Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
433/16.0PBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ EDUARDO MARTINS
Descritores: PROVA POR RECONHECIMENTO
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA
Data do Acordão: 02/06/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE VISEU – JUIZ 2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 127.º, 128.º A 139.º E 147.º DO CPP
Sumário: Quando, em audiência de julgamento, uma testemunha relata os actos que viu o arguido praticar, não está a proceder ao reconhecimento deste, mas unicamente a prestar depoimento, a valorar, apenas, no âmbito da prova testemunhal, não fazendo sentido, neste contexto, invocar a inobservância das regras impostas no artigo 147.º, do CPP, como forma de invalidar a prova testemunhal produzida.
Decisão Texto Integral:




Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

             

I. Relatório:

A) No âmbito do processo comum (tribunal colectivo) n.º 433/16.0PBVIS que corre termos no Tribunal da Comarca de Viseu, Juízo Central Criminal de Viseu – Juiz 2, em 15/5/2018, foi proferido acórdão, cujo DISPOSITIVO é o seguinte:

              “3. Decisão

             Pelo exposto, de facto e de direito, decide-se:

            I) condenar os arguidos pela prática em coautoria material de um crime de roubo simples, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 210.°, n.º 1, do C. Penal:

            a) na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva o arguido A... ;

            b) na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão o arguido B..., suspensa na sua execução por igual período de tempo.

            Declara-se perdida a favor do Estado a navalha apreendida.

            Custas

            Condenam-se ainda os arguidos em 4 (quatro) UC`s de taxa de justiça individual e nas custas do processo – arts. 513º e 514º, nº 1, do C.P.P., e 8º, nº 9, do R.C.P..

            Após trânsito em julgado, quanto ao arguido A... , proceda-se à recolha de amostras prevista no art.8º, nº2, da Lei nº5/2008, de 12/02, e à sua introdução na base de dados de perfis de ADN, ressalvada a dispensa prevista no nº6, do cit. art.8º.”

                                                        ****

            B) Inconformado com a decisão, dela recorreu, em 11/6/2018, o arguido A... , defendendo a revogação do acórdão, extraindo da motivação de recurso as seguintes conclusões:           

            1.ª- O presente recurso assenta, em termos de fundamentos, em duas normas legais do direito recursório, distintas e concretas.

A) O erro notório na apreciação da prova (al. c) do n.º 2 do artigo 410.º do C.P.P.

            B – Impugnação alargada da decisão proferida sobre a matéria de facto (artigo 412.º, n.º3, als. a) e b) e n.º 4 do C.P.P.

            2.ª- O arguido A... foi julgado e condenado nos presentes autos pela prática, em coautoria, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º1 do Cód. Penal, na pena de três anos e 6 meses de prisão efetiva.

            3.ª- A decisão condenatória assenta, em termos factuais, na versão dos facto vazada nos pontos 2 a 8; 9 e 10; 12 a 17; 19; 21 e 22; e 23 a 25 da “matéria de facto provada” consignada na fundamentação do acórdão recorrido.

4.ª- O arguido A... considera incorretamente julgada a referida factualidade na parte em que o inclui como parte da sua autoria, considerando-se alheio aos mesmos, por neles não ter intervindo a qualquer título.

5.ª- Na formação da sua convicção acerca dos referidos factos, na medida em que não existe nos autos  qualquer prova – designadamente qualquer prova válida formada ou recolhida em sede de inquérito – que permita relacionar o arguido A... com os factos que lhe são imputados nos termos consignados pelo Tribunal naqueles pontos 2 a 8; 9 e 10; 12  a 17; 19; 21 e 22; e 23 a 25 da “matéria de facto provada” consignada na fundamentação do acórdão recorrido - a sua convicção acerca do seu envolvimento nesses factos assentou – exclusivamente – no reconhecimento feito pelo ofendido em audiência de julgamento, enquanto prestava depoimento na qualidade de testemunha (cfr. sessão do julgamento do dia 09.05.2018; depoimento da testemunha C... prestado no período de tempo compreendido entre as 10.11.59 horas e as 11.00.58 horas ( cfr. ata da respectiva audiência),  designadamente na passagem compreendida entre o minuto 04.00 e o minuto 04.15,  transcrita supra );

6.ª- A testemunha procedeu à identificação do arguido como sendo o autor dos factos, mesmo sem olhar para ele, e depois de o Sr. Juiz ter mandado levantar o recorrente A... , de resto o único arguido sentado no “banco dos réus”.

            7.ª- A testemunha afirmou que na altura o arguido tinha barba, o que pelos vistos não o impedia minimamente de o identificar agora, sem ter barba;

8.ª- O que se compreende, pois que numa fase derradeira do inquérito, apercebendo-se da falta de prova para uma identificação do arguido como autor dos factos, a PSP, enquanto órgão encarregue da investigação, teve o cuidado de elucidar a testemunha acerca dessa autoria exibindo-lhe um fotograma do cartão de cidadão do arguido A... (cfr. fls. 149 e 164-5 do inquérito).

            9.ª- Compreende-se, por isso, que a testemunha nem precisasse de olhar para o arguido A... para o identificar como autor dos factos.        

10.ª- Por entender que o Tribunal, de forma ilegal, procurava suprir a falta de uma identificação positiva do autor dos factos através de uma produção de prova por “reconhecimento” artigo 147.º do C.P.P., através de um “reconhecimento” feito em julgamento sem o respeito pelas formalidades impostas pelo referido preceito legal, logo na altura a defesa apresentou um requerimento que ficou gravado na aplicação citius no âmbito do depoimento prestado pela Testemunha C.... na sessão de julgamento o dia 09.05.2018 (depoimento iniciado entre as 10.11.59 horas e terminado pelas 11.00.58 horas, tendo aquele requerimento ficado gravado na passagem compreendida entre o minuto 39.01 e o minuto 44.59);

11.ª- Em síntese, com o transcrito requerimento, a defesa procurou por em evidencia a nulidade do reconhecimento efetuado em audiência de julgamento sem a observância do formalismo legal do artigo 147.º, n.º1 do C.P.P..

12.ª- Requerimento este que recebeu como resposta do Tribunal, dada na motivação da decisão de facto exarada no acórdão recorrido nos seguintes termos já transcritos:

              “ Naturalmente que esta identificação física do arguido A... , realizada em audiência de julgamento a coberto da oficiosidade conferida ao Tribunal, maxime, no n.º1 do artigo 340.º do Cód. de Proc. Penal, tem valer de meio de prova sujeito ao principio da  livre apreciação ( artigo 127.º do Cód. de Proc. Penal) e cuja produção escapa ás formalidades prescritas no artigo 147.º do C.P.P., para a prova por reconhecimento nas fases investigatórias do processo, designadamente no inquérito”;

13.ª- Com a transcrita resposta o Tribunal alicerça a sua posição em duas premissas, a saber:

1.ª- A formalidade prescrita no artigo 147.º do C.P.P. para a produção de prova por reconhecimento apenas se aplica às fases investigatórias do processo;

2.ª- O Juiz, ao abrigo da oficiosidade que lhe confere o artigo 340.º do C.P.P., pode chegar - de forma lícita e constitucional - ao mesmo resultado a que chegaria mediante um reconhecimento realizado nos termos previstos no artigo 147.º do referido Código, através de uma identificação feita em julgamento por uma testemunha, procedendo à avaliação do seu depoimento com base no princípio da “livre apreciação da prova”;

14.ª- Na nossa opinião, este entendimento é ilegal e inconstitucional, e explicamos porquê!

15.ª- O reconhecimento de pessoas é um dos meios de prova previstos no C.P.P cuja finalidade é apurar o responsável pelo crime, ou seja, identificar a pessoa que foi vista a praticar o facto criminoso, ou que tenha sido vista antes ou depois do facto, em circunstâncias fortemente indiciadoras de ter sido o seu autor.

16.ª- É óbvio que o resultado probatório positivo, com o reconhecimento do arguido como autor dos factos criminosos, a traduzir já uma forte suspeição da sua culpabilidade, impõe ao legislador que prudentemente e de forma cuidadosa assegure as necessárias condições de genuinidade e seriedade do acto, impondo a observância de regras através das quais minimize o risco de precipitação ou de falta de rigor.

17.ª- “Em suma, dada a relevância que na prática assume para a formação da convicção do tribunal, e os perigos que a sua utilização acarreta, um reconhecimento tem necessariamente que obedecer, para que possa valer como meio de prova em sede de julgamento, a um mínimo de regras que assegurem a autenticidade e a fiabilidade do acto.” – Ac TC n.º 452/05 de 25 de Agosto de 2005.

18.ª- Assim, quanto ao procedimento a que deve obedecer o reconhecimento de pessoas, dispõe o art. 147º, do C.P.P;

19.ª- O reconhecimento de pessoas que não tenha sido efectuado nos termos que ficaram expostos, não vale como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorreu (nº 7, do art. 147º, do C. Processo Penal).

20.ª- Estamos pois perante uma proibição de prova, isto é, o reconhecimento é inválido e não pode, por isso, ser usado no processo designadamente, para fundamentar a decisão (há quem entenda que se trata de uma nulidade - cfr. art. 118º, nº 3, do CPP - embora, ao nível do processo, a utilização de uma prova proibida tenha o mesmo efeito da nulidade do acto ou seja, a prova é nula e por isso não pode servir para fundamentar a decisão (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. II, 3ª Ed., 126).

21.ª- O acórdão do Tribunal Constitucional nº425/2005, proc. 425/05, distingue o reconhecimento propriamente dito, do impropriamente designado reconhecimento, que não passa de “uma atribuição dos factos expostos no depoimento da testemunha a certa pessoa ou pessoas” e submete este às regras de apreciação da prova testemunhal e aquele à disciplina do art 147º do CPP.

22.ª- E esclarece muito bem a diferença das situações:

 “Assim sendo, nada impede o Tribunal de "confrontar" uma testemunha com um determinado sujeito para aferir da consistência do juízo de imputação de factos quando não seja necessário proceder ao reconhecimento da pessoa, circunstância em que não haverá um autêntico reconhecimento, dissociado do relato da testemunha, e em que a individualização efectuada – não tem o valor de algo que não é: o de um reconhecimento da pessoa do arguido como correspondendo ao retrato mnemónico gravado na memória da testemunha e de cuja equivalência o tribunal, dentro do processo de apreciação crítica das provas, saia convencido. Diferente é a situação processual que ocorre quando, pressuposta que seja a necessidade de reconhecimento da pessoa”.

23.ª- “A questão da realização de um reconhecimento em audiência de julgamento com o cumprimento dos requisitos previstos no nº 2 do artigo 147º do Código de Processo Penal só se coloca se inexistir reconhecimento realizado em inquérito ou instrução por inércia das entidades investigadoras, por nulidade processual ou nulidade probatória do acto praticado em fase de inquérito ou instrução. Acrescenta que, nestes casos, se impõe uma tomada de posição do tribunal no sentido de considerar necessária e adequada a realização de um “reconhecimento”, ao qual será atribuída uma específica e autónoma força probatória.

24.ª- Após as alterações introduzidas no art 147º do CPP pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, não restam quaisquer dúvidas de que um reconhecimento efectuado sem o cumprimento dos requisitos contidos nos artigos 147º, 148º e 149º do Código de Processo Penal “não tem valor como meio de prova”, seja qual for a fase do processo em que ocorreu, tal como se estatui nos artigos 147º, nº 7, 148º, nº 3 e 149º, nº 3, do CPP.

25.ª- Ponto é que o tribunal tenha decidido não realizar o reconhecimento previsto no art.º 147º do CPP quando tal se revelava necessário, optando por alcançar o respectivo resultado, no âmbito do depoimento da testemunha ou do ofendido.

26.ª- Por exemplarmente se referir a estas questões, aqui se deixa parte considerável do Acórdão do STJ de 3/3/2010 (Pª 886/07.8PSLSB.L1. S1), publicado já depois da revisão do CPP de 2007:

«A questão fundamental que se coloca quanto ao reconhecimento em sede de audiência de julgamento é a da conformação que o mesmo acto deve assumir quando suceda em audiência.

(…) Pressuposto básico da resolução de tal questão é o de que estamos perante a prova por reconhecimento quando não esteja identificado o agente do crime, sendo necessária a sua determinação. Constitui algo de absolutamente distinto a situação de confirmação como agente do crime em relação a alguém previamente identificado, investigado e assumido como sujeito processual com todo o catálogo de direitos inscritos como tal a qual se traduz numa intima comunicabilidade e interacção entre os diversos intervenientes processuais envolvidos no julgamento”.

27.ª- Tal entendimento foi objecto de apreciação no Acórdão do Tribunal Constitucional 137/2001 que se pronunciou no sentido de inconstitucionalidade, referindo que é inconstitucional, por violação das garantias de defesa do arguido, consagradas no nº 1 do artigo 32º da Constituição, a norma constante do artigo 127º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de admitir que o princípio da livre apreciação da prova permite a valoração, em julgamento, de um reconhecimento do arguido realizado sem a observância de nenhuma das regras definidas pelo artigo 147º do Código de Processo Penal;

28.ª- Pressuposto específico – que autonomiza o reconhecimento e o erige como meio de prova – traduz-se  num inequívoco juízo de necessidade, direccionado, como se disse, ao esclarecimento de uma situação de incerteza subjectiva, em termos de a ele se recorrer apenas "quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa" (v. Alberto Medina de Seiça, "Legalidade da prova e reconhecimentos "atípicos" em processo penal., cit., p. 1413).

29.ª- E se este juízo permite distinguir a valoração autónoma deste meio de prova daqueloutra relativa à prova testemunhal qua tale, também não é menos verdade que, por ele, se devem circunscrever à esfera da prova testemunhal os "reconhecimentos testemunhais", onde não se autonomize e onde não releve a necessidade de esclarecimento de uma qualquer situação de incerteza quanto à autoria dos factos e à identificação do agente.

30.º- A identificação subjacente a um depoimento testemunhal esgota a sua eficácia – e a possibilidade de o juiz o valorar – no âmbito de um meio probatório não direccionado ao reconhecimento de uma pessoa e, assim, qualquer "individualização" ou "reconhecimento" – em sentido impróprio, diga-se – que aí se faça não pode deixar de ter como pressuposto uma situação de determinação subjectiva, e, por isso, só poderá ser valorada dentro da esfera probatória de onde emerge – a prova testemunhal –, não lhe podendo ser reconhecido um valor probatório autónomo e separado.

31.ª- Ou seja, por outras palavras, não estando implicada na produção e valoração deste meio de prova uma necessidade de se afastar uma situação de incerteza quanto à identificação de um sujeito, a funcionalidade e a finalidade inerentes a um acto de "reconhecimento" – de imputação – que se produza neste contexto terá sempre uma função exógena da que é cumprida pelo reconhecimento em sentido próprio – v. g. aferir da credibilidade e consistência do depoimento –, não podendo aquele ser autonomamente valorado para responder às situações onde se justifique a autonomização de um verdadeiro acto de reconhecimento.

32.ª- Distinção que é exemplarmente revelada no Ac. da Rel. do Porto de 17 de Março de 2010, onde se pode ler: “A prova por reconhecimento só tem lugar quando surgem dúvidas em relação à individualização de uma determinada pessoa, [“Quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa (…)” – art. 147.º, n.º 1, CPP; e a regulamentação minuciosa a que obedece é determinada pelo melindre e pela importância que o acto tem no desenvolvimento do processo, visando assegurar a fidedignidade da reconstrução mnemónica. Por seu lado, a identificação do arguido por uma testemunha, em audiência, é apenas um pormenor do depoimento, um elemento adicional e complementar que contribui para a avaliação da sua credibilidade – sublinhado nosso.

33.ª- Assim, delimitada de forma rigorosa a linha que divide aquelas situações em que se impõe o recurso à produção de prova por “reconhecimento”, nos termos previstos no artigo 147.º do C.P.P.; daquelas outras situações em que  a identificação do responsável dos factos pode ser feito com base no depoimento prestado por testemunha, sem obediência ao formalismo previsto naquele normativo, e sujeito á livre apreciação do Tribunal, cumpre concluir pela  ilegalidade e inconstitucionalidade do procedimento adotado pelo Tribunal Recorrido na formação da sua convicção.

34.ª- Pois que:

            1.º- A testemunha C... , antes dos factos nunca tinha visto o arguido A... ;

            2.º- Depois dos factos também não voltou a ver o arguido A... ;

            3.º- Em sede de inquérito o arguido A... nunca foi sujeito a uma produção de prova por reconhecimento, nos termos previstos no artigo 147.º do C.P.P.;

            4.º- Não existe nos autos qualquer meio de prova que permita identificar o arguido A... como  autor dos factos em apreciação;

            5.º- Por isso, apercebendo-se disso, o Tribunal recorrido, em julgamento – como ele próprio reconhece no acórdão que proferiu - decidiu lançar mão do artigo 340.º, e de forma oficiosa supriu a falta de uma produção de prova por reconhecimento através da audição da testemunha C... , pedindo-lhe que identificasse o arguido como autor dos factos.

35.ª- Por tudo quando se deixou dito, obviamente que o reconhecimento assim obtido é ilegal e inconstitucional, por violação das garantias de defesa do arguido, consagradas no nº 1 do artigo 32º da Constituição, a norma constante do artigo 127º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de admitir que o princípio da livre apreciação da prova permite a valoração, em julgamento, de um reconhecimento do arguido realizado sem a observância de nenhuma das regras definidas pelo artigo 147º do Código de Processo Penal, mesmos nos casos em que não esteja identificado o agente do crime, sendo necessária a sua determinação e como tal deve ser arredado;

36.ª- Para reforçar a credibilidade que conferiu ao depoimento em julgamento prestado pela testemunha C... , na parte em que identificou o arguido A... como Autor dos factos tal como os consignou nos pontos 2 a 8; 9 e 10; 12 a 17; 19; 21 e 22; e 23 a 25 da “matéria de facto provada” consignada na fundamentação do acórdão recorrido, o Tribunal deu especial valor á circunstância de, no dizer da referida testemunha, a mãe daquele, “…por duas vezes, lhe ter pedido para desistir da queixa, nomeadamente aquando da detenção do arguido B... , na esquerda da PSP, onde aquela compareceu e se identificou como tal”.

37.ª- Para se conseguir perceber, neste particular, o exato sentido e alcance do depoimento prestado pela testemunha C... , prestado na sessão de julgamento do dia 09.05.2018, no período compreendida entre as 10.11.59 horas e as 11.00.58 horas, importa atender na passagem compreendida entre o minuto 35.18 e o minuto 37.12, transcrita supra;

38.ª - Porque a mãe do arguido A... foi ter com a testemunha à esquadra da PSP, pedindo-lhe para desistir da queixa apresentada contra o seu filho; e porque nos tempos que se seguiram aquela abordou o queixos na rua pedindo-lhe para desistir do processo, o Tribunal concluiu que ali residia a prova reforçada de que o arguido A... esteve envolvido na prática dos factos.

39.ª - E isto, não obstante não ter tudo o cuidado de apurar qual a razão de ciência que permitiu ( ou não ) o conhecimento dos factos pela mãe do arguido A... , e bem assim, sem ter apurado qual  verdadeiro grau de conhecimento dos factos que aquela tinha;

40.ª- O Arguido A... já tem averbadas no seu CRC a prática de vários ilícitos criminais;

41.ª- A sua mãe sempre lhe deu um apoio incondicional, preocupando-se em evitar, até onde estivesse ao seu alcance, que aquele se visse envolvido em novos processos, principalmente depois daquele ter estado preso preventivamente e, no estabelecimento prisional, se ter visto acometido de uma grave doença;

42.º- Como a própria testemunha refere: na noite dos factos a polícia andou á procura do A... , suspeitando do seu envolvimento no sucedido;

43.ª- Em face disso, é mais do que normal que a sua mãe, admitindo como possível que o seu filho estivesse envolvido nos factos ( que faz um cesto faz um cento …), mesmo sem saber se aquele efectivamente estava ou não envolvido no sucedido, se tivesse preocupado em  pedir ao queixoso que não apresentasse queixa contra o filho…

44.ª- É o instinto de mãe, despois de já ter passado por muito outros episódios similares na vida deste seu filho.

45.ª- Contudo, e salvo melhor opinião, retirar da conduta da mãe do arguido relatado pela testemunha, a conclusão de que: o arguido A... esteve envolvido nos factos; que a sua mãe sabia desse envolvimento; e que por isso foi à esquadra pedir ao queixoso para desistir da queixa; parece-nos um raciocínio que se não coaduna com as regras da experiência e da normalidade do acontecer quando aplicadas ao concreto contexto da vida desta mãe e do seu filho;

46.ª- Dai que, entendemos que não seja de admitir que o Tribunal se sirva do depoimento da testemunha C... , prestado nos termos transcritos, para concluir que, efetivamente, em face do alegado comportamento da sua mãe, sem margem para duvida, foi o arguido A... o autor dos factos nos termos descritos nos pontos 2 a 8; 9 e 10; 12 a 17; 19; 21 e 22; e 23 a 25 da “matéria de facto provada” consignada na fundamentação do acórdão recorrido;

47.ª- E ao faze-lo, o Tribunal violou o principio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127.º do C.P.P.; e bem assim o principio do “in dúbio pro reo”.

48.ª- Em face da invalidade do reconhecimento feito em julgamento, pela testemunha C... acerca do envolvimento do arguido A... nos factos consignados nos pontos 2 a 8; 9 e 10; 12 a 17; 19; 21 e 22; e 23 a 25 da “matéria de facto provada” consignada na fundamentação do acórdão recorrido; e bem assim, em face da multiplicidade de sentidos que podemos atribuir ao comportamento da mãe do arguido ao dirigir-se àquela testemunha e pedir-lhe para desistir da queixa que apresentara contra o seu filho, consideramos que não existe nos autos qualquer meio de prova seguro que permita ao Tribunal dar como assente, de forma indubitável, o envolvimento do arguido A... na pratica dos factos;

49.ª- E como tal, em face da duvida razoável que assim, inevitavelmente, surge, outra solução se nos não afigura possível que não a de dar aqueles factos como não provados no que ao arguido A... diz respeito, absolvendo-se o mesmo das imputações que lhe são feitas.

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            C) O recurso, em 19/6/2018, foi admitido.

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            D) O Ministério Público, em 6/9/2018, respondeu ao recurso, defendendo a sua improcedência, contra-alegando, em resumo, o seguinte:

            1. A valoração do depoimento prestado em audiência pelo ofendido não viola o consignado nos artigos 127.º e 147.º, ambos do CPP.

            2. Não há violação do princípio in dubio pro reo.


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            E) Já no Tribunal da Relação de Coimbra, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu, em 12/11/2018, douto parecer, no qual defendeu a improcedência do recurso.  

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F) Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, tendo sido exercido, em 19/11/2018, o direito de resposta.                     

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G) Colhidos os vistos, teve lugar a legal conferência, cumprindo apreciar e decidir.

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II. Decisão Recorrida:

“(…)                                                                                                                                           2. Fundamentação

2.1. Da matéria de facto provada

Da audiência de discussão e julgamento da causa --- a que se procedeu com observância do formalismo legal --- resultou provada a seguinte factualidade com interesse:

1. No dia 5 de Abril de 2016, cerca das 21h, C... caminhava sozinho no sentido parque do x...., na Avenida y..., cidade e comarca de w....

2. Os arguidos, em conjugação de esforços e na execução de plano previamente gizado entre ambos, decidiram abordar C... e retirar-lhe os bens que trazia consigo.

3. Assim, o arguido A... abordou C... e disse-lhe “anda cá”, puxando-o pelo carapuço do casaco que trazia vestido. Nessa mesma ocasião, o arguido B... também puxou o ofendido pelo casaco.

4. Após, ambos os arguidos, que puxavam pelo casaco que o ofendido trazia vestido, conduziram-no contra a sua vontade para uma subida aí existente junto ao pavilhão desportivo.

5. C... ainda se tentou libertar dos arguidos, o que aqueles impediram, tendo o arguido A... dito: “Ainda não percebeste? Isto é um assalto!”.

6. Chegados ao cimo da subida, junto a um penedo ali existente, o arguido A... ordenou ao ofendido: “dá cá a carteira”, tendo C... respondido que não tinha nenhuma carteira.

7. Perante a resposta de C... , o arguido A... introduziu a mão nas calças daquele e retirou do interior de um dos bolsos um telemóvel, de marca Alcatel, modelo Onetouch, de cor azul, de valor não concretamente apurado, mas não inferior a 69 euros.

8. De imediato, com medo dos arguidos, o ofendido entregou ao arguido A... a sua carteira/porta-chaves em napa de cor castanha, no valor de €1,00, com as chaves da habitação, 28 euros e alguns cêntimos em dinheiro, dos quais a PSP veio a recuperar 25,25 euros em dinheiro (quatro moedas de 1 euro, uma de 50 cêntimos, duas de 20 cêntimos, três de 10 cêntimos, e uma de 5 cêntimos, e uma nota de 20 euros), de tudo se tendo apossado.

9. Ao ver o conteúdo da carteira, verificando que a mesma apenas continha no seu interior aquela quantia e nenhum cartão multibanco/crédito, o arguido A... interpelou o ofendido dizendo: “não tens cartão de crédito? Este dinheiro não chega, eu quero mais!”.

10. O arguido B... manifestou, nesse momento, intenção de ir embora, sendo logo interpelado pelo arguido A... que lhe disse: “queres ir embora? Puxa pela navalha e pica-o”.

11. Em ato contínuo, o arguido B... empunhou a navalha de que previamente se munira, com lâmina de 6,7 cms, perfazendo no seu total, aberta, 16 cms, e apontou a lâmina à barriga do ofendido, a cerca de 15 cms desta.

12. Com a navalha assim empunhada junto da barriga do ofendido, o arguido A... disse para o ofendido que iam a casa deste buscar o dinheiro que lá tivesse, chegando a afirmar para o ofendido que ia dizer à sua mulher que andava no parque “à procura de homens”.

13. Em ato contínuo, os arguidos, agarraram a roupa que o ofendido trazia vestida e puxaram-no até à porta do parque do x... que dá acesso à EN ....

14. Quando chegaram junto à referida estrada, por forma a não ser detetada a sua conduta por quem ali transitava, os arguidos largaram o ofendido, o qual passou a caminhar à frente deles na direção da sua residência, sita no Bairro de z...., desta cidade.

15. Enquanto isso os arguidos seguiram no seu encalço em direção à residência do ofendido, dizendo-lhe que iam atrás dele para assaltarem a casa.

16. A dada altura, como o ofendido dissesse aos arguidos que precisava da chave da sua casa para entrar, o arguido A... entregou-lhe a dita chave que se encontrava no porta-chaves acoplado à carteira.

17. Assim, o ofendido continuou a caminhar à frente dos arguidos a uma distância de cerca de 10 metros.

18. Todavia, já no Bairro de z.... o ofendido correu para o interior do Restaurante “.....” e solicitou ajuda, sendo solicitada a presença da PSP.

19. Ao verem o ofendido no interior do restaurante, os arguidos colocaram-se em fuga para o interior da mata do x....., levando consigo os bens supra descritos, propriedade do ofendido e que lhe retiraram contra vontade daquele, apropriando-se dos mesmos.

20. Chamados ao local, os agentes da PSP vieram a perseguir os arguidos no interior daquela mata, onde foram localizados, vindo a ser intercetado o arguido B... na posse da navalha, carteira com dinheiro e telemóvel apreendidos no auto de fls.3 que aqui se dá por inteiramente reproduzido. 

21. Com a conduta acima descrita, em momento não concretamente apurado, os arguidos provocaram um rasgão num dos bolsos do casaco que o ofendido trazia vestido.

22. Os arguidos sabiam que o telemóvel, carteira e quantia monetária que retiraram ao ofendido no modo sobredito e levaram consigo, não lhes pertenciam e que ao apoderarem-se deles, nas circunstâncias atrás descritas, com o propósito de os fazerem seus, agiam contra a vontade do seu legítimo dono, C... , bem sabendo que não tinham qualquer direito sobre os mesmos.

23. Os arguidos bem sabiam e queriam intimidar o ofendido ao aproximarem a lâmina da navalha empunhada na direção deste, constrangendo qualquer reação deste e assim conseguindo desde logo manter consigo os objetos já subtraídos.

24. Os arguidos, ao puxarem o ofendido, enquanto lhe dirigiam tais expressões no decorrer do assalto, bem sabiam e queriam conseguir dele, por esse meio, tais objetos, provocando-lhe intimidação e medo.

25. Os arguidos agiram em comunhão de esforços, na elaboração e concretização de plano previamente gizado entre eles, fazendo-o de modo livre, voluntário e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

26. O arguido B... não tem antecedentes criminais.

27. Do arguido A...

28. I - Dados relevantes do processo de socialização

29. O arguido A... cresceu integrado no agregado familiar de origem, constituído pelos pais, ele, guarda-florestal, falecido em julho de 2015 na sequência de doença oncológica, tinha então 62 anos e ela, professora, reformada há cerca de três anos, atualmente com 62 anos e mais dois irmãos, sendo ele o segundo da fratria.

30. O seu processo de aprendizagem social terá decorrido dentro dos parâmetros considerados normais, tendo-lhe os pais proporcionado adequadas condições de vida, quer ao nível da satisfação das suas necessidades materiais, quer afetivas e educativas.

31. Iniciou a escolaridade em idade própria frequentando o ensino regular em ..... Contudo, a precocidade com que se iniciou no consumo de substâncias estupefacientes e, nomeadamente, no consumo de drogas duras, haveria de desviá-lo de rotinas conducentes a uma adequada socialização e facilitar o seu envolvimento em comportamentos social e juridicamente reprováveis, que o conduziram a um primeiro processo de reclusão preventiva. Na altura com 20 anos, acabaria por ser depois condenado numa pena de prisão de 15 meses, suspensa na sua execução por um período de três anos, pela prática de crime de tráfico de estupefacientes.

32. Com 21 anos, foi viver para .... com a sua namorada, altura em que esta foi ali estudar, relação que terá mantido durante três anos e à qual se refere hoje com alguma saudade, dada a estabilidade emocional que a mesma lhe proporcionaria. Em .... trabalhava e estudava para concluir o secundário, voltando a .... aos fins-de-semana.

33. No entanto, persistiam os consumos aditivos, acabando por vir a sofrer nova reclusão preventiva, na sequência da prática, na forma tentada, de um crime de roubo, que haveria de culminar na sua condenação em pena de prisão efetiva, de três anos.

34. Durante este período de reclusão, estava então no EP de ...., reinicia processo de escolarização através do programa Novas Oportunidades. Concluiu o ensino secundário e matricula-se na Escola Superior de Comunicação Social em ...., sendo posteriormente transferido para o EP de ..., a seu pedido, com o intuito de ali frequentar a referida formação superior.

35. Em 19 maio de 2010 é colocado em liberdade condicional sob condição de fixar residência em ...., manter boa conduta, frequentar o curso superior em que estava matriculado e de se manter abstinente relativamente ao consumo de substâncias estupefacientes, sujeitando-se ao acompanhamento do CRI relativamente a esta problemática aditiva.

36. Permanece em .... até novembro de 2010 altura em que, após competente requerimento ao TEP, lhe é autorizado fixar residência em ....., para frequência do curso superior em que estava matriculado. Permanece naquela cidade, sob o acompanhamento da equipa da DGRSP local, durante o restante período de liberdade condicional, em que adota preferencialmente rotinas e comportamentos ajustados à normalidade social, vindo aquela pena a ser declarada extinta.

37. Em termos formativos apenas terá conseguido concluir três cadeiras.

38. Por factos praticados em abril de 2009, altura em que se encontrava a aguardar julgamento em situação de obrigação de permanência na habitação, viria a ser condenado em junho de 2011, numa pena de prisão de 2 anos, substituída por 480 horas de trabalho a favor da comunidade.

39. Contudo, acabaria por não dar cumprimento à referida medida, quer seja porque num momento inicial foi submetido a intervenção cirúrgica e posterior tratamento para debelar problema de tuberculose abdominal, quer seja porque depois, em 2014, emigrou para ... apenas regressando a Portugal no final do mês de outubro de 2015.

40. Durante o período em que esteve emigrado em ...., refere ter mantido situação ocupacional regular, trabalhando essencialmente, em restaurantes, a maior parte do tempo num restaurante indiano, após uma passagem de quatro meses por restaurante ......

41. Em termos aditivos a sua história de vida revela-nos o envolvimento precoce em consumos de cannabis com passagem para consumos de cocaína por volta dos 23 anos e, posteriormente, para consumos de heroína.

42. II - Condições sociais e pessoais

43. À data dos factos o arguido A... integrava o agregado familiar de origem, numa moradia própria, constituído pela sua mãe e pelo irmão mais novo, E... , de 28 anos, que se encontra atualmente em situação de liberdade condicional e a trabalhar na ..., realidade familiar e habitacional que se mantém no presente.

44. O irmão mais velho, F... , de 38 anos, residirá na região de ....., sem ter qualquer tipo de relacionamento com os outros elementos do núcleo familiar.

45. Não mantém, no momento atual, qualquer atividade profissional remunerada nem está inserido em qualquer processo formativo, vivendo na dependência financeira da mãe.

46. A mãe do arguido, reformada, vem-se dedicando ao cultivo de plantas suculentas e catos. O arguido tem por hábito ajudá-la nestas funções, nomeadamente, na venda das plantas em feiras locais, repartindo o resto do seu tempo entre a permanência no espaço habitacional e idas ao CRI para toma de metadona. Não são conhecidos atualmente hábitos notívagos do arguido.

47. A problemática aditiva do arguido é seguida no CRI de .... onde tem registos de acompanhamento desde 2010, altura em que foi colocado em liberdade condicional com a obrigação de se submeter ao acompanhamento do referido organismo de saúde. Após cerca de cinco anos de ausência, retomou as consultas no CRI em abril de 2017. De momento, encontra-se inserido em programa de substituição opiácea com cloridrato de metadona para minimização dos sintomas de privação, ali comparecendo duas vezes por semana.

48. No CRI o arguido, no essencial, vem dando cumprimento às regras que ali lhe são impostas, embora, por vezes, com dificuldade em aceitá-las.

49. O arguido A... tem vindo a desenvolver a perspetiva de se recolher em comunidade terapêutica com o propósito de ali dar continuidade ao processo de tratamento, em regime de internato. Neste sentido no dia 19 de março de 2018 fez entrevista para ingresso na Comunidade Terapêutica “....”, em ....., aguardando vaga.

50. III - Impacto da situação jurídico-penal

51. O arguido manifesta preocupação com a presente situação juridico-penal, verbalizando algum descrédito quanto à possibilidade de lhe ser aplicada uma pena não privativa de liberdade, atendendo ao seu histórico criminal.

52. O arguido mostra incapacidade para admitir os seus erros, caraterizando-se o seu percurso de vida associado à história criminal da problemática aditiva.

53. Na entrevista realizada, conjuntamente com o arguido e a sua mãe, foi percetível uma postura divergente quanto ao modo como aquele deve conduzir a sua vida, revelando A... dificuldade em aceitar que a sua mãe se intrometa nos assuntos que lhe digam diretamente respeito a si.

54. O arguido conta com o apoio incondicional da mãe, que entende a necessidade do filho se regenerar como cidadão. Considera, no entanto, que a prisão não lhe proporcionará os meios para que tal aconteça, antes acreditando que, dado o histórico de adição, a sua inserção em comunidade terapêutica possa melhor contribuir para tal propósito.

55. O arguido conta com o suporte familiar, que lhe é proporcionado pelos seus irmãos, pela sua mãe e pela sua tia, no sentido de o orientar e acolher.

56. O arguido A... cumpriu prisão preventiva à ordem do processo nº2137/04.8TBVIS, do 2º Jz Criminal de Viseu, no período de 23.07.2004 ate 10.12.2004.

57. O arguido A... tem vários antecedentes criminais, a saber:

58. No processo nº387/04.6GCVIS por acórdão de 10.01.2005, transitado em julgado no dia 31.01.2005, foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. p. pelo art.21º, do DL 15/93, de 22/01, na pena de 15 meses de prisão suspensa pelo período de três anos, entretanto declarada extinta;

59. No processo nº82/08.7GBMGL, por acórdão de 14.07.2009, transitado em julgado no dia 3.08.2009, foi condenado pela prática em 15.10.2008 de um crime de roubo, na forma tentada, p. p. pelo art.210º, nº1, do C. Penal, na pena de três anos de prisão efetiva. O arguido esteve preso preventivamente à ordem desse processo desde 15.10.2008 até 14.01.2009 e desde então com OPHVE até 23.04.2009, data em que lhe foi novamente aplicada a medida de prisão preventiva, assim permanecendo preso preventivamente e depois em cumprimento de pena até 19.05.2010, data em que lhe foi concedida a liberdade condicional pelo período decorrente até à concessão da liberdade definitiva no dia 14.12.2011.

60. No processo 533/09.3PBVIS foi condenado por sentença de 7.06.2011, transitada em julgado no dia 13.07.2011, pela prática em 12.04.2009 de um crime de furto qualificado, p. p. pelo art.204º, nº2, al.e), do C. Penal, na pena de dois anos de prisão substituída por 480 horas de trabalho a favor da comunidade, que prescreveu.

***

2.2. Da matéria de facto não provada

De resto não se provaram outros factos relevantes para a boa decisão da causa designadamente aqueles que estejam em contradição com os provados, bem assim que:

a) os bens subtraídos ao ofendido valiam não menos de 102 euros;

b) o casaco rasgado ao ofendido tinha custado 60 euros;

c) os arguidos provocassem dores no ofendido;

d) em consequência da sua personalidade e dos seus desequilíbrios psiquiátricos e psicológicos, o arguido tinha consideravelmente diminuída a sua capacidade de perceber o sentido e alcance dos seus atos;

e) o arguido sofre de perturbações psicomotoras desde os 6 meses de idade, tendo feito antiepiléticos durante anos;

f) em termos de comportamento, a sua vida sempre foi marcada por um comportamento agitado, irritabilidade, reações exacerbadas perante as mínimas frustrações do dia a dia, interpretando e percebendo de maneira errada os estímulos sociais, tendendo a evitar a realidade ou as suas pressões provenientes da mesma, reagindo a estas de forma impulsiva e com reduzida tolerância à frustração, com um permanente estado de insatisfação, comportamentos estes que o arguido não logra controlar;

g) o arguido padece de um quadro de depressão, apresentando-se sempre com um estado de ânimo triste, agitado, com perda de interesse por todos os focos de motivação, com perturbações recorrentes do sono e perda de apetite;

h) todo este quadro de personalidade e psiquiátrico tem-se vindo a agravar ao longo dos anos, o que fez do arguido uma pessoa imatura, desconfiada, inquieta, com baixa tolerância à frustração e impulsiva;

i) em consequência dos contactos que vem tendo com o sistema judicial, o arguido vem-se apercebendo das consequências dos seus atos passados, designadamente do agravamento que estes sofreram em resultado dos consumos de estupefacientes, e da sua incapacidade de, por si só, sem auxilio exterior, controlar os seus comportamentos em sociedade;

j) o arguido revela uma firme vontade em alterar a sua vida, passando a adotar comportamentos adequados do ponto de vista social e conformes ao direito.


***

2.3. Motivação da decisão de facto

O tribunal formou convicção a respeito das condições de vida do arguido A... (social, profissional e familiar), passada e presente, nas declarações prestadas pelo próprio conjugadas com o seu relatório social e certificado de registo criminal.

Já sobre os factos típicos, na ausência do arguido B... e silêncio do arguido A... em julgamento, o tribunal baseou-se nas declarações do ofendido C... , reformado, 66 anos, que relatou as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que os arguidos B... e A... o abordaram conjuntamente para o assaltar, puxando-o pelo casaco e pedindo-lhe o A... a carteira, depois de este lhe ter dito que era um assalto, tudo em termos que o ofendido explicou detalhadamente.

Acrescentou que, apesar de inicialmente lhes ter dito que não tinha carteira, amedrontado, acabou por entregá-la ao arguido A... , o qual lhe retirara do bolso das calças o telemóvel apreendido que identificou e exibiu em julgamento.

O ofendido referiu tratar-se de uma carteira com porta-chaves acoplado, onde possuía as chaves de sua casa e 28 euros e alguns cêntimos em dinheiro.

Esclareceu que após verificar o conteúdo da carteira o arguido A... lhe perguntou se tinha algum cartão de crédito e como nesse momento o arguido B... quisesse ir embora o outro disse-lhe para puxar da navalha e picar o ofendido.

Nesse instante, afirmou o ofendido, o arguido B... apontou-lhe a lâmina da navalha (apreendida) à barriga, a cerca de 15 cms desta, após o que o arguido A... lhe disse que o acompanhavam a casa dele para irem buscar o dinheiro que lá tivesse, puxando-o ambos pelo casaco até à porta de entrada do parque que dá acesso à EN ... , assim explicando que lhe tivessem rasgado o bolso do casaco.

Prosseguindo, o ofendido relatou o modo como todos se encaminharam para o bairro onde morava, perseguido pelos arguidos com o propósito de lhe assaltarem a casa.

A dada altura do percurso, a pedido do ofendido, o arguido A... entregou-lhe a chave da habitação, que este possuía no porta-chaves da carteira que lhe entregara, e instantes depois, quando caminhava à frente dos arguidos, começou a correr, refugindo-se no interior do Restaurante “ ... ”, sito no Bairro z ... , ... , onde ligaram para a PSP.

Por esse motivo os arguidos colocaram-se em fuga, levando consigo a carteira, dinheiro e telemóvel que lhe subtraíram, o que tudo conseguiram pelo facto do ofendido  se sentir amedrontado com o sobredito comportamento violento dos arguidos, tendo o ofendido descrito a participação e atitude de cada um deles no assalto, cuja dinâmica descreveu circunstanciadamente, de forma segura e coerente, nos precisos termos dados como provados.

Confirmou ter visto a navalha apreendida na esquadra da PSP, a mesma que o arguido B... apontou contra si, recebendo na ocasião o dinheiro, carteira e telemóvel que foram apreendidos, já em poder do arguido B... e pertença do ofendido.

O ofendido acrescentou que até à data dos factos não conhecia qualquer dos arguidos.

Contudo, em audiência o ofendido foi perentório na identificação de ambos, como sendo aqueles cuja conduta individualizou nos termos sobreditos, o arguido A... por estar presente em julgamento, ali o “reconhecendo”, e o arguido B... por ser aquele que viu detido na esquadra da PSP e tinha em seu poder os seus pertences apreendidos.

Acrescentou que, contrariamente ao arguido B... , até ao julgamento não voltou a ver o arguido A... , ainda que a mãe dele por duas ocasiões lhe tivesse pedido para desistir da queixa nomeadamente, aquando da detenção do arguido B... , na esquadra da PSP, onde aquela compareceu e se identificou como tal.

Naturalmente que esta identificação física do arguido A... , realizada em audiência de julgamento a coberto da oficiosidade conferida ao tribunal, maxime, no nº1, do art.340º, do C. Proc. Penal, tem valor de meio de prova sujeito ao princípio da livre apreciação (art.127º, do C. Proc. Penal) e cuja produção escapa às formalidades prescritas no art.147º, do C. Proc. Penal, para a prova por reconhecimento nas fases investigatórias do processo, designadamente no inquérito.

Tanto basta para se concluir pelo indeferimento da arguição de nulidade apresentada pelo arguido A... em julgamento, por inobservância, em seu entender, do art.147º, nº2, do C. Proc. Penal, mas inaplicável em sede de prova meramente testemunhal.

Deslocada é também, por isso se indefere, a invocação da nulidade do reconhecimento da fotografia de fls.149 do arguido A... , em sede de declarações da testemunha em fase de inquérito a fls.164-5, as quais não podem nem são aqui valoradas, já que não foram sequer lidas em julgamento, ainda que os arguidos nisso pudessem, querendo, consentir, o que não aconteceu.

Ora, a imediação da audiência nenhuma dúvida deixou sobre a segurança, assertividade, acerto e prontidão da identificação do arguido A... por parte da vítima, tanto mais que em razão da proximidade, do tempo e distância percorrida com os assaltantes se afigura natural o ofendido recordar-se dos mesmos, a reforçar a fiabilidade valorativa da sua identificação que, a não ser verdade, deixaria incompreendida a atitude da mãe do arguido A... ao rogar a clemência do ofendido [1].

Por conseguinte, o tribunal valorou as declarações do ofendido na estrita medida em que revelou ter conhecimento seguro dos factos sobre que depôs e conjugado com as regras da experiência e os autos de exame/avaliação e apreensão, se afigurou depor de forma séria, verdadeira e coerente e assim permitiu formar uma dada convicção conscienciosa, disso persuadindo, no sentido dado como provado.

No tocante ao elemento subjetivo do crime foram consideradas as regras da experiência comum em face do contexto em que os factos foram praticados.

O tribunal serviu-se ainda do exame em audiência do auto de denúncia de fls.2 (exclusivamente quanto às circunstâncias ali descritas como resultantes da perceção direta do autuante), auto de apreensão e exame/avaliação de fls.2-3, termo de entrega de fls.5, certidão de fls.74-136 e de fls.263 do processo nº82/08.7GBMGL, informação da DGRS de fls.179-180, certificados de registo criminal de fls.225-231, declaração do CRI de fls.236 verso, relatório social do arguido A... de fls.259-262.

Quanto aos factos não provados, a convicção do tribunal alicerçou-se na análise crítica de toda a prova produzida em julgamento e falta de consistência de outra sobre os mesmos produzida, em resultado, nomeadamente, de não terem sido carreados outros elementos probatórios credíveis e com força bastante para os sustentar.

Na verdade, não se produziu em audiência de julgamento qualquer prova que permitisse dar como provados outros factos para além daqueles que nessa qualidade se descreveram, designadamente por não ter sido produzida mais qualquer prova testemunhal ou por declarações bastante que conduzisse a distinto resultado probatório.

                                                                                     *

2.4. Aspeto jurídico da causa

2.4.1. Enquadramento jurídico-penal

(…).

2.4.2. Da Medida Concreta da Pena

(…).

                                                             *

Substituição da pena de prisão

(…).

                                                             ****

III. Apreciação do Recurso:

O objecto de um recurso penal é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso – artigos 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do C.P.P.

Na realidade, de harmonia com o disposto no n.º1, do artigo 412.º, do C.P.P., e conforme jurisprudência pacífica e constante (designadamente, do S.T.J. – Ac. de 13/5/1998, B.M.J. 477/263, Ac. de 25/6/1998, B.M.J. 478/242, Ac. de 3/2/1999, B.M.J. 477/271), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).

            São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – artigo 403.º, n.º 1 e 412.º, n.º1 e n.º2, ambos do C.P.P. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões».

As questões a conhecer são as seguintes:

            1 – Saber se há ilegalidade na apreciação do meio de prova traduzido no reconhecimento do arguido em audiência, de acordo com o disposto no artigo 147.º, do CPP.

            2 – Saber se há erro de julgamento.

                                                                       ****

            1 – Do reconhecimento do arguido:

            Não se duvida de que a prova por reconhecimento de pessoas tem que obedecer ao formalismo estabelecido no artigo 147.º, do C. Processo Penal, sob pena de estarmos perante um meio de prova proibido e portanto, absolutamente inválida a prova dele resultante (cfr. n.º 7 do artigo citado).

            No entanto, tal diligência processual só se justifica, em audiência de julgamento, em situações específicas que não se verificam nos autos.

            Com efeito, o recorrente, como bem é referido na resposta do Ministério Público, “estava previamente identificado, investigado e assumido como arguido, enquanto autor dos factos descritos na acusação – vide, para além do mais, o auto de notícia por detenção de fls. 2 e 2-v; aditamento n.º 2 de fls. 7, elementos de fls. 149, constituição de arguido de fls. 150, TIR de fls. 154; auto de interrogatório de arguido de fls. 155 e verso”.

            Não havia, pois, salvo o devido respeito pelo que é alegado pelo recorrente, necessidade de seguir o disposto na norma ora em causa.

            Quando uma testemunha, em audiência, diz que viu um arguido assumir certos comportamentos, apela à sua memória e ao que nela retém quanto à figura deste e, portanto, o relato que faz implica a identificação da pessoa que viu num certo local e num determinado contexto, com a pessoa que vê estar a ser submetida a julgamento.

Mas isto não significa um reconhecimento que deva obedecer ao disposto no artigo 147.º, do C. Processo Penal, tratando-se antes e apenas de um segmento do próprio depoimento, a incluir e valorar no âmbito da prova testemunhal.

A não se entender assim, inutilizar-se-ia o valor da prova testemunhal, por não poder valer autonomamente isto é, sem a prova por reconhecimento, sempre que uma testemunha dissesse ter presenciado o arguido a praticar determinado facto, designadamente nos casos, como o dos autos, em que a vítima não voltou a ser confrontada com o arguido antes da audiência de julgamento, sendo completamente alheia aos motivos que deram origem a tal realidade.

            Assim sendo, entendemos que, no caso presente não existe nos autos prova por reconhecimento de pessoas pelo que, não pode ter sido violado o artigo 147.º, do C. Processo Penal, e não foi valorado meio de prova proibida pelo que, podemos acrescentar, também não se mostram violados os artigos 8.º, 18.º, n.º 1, 20.º, n.º 4. in fine, 32.º, nºs 1 e 8 e 204.º, da Constituição da República Portuguesa nem o artigo 6.º, nº 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Com efeito, quando, em audiência de julgamento, uma testemunha relata os atos que viu o arguido praticar, não está a proceder ao reconhecimento deste, mas unicamente a prestar depoimento, a valorar apenas, no âmbito da prova testemunhal, não fazendo sentido, neste contexto, invocar a inobservância das regras impostas no artigo 147.º, do CPP, como forma de invalidar a prova testemunhal produzida. 

Em casos como o que, neste momento, ocupa a nossa atenção o que se valoriza é o depoimento da testemunha, apreciado nos termos do artigo 127.º, do CPP, e não a «prova por reconhecimento» a que alude o artigo 147.º do mesmo diploma.

Assim, no caso em apreço, na audiência existiu a mera identificação do arguido por uma testemunha, meio de prova submetido ao princípio do contraditório (artigo 327.º, 2, do CPP), não tendo sido sentida pelo tribunal a necessidade de recorrer ao meio probatório autónomo intitulado de «Reconhecimento de pessoas».

Logo, trata-se de uma prova não proibida, a valorar de harmonia com o princípio da livre convicção – ver, neste sentido, o Acórdão do TRC, de 28/2/2018, Processo n.º 196/13.1PACCB.C2, relatado pelo Exmo. Desembargador Vasques Osório, in www.dgsi.pt, no qual pode ser lido o seguinte:

“(…) como vem sendo entendimento uniforme, a prova por reconhecimento é uma prova autónoma, sujeita ao regime do art. 147º do C. Processo Penal e com valor probatório próprio, que não se confunde com a prova por declarações, sejam estas, de assistente, de testemunha ou de outro interveniente processual, prestadas em audiência de julgamento, no decurso das quais o respetivo declarante proceda à identificação do autor dos factos (cfr. entre outros, acórdãos da R. de Coimbra de 10 de Setembro de 2014, processo nº 1440/08.2TACBR.C1, de 18 de Junho de 2014, processo nº 26/09.9GASPS.C1, de 3 de Julho de 2013, processo nº 96/11.0JALRA.C1 e de 16 de Fevereiro de 2011, processo nº 217/09.2PEAVR.C1, da Relação de Lisboa de 14 de Janeiro de 2014, processo nº 76/10.2GTEVR.L1-5 e da Relação do Porto de 13 de Setembro de 2017, processo nº 1075/13.8PBMTS.P1 e de 20 de Maio de 2015, processo nº 198/12.5GAVFR.P1, todos in www.dgsi.pt). Na verdade, quando ao assistente ou a uma testemunha, ofendido ou não, é solicitada a confirmação de ser o arguido presente na audiência é o autor do crime, não estamos perante um reconhecimento de pessoas presencial, mas apenas e só perante um depoimento (cfr. Santos Cabral, Código de Processo Penal Comentado, obra coletiva, 2014, Almedina, pág. 615).”

Ainda no mesmo sentido, encontramos o Acórdão do TRE, de 6/2/2018, Processo n.º 164/16.1GBLLE.E1, relatado pelo Exmo. Desembargador Gomes de Sousa, in www.dgsi.pt, em que pode ser lido o seguinte:

“(…). Isto é, no caso o tribunal recorrido poderia ter realizado um reconhecimento formal em audiência de julgamento. Mas tinha também a liberdade de o não fazer.

A ideia de “reconhecimento formal” em audiência de julgamento é, naturalmente, uma excrescência inexplicável face à natureza e regulamentação desta figura probatória em qualquer ordem jurídica civilizadamente acusatória, mas ficou consagrada como opção pelo legislador português.

Questão diversa é a afirmação – que subjaz às conclusões do recorrente – de que qualquer identificação realizada em audiência de julgamento tem que revestir a forma de “reconhecimento”.

Afirma o recorrente, de forma implícita, que o disposto no art.° 147.° nº 7 do Código de Processo Penal, obriga a que qualquer identificação de arguido feita em audiência siga os trâmites e os requisitos do disposto no art. 147.° 1.° e 2 do CPP sob pena de nulidade cominada no nº 7 desse mesmo preceito legal.

É claro que isto olvida um facto simples: um “reconhecimento”, assenta num extracto de depoimento (um “testemunho”, portanto) ou declaração, Mas os dois actos (reconhecimento e depoimento) são diferenciados pela especial solenidade da sua execução e pelas especiais condições em que o reconhecimento é realizado. Aquele pedaço de “testemunho” ou “declaração”, assente na memória e numa simples declaração (de identificação positiva ou não) ganha autonomia, desprende-se do depoimento na estrita medida em que o legislador lhe dá uma diferente força probatória. Tanto que o erige à categoria de meio de prova distinto do testemunho ou da declaração. [2]

A jurisprudência portuguesa, tem vindo a encontrar dificuldades face à constatação de que o regime normativo da audiência de julgamento se mostra de difícil compatibilidade com o formalismo previsto no artigo 147º do Código de Processo Penal, claramente pensado para a fase de inquérito ou instrução.

Para além das naturais dificuldades práticas que a imposição desse formalismo em audiência acarreta na sua execução, suscita-se a dúvida sobre o alcance da necessidade da sua realização e sobre a exclusividade dessa mesma realização.

Naturalmente que se impõe uma tomada de posição do tribunal de julgamento no sentido de considerar necessária e adequada a realização de um “reconhecimento”, ao qual será atribuída uma específica e autónoma força probatória, ou optar pela simples identificaçao em depoimento.

Por isso que nem todas as “identificações” realizadas em audiência têm que revestir a forma de reconhecimento nem o artigo 147º do Código de Processo Penal obriga a que todos os depoimentos sejam interrompidos no momento da “identificação” para que passem, naquele extracto de “testemunho”, a revestir a forma de reconhecimento.

Naturalmente que essa “identificação” deverá ser apreciada como um mero depoimento ou meras declarações, que não como de um reconhecimento se tratasse. Isto é, não houve “reconhecimentos” em audiência, sim mera apreciação de depoimento prestado.”

E não se diga, como defende certa doutrina, que o “homem médio”, enquanto testemunha, fica sugestionado para responder afirmativamente quando lhe é dito “olhe para trás, reconhece esse senhor?”, ao ver, no centro da sala de audiências, a pessoa do arguido.

O quotidiano dos tribunais, salvo sempre o devido respeito, não confirma tal conclusão, sendo inúmeras as vezes em que a testemunha não consegue identificar o arguido em audiência de julgamento.

Note-se que o legislador não proíbe que uma testemunha possa identificar, em audiência de julgamento, o arguido.

E sendo essa identificação cabal, inócuo é realizar um reconhecimento conforme o disposto no artigo 147.º, do CPP.

Aliás, seria bizarro que alguém - deixando, até, de lado a vítima - tivesse presenciado um facto e não pudesse, de um modo espontâneo, em tribunal identificar o arguido como sendo a pessoa que tinha visto praticar os factos em questão.

Por conseguinte, não se vislumbra que o Tribunal a quo tenha violado qualquer das garantias de defesa do arguido com previsão quer no Código de Processo Penal quer na Lei Fundamental, em sede de, respetivamente, validade da identificação do arguido e da interpretação dada ao citado artigo 127.º, no sentido de que aquela é admissível tendo em consideração o princípio da livre apreciação da prova.

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2 – Do erro de julgamento:

O erro de julgamento, consagrado no artigo 412.º, n º 3, do CPP, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.

Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4, do artigo 412.º, do CPP.                   Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.                                                                          

E é exatamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, é que se impõe a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecendo o artigo 412.º, n.º 3, do CPP:                     «3.Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:                    

a)- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;                                 

b)-As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c)-As provas que devem ser renovadas».

Tratando-se de prova gravada, oralmente prestada em audiência de discussão e julgamento, deve o recorrente individualizar as passagens da gravação em que baseia a impugnação, ou seja, estando em causa declarações/depoimentos prestados em audiência de julgamento, sobre o recorrente impende o ónus de identificar as concretas provas que, em sua interpretação, e relativamente ao(s) ponto(s) de facto expressamente impugnados, impõem decisão diversa, e bem assim de concretizar as passagens das declarações (do arguido, do assistente, do demandante/demandado civil) e dos depoimentos (caso das testemunhas) em que se ancora a impugnação.   

Para atingir esse desiderato, aderimos à posição defendida no Acórdão de 14/7/2010, Processo n.º 508/07.7GCVIS.C1, deste Tribunal da Relação de Coimbra, relatado pelo Exmo. Desembargador Alberto Mira, in www.dgsi.pt,  onde se considera que o recorrente, a par da indicação das concretas provas, há-de proceder de uma das seguintes formas:

- Reproduzir o conteúdo da prova que, para o fim em vista (impugnação dos concretos pontos de facto), considere relevante;

- Expor, ainda que em súmula, os segmentos pertinentes das declarações/depoimentos; ou                       

- Situar objectivamente o segmento da declaração/depoimento em causa por referência a específicas circunstâncias ocorridas.

Mas tal não basta.

Na realidade, o recorrente deve explicitar por que razão essa prova “impõe” decisão diversa da recorrida.     Este é o cerne do dever de especificação.                                                                                 


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            Pois bem, é inegável que o recorrente impugna a matéria de facto com base em erro de julgamento.

            Entende que deve ser dada como não provada a sua participação nos factos constantes dos pontos 2 a 8, 9, 10, 12 a 17, 19, 21, 22, 23 a 25 da matéria de facto dada como provada.

Quando a atribuição de credibilidade a uma dada fonte de prova se baseia numa opção do julgador assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só pode exercer censura crítica se ficar demonstrado que o caminho de convicção trilhado ofende patentemente as regras da experiência comum.


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            Revertendo ao nosso caso, será que o recorrente avança com algo que possa impor uma decisão diversa daquela que é apresentada pelo Tribunal a quo?

            A alegação do recorrente assenta, por um lado, na invalidade do “reconhecimento” feito em julgamento e, por outo lado, na multiplicidade de sentidos que podemos atribuir ao comportamento da mãe do arguido ao dirigir-se à testemunha C... e pedir-lhe para desistir da queixa que apresentara contra seu filho.

            Quanto à mencionada invalidade, nada temos a acrescentar quanto a essa parte do objeto do recurso, face às considerações já feitas a propósito da identificação de um arguido em audiência por uma testemunha, a não ser reiterar que mesma não existe.

            Convém, ainda assim, fazer uma referência à alegação de que «a testemunha procedeu à identificação do arguido como sendo o autor dos factos, mesmo sem olhar para ele, e depois de o Sr. Juiz ter mandado levantar o recorrente A... , de resto o único sentado no “banco dos réus”»

            O recorrente afirma o ora exposto com base na passagem da gravação entre o minuto 04.00 e o minuto 04.15, cujo teor é o seguinte:

            “Juiz: Pergunto-lhe se algum dos intervenientes é este rapaz?.... A... …levante-se!!... A... Levante-se!!....

            Testemunha: Era sim senhor…mas antes tinha barba…

            Juiz: Oiça…tenho sérias dúvidas que você consiga reconhecer alguém se não olhar para ele…

            Testemunha: Sim…sim…na altura tinha barbas…

            Juiz: Na altura tinha barba…”

Pois bem, salvo sempre o devido respeito, o alegado pelo recorrente não transparece da gravação da audiência.

            Da respetiva passagem resulta que, após uma primeira resposta da testemunha, e na sequência de uma observação feita pelo Meritíssimo Juiz Presidente, a testemunha olhou para o arguido, dissipando quaisquer dúvidas que pudessem existir.

            Se assim não fosse, certamente que quem estava a presidir a audiência teria insistido no sentido da testemunha olhar para o ora recorrente, sendo certo que consta da fundamentação de facto que o ofendido foi perentório na identificação de ambos os arguidos.

            Acresce que da ata de audiência de julgamento não consta qualquer protesto relativo à identificação ter sido feita como é alegado no recurso, o que impede qualquer apreciação de fundo quanto a este aspeto.

            Relativamente ao valor que o Tribunal a quo deu aos pedidos formulados pela mãe do arguido no sentido da testemunha desistir da queixa, o recorrente limita-se, aqui, a manifestar o seu inconformismo perante a apreciação da prova feita no acórdão recorrido, além de transmitir a sua própria valoração da prova.

            Ora, de acordo com as regras da experiência comum, faz sentido a conclusão que, a este propósito, consta da fundamentação da matéria de facto.

            Não foi, pois, trazido aos autos qualquer elemento de prova objetivo que possa impor uma alteração da matéria de facto.

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Não se argumente, por fim, que foi violado o princípio in dubio pro reo, corolário do princípio da presunção de inocência do arguido, consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da CRP.            Dispõe a Constituição no n.º 2 do seu artigo 32.º que «todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa», preceito que se identifica em geral, com a formulação do princípio da presunção de inocência constante da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da Declaração Universal dos Direitos do Homem (art.11.º, n.º 1).

De acordo com Cavaleiro Ferreira, «Lições de Direito Penal», I, pág. 86, este princípio respeita ao direito probatório, implicando a presunção de inocência do arguido que, sendo incerta a prova, se não use um critério formal como resultante do ónus legal de prova para decidir da condenação do arguido que terá sempre de assentar na certeza dos factos probandos. O julgador deve decidir a favor do arguido se, face ao material probatório produzido em audiência, tiver dúvidas sobre qualquer facto. Como todos sabem, um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido, conforme ensina Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, I, pág. 213 – já Ulpiano dizia “é melhor um crime impune do que um inocente castigado”.                         Todavia, não é qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido. Na realidade, a dúvida tem que assumir uma natureza irredutível, insanável, sem esquecer que, nos actos humanos, nunca se dá uma certeza contra a qual não haja alguns motivos de dúvida – cfr., a este propósito, Cristina Monteiro, “In Dubio Pro Reo”, Coimbra Editora, 1997.                                                                         

O princípio geral do processo penal ora em análise é aplicável apenas nos casos em que, apesar de toda a prova recolhida, continuam os factos relevantes para a decisão a não poderem considerar-se como provados por continuar a subsistir dúvida razoável do Tribunal.

O princípio in dubio pro reo não significa dar relevância a todas as dúvidas que as partes encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos.                                                                                                                                       

É, antes, uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.

A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.    

No caso vertente, o Tribunal “a quo” não se quedou por um non liquet de facto, ou seja, não permaneceu na dúvida razoável sobre os factos relevantes à decisão, pelo que não há lugar a qualquer aplicação do princípio in dubio pro reo, nessa parte. A dúvida razoável, que determina a impossibilidade de convicção do Tribunal sobre a realidade de um facto, distingue-se da dúvida meramente possível, hipotética. Só a dúvida séria se impõe à íntima convicção. Esta deve ser, pois, (tal como sucede com a livre convicção) argumentada, coerente, razoável – neste sentido cfr. Jean-Denis Bredin, Le Doute et L’intime Conviction, Revue Française de Théorie, de Philosophie e de Culture Juridique, Vol. 23, (19966), p. 25.                                                                                                                  Assim, para a revogação do acórdão nos termos pretendidos pelo recorrente importaria demonstrar, não só duas versões diferentes do mesmo facto, mas duas versões sérias, razoáveis e plausíveis e que, em tal contexto o tribunal acolheu aquela que desfavorece o arguido.           

Tal não sucede com a análise do recorrente, sem qualquer conteúdo probatório suscetível de pôr em causa, de modo objetivo, os meios de prova e análise critica em que repousa a decisão impugnada.       

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IV – DECISÃO:

Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 5ª Secção deste Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quatro UC.


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               (elaborado e revisto pelo relator, antes de assinado)

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Coimbra, 6 de Fevereiro de 2019

José Eduardo Martins (relator)

Maria José Nogueira (adjunta)


[1] Inesperada fragilidade que a defesa do arguido A... deixou transparecer, sem passarem despercebidas, as razões do mesmo logo ter prescindido da audição da testemunha D... , sua mãe.