Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
575/09.9TACTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: CRIME PARTICULAR
ASSISTENTE
LEGITIMIDADE PARA RECORRER
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 06/21/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 3º JUÍZO DO TRIBUNAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 401º Nº 1 B) CPP
Sumário: Nos crimes particulares o assistente tem legitimidade para recorrer, mesmo desacompanhado do Mº Pº, relativamente à medida da pena aplicada.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado foi proferida sentença que julgou procedente a acusação deduzida contra o arguido:
CS..., casado, residente no … Castelo Branco.
Sendo decidido:
- condenar o arguido pela prática de um crime de difamação p. e p. pelo art. 180.º, n.º 1 e 183.º, n.º 1, al. b) do CP, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, perfazendo o montante global de € 495,00 (quatrocentos e noventa e cinco euros);
- condenar o arguido enquanto demandado a pagar ao assistente/ demandante, a quantia de € 300,00 (trezentos euros) a título de danos não patrimoniais;
- absolver o arguido enquanto demandado do demais peticionado em sede de pedido de indemnização civil;
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Inconformado interpôs recurso, o assistente.
São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do recurso e que delimitam o objecto do mesmo:
1 a 9. (respeitantes ao recurso da matéria cível, não admitido)
10. No mais a condenação pelo mínimo, quer de quantitativo diário quer de total de dias de pena de multa, atento á condição socioeconómica do arguido é em si mesma diminuta, não garantindo o cumprimento das especiais exigências de prevenção que pendem sobre o arguido,
11.Ao que deverá a sentença ora recorrida ser igualmente reformulada condenando-se o arguido exemplarmente em quantitativo que permita eficazmente garantir o cumprimento de tais exigências de prevenção
12.E bem assim, dissuadi-lo de voltar a praticar os actos pelos quais fora condenado.
Deve ser dado provimento ao recurso e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida, com as legais consequências.
Foi apresentada resposta pelo magistrado do Mº Pº, na qual conclui:
1- O recurso interposto não cumpre o disposto no n° 2 do artigo 412 do Código Processo Penal, devendo em consequência o mesmo ser aperfeiçoado.
2- Ao contrário do afirmando pelo recorrente o arguido não foi condenado nem pelo mínimo da pena de multa, nem pelo mínimo do quantitativo diário que é de 5 €.
3- As finalidades da punição a atingir em sede de escolha da medida da pena são essencialmente preventivas: prevenção especial sob a forma de atingir a ressocialização e de prevenção geral sob a forma de satisfação do sentimento jurídico da sociedade.
4- As exigências de prevenção especial são reduzidas, pois, nada consta no certificado de registo criminal do arguido, pelo que, se tem de fazer um juízo de prognose favorável a quem, ao longo dos seus 76 anos de idade, não cometeu qualquer ilícito criminal, sendo a pena uma resposta punitiva eficaz, que previne a prática de comportamentos da mesma natureza.
5- E as exigências de prevenção geral encontram-se satisfeitas com a pena aplicada demonstrando-se à sociedade que o crime não compensa.
6- E diga-se que, pela situação económica dada como provada na douta sentença, outro quantitativo pecuniário diário não podia ter sido fixado se não, um pouco superior ao quantitativo mínimo.
7- Consideramos nós, ser justa e equilibrada a pena aplicada ao arguido pela Mmª Juiz "a quo", sendo de concluir que a pena foi criteriosamente fixada.
8- Face ao exposto, não nos merece qualquer reparo a douta sentença, nomeadamente, quanto ao pedido de indemnização civil, devendo ser negado provimento ao recurso ora apresentado e confirmada, pois, a douta sentença recorrida.
Nesta Instância, o Ex.mº Procurador Geral Adjunto, em parecer emitido, suscita como questão prévia, a ilegitimidade do assistente para recorrer e no mais acompanha a resposta do Mº Pº na 1ª Instância.
Foi cumprido o art. 417 nº 2 do CPP.
Não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.
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Mostra-se apurada, a seguinte matéria de facto:
Produzida a prova resultaram provados os seguintes factos:
No dia 20.01.2009, pelas 16H00, perante solicitador de execução que efectuava diligências de penhora nos autos de execução n.º 4604/08.5TJCBR, em que o arguido é o executado, e pronunciando-se sobre os títulos executivos que sustentavam aqueles autos, o arguido proferiu as seguintes expressões:
“Tais cheques terão sido roubados pelo marido da ora exequente, LB... ao filho do aqui executado CS..., que era sócio da co-executada Ourivesaria São XB... Lda.”.
O arguido conhecia e sabia que os cheques que configuravam título executivo naqueles autos de execução haviam sido por si livremente assinados e entregues ao seu filho para pagamentos diversos, tendo o seu filho utilizado os cheques para pagamento de diversas mercadorias adquiridas pelo filho, em nome da sociedade Ourivesaria S. XB..., à sociedade comercial representada pelo assistente.
Não tendo o assistente subtraído qualquer cheque.
Com a sua conduta, o arguido quis e logrou conseguir atingir o assistente na sua honra e consideração pessoal, bem sabendo porém que os factos que imputava ao assistente eram falsos e que a sua conduta era ilícita.
Em consequência dos factos praticados pelo arguido, o assistente sofreu angústia e perturbações na sua honra e consideração.
O assistente pagou o montante de € 102,00, a título de taxa de justiça devida pela constituição como assistente nos presentes autos.
Mais se provou que:
O arguido é vendedor, explora uma ourivesaria.
No presente momento, a ourivesaria apresenta prejuízos.
O arguido vive, então, da sua reforma, no montante de € 300,00.
Vive em casa própria, não pagando renda, nem empréstimo.
Paga empréstimos relativos a dívidas da ourivesaria, no montante de cerca de € 500,00.
A esposa do arguido aufere de reforma cerca de € 200,00.
O arguido não tem antecedentes criminais.
Factos não provados:
Na sequência da conduta do arguido, o assistente não conseguiu dormir nos dias seguintes, receando que o arguido voltasse a ofendê-lo de novo publicamente.
O assistente despendeu o montante de € 40,00 em despesas com a deslocação ao escritório do seu mandatário num total de 4, no dia 30.06.2009, 30.09.2009, 29.12.2009 e 8.02.2010.
O assistente despendeu o montante de € 75,00 em despesas com a deslocação a Castelo Branco para consulta do processo.
O autor deixou de auferir o montante de € 50,00, por cada dia de trabalho despendido para deslocação ao consultório do mandatário e consulta ao processo, num total de 4 dias, o que totaliza a quantia de € 200,00.
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Tudo o mais que vem alegado na acusação e pedido cível é de carácter conclusivo ou jurídico.
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São os seguintes os critérios, na sentença recorrida, de escolha e determinação da pena:
Da escolha e da medida concreta da pena
Efectuado o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido e analisada a sua responsabilidade penal, cabe agora determinar a natureza e medida concreta da pena a aplicar.
A aplicação de uma pena tem como finalidade a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, de harmonia com o disposto no art. 40, n.º 1, do C. Penal. Assim, a pena não tem um fim retributivo; a sua aplicação pauta-se, em primeira linha, pelas exigências de prevenção geral positiva ou de integração; a pena visa a reafirmação contra fáctica da norma violada (nas palavras do ilustre Professor FIGUEIREDO DIAS) e a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada.
Nos termos do preceituado no n.º 2 do art. 40 do C. Penal, a culpa é um pressuposto irrenunciável e um limite inultrapassável da aplicação de uma pena. De facto, não há pena sem culpa e, jamais, a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Acompanhando o Professor FIGUEIREDO DIAS, in As consequências jurídicas do crime, Coimbra, 1988, pag. 279 e ss., diríamos que a prevenção geral positiva fornece uma moldura de prevenção, em que o limite máximo expressa a medida óptima de tutela dos bens jurídicos, ainda consentida pela culpa, e o limiar mínimo, aquele abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação de uma pena, sem se pôr em causa a defesa dos bens jurídicos.
Dentro desta moldura de prevenção geral actuam as exigências de prevenção especial sentidas no caso, tendo como função primordial a socialização do agente e a sua reintegração social e como função subordinada a intimidação individual.
Feita esta análise sobre as finalidades punitivas, analisaremos o caso concreto.
O crime de difamação é punível com pena de prisão de 1 a 6 meses ou com pena de multa de 10 a 240 dias (cfr. art. 180/1 e 41/1 e 47/1). Uma vez que se encontra preenchida a alínea b) do art. 183 do CP, a pena a aplicar ao arguido pela prática do crime de difamação deve ser elevada de um terço nos seus limites mínimo e máximo. Ou seja, a moldura abstracta é a seguinte: prisão de 1 mês e 10 dias até 8 meses ou multa de 13 dias a 320 dias.

Estipula o art. 70 do C. Penal que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena de prisão e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. A pena de prisão apenas deve lograr aplicação quando todas as restantes medidas se revelem inadequadas face às necessidades de prevenção. Necessidade, proporcionalidade e adequação são os princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental. No caso sub judice, atendendo à natureza dos factos praticados, às necessidades de prevenção geral e especial, tendo em conta que o arguido é primário, o Tribunal entende que a pena de multa é adequada e proporcional, pelo que decide condenar o arguido numa pena de multa.
Para determinar o quantum de pena adequado à culpa e à prevenção há que ponderar as circunstâncias gerais presentes no caso concreto que, revelando pela via da culpa ou pela via da prevenção, deponham a favor ou contra as arguidas, sempre com respeito pelo princípio da proibição da dupla valoração (art.s 47/1 e 71/1 e 2 do C. Penal). O n.º 2 do art. 71 estabelece uma enumeração não taxativa destas circunstâncias, que auxilia o julgador na tarefa de individualização judicial da pena.
Assim, na determinação da pena teremos de ponderar:
- a gravidade dos ilícitos em causa, que é elevada, atendendo ao tipo de expressões proferidas, relevando pela via da culpa [71/2, al. a) do CP];
- o modo de execução do crime, relevando pela via da culpa e prevenção geral [71/2, al. a) do CP]. Com efeito, o crime de difamação foi praticado perante solicitador de execução aquando da realização de diligências no âmbito de processo executivo, em que é executado o arguido e exequente uma sociedade representada pelo assistente;
- a intensidade do dolo na sua forma directa, relevando pela via da culpa [71/2, al. b) do CP]. Sublinha-se que o arguido actuou dolosamente, com consciência e vontade de praticar os factos que integram os elementos do crime de difamação.
As exigências de prevenção geral, embora não sendo de todo elevadas, não são de desprezar, uma vez que é frequente este tipo de criminalidade na sociedade actual.

No que toca à conduta anterior aos factos do arguido [71/2, al. e) do CP], importa ter em conta que o arguido não tem antecedentes criminais, pelo que são reduzidas as necessidades de prevenção especial que se fazem sentir in casu.
Ponderadas todas as circunstâncias atenuantes e agravantes, efectuado um juízo de culpa e analisadas as exigências de prevenção geral e especial, o Tribunal julga justo e adequado aplicar ao arguido uma pena de multa de 90 dias.
Quanto à taxa diária, nos termos do disposto no art. 47/2 do C. Penal, essa quantia deve ser fixada entre € 5,00 e € 500,00.
Atenta as condições económicas do arguido, o qual apresenta uma condição económica modesta, vivendo no presente momento apenas da sua reforma de € 300,00, pois que o seu negócio de ourivesaria tem apresentado prejuízos, entendemos como adequado fixar a razão diária da pena de multa em € 5,50, o que perfaz um total de € 495,00.
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Conhecendo:
O recorrente insurge-se contra a sentença recorrida entendendo:
- Que a pena aplicada é benévola, quer no que concerne aos dias de multa, quer quanto à taxa diária.
-Isto, para além das questões prévias suscitadas pelo Mº Pº.
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-1ª questão prévia: Não indicação das normas jurídicas violadas.
É certo que o recorrente não dá cabal cumprimento ao estatuído no art. 412 nº 2 do CPP.
No entanto, como é linear a questão suscitada no recurso (medida da pena e taxa diária) entendemos desnecessário prolongar a prolação da decisão, por se nos afigurar poder decidir sem necessidade de previamente dar cumprimento ao estatuído no nº 3 do art. 417 do mesmo CPP.
-2ª questão prévia: Legitimidade do recorrente assistente.
É certo que se vinha entendendo serem limitados os direitos do assistente, nomeadamente em matéria recursiva, quando desacompanhado do Mº Pº.
Nesse sentido, o Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 8/99 de 30-10-97, “o assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Mº Pº, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir”.
Dando uma interpretação algo restritiva à norma do art. 401 nº 1 al. b) do CPP, que refere haver interesse em agir quando há decisão proferida contra o assistente.
Porém, entendemos que o Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 5/2011 de 11-03-2011 é mais liberal e abrangente no entendimento desta matéria. Fixou jurisprudência do seguinte teor, “Em processo por crime público ou semipúblico, o assistente que não deduziu acusação autónoma nem aderiu à acusação pública pode recorrer da decisão de não pronúncia, em instrução requerida pelo arguido, e da sentença absolutória, mesmo não havendo recurso do Ministério Público”.
Se assim é nos crimes públicos e semi-públicos, por maioria de razão deve acontecer nos crimes particulares.
No caso dos autos em que está em causa crime de natureza particular e a lei exige o impulso processual do ofendido, com a necessidade de se constituir assistente, de deduzir acusação, não faria sentido que a final não pudesse sentir-se inconformado com a pena aplicada e poder expressar a sua não conformação por via do recurso.
Nos crimes particulares, como saliente o prof. Germano Marques da Silva, Curso de processo penal, vol. III, pág. 120, “a acusação dominante é a do assistente”, acrescentando, “nestes crimes, após a acusação do assistente, que é uma condição de prosseguibilidade, o Mº Pº também pode acusar, mas agora subordinadamente, isto é, pelos mesmos factos da acusação do assistente, por parte deles ou por outros que não importem uma alteração substancial daqueles (art. 285 nº 3)” actual nº 4.
Não faria sentido que a final os termos se invertessem e o assistente apenas pudesse recorrer se o Mº Pº também o tivesse feito.
Há uma pretensão do assistente, formulada com a acusação, que deve poder ser sustentada, até final, inclusive pela via do recurso.
Para o assistente, que formulou uma acusação, a sustentou em julgamento, uma pena que considera benévola, tem de considerar-se uma decisão contra si proferida, contra a sua pretensão, ou seja, a decisão foi proferida contra as expectativas do assistente.
Neste sentido, cfr. Dr.ª Claudia Cruz Santos (assistente da FDUC), in RPCC, Ano 18, nº 1, pág. 137 e segs., onde conclui que “a única solução coerente com o sentido da intervenção do sujeito assistente no processo penal é a da aceitação daquele seu poder” de recorrer da medida e /ou da espécie da pena, “desacompanhado do Mº Pº”.
Também Damião da Cunha (assistente da FDUP), in RPCC, Ano 8, nº 4, pág. 593 e segs., já sustentava esta opinião, não tendo dúvidas que o assistente pode recorrer “de decisões em que activamente tenha participado e em que tenha formulado uma qualquer «pretensão», não tendo essa «pretensão» merecido acolhimento na decisão – ou seja: a decisão foi proferida contra as expectativas do assistente”.
Essa pretensão, nos crimes particulares é formulada pelo assistente ao deduzir acusação e ao sustentá-la na audiência de julgamento, pelo que considerando o assistente, benévola, a pena aplicada ao arguido, tem o mesmo interesse em agir e por tal motivo pode interpor recurso, mesmo desacompanhado do Mº Pº.
Assim que entendamos inexistir questão processual que obste ao conhecimento de mérito.
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A matéria de facto é a supra transcrita, que se encontra fixada, uma vez que o recurso versa matéria de direito.
A questão suscitada respeita à:
Medida da pena:
Na sentença recorrida, foram observados os critérios legais de escolha e determinação da medida da pena.
Na aplicação da medida da pena deve ter-se em conta o disposto no artº 71º do C. Penal.
Aí se diz – no seu nº 1 – que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (geral e especial).
Sendo que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa, artº 40º nº 2 do C. Penal.
Extrai-se que a medida concreta da pena tem como parâmetros: a) a culpa, cuja função é a de estabelecer o limite máximo e inultrapassável da pena; b) a prevenção geral (de integração), à qual cabe a função de fornecer uma “moldura de prevenção”, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; c) a prevenção especial, à qual caberá a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida “moldura de prevenção”, que melhor sirva as exigências de socialização do delinquente.
Visando-se, com a aplicação das penas, a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, artº 40º nº1 do Cód. Penal.
No que se refere à prevenção geral, haverá que dizer que esta radica no significado que a "gravidade do facto" assume perante a comunidade, isto é, importa aferir do significado que a violação de determinados bens jurídico penais tem para a comunidade (as pessoas são ciosas dos seus bens e valores, património) e satisfazer as exigências de protecção desses bens na medida do necessário para assegurar a estabilização das expectativas na validade do direito (cfr. ANABELA RODRIGUES, A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade, Coimbra, 1995, págs. 371 e 374) ou, por outra forma, a consideração da prevenção geral procura dar "satisfação à necessidade comunitária de punição do caso concreto, tendo-se em conta de igual modo a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos" (Ac. STJ de 4-7-1996, CJSTJ, II, p. 225).
Como se extrai do acórdão do STJ de 17-03-1999, Proc. n.º 1135/98 - 3.ª Secção: «Sem prejuízo da prevenção especial positiva e, sempre com o limite imposto pelo princípio da culpa - “nulla poena sine culpa” - a função primordial da pena consiste na protecção de bens jurídicos, ou seja, consiste na prevenção dos comportamentos danosos dos bens jurídicos.
A culpa, salvaguarda da dignidade humana do agente, não sendo o fundamento último da pena, define, em concreto, o seu limite máximo, absolutamente intransponível, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir.
A prevenção especial positiva, porém, subordinada que está à finalidade principal de protecção dos bens jurídicos, já não tem a virtualidade para determinar o limite mínimo. Este, logicamente, não pode ser outro que não o mínimo de pena que, em concreto, ainda realiza eficazmente aquela protecção.
Se, por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e se, por outro, esta nunca pode ultrapassar a medida da culpa, então parece evidente que, dentro da moldura legal, a moldura da pena aplicável ao caso concreto (moldura de prevenção) há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa consente; entre tais limites, encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da reintegração social».
Decorre, assim, de tais normativos que a culpa e a prevenção constituem os parâmetros que importa ter em apreço na determinação da medida da pena.
A este respeito, ensina o Prof. Figueiredo Dias que culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser determinada a medida concreta da pena. A prevenção reflecte a necessidade comunitária da punição do caso concreto enquanto a culpa, dirigida para a pessoa do agente do crime, constitui o limite inultrapassável daquela.
Na determinação concreta da pena, o tribunal atende a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele – artº 71º nº 2 do C. Penal.
Enunciando-se, de forma exemplificativa, no mesmo nº 2 quais as circunstâncias que podem ter tal função.
Há que ter em conta as finalidades da prevenção, quer geral, quer especial, incentivar nos cidadãos a convicção que comportamentos deste jaez são punidos, assim como há que dissuadir o arguido para que não volte a prevaricar.
A pena só cumpre a sua finalidade enquanto sentida como tal pelo seu destinatário – cfr. Ac. desta Relação de 7-11-1996, in Col. jurisp. tomo V, 47.
Atenta a natureza de uma pena ou sanção, o condenado tem de senti-la sob pena de se poder traduzir em “absolvição encapotada”, e não surtir o efeito pretendido pela lei. As penas têm essa designação, de outro modo não o seriam, nem constituiriam dissuasor necessário para prevenir as infracções, se não forem sentidas como tal, quer pelo agente, quer pela comunidade em geral.
Tendo em conta os vectores apontados, tendo em conta a moldura penal do crime imputado ao arguido, temos como correcta a pena, em concreto, encontrada.
Foram correctamente observados, na sentença, todos os critérios legais que conduzem à escolha e determinação em concreto da medida da pena, critérios com os quais concordamos inteiramente.
Tendo em conta todos os considerandos e a moldura abstracta da pena aplicável ao crime pelo qual o arguido responde, têm-se como adequada a pena fixada na sentença recorrida.
A pena de multa, em concreto aplicada, mostra-se bem doseada.
Taxa diária da pena de multa:
Na fixação da taxa deve ser tido em conta o disposto no art. 47 nº 2 do CP, a situação económica e financeira do condenado e os seus encargos pessoais.
Em relação à quantia de 5€, o mínimo actualmente em vigor, redacção da lei 59/07 de 4-09, a jurisprudência há muito tinha fixado tal quantia como patamar mínimo considerando que taxa inferior apenas se justificava para situações extremas.
Sobre a taxa mínima diária se pronunciava o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Junho de 2004, Processo n.º 04P1266, disponível para consulta em http://www.dgsi.pt), no seguinte sentido: “No que concerne à taxa diária de multa, decorre do disposto no artigo 47, n° 2 do Código Penal, na redacção em vigor à data da prática dos factos que esta é fixada entre 1,00 euro e 498,80 euros e em função da situação económica e financeira do condenado, bem como dos seus encargos pessoais; sendo certo que (...) a pena de multa, se não quer ser um andrajoso simulacro de punição, tem de ter como efeito o causar, pelo menos, algum desconforto se não, mesmo, um sacrifício económico palpável", acrescentando que, "Só em situações muito excepcionais de fraquíssima capacidade económica (quase absoluta indigência) poderá actualmente justificar-se a fixação de uma taxa diária de multa inferior a cinco euros. "
Tendo em conta este critério e a situação económica e financeira do arguido, temos como adequada a taxa diária aplicada.
A situação económica do arguido situa-se nesse patamar mínimo.
Provado que o arguido vive da sua reforma de 300,00€, sendo que a ourivesaria que explora apresenta prejuízos (factos provados, sendo certo que não se compreende de onde obtém o arguido proventos para amortizar empréstimo relativos a dívidas da ourivesaria no montante de 500,00€.
De qualquer modo, é fraca a situação económica do arguido, sendo que a pena no montante de 495,00€ ainda ultrapassa o valor da pensão correspondente a mês e meio.
Ultrapassando uma vez e meia o valor da pensão é certo que tal montante a pagar já constitui um real sacrifício para o condenado, não podendo concordar com o alegado pelo recorrente de que a liquidação da multa “não constitui ao arguido a realização de qualquer esforço que lhe permita inculcar a ideia de efectiva responsabilidade da prática de tais actos”.
Sem que se extravase o entendimento expresso no Ac. do S.T.J. (Ac. de 2-10-97, C. J., Tomo 3, 183) de que o montante diário da multa deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado sem, no entanto, deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respectivo agregado familiar.
Tal montante (pena de multa) não pode, efectivamente, deixar de constituir um castigo, sob pena de deixar de cumprir a sua finalidade de verdadeira pena.
Não se pode levar terceiros a pensar (prevenção geral) que "o crime compensa".
Não se pode transformar a pena de multa numa absolvição encapotada.
Há que fazer sentir ao arguido o desvalor social da sua actuação.
Mas todos esses fins são conseguidos com uma multa de 495,00€ para quem apenas aufere de pensão 300,00 € mensais.
A taxa diária constitui mais de metade do rendimento diário do arguido.
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Face ao exposto temos como improcedentes as conclusões do recurso e, consequentemente, o mesmo não merece provimento.
Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação e Secção Criminal em negar provimento ao recurso interposto pelo assistente LB... e, em consequência, mantém-se a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente com taxa de justiça de 3 Ucs.

Jorge Dias (Relator)
Brízida Martins