reportados aos documentos referidos em 1.º e 2.º, a “Mimulus Finance DAC”, que declarou aceitar.

4.º Mediante escritura pública outorgada em 12/04/2019, que se encontra anexa ao r.e. (doc. ...) e aqui se dá por integralmente reproduzida, entre o mais, a “Mimulus Finance DAC” declarou ceder os créditos identificados no documento complementar, onde se incluem os empréstimos reportados aos documentos referidos em 1.º e 2.º, a A..., S.A., que declarou aceitar.

5.º Mediante escritura pública outorgada em 12/04/2019, que se encontra anexa ao r.e. (doc. ...) e aqui se dá por integralmente reproduzida, entre o mais, a A..., S.A., declarou ceder os créditos identificados no documento complementar, onde se incluem os empréstimos reportados aos documentos referidos em 1.º e 2.º, a “E..., S.A.”, que declarou aceitar.

6.º Mostra-se inscrita a favor da ora exequente a transmissão de crédito, por cessão sucessiva, referente às hipotecas voluntárias inscritas inicialmente a favor de “CEMG”, a que se referem os documentos referidos em 1.º e 2.º.

7.º Os executados deixaram de efectuar o pagamento das prestações mensais a que se obrigaram nos documentos referidos em 1.º e 2.º, em data não concretamente assente, mas que se verificava há mais de 30 dias pelo menos à data de 27/12/2018.

8.º A “CEMG” emitiu o extracto bancário que se encontra anexo à ref. ...10 e aqui se dá por reproduzido, onde constam, entre o mais, movimentos associados aos empréstimos a que se referem os documentos referidos em 1.º e 2.º.

9.º A “CEMG”, a “Altamira” e o ora I. Advogado da ora exequente emitiram os documentos que se encontram anexos à contestação (docs. ... a ..., ...3, ...4, ...0 e ...1) e aqui se dão por integralmente reproduzidos.

10.º O r.e. tem data de 17/11/2020 e os executados/opoentes foram citados após penhora do imóvel a que respeitam as hipotecas referidas em 6.º.» ([4]).

B) Substância do recurso

1. - Da alegação recursiva de matéria nova e dedução de questão nova

Defendem os Apelados que a Recorrente traz, de forma inadmissível, factos novos aos autos, com possível influência na decisão do recurso, fazendo-o aquela (apenas) na sua alegação da apelação, posto ser totalmente omisso a respeito o requerimento executivo.

Assim, expendem os Recorridos nas conclusões da sua contra-alegação:

«(…)

4. Importa antes de mais referir que a recorrente alega (agora) factos novos que não constam da fundamentação de facto, não impugnada pela recorrente.

5. Na verdade, a recorrente pretende defender que face à reclamação de créditos deduzida em execução de terceiro, por força da penhora sobre o imóvel hipotecado em garantia do crédito, não estava obrigada a dar cumprimento ao PERSI;

6. Contudo, a recorrente instaurou a presente execução, sem ter feito qualquer alusão à existência da reclamação de créditos. E mesmo em sede de contestação dos embargos, limitou-se a referir a existência de uma reclamação de créditos numa outra execução em virtude da penhora do imóvel hipotecado.

7. Nada alegando quanto ao estado daquela execução, nomeadamente se ainda se encontra pendente quanto ao imóvel hipotecado, ou sequer quanto ao crédito reclamado, nomeadamente se respeita ao crédito exequendo.

8. No requerimento executivo, a recorrente limitou-se a alegar o incumprimento dos contratos de mutuo, afirmando expressamente que tal incumprimento determinou “nos termos legais e contratuais, o direito de considerar vencida toda a divida, reportada à data das últimas prestações pagas”

9. Ou seja, ao contrário do que pretende agora, ali não alegou que o vencimento da divida se deveu à penhora do imóvel hipotecado, mas ao incumprimento no pagamento das prestações.

10. Verifica-se assim que a recorrente pretende que este Venerando Tribunal aprecie a sentença recorrida com base em factos novos, não constantes da fundamentação de facto, uma vez que não foram levados ao processo pela recorrente, como era seu ónus.

11. Tal conduta está-lhe vedada.

12. Defende ainda a recorrente que a existência da penhora é causa de exclusão do PERSI e por isso não tinha o ónus de dar inicio e fim àquele procedimento, uma vez que o mesmo sempre estaria condenado ao fracasso nos termos dos artigos 17º, n.º 2, alínea a) e 22º, n.º 3, alínea b) do Decreto-Lei n.º 227/2012 de 25.10.

13. Não tem razão.» (destaques aditados).

Vejamos.

É certo que no requerimento executivo a ora Exequente/Apelante não mencionou a anterior existência das ditas penhora e reclamação de créditos em execução primeiramente interposta contra os mesmos aqui Executados, nem, por consequência, que ali houvesse sido reclamado o crédito ora exequendo.

Porém, na sua contestação aos presentes embargos – a propósito de matéria de exceção deduzida pelos Embargantes, mormente, a da inexequibilidade do título e inexigibilidade da obrigação, concluindo estes ainda que o crédito não é exigível por incumprimento de norma imperativa, com referência, ademais, à «preterição de Procedimento obrigatório previamente à instauração do Procedimento Executivo» (cfr. designadamente, os art.ºs 25.º a 38.º da petição de embargos) –, refere expressamente a Exequente/Embargada ([5]):

«(…)

23.º

O facto de existir uma penhora sobre o imóvel garantia consubstancia não só um incumprimento aos contratos, conforme cláusulas 9ª e 10ª dos respetivos documentos complementares, uma vez que os devedores estavam obrigados “a não (...) onerar o imóvel hipotecado (...) nem por outra forma limitar e desvalorizar o objecto ou a eficácia da garantia prestada" como também teve por consequência o vencimento da dívida.

24.º

Efetivamente, a penhora registada ao abrigo do processo que sob o nº 122/12.... corre termos na Comarca ... – ... – Juízo de Execução – Juiz ..., obrigou ao vencimento da dívida nos termos legais e à respetiva reclamação de créditos por parte da Embargada, tendo o crédito sido reconhecido e graduado por sentença de verificação e graduação de créditos, transitada em julgado, a qual se junta como Doc. ...9, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

Nestes termos,

25.º

Deverão as exceções invocadas ser liminarmente apreciadas, julgando-se as mesmas improcedentes por falta de fundamento legal.».

Com a sua contestação de embargos, a Exequente/Embargada juntou diversa documentação ([6]), incluindo cópia – não se retira da consulta do processo eletrónico que se trate de certidão judicial, nem que tenha transitado em julgado – de sentença de graduação de créditos alusiva a reclamação de créditos da «C... (…) contra os executados no valor total de €164 162,29 (cfr. valor actualizado indicado a fls. 77(v) e 78», cujo alegado «montante adveio de empréstimo bancário, sendo que tal montante está garantido por hipotecas».

Mais resulta desse documento (cópia de sentença) que:

«No caso vertente, o crédito reclamado pela credora C... encontra-se garantido por hipotecas registadas na Conservatória do Registo Predial, sobre o imóvel penhorado nos autos de execução a que estão apensos os presentes autos.

B. O crédito da Exequente goza de garantia resultante da penhora.

(…)

A penhora efectuada nos autos de execução a que os presentes autos se encontram apensos foi registada em 2012/04/21.

(…)

Atendendo a que sobre o prédio em causa existem hipotecas registadas a favor do credor reclamante terão os respectivos créditos garantidos pela mesma de ser graduados à frente dos créditos garantidos pela penhora.».

Tudo para concluir, no âmbito da graduação creditória:

«Em face do exposto decido:

1. Reconhecer o crédito reclamado pelo Credor Reclamante C....

2. Proceder à graduação dos créditos da seguinte forma, para efeitos de pagamento pelo produto obtido com a venda da fracção autónoma designada pela letra ..., correspondente a moradia rés-do-chão e primeiro andar, do prédio urbano, destinado a habitação, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...23... e inscrito na matriz predial urbana sob o nº ...80, pela seguinte ordem:

- em primeiro lugar, os créditos reclamados pelo Credor Reclamante C..., garantidos por hipotecas voluntárias, inscritas pelas apresentações n.º 8 de 2006/06/19; n.º 9 de 2006/06/19 e até ao limite máximo assegurado pelas hipotecas;

- em segundo lugar o crédito exequendo.

As custas da execução saem precípuas do produto da venda do bem penhorado – artigo 541.º do Código de Processo Civil (na redacção actual).».

Desconhece-se, como visto, se tal sentença transitou em julgado, bem como se a aqui Exequente (enquanto ali reclamante de créditos) obteve, uma vez graduada, pagamento, ou não (e, se sim, em que montante).

Mas certo é que a aqui Exequente/Embargada, no mesmo âmbito de contestação aos embargos (em matéria de exceção deduzida pelos Embargantes), juntou ainda certidão registral referente ao imóvel em causa (prédio 523/20..., da Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ...), da qual consta o registo das ditas hipotecas e também da seguinte penhora:

«AP. 45 de 2012/04/21 19:12:51 UTC - Penhora

Registado no Sistema em: 2012/04/21 19:12:51 UTC

DATA DA PENHORA: 2012/04/20

QUANTIA EXEQUENDA: 33.245,92 Euros

SUJEITO(S) ATIVO(S):

** B...,S.A.

SUJEITO(S) PASSIVO(S):

** AA

** BB

Processo Executivo nº122/12...., ... Juízo do Tribunal Judicial ....» ([7]).

Do exposto já se pode, com segurança – e salvo sempre o devido respeito –, retirar que, contrariamente ao pretendido pelos Apelados, não estamos, neste âmbito recursivo, perante matéria nova, que só houvesse sido trazida aos autos na apelação, mas, diversamente, matéria fáctica já vertida, de algum modo (embora de forma não esgotante, mas com ilustração documental e inerente remissão), na contestação de embargos, no quadro do contraditório da Exequente/Embargada a matéria de exceção deduzida na petição de embargos, sabido, por outro lado, que as conclusões jurídicas a extrair (matéria de direito) não têm, por sua vez, de ser cabalmente articuladas, por caber ao Tribunal a indeclinável liberdade de indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (o Juiz não está, neste campo, sujeito às alegações das partes, como resulta do disposto no art.º 5.º, n.º 3, do NCPCiv.).

E também é certo dever o Tribunal, para além do cumprimento de quanto dispõe o art.º 590.º do NCPCiv. [cfr., designadamente, os n.ºs 2, al.ªs b) e c), 3 e 4], selecionar para os autos, com vista à boa decisão da causa, toda a matéria fáctica relevante para a solução do litígio, vistas as plausíveis formas de solução da questão de direito [cfr. art.ºs art.º 5.º, n.ºs 1 e 2, 595.º, n.º 1, al.ª b), 607.º, n.ºs 3 a 5, e 608.º, n.º 2, todos do NCPCiv.].

Aqui chegados, já pode concluir-se que não foi trazida aos autos factualidade nova na fase de recurso, nem sequer questão nova, de que a Relação não pudesse conhecer, por se tratar, diversamente, de materialidade já vertida no articulado de contestação aos embargos, em campo de exercício do contraditório perante exceção relevante deduzida pelos Embargantes.

Mas se assim é – e com todo o respeito devido –, não poderia o Tribunal recorrido relegar esta materialidade para a esfera da irrelevância, da indiferença ou do esquecimento, como simples «matéria conclusiva e de Direito, factualidade meramente instrumental (incluindo os demais factos acima referidos, ainda que retirados de documentos, mas não seleccionados) ou irrelevante para a decisão ora a proferir», sabido, ademais, que não passou despercebida a «informação do registo predial», desde logo, quanto às hipotecas registadas (cfr. fundamentação da convicção constante da decisão recorrida).

Em suma, improcede a argumentação em contrário expendida na contra-alegação de recurso.

2. - Do obstáculo à implementação do PERSI (por existência de penhora anterior) ou da necessidade, desde logo, de ampliação da matéria de facto

Já se viu que a Recorrente considera que a existência de anterior penhora registada, em execução movida por terceiro, sobre o bem a que se refere(m) a(s) hipoteca(s) a seu favor (alude ao processo n.º 122/12...., da Comarca ... – ... – Juízo de Execução – Juiz ...), obrigando à respetiva reclamação de créditos por parte da Embargada, tendo o crédito sido reconhecido e graduado por sentença de verificação e graduação de créditos, mas desconhecendo-se se transitou, ou não, em julgado, e se tal aqui Apelante ali obteve satisfação, total ou parcial, do crédito assim reclamado, tem o condão de obstaculizar a implementação do PERSI por que reclamam/excecionam os Executados/Embargantes/Apelados.

Para tanto, invoca um aresto da Relação de Évora, em cujo sumário pode ler-se: «Se à partida se sabe que [o] procedimento a iniciar vai ser extinto pelo facto de já existir penhora a favor de terceiro, sobre os bens do devedor, não faz sentido, até, atento o principio de limitação dos actos, a realização de actos inúteis, não devendo a não integração no PERSI ser obstáculo à instauração da execução.» ([8]).

E na fundamentação jurídica deste acórdão exarou-se assim:

«Argumenta a recorrente, existindo penhora a favor de terceiro sobre o bem do devedor que garantia o crédito, não se impunha em face do incumprimento contratual a submissão deste ao regime do PERSI, atendendo a que a que penhora torna inviável a possibilidade de qualquer regularização ou restruturação do crédito, sendo até uma das causas da extinção do Procedimento, conforme dispõe o artº 17º, n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10.

(…)

Acresce que a entidade de crédito pode, por sua iniciativa, extinguir o PERSI se: a) for realizada penhora ou decretado arresto a favor de terceiros sobre bens do devedor; (…) (n.º 2).

(…)

No caso em apreço verifica-se que no âmbito de uma execução movida pelo Banco (…) contra o ora Executado e Outros foi penhorado em 24/07/2003 para garantia da quantia exequenda o imóvel descrito na CRP ..., sob o n.º …/...19 (cfr. doc. fls. 59 e 60 dos autos), que no âmbito do contrato do supra aludido (contrato de mútuo outorgado em 04/06/2002), fora oferecido como garantia hipotecária.

Perante a existência de penhora à data da entrada em vigor do Dec.-Lei 227/2012, bem como à data do início do incumprimento contratual, no âmbito de execução movida por terceiro, a qual incide sobre a imóvel garantia do contrato que no entender da credora/exequente torna inviável a possibilidade de regularização ou reestruturação do crédito, a questão que se põe é a de saber se, se justifica iniciar um procedimento que tem em vista promover a adequada tutela dos interesses dos consumidores em incumprimento e a actuação célere das instituições de crédito na procura de medidas que contribuam para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos clientes bancários, quando, desde logo, a entidade credora não vê possibilidade de regularização ou reestruturação da dívida em virtude da penhora, por terceiro, do bem que garantia o empréstimo, reconhecendo a lei, nesta situação, a extinção do procedimento, em virtude da verificação de concretização da aludida penhora.

Se à partida se sabe que procedimento a iniciar vai ser extinto pelo facto de já existir penhora a favor de terceiro, sobre os bens do devedor, não faz sentido, até, atento o principio de limitação dos atos, a realização de atos inúteis, não devendo a não integração no PERSI, no caso em apreço, ser obstáculo à instauração da presente ação executiva no que concerne ao incumprimento do contrato de mútuo celebrado em 04/06/2002.

Como salienta a recorrente o fundamento último do Decreto-Lei 227/2012 de 25.10 é evitar o recurso à execução movida pela instituição de crédito, motivada pelo incumprimento dos contratos e expectável venda judicial do imóvel garantia dos contratos, o que não pode ter-se por garantido, mesmo com submissão do devedor ao PERSI, uma vez em face da execução movida por terceiro com registo de penhora prévia à entrada em vigor do diploma e início do incumprimento do contrato, ainda que este fosse objeto de regularização ou reestruturação, tal não impedia a venda judicial do imóvel garantia do contrato naquela execução. Por outro lado, se no decurso do Procedimento este pode ser extinto sempre que realizada penhora a favor de terceiro sobre bens do devedor, não faz sentido impor, à instituição de crédito, que submeta o cliente bancário ao PERSI quando à data do início da mora das obrigações emergentes do contrato já há conhecimento que se encontra pendente execução movida por terceiro a favor do qual o imóvel garantia do contrato (bem a proteger pelo diploma) se encontra penhorado.».

Ora, in casu, a penhora anterior registada, cuja existência tem manifesta influência para a decisão da causa (e, por consequência, do recurso), constitui factualidade a que o Tribunal recorrido não atendeu, tal como não se indagou – nem a parte interessada o demonstrou – se a sentença aludida de graduação de créditos transitou em julgado e se, na sequência, o crédito reclamado da aqui Apelante obteve satisfação, total ou parcial, naqueloutra execução.

Porém, tratava-se de factualidade de essencial relevância, pelo que não poderia ter sido desconsiderada – como foi – na decisão em crise (desde logo, na respetiva parte fáctica), termos em que se justificava, em despacho pré-saneador, vista até a cerrada impugnação pelos Embargantes quanto à prova documental junta pela contraparte, o convite à Exequente/Embargada ao respetivo esclarecimento e prova cabal, para que na decisão final ocorresse o necessário acertamento fáctico (e, depois, jurídico), deixando-se claro sobre a existência e subsistência da dita penhora anterior, sentença de graduação de créditos, seu trânsito em julgado e, bem assim, satisfação, ou não, nesse âmbito do crédito exequendo.

E se, em sede de decisão de facto, não foi dada resposta – factual – a esta questão suscitada, também a mesma questão não foi objeto de apreciação em sede de fundamentação de direito da decisão recorrida.

E devia tê-lo sido.

Vejamos.

Está em causa o invocado PERSI e sua disciplina legal, fixada pelo mencionado DLei n.º 227/2012, de 25-10, em cujo preâmbulo pode ler-se que visa «promover a adequada tutela dos interesses dos consumidores em incumprimento e a atuação célere das instituições de crédito na procura de medidas que contribuam para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos clientes bancários», sendo que no âmbito do PERSI «as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor» (itálico aditado).

Quer dizer, pressupondo reais “assimetrias de informação entre consumidores e instituições de crédito”, que importa compensar/superar, de molde a recuperar o equilíbrio de posições entre as partes, tutelando o interesse da parte considerada frágil na relação creditícia (os devedores/consumidores em dificuldades financeiras), o legislador veio implementar medidas tendentes à “prestação de informação, do aconselhamento e do acompanhamento nos procedimentos de negociação que estabeleçam com as instituições de crédito”, em que quis envolver o credor/instituição de crédito, impondo-lhe deveres de suporte da contraparte fragilizada ([9]).

Um dos princípios consagrados apresenta a seguinte formulação (art.º 4.º, n.º 1):

«No cumprimento das disposições do presente diploma, as instituições de crédito devem proceder com diligência e lealdade, adotando as medidas adequadas à prevenção do incumprimento de contratos de crédito e, nos casos em que se registe o incumprimento das obrigações decorrentes desses contratos, envidando os esforços necessários para a regularização das situações de incumprimento em causa» (itálico aditado) ([10]).

Bem se compreende, pois, nesta perspetiva, que a tais instituições de crédito caibam deveres de avaliação e apresentação de propostas (art.º 10.º), tendentes a, nas situações legalmente previstas (quando ocorram indícios de degradação da capacidade financeira do cliente bancário ou este mostre risco de incumprimento), desenvolver “as diligências necessárias para avaliar esses indícios, tendo em vista aferir da existência de risco efetivo de incumprimento e da respetiva extensão”.

Assim, quando verifique, em resultado da avaliação referida, “que o cliente bancário dispõe de capacidade financeira para cumprir as obrigações decorrentes do contrato de crédito, nomeadamente através da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito, a instituição de crédito apresenta-lhe uma ou mais propostas que se revelem adequadas à sua situação financeira, objetivos e necessidades” (n.º 4 do art.º 10.º), o que deve fazer (n.º 5) “ao cliente bancário através de comunicação em suporte duradouro” ([11]) e com observância dos “deveres de informação previstos na legislação e regulamentação específicas”.

Cabe, então, às instituições de crédito promover as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, como impõe o art.º 12.º, começando – preliminarmente –, verificada a mora, por informar, em prazo, o cliente do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida e, bem assim, desenvolvendo diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento (art.º 13.º).

Se o “incumprimento” persistir, o cliente é obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31.º dia e o 60.º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa (cfr. art.º 14.º).

Segue-se a importante “Fase de avaliação e proposta”, a que se reporta o art.º 15.º:

«1 - A instituição de crédito desenvolve as diligências necessárias para apurar se o incumprimento (…) se deve a circunstâncias pontuais e momentâneas ou se, pelo contrário, esse incumprimento reflete a incapacidade do cliente bancário para cumprir (…).

2 - (…) a instituição de crédito procede à avaliação da capacidade financeira do cliente bancário

(…)

4 - No prazo máximo de 30 dias após a integração do cliente bancário no PERSI, a instituição de crédito, através de comunicação em suporte duradouro, está obrigada a:

a) Comunicar ao cliente bancário o resultado da avaliação desenvolvida nos termos previstos nos números anteriores, quando verifique que o mesmo não dispõe de capacidade financeira para retomar o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, nem para regularizar a situação de incumprimento, (…) sendo inviável a obtenção de um acordo no âmbito do PERSI; ou

b) Apresentar ao cliente bancário uma ou mais propostas de regularização adequadas à sua situação financeira, objetivos e necessidades, quando conclua que aquele dispõe de capacidade financeira para reembolsar o capital ou para pagar os juros vencidos e vincendos do contrato de crédito através, designadamente, da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito.

5 - Na apresentação de propostas aos clientes bancários, as instituições de crédito observam os deveres de informação previstos na legislação e regulamentação específicas”.

Passa-se depois para a “Fase de negociação” (art.º 16.º), podendo o cliente bancário recusar as propostas apresentadas ou propor alterações, cabendo à instituição de crédito, quando considere que existem outras alternativas adequadas, apresentar nova proposta ou aceitar ou recusar as alterações, sendo-lhe lícito apresentar nova proposta, tudo em prazos legalmente estabelecidos.

São causas de extinção do PERSI (art.º 17.º, n.º 1): o pagamento integral, o acordo entre as partes para regularização da situação de incumprimento, o decurso do prazo de noventa dias subsequentes à data de integração do cliente bancário neste procedimento (salvo acordo escrito no sentido da sua prorrogação) e a declaração de insolvência do cliente bancário.

Acresce que a entidade de crédito pode, por sua iniciativa, extinguir o PERSI se: a) for realizada penhora ou decretado arresto a favor de terceiros sobre bens do devedor (n.º 2).

É certo ainda que a “instituição de crédito informa o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento” (n.º 3, com itálico aditado), extinção que (cfr. n.º 4) “só produz efeitos após a comunicação referida no número anterior” (exceto se o fundamento de extinção for o previsto na al.ª b) do n.º 1).

Por fim, o art.º 18.º (“Garantias do cliente bancário”) deixa claro que, no “período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de:

a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento;

b) Intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito;

(…)” (n.º 1).

E o art.º 19.º (quanto a “Deveres procedimentais”) obriga o credor a elaborar um documento interno que descreva, em linguagem simples e clara, os procedimentos adotados no âmbito da implementação do PERSI, especificando, designadamente: a) os procedimentos para o contacto com os clientes bancários nas várias fases do PERSI; b) os procedimentos para a recolha, tratamento e análise da informação referente aos clientes bancários; c) as soluções suscetíveis de serem propostas aos clientes bancários em incumprimento.

Sem esquecer que as “instituições de crédito devem criar, em suporte duradouro, processos individuais para os clientes bancários integrados no PERSI, os quais devem conter toda a documentação relevante no âmbito deste procedimento, nomeadamente as comunicações entre as partes, o relatório de avaliação da capacidade financeira desses clientes e as propostas apresentadas aos mesmos”, conservando “os processos individuais durante os cinco anos subsequentes à extinção do PERSI” (cfr. art.º 20.º).

Atento o sentido da jurisprudência já citada e ante as vicissitudes do caso em apreciação, era, pois, incontornável, com vista a acautelar as plausíveis hipóteses de solução jurídica do litígio, desde logo em termos probatórios – e, depois, em termos de aplicação do direito –, aquela matéria referente à dita penhora anterior sobre o bem objeto de hipoteca a favor da Exequente/Apelante, sentença de graduação de créditos, seu trânsito em julgado e, bem assim, satisfação, ou não, nesse âmbito do crédito exequendo.

Donde que, devidamente debatida e contraditada a matéria, reste agora ao Tribunal ad quem – não podendo decidir a questão em definitivo, por falta de adequado respaldo factual e de suporte documental completo –, oficiosamente, lançar mão do disposto no art.º 662.º, n.º 2, al.ª c), do NCPCiv., obrigando à anulação da decisão recorrida, para ampliação, nesta parte, da matéria de facto, consequente prova e, após discussão, decorrente reapreciação de direito.

O que logo deixa prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas na apelação.


***

(…)

***


V – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação, ao abrigo do estabelecido nos n.ºs 2, al.ª c), e 3, al.ª c), do art.º 662.º do NCPCiv., em:

a) Anular, oficiosamente, a decisão recorrida, para ampliação da matéria de facto, com repetição parcial do julgamento, quanto ao âmbito fáctico referente à questão da anterior penhora sobre o bem objeto de hipoteca a favor da Exequente/Apelante, sentença de graduação de créditos, seu trânsito em julgado e, bem assim, satisfação, ou não, nesse âmbito do crédito exequendo;

b) Julgar no mais prejudicadas as questões suscitadas em sede de apelação.

Custas do recurso pela parte vencida a final.

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).
Assinaturas eletrónicas.

Coimbra, 13/12/2022

Vítor Amaral (Relator)

Luís Cravo

Fernando Monteiro





([1]) Invoca, neste âmbito, que:
«26.º
Não obstante a Embargada não ter logrado obter as cartas do PERSI junto da Cedente C..., os Executados foram interpelados para proceder ao pagamento dos montantes em débito ou para regularizar o incumprimento, de modo amigável, sob pena de instauração de ação executiva.
27.º
Aliás, desde 2006 que decorreram diversas diligências com vista à recuperação amigável da dívida, as quais resultaram infrutíferas, mantendo os Executados uma perpétua situação de incumprimento.
(…)
32.º
A Embargada não é uma instituição de crédito e sim uma STC, Sociedade de Titularização de Créditos, cujo regime não encontra enquadramento legal no regime do PERSI, não sendo passível de aplicação por parte da Exequente, pois esta é regida pelo Decreto-Lei n.º 453/99 de 5 de novembro.».
([2]) Excetuando questões de conhecimento oficioso, desde que não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([3]) Caso nenhuma das questões resulte prejudicada pela decisão das precedentes.
([4]) Considerou-se ainda que «A demais matéria alegada não controvertida e que não consta na factualidade acima enunciada considera-se ser matéria conclusiva e de Direito, factualidade meramente instrumental (incluindo os demais factos acima referidos, ainda que retirados de documentos, mas não seleccionados) ou irrelevante para a decisão ora a proferir.».
([5]) Sic, com destaques aditados.
([6]) Para a qual, no quadro vertente, expressamente remeteu («cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais»), como resulta do art.º 24.º da contestação aos embargos.
([7]) Consta ainda o seguinte registo de penhora:
«AP. 6885 de 2014/06/06 17:29:03 UTC - Penhora
Registado no Sistema em: 2014/06/06 17:29:03 UTC
DATA DA PENHORA: 2014/06/06
QUANTIA EXEQUENDA: 760,89 Euros
SUJEITO(S) ATIVO(S):
** FAZENDA NACIONAL
SUJEITO(S) PASSIVO(S):
** AA
Processo executivo nº ...49 e apensos - Serviço de Finanças ...».
([8]) Cfr. Ac. TRE de 08/11/2018, Proc. 246/16.0T8MMN-A.E1 (Rel. Conceição Ferreira), em www.dgsi.pt.
([9]) Como também claramente se refere no art.º 1.º, n.º 1, do dito diploma legal, este “estabelece os princípios e as regras a observar pelas instituições de crédito:
a) No acompanhamento e gestão de situações de risco de incumprimento; e
b) Na regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios por parte dos clientes bancários, respeitantes aos contratos de crédito referidos no n.º 1 do artigo seguinte” (itálico aditado).
([10]) Promovendo, nos termos do disposto no art.º 5.º, n.º 2, “sempre que possível, a regularização, em sede extrajudicial, das situações de incumprimento”.
([11]) Por «Suporte duradouro» entende-se “qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas” [art.º 3.º, al.ª h)].