Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
122/09.2GCPMS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: CORRUPÇÃO ATIVA
REQUISITOS
CONSUMAÇÃO
Data do Acordão: 05/23/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE PORTO DE MÓS
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 374º CP
Sumário: 1- O crime de corrupção ativa consuma-se com a simples dádiva ou promessa de dádiva e, nesse momento, é violado o bem jurídico protegido. O que quer dizer que a ilicitude a considerar é a resultante da prática daquelas condutas e não a que resulta da execução do ato ilícito por parte do corrupto passivo.

2.- Consuma este crime, o condutor de um veículo automóvel que, na sequência da realização de teste de alcoolémia, diz ao militar da GNR “Você quer quinhentos contos ou mil contos para me mandar embora? Eu telefono e o dinheiro está cá em cinco minutos”.

Decisão Texto Integral: No processo supra identificado foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acusação deduzida contra o arguido:
A..., residente na Rua … em ...,
Sendo decidido:
1.Absolver o arguido da prática de um crime de resistência e coação sobre funcionário, previsto e punido pelo artigo 347, nº 1 do Código Penal, do qual vinha acusado.
2.Condenar o arguido:
a)-pela prática, em autoria material, sob a forma consumada, de um crime de resistência e coação sobre funcionário, previsto e punido pelo artigo 347, nº 1 do Código Penal, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão;
b)-pela prática, em autoria material, sob a forma consumada, de um crime injúria agravada, previstos e punidos pelos artigos 181, 184, por referência à alínea l) do nº 2 do artigo 132, todos do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa;
c)-pela prática, em autoria material, soba a forma consumada, de um crime de corrupção ativa, previsto e punido pelo artigo 374 do Código Penal, na pena de 11 (onze) meses de prisão;
d)-pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292, nº 1 do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa;
e)-na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria pelo período de 6 (seis) meses.
f)-depois de efetuado o cúmulo jurídico das penas parcelares identificadas em a) e c), na pena única de 22 (vinte e dois) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período;
g)-depois de efetuado o cúmulo jurídico das penas parcelares identificadas em b) e d), na pena única de 130 (cento e trinta) dias de multa, à taxa diária de € 6 (seis euros), o que perfaz o montante global de € 780 (setecentos e oitenta euros);
***
Inconformado interpôs recurso, o arguido.
São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do seu recurso, e que delimitam o objeto do mesmo:
I- O arguido, ora Recorrente, estava indiciado, e foi condenado pela prática, em autoria material, sob a forma consumada, de um crime de injúria agravada, previsto e punido pelos Arts. 181 e 184, por referência à alínea l) do n.º 2 do Art. 132, todos do Código Penal na pena de 80 dias de multa.
II- No entanto, compulsados os autos verifica-se que não existe nos mesmos qualquer queixa criminal apresentada pelo alegado ofendido, o cabo da GNR B....
III- O Art. 188, n.º 1, alínea a) do Código Penal dispõe que tal crime é de natureza semi-pública, dependendo de queixa, o respetivo procedimento criminal.
IV- O auto de noticia por detenção não vale como denúncia de procedimento criminal por crime de natureza semi-pública - o de injúria agravada - se não incluir manifestação inequívoca da vontade do(s) ofendido(s) de procedimento criminal por tal crime, ainda que o ofendido seja também o agente que assinou esse auto como testemunha.
V- Não consta no auto de noticia, por detenção, nem posteriormente, registo de qualquer queixa pelo crime de injúria agravada, apresentado pelo próprio ofendido, ou seja, pelo Cabo B..., militar da GNR.
VI- Não pode presumir-se que descrição dos factos integrantes desse ilícito criminal, constante no auto de noticia do arguido, equivale a queixa por tal crime, e
VII- Por conseguinte, não assumindo tal crime, natureza pública, não tem o Ministério Público legitimidade para deduzir acusação por tal crime.
VIII- Acresce que a queixa só pode ser apresentada pelo titular do direito respetivo, por mandatário judicial ou por mandatário munido de poderes especiais, nos termos do n.º 3 do Art. 49 do CPP e,
IX- Não consta dos autos que o participante - Sargento C... - tivesse sido constituído mandatário com poderes especiais, pelo ofendido Cabo B..., para o ato, ou seja, para apresentar a respetiva queixa criminal.
X- A meritíssima Juiz recorrida, ao considerar, na decisão sobre esta questão prévia, nos termos do Art. 368 n.º 1 do C.P.P., que o Ministério Público tinha legitimidade para o exercício da ação penal contra o arguido (o que o arguido invocou na audiência de julgamento), relativamente ao crime semipúblico de injúria agravada, violou o disposto no Art. 49 do Código de Processo Penal e os Arts. 113, 181, n.º 1 e 184, com referência à alínea 1) do n.º 2 do Art. 132, todos do Código Penal.
XI- Assim, não sendo legalmente admissível perseguir criminalmente o arguido, ora Recorrente, quanto aos factos integrantes do crime semipúblico de injúria agravada, previsto e punido pelos Arts. 181 e 184, por referência à alínea 1) do n.º 2 do Art. 132, todos do Código Penal, por falta de uma condição objetiva de procedibilidade, deverão os autos, relativamente a estes factos, ser arquivados e o arguido absolvido da prática do crime de injúria agravada.
XII- Na sentença recorrida foram dados como provados factos que não estão sustentados em qualquer prova válida produzida na audiência de julgamento.
XIII- Os factos dados como provados nos n.º 3, 4, parte final do 5, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 18 dos factos provados da douta sentença recorrida, não têm fundamentação na prova produzida na audiência de julgamento, nomeadamente através dos depoimentos das testemunhas que prestaram declarações na audiência de julgamento e dos documentos válidos juntos aos autos.
XIV- A matéria constante nos factos provados deve ser alterada da seguinte forma:
1. No dia 19 de Junho de 2009, pelas 4 horas e 10 minutos, o arguido conduzia na Rua Pia Morteira, em ..., a viatura automóvel de matrícula ... quando foi mandado parar pelos militares da GNR de ..., que se encontravam devidamente uniformizados.
2. O arguido foi submetido ao teste qualitativo de alcoolemia no ar expirado e face ao resultado obtido em tal teste, os militares da GNR informaram o arguido que teria de se submeter à realização de outro teste a realizar em aparelho quantitativo no Posto da GNR de ....
3. Quando estava a ser algemado e após lhe ter sido aplicada a técnica de imobilização "chave de mão", o arguido, tentando libertar-se e reagindo à dor, empurrou, com o seu corpo, o corpo do militar C..., projetando-o de encontro ao veículo automóvel.
4. Já no Posto da GNR de ..., o arguido proferiu a seguinte expressão: "olhem, os senhores querem dinheiro, querem quinhentos contos ou querem mil, manda-se vir dinheiro para aí, eu não tenho dinheiro, mas manda-se vir, arranja-se dinheiro ... os senhores, por favor, deixem-me que eu não estou a perceber esta situação, deixem-me, larguem-me da mão, não me pressionem mais"
5. O alcoolímetro da marca "Drager", modelo "7110 MKlll P", que determinou a taxa álcool no sangue de 2,11 g/l, foi aprovado por despacho do IPQ nº.11037/2007, de 24.04, publicado no D.R 2ª Série nº 109, de 06.06.2007, correspondendo-lhe o número 211.06.07.3.06, no qual se estabeleceu o prazo de validade de 10 anos.
6. À data dos factos, e após a aprovação de modelo do IPQ referida no ponto anterior, o aparelho utilizado não se encontrava aprovado para a fiscalização rodoviária, pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.
7. O aparelho que determinou a taxa de álcool no sangue de 2,11 g/l, a que corresponde pelo menos a taxa de 1,79 g/l, foi objeto de verificação periódica em 23/04/2009, com aprovação válida até 31/12/2010.
8. O arguido é agricultor, auferindo cerca de € 500 por mês.
9. O arguido vive em casa emprestada, com a sua mulher, que está desempregada, e dois filhos com 10 e 1 ano de idade.
10.O arguido tem de habilitações literárias o 6° ano de escolaridade.
11.O arguido é trabalhador, pacato e considerado pela comunidade.
12.O arguido não tem antecedentes criminais registados.
XV- Nos factos dados como não provados terá que passar a constar, no mínimo, o seguinte:
1. O arguido disse que não queria fazer tal teste e disse aos militares "Não são vocês que me seguram", tendo agarrado com as duas mãos pelos braços o militar da GNR B..., que se encontrava de costas e projetou o corpo do mesmo contra a lateral esquerda do automóvel, tendo-o mantido sob pressão alguns instantes sem o largar.
4. De seguida os militares D... e C... fizeram cessar tal agressão, agarrando o arguido.
5. Que os factos constantes no ponto 3 da matéria dada como provada lhe tenham provocado uma escoriação no cotovelo do braço direito deste.
6. Depois de ser restituído à liberdade, o arguido disse ao militar B... as seguintes expressões: "o senhor é um bandalho".
7. Nas supra referidas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido conduzia a referida viatura automóvel com uma taxa de álcool no sangue de 2,11 g/l.
8. O arguido atuou de forma livre, voluntária e consciente.
9. Pretendia o arguido, ao projetar os corpos dos militares da GNR B... e C... de encontro à viatura automóvel, constranger os mesmos de modo a que não praticassem ato relativo ao exercício das suas funções.
10. Sabia o arguido que, com a sua conduta, iria constranger os militares da GNR de modo a obstar a que os mesmos praticassem um ato relativo ao exercício das suas funções.
11. Sabia o arguido que ao proferir a expressão bandalho acima referida, a mesma era ofensiva da honra e consideração do ofendido, militar da GNR B..., uma vez que o facto que o arguido lhe imputou é falso.
12. Sabia ainda o arguido que o ofendido, militar da GNR B..., é agente da força pública, exercendo funções no posto da GNR de ... e que apenas proferiu tal expressão por causa do ofendido exercer tais funções.
13. O arguido agiu com intenção de ofender a honra e consideração do militar da GNR B..., o que logrou concretizar.
14.Sabia o arguido que prometia uma quantia monetária ao militar da GNR que não era devida ao mesmo, não obstante tal conhecimento, o arguido procedeu de tal forma.
15. Tinha o arguido intenção com tal promessa de oferta que o militar da GNR o libertasse e não o autuasse, praticando, assim, ato contrário aos seus deveres do cargo.
16.O arguido sabia que não podia conduzir viaturas automóveis na via pública depois de ter ingerido grandes quantidades de bebidas alcoólicas, todavia, tal conhecimento não o coibiu de adotar a conduta acima descrita, o que quis e logrou concretizar.
17.-Mais sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei.
XVI- Com a alteração da matéria de facto dada como provada e não provada acima referida, impõe-se a absolvição do arguido de todos os crimes por que foi condenado, bem como da sanção acessória de inibição de conduzir que lhe foi aplicada.
XVII- Independentemente da alteração da matéria de facto dada como provada e não provada, que se impõe pelos motivos acima expostos, e sem condescender, importa também desde já dizer, que mesmo os factos dados como provados, que na douta sentença recorrida foram considerados como integrantes do crime de resistência e coação sobre funcionário, previsto e punido pelo Art. 347 do C. Penal, não têm relevância criminal, uma vez que estamos perante funcionários que são militares e não meros funcionários.
XVIII- Não existe no caso em apreço um ato de violência idóneo a intimidar, perturbar, ou impedir a liberdade de ação dos três militares da GNR.
XIX- Tendo em consideração as especiais qualidades dos agentes da autoridade intervenientes no caso em apreço, no que diz respeito à capacidade de cada um deles suportar/gerir pressões e determinadas situações de confronto, a atuação do arguido, não é dotada de idoneidade suficiente para inviabilizar os atos funcionais desses militares.
XX- Tem que se exigir um grau mais elevado de violência e ameaça, para que se possa considerar preenchido o tipo de crime.
XXI- Tem assim, no caso concreto, de considerar-se as sobre capacidades dos militares da GNR.
XXII- Em momento algum os militares da GNR se sentiram constrangidos a não agir em conformidade com os seus deveres funcionais.
XXIII- Pelo que a meritíssima Juiz ao condenar o arguido pelo crime de resistência e coação sobre funcionário, violou o Art. 347 do Código Penal.
XXIV- A condenação do arguido pela prática do crime de corrupção ativa, previsto e punido pelo Art. 374 do C. Penal enferma de um falso pressuposto.
XXV- Em momento algum o arguido fez uma promessa séria ao militar C....
XXVI- Estamos, no caso em apreço, perante uma impossibilidade real de cometer o crime de corrupção ativa, uma vez que não estamos perante uma promessa séria, e só esta pode integrar este tipo de ilícito.
XXVII- Pelo que a meritíssima juíza recorrida ao condenar o arguido pela prática do crime de crime de corrupção ativa, violou o Art. 374 do C. Penal.
XXVIII- A condenação do arguido pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos Arts. 292, n.º 1 e 69, ambos do C. Penal está fundamentada através de um meio de prova proibido.
XXIX- Nos termos do Art. 14 da Lei n.º 18/2007 que revogou o Decreto Regulamentar n.º 24/98, de 30 de Novembro só podem ser utilizados nos testes quantitativos de álcool no ar expirado aparelhos ou analisadores que obedeçam às características fixadas na supra referida Portaria.
XXX- Ora, nos termos do Art. 14 dessa Lei, só podem ser utilizados nos testes quantitativos de álcool expirado analisadores que obedeçam às características fixadas em portaria conjunta dos Ministros da Administração Interna, da Justiça e da Saúde e que sejam aprovados por Despacho do Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.
XXXI- No entanto esta aprovação, está dependente da aprovação prévia de marca e modelo pelo Instituto Português de Qualidade, nos termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros aprovado pela Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro que revogou a Portaria n.º 748/94, de 13 de Agosto.
XXXII- Desconhece o arguido qualquer aprovação, por Despacho do Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, para a sua utilização na fiscalização rodoviária, posterior ao dia 6 de Junho de 2007, data em que foi publicado no D.R 2ª Série nº.109, o despacho do IPQ nº.11037/2007, de 24.04, correspondendo-lhe o número 211.06.07.3.06, e anterior à data dos factos.
XXXIII- Só se verificou a publicitação pela ANSR de aprovações anteriores.
XXXIV- A última aprovação de utilização, de um modelo semelhante ao utilizado na fiscalização do arguido, remonta a 06/08/1998, conforme consta no Despacho de publicitação da DGV n.º 12594/2007, de 16 de Março de 2007.
XXXV- O Despacho do Presidente da ANSR citado na douta sentença recorrida - Despacho n.° 19684/09, de 25/06 - é posterior à data dos factos,
XXXVI- E portanto não se aplica retroativamente.
XXXVII- Contrariamente ao afirmado na douta sentença recorrida, o Despacho da DGV n.º 12594/2007, de 16/03, não consubstancia uma aprovação de utilização do aparelho previamente aprovado pelo IPQ, mas tão só a publicitação dos despachos aprovação de utilização da DGV e de aprovação de modelo do IPQ, anteriores.
XXXVIII- Importa salientar que o modelo agora utilizado e aprovado, não é exatamente o mesmo que o anterior - (agora foi aprovado o Drager Alcotest 7110 MK III P).
XXXIX- Estes aparelhos, aprovados pelo IPQ em 6 de Junho de 2007 (data da publicação no Diário da República) até ao passado dia 27 de Agosto de 2009, não podiam ser utilizados na fiscalização rodoviária, porque não se encontrava aprovada essa utilização pela ANSR.
XL- Já que nos termos da legislação em vigor, a aprovação de utilização pela ANSR/DGV tinha que ser, precedida da homologação do aparelho pelo IPQ.
XLI- Não podendo pois o resultado do aparelho ser utilizado como prova,
XLII- Concedemos que, considerar nula a prova obtida mediante tais aparelhos, não aprovados nos termos legais, implica reconhecer, que neste país, têm sido condenados milhares de cidadãos, entre Setembro de 2006 e Agosto de 2009, com recurso a meios de prova ilegais.
XLIII- Finalmente, em Agosto de 2009, a ANSR veio legalizar a utilização de tais aparelhos através do despacho de aprovação n.º 19684/2009 publicado no Diário da República, 2ª série, de 27 de Agosto, consubstanciando o reconhecimento expresso de que, anteriormente, tal utilização dos aparelhos era ilegal.
XLIV- Estamos perante a utilização de provas proibidas, que como tal não podem ser utilizadas como prova, sendo o recurso a elas um erro de direito e são insanáveis.
XLV- A prova obtida através da utilização de um aparelho que não se encontra aprovado nos termos legais, ou seja, que não se encontrava, à data dos factos, aprovada a sua utilização na fiscalização rodoviária pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária ou pela DGV, nos moldes acima expostos, por força da aplicação dos Arts. e 125 e 126 do C.P.P. é ilegal, e deve também ser julgada inconstitucional, por violação do n.º 4 do Art.32 da C.R.P.
XLVI.- Foi também violado o Art.122 do Código de Processo Penal, já que deveria ter sido declarada a nulidade da referida prova e tal nulidade determina a invalidade do ato em que se verificar e bem assim daqueles que dele dependerem e possam afetar, devendo ser declarados inválidos e ordenar, se possível a sua repetição, salvando o que puder ser salvo.
XLVII- Assim, estando perante a utilização de meios de obtenção de prova proibidos - resultado obtido através do aparelho utilizado sem autorização legal -, e uma vez que o arguido foi condenado com base numa prova inválida, que não poderia ser admitida, o arguido terá de ser absolvido deste crime.
XLVIII- Se assim não se considerar, diga-se desde já que houve um erro notório na apreciação da prova - vide alínea c) do n.º 2 do Art.410 do C.P.P. - uma vez a meritíssima juiz não usou a certeza do erro mínimo, ao não considerar a margem de erro do aparelho, que se cifra no caso em apreço, em mais ou menos 15% [Ac. da Relação do Porto de 19/Dez/2007, de 07/Mai/2008, de 02/Abr/2008, de 14/Mai/2008, 170ut/2008, de 22/0ut/2008, de 26/Nov/2008, 21/Jan/2009, de 30/Set/2009 e de 09/Dez/2009, do Tribunal da Relação de Coimbra de 09/Jan/2008, do Tribunal da Relação de Guimarães de 26/Fev/2007 e Tribunal da Relação de Lisboa de 07/Mai/2008], ou seja,
XLIX- Esta é a taxa de erro máximo admissível, aplicável aos aparelhos de pesquisa de álcool no sangue através do ar expirado, por força da Recomendação da Organização Internacional de Metrologia e da Portaria n.º 1556/07, de 10 de Dezembro.
L- Deduzindo assim 15% ao valor constante do talão, a TAS seria de 1,79 g/l e não de 2,11 g/l.
LI- A taxa de álcool no sangue, embora não seja o único critério a usar na medida da pena, terá sempre de a condicionar.
LII- Quanto à medida das penas e da sanção acessória aplicadas ao arguido, sem condescender e por mero dever de patrocínio, diga-se que foram todas excessivas
LIII- Assim, atendendo ao grau de ilicitude e a intensidade do dolo, ao facto de estarmos perante um arguido primário, sem antecedentes criminais registados, calmo, pacato e inserido social, profissional e familiarmente.
LIV- E atendendo ainda às circunstâncias em que os factos foram alegadamente praticados, nomeadamente à ingestão de bebidas alcoólicas juntamente com medicamentação.
LV- A multa a aplicar em caso de se considerar que o arguido cometeu o crime de crime de condução de veículo em estado de embriaguez previsto e punido pelo Art. 292, n.º 1 do C. Penal não deverá ser superior ao meio da pena em abstrato - entre 10 e 120 dias -, ou seja,
LVI- A pena de multa aplicável não deveria ultrapassar os 40 dias de multa, o que à taxa diária aplicada na douta sentença - € 6,0 por dia - perfaz no total uma pena de multa de € 240,00.
LVII - Já quanto à sanção acessória de inibição de conduzir prevista no Art. 69 do C. Penal, a mesma é exageradíssima.
LVIII- O arguido não teve a noção do grau de alcoolémia de que era portador, acrescendo que, quanto maior é taxa, menor será a culpa.
LIX- O poder de agir de outra maneira - culpa - até diminui na medida em que aumenta o grau de alcoolemia.
LX- Assim, o facto de o arguido não ter antecedentes criminais registados nem rodoviários, deveria levar a aplicar uma sanção acessória de inibição de conduzir perto do mínimo, ou seja, nunca superior a quatro meses.
LXI- Quanto ao crime de resistência e coação sobre funcionário, previsto e punido pelo Art. 347 do C. Penal, sempre se diga que também a pena de prisão aplicada, mesmo que suspensa, é excessiva.
LXII- Pelas mesmas razões acima indicadas, e ainda, porque o arguido não causou qualquer dano corporal a nenhum dos militares da GNR, entendemos que a pena de multa deve ser inferior a um décimo da moldura penal aplicável, ou
LXIII- A medida da pena deverá fixar-se junto ao mínimo da moldura penal (um mês até três anos e quatro meses), não devendo ultrapassar os dois meses de pena de prisão.
LXIV- Quanto ao crime de injúria agravada, previsto e punido pelo Art. 181, n.º 1 e 184 do C. Penal., sempre se diga que também a pena de multa também é excessiva.
LXV- Pelas mesmas razões acima indicadas, entendemos que a pena de multa não deve ultrapassar um quarto da moldura penal aplicável, ou seja,
LXVI- A medida da pena deverá fixar-se entre o mínimo e metade da moldura penal (15 dias a 180 dias de multa), pelo que a pena de multa não deverá ultrapassar de 45 dias.
LXVII- Por último, quanto ao crime de crime de corrupção ativa, na forma especialmente atenuada, previsto e punido pelos Arts. 374 e alínea b) do 364, ambos do C. Penal, sempre se diga que também a pena de prisão aplicada, mesmo que suspensa, é excessiva.
LXVIII- A medida da pena deverá fixar-se junto ao mínimo da moldura penal (um mês a cinco anos de prisão), pelo que não deverá ultrapassar os três meses de prisão.
Assim, devem ser declaradas a nulidade supra invocadas, quer em relação ao crime de injúria agravada, quer em relação crime de condução sob o efeito de álcool, com todas as consequências legais.
Se assim não se entender, sempre deverá ser alterada a matéria de facto dada como provada nos termos acima referidos, ficando pois a decisão da matéria de facto em conformidade com a prova produzida em audiência de julgamento, ou mais concretamente com a ausência de prova, devendo a sentença ser revogada e em consequência o arguido, ora recorrente, ser absolvido.
Por último, e também sem condescender e por dever de patrocínio, caso se considere que não existe qualquer nulidade ou irregularidade não sanada e que existe prova nos autos da prática dos crimes pelo arguido, sempre a douta sentença deve ser modificada no sentido de condenar as seguintes penas parcelares:
- Pela prática do crime condução sob o efeito de álcool numa pena de multa nunca superior a 40 dias à taxa diária de € 6,00, acrescido da sanção acessória de inibição de conduzir veículos automóveis por um período não superior a quatro meses;
- Pela prática do crime de injúria agravada numa pena de multa nunca superior a 45 dias à taxa diária de € 6,00;
- Pela prática do crime resistência e coação sobre funcionário numa pena de prisão não superior dois meses de prisão;
- Pela prática do crime de corrupção passiva numa pena de prisão não superior a três meses.
Fixadas as penas parcelares, importa fazer o cúmulo jurídico das penas de multa e das penas de prisão, suspendendo esta nos termos do Art.50 n.º 1 do Código Penal, como aliás já tinha sido decidido na douta sentença recorrida.
Respondeu o Magistrado do Mº Pº, concluindo:
1- O Militar não se limitou a assinar a participação/Auto de Notícia, pois quando inquirido nos autos, a fls. 24 e 25, disse que continuava a desejar procedimento criminal. Ou seja, entendemos que o facto de o mesmo ter utilizado tal expressão continuava, significa que encarou a sua assinatura do Auto de Notícia como uma participação.
2- Os Militares da G.N.R., que depuseram de forma lógica e isenta, sendo a versão dos factos apresentada por cada um deles coincidente' e coerente, designadamente, com os factos já relatados no Auto de Notícia.
3- Os Militares tiveram dificuldade em conter a violência exercida pelo arguido, que os empurrou por diversas vezes, uma das vezes, quando um dos Militares estava de costas, tendo projetado o corpo dos Militares de encontro uma viatura automóvel.
4- Se o arguido ao dirigir a expressão: "Você quer quinhentos contos ou mil contos para me mandar embora? Eu telefono e o dinheiro está cá em cinco minutos" pretendia desabafar, só vem dar razão à Meritíssima Juiz que o condenou pela prática do crime de corrupção ativa, pois, desse modo, exteriorizou o que sentia e o que pretendia - oferecer uma quantia monetária ao Militar para que o mesmo não praticasse um ato relativo ao exercício das suas funções.
5- O aparelho utilizado pelos Militares foi aprovado pelo IPQ por despacho nº 11037/07, de 24.04, publicado no D.R. 2ª série nº 109, em 06.06.2007, o qual estabeleceu um prazo de validade de dez anos. O despacho Presidente da ANSR publicado posteriormente não inutilizou as atribuições da DGV, de acordo com o artigo 10 da Portaria nº 1556/07.
6- Os erros máximos admissíveis não se destinam a atuar nas medições concretas efetuadas por cada aparelho aprovado e verificado, antes atuando em momentos prévios, ou seja, nas operações de aprovação e de verificação dos aparelhos. Depois de aprovado e verificado o alcoolímetro, o mesmo fornece, em cada utilização, medições válidas e fiáveis para os fins pretendidos pela lei.
7- Razões pela qual a douta sentença deverá ser mantida.
Nesta Instância, o Ex.mº Procurador Geral Adjunto, em parecer emitido, sustenta a improcedência do recurso.
Foi cumprido o art. 417 nº 2 do CPP.
Foi apresentada resposta, na qual o recorrente conclui como no recurso.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.
***
Mostra-se apurada, a seguinte matéria de facto e fundamentação da mesma:
– Fundamentação de facto:
A. Factos Provados: Com interesse para a decisão a proferir, resultaram provados os seguintes factos:
1.No dia 19 de Junho de 2009, pelas 4 horas e 10 minutos, o arguido conduzia na Rua … , em ..., a viatura automóvel de matrícula ... quando foi mandado parar pelos militares da GNR de ..., que se encontravam devidamente uniformizados.
2.O arguido foi submetido ao teste qualitativo de alcoolemia no ar expirado e face ao resultado obtido em tal teste, os militares da GNR informaram o arguido que teria de se submeter à realização de outro teste a realizar em aparelho quantitativo no Posto da GNR de ....
3.O arguido disse que não queria fazer tal teste e disse aos militares “Não são vocês que me seguram”, tendo agarrado com as duas mãos pelos braços o militar da GNR B..., que se encontrava de costas e projetou o corpo do mesmo contra a lateral esquerda do automóvel, tendo-o mantido sob pressão alguns instantes sem o largar.
4.De seguida, os militares D... e C... fizeram cessar tal agressão, agarrando o arguido.
5.Este, tentando libertar-se, empurrou, com o seu corpo, o corpo do militar C..., projetando-o de encontro ao veículo automóvel, o que lhe provocou uma escoriação no cotovelo do braço direito deste.
6.Já no Posto da GNR de ..., o arguido disse so militar da GNR C... a seguinte expressão: “Você quer quinhentos contos ou mil contos para me mandar embora? Eu telefono e o dinheiro está cá em cinco minutos”.
7.Depois de ter sido restituído à liberdade, o arguido disse ao militar B... as seguintes expressões: “o senhor é um bandalho”.
8.Nas supra referidas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido conduzia a referida viatura automóvel com uma taxa de álcool no sangue de 2,11 g/l.
9.O arguido atuou de forma livre, voluntária e consciente.
10.Pretendia o arguido, ao projetar os corpos dos militares da GNR B... e C... de encontro à viatura automóvel, constranger os mesmos de modo a que não praticassem ato relativo ao exercício das suas funções.
11.Sabia o arguido que, com a sua conduta, iria constranger os militares da GNR de modo a obstar a que os mesmos praticassem um ato relativo ao exercício das suas funções e sabia, ainda, o arguido que os mesmos se tratavam de militares da GNR, uma vez que os mesmos se encontravam devidamente uniformizados.
12.Sabia o arguido que ao proferir a expressão “bandalho” acima referida, a mesma era ofensiva da honra e consideração do ofendido, militar da GNR B..., uma vez que o facto que o arguido lhe imputou é falso.
13.Sabia ainda o arguido que o ofendido, militar da GNR B..., é agente da força pública, exercendo funções no Posto da GNR de ... e que apenas proferiu tal expressão por causa do ofendido exercer tais funções.
14.O arguido agiu com intenção de ofender a honra e consideração do militar da GNR B..., o que logrou concretizar.
15.Sabia o arguido que prometia uma quantia monetária ao militar da GNR que não era devida ao mesmo, não obstante tal conhecimento, o arguido procedeu de tal forma.
16.Tinha o arguido intenção com tal promessa de oferta que o militar da GNR o libertasse e não o autuasse, praticando, assim, ato contrário aos seus deveres do cargo.
17. O arguido sabia que não podia conduzir viaturas automóveis na via pública depois de ter ingerido grandes quantidades de bebidas alcoólicas, todavia, tal conhecimento não o coibiu de adotar a conduta acima descrita, o que quis e logrou concretizar.
18.Mais sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei.
19.O alcoolímetro da marca “Drager”, modelo “7110 MKIII P”, que determinou a taxa referida em 8) foi aprovado por despacho do IPQ nº.11037/2007, de 24.04, publicado no D.R 2ª.série nº.109, de 06.06.2007, correspondendo-lhe o nº.211.06.07.3.06, no qual se estabeleceu o prazo de validade de 10 anos.
20.O aparelho que determinou a taxa referida em 8) foi objeto de verificação periódica em 23/04/2009, com aprovação válida até 31/12/2010.
21.O arguido é agricultor, auferindo cerca de € 500 por mês.
22. O arguido vive em casa emprestada, com a sua mulher, que está desempregada, e dois filhos com 10 e 1 ano de idade.
23.O arguido tem de habilitações literárias o 6º ano de escolaridade.
24.O arguido é trabalhador, pacato e considerado pela comunidade.
25.O arguido não tem antecedentes criminais registados.
B. Factos Não Provados:
Não resultaram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.
Motivação da Decisão de Facto:
A convicção do Tribunal, relativamente à matéria de facto considerada provada, baseou-se nas declarações das testemunhas C..., B... e D..., militares da G.N.R. que presenciaram os factos, e depuseram de forma espontânea, isenta e coerente, tendo, por isso, merecido credibilidade. As testemunhas referiram as circunstâncias em que abordaram o arguido e a recusa do mesmo em se deslocar ao Posto após o teste qualitativo ter acusado taxa de álcool no sangue, pretendendo conduzir a sua viatura até casa primeiro. Quando lhe foi negada tal possibilidade o arguido exaltou-se, dizendo que não eram os três militares que o segurava, tendo, nesse momento, agarrado o militar B... pelos braços, que se havia entretanto colocado entre o arguido e o seu veículo, atirando-o contra a lateral do veículo do arguido. Mais referiram que após, enquanto colocavam as algemas ao arguido, este, embora agarrado por dois militares da GNR pelos pulsos, face à sua enorme compleição física (quer de altura quer de peso), contorceu o tronco tentando evitar a colocação das algemas, fazendo com que o militar C... (mais baixo e magro que o arguido) fosse projetado contra o jipe, batendo com o cotovelo no mesmo. Já no interior do posto, e após efetuar o teste quantitativo, o arguido dirigiu-se ao militar C... perguntando-lhe se queria quinhentos ou mil contos para o deixar ir embora e que após a elaboração do expediente, quando o arguido se encontrava já no exterior do Posto dirigiu ao militar da GNR B... a expressão “bandalho”. Os depoimentos destas testemunhas foram coerentes entre si não sendo suficiente para descredibilizar os mesmos o facto de não se recordarem de quem fechou a viatura automóvel do arguido antes de se deslocarem para o Posto, pois, atento o lapso temporal decorrido desde os factos e o número de ocorrências a que as testemunhas assistem, é perfeitamente natural que apenas memorizem as circunstâncias mais relevantes para o objeto do caso.
Perante a conjugação dos depoimentos supra, o tribunal não pôde atribuir credibilidade às declarações do arguido, que referiu que quando se dirigiu ao carro apenas pretendia desligar as luzes e retirar as chaves da ignição, tendo sido logo imobilizado pelos militares da GNR que o pretendiam algemar, negando ter agarrado o militar B... pelos braços. Também negou ter proferido a expressão “bandalho” e disse apenas ter esbracejado para evitar ser algemado, classificando tal atitude como normal quando se está a ser algemado. Embora o arguido tenha admitido ter proferido a expressão de perguntar se queriam 500 ou 1000 contos para o deixarem ir, classificou-a de expressão infeliz, tendo-a como um desabafo não lhe atribuindo qualquer carácter de seriedade.
O tribunal atendeu, ainda, ao depoimento das testemunhas …………….., amigos e vizinhos do arguido, que depuseram de forma espontânea e coerente, que esclareceram o tribunal relativamente à personalidade do arguido.
Na formação da sua convicção, o tribunal atendeu, ainda, à análise crítica dos documentos juntos a fls. 10, 101 e 102, 143 a 147 e 155 a 157.
Foi tido em consideração o certificado de registo criminal do arguido junto aos autos a fls. 150 e as suas declarações quanto às suas condições pessoais e económicas.
***
Conhecendo:
O recorrente alega:
- Relativamente ao crime de injúria agravada, a inexistência de queixa por parte do alegado ofendido cabo da GNR B... -Conclusões 1 a 11.
- Relativamente à matéria de facto, entende como mal apreciada e impugna a constante dos pontos 3, 4 parte final e, 5 a 18 - Conclusões 12 a 16.
- Deficiente qualificação jurídica dos factos apurados:
Relativamente ao crime de resistência e coação sobre funcionário (inexiste ato de violência idóneo a intimidar ou perturbar ou impedir)- Conclusões 17 a 23.
Relativamente ao crime de corrupção ativa (falta de promessa séria)- Conclusões 24 a 27.
- Os factos relativos ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez fundamentaram-se em meio de prova proibido - Conclusões 28 a 47.
-Não aplicação do EMA - Conclusões 48 a 50.
- Medida das penas (principal e acessória), que tem como exageradas - Conclusões 51 a 68.
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Crime de injúria agravada:
Estando em causa um único crime de injúria, consequentemente um único ofendido, não se entende o suscitar desta questão uma vez que no auto de notícia se refere expressamente que “das ameaças e injúria, proferidas pelo denunciado a testemunha deseja procedimento criminal contra o denunciado”.
Do teor do auto de noticia se entende perfeitamente, por quem e contra quem é formulada a queixa.
Sendo que do mesmo auto consta que a expressão injuriosa foi dirigida “em voz alta ao Cabo nº 536 –B...”, pelo que só podia ser este, que assina o auto de denuncia como testemunha juntamente com o Guarda D..., a “testemunha” que desejava procedimento criminal pela injúria.
Sendo que esta testemunha Cabo B..., ouvido em inquérito, a fls. 24, confirma o teor da participação e refere que continua a desejar procedimento criminal contra o arguido.
A questão a decidir incide sobre a existência, ou não de queixa e a consequente legitimidade, ou não, do Mº Pº para exercer a ação penal.
O eventual ofendido é um agente da GNR, Cabo B... que assinou o auto de notícia como testemunha.
A vontade deste, na altura eventual ofendido, não pode deixar de se considerar manifestação inequívoca de que pretende procedimento criminal contra o infrator.
Desse depoimento resulta inequivocamente que o Cabo B... se sentiu vítima daquela expressão contra si proferida e que pretendia que por esses factos a ação penal fosse exercida.
Sobre esta matéria refere o Professor Figueiredo Dias in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pag. 675: “No que toca à forma da queixa, tanto o CP como o CPP são omissos, devendo por isso entender-se que ela pode ser feita por toda e qualquer forma que dê a perceber a intenção inequívoca do titular de que tenha lugar procedimento criminal por certo facto. O que só é reforçado pelo disposto no art. 49º-3 do CPP, já acima referido. Não se torna necessário, por outro lado, que a queixa seja como tal designada; e é mesmo irrelevante que seja qualificada de outra forma pelo seu autor, v.g., como denúncia, acusação, etc. Tão-pouco é relevante que os factos nela referidos sejam corretamente qualificados do ponto de vista jurídico-penal. Indispensável é só que o queixoso revele indubitavelmente a sua vontade de que tenha lugar procedimento criminal contra os agentes (eventuais) pelo substrato fáctico que descreve ou menciona” (sublinhado nosso).
A queixa consiste numa manifestação de vontade inequívoca de responsabilização criminal do agente a quem se imputa um facto criminoso. E, in casu essa vontade é manifesta e expressada de forma inequívoca e por quem tinha legitimidade para apresentar a queixa, a testemunha vítima da injúria.
Assim, que nesta parte entendamos não merecer provimento o recurso e, o Mº Pº tinha legitimidade para promover o processo.
Matéria de facto:
A matéria de facto apurada (factos provados e não provados) há-de resultar da prova produzida (depoimentos, pareceres documentos) conjugada com as regras da experiência comum.
O recurso não tem como funcionalidade reexaminar a matéria de facto, e o recurso não serve para um novo julgamento.
O recurso sobre a matéria de facto é um remédio para corrigir patentes erros de julgamento sobre matéria apontada pelo recorrente e tendo por base a sua argumentação que pode levar a decisão diversa e apenas isso.
O recorrente questiona a matéria de facto, colocando em causa a prova e a apreciação da mesma, relativamente a pontos concretos (todos os que lhe inculcam a autoria dos crimes imputados).
A prova é valorada, tal qual é produzida em audiência, sendo a prova testemunhal perante os depoimentos orais e a imediação.
No nosso ordenamento jurídico/processual penal vigora o princípio da livre apreciação da prova, sendo esta valorada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador -, art. 127 do C. P. Penal.
O princípio da livre apreciação da prova está intimamente ligado à obrigatoriedade de motivação ou fundamentação fáctica das sentenças criminais, com consagração no art. 374/2 do Código de Processo Penal.
E não dispensa a prova testemunhal um tratamento cognitivo por parte do julgador mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal qual a prova indiciária de qualquer natureza, pode ser objeto de formulação de deduções ou induções baseadas na correção de raciocino mediante a utilização das regras de experiência.
A atribuição de credibilidade ou da não credibilidade a uma fonte de prova por declarações assenta numa opção motivável do julgador na base da sua imediação e oralidade que o tribunal de recurso só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum. O juiz é livre de formar a sua convicção no depoimento de um só declarante em desfavor de testemunhos contrários, cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, 207.
No mesmo sentido, recurso desta Relação nº 3127/99 de 2-2-2000, no qual se refere que “as declarações da ofendida, quando credíveis e inferidas de todos os outros elementos de prova, são suficientes para, segundo as regras da experiência, dar como provados os factos”.
Relevante é que esse depoimento seja convincente e abale a prova produzida e que aponta em sentido contrário.
Assim que, se entenda que é possível dar como provados (ou não provados) factos fundando-os num só depoimento (ou declarações), desde que o mesmo seja convincente.
Não basta como alega o recorrente de que o arguido negou perentoriamente os factos e que os depoimentos dos agentes não são merecedores de credibilidade. Era necessário demonstrar porque devem ser as declarações do arguido merecedoras de credibilidade e os depoimentos dos agentes descredibilizados.
E, a alegação do recorrente apenas insiste nisso, de que se valoraram os depoimentos dos agentes em detrimento das suas declarações, quando deveria ter sido ao contrário.
Refere o Prof. Figueiredo Dias que só a oralidade e a imediação permitem o indispensável contacto vivo com o arguido (e testemunhas) e a recolha deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais contritamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. Tal relação estabelece-se com o tribunal de 1ª instância, e daí que a alteração da matéria de facto fixada em decisão colegial deverá ter como pressuposto a existência de elemento que, pela sua irrefutabilidade, não afete o princípio da imediação.
Observe-se que a decisão da primeira instância será sempre o resultado duma «convicção pessoal» nela desempenhando papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionais não explicáveis -, v. g. a credibilidade que se concede a determinado meio de prova -, pelo que o tribunal de recurso ao apreciar a prova por declarações deve, salvo casos de exceção, adotar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido.
Como se diz no acórdão da Relação de Coimbra, de 6 de março de 2002 (C.J., ano XXVII , 2º , página 44) , “quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”.
Paulo Saragoça da Matta, in Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 253, refere que se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração.
Como se refere no recurso desta Rel. nº 4172/05, de 15-03-2006, “Para respeitar os princípios da oralidade e da imediação, se a decisão do julgador estiver fundamentada na sua livre convicção e for uma das soluções possíveis segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso”.
O que o recorrente pretende é que o tribunal de recurso faça um novo julgamento e que julgue de acordo com as suas próprias convicções e não segundo as regras de experiência e a sua livre convicção, como disciplina o art. 127 do CPP.
Do desenrolar dos acontecimentos não transparece a candura alegada pelo recorrente de que “quando não gosta vira as costas e vai embora”.
Perante o resultado da efetuação do teste qualitativo e a necessidade do procedimento sequencial de ida ao Posto para ser efetuado o teste quantitativo, o comportamento do arguido não é o de quem acata a ordem pacatamente e apenas vai ao veículo retirar as chaves e deixá-lo fechado.
Assim que perante duas versões antagónicas (a da acusação por um lado e a da defesa por outro), ao julgador apenas competia apreciar a prova, fazer a análise crítica da mesma e decidir pela versão tida como convincente.
Mas o Tribunal teve como mais consentânea com a verdade a versão da acusação.
E, diremos que o preceituado no art.127 do Código de Processo Penal deve ter-se por cumprido quando a convicção a que o Tribunal chegou se mostra objeto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante, e onde não se vislumbre qualquer assumo de arbítrio na apreciação da prova (regras da experiência e livre convicção da entidade competente).
Na motivação da matéria de facto se refere na sentença que os depoimentos das testemunhas de acusação, “que presenciaram os factos, depuseram de forma espontânea, isenta e coerente, tendo, por isso, merecido credibilidade”. E, apenas se pode dar credibilidade a uma das versões quando elas são antagónicas e, por isso, “o tribunal não pôde atribuir credibilidade às declarações do arguido”.
O alegado pelo recorrente não abala os fundamentos da convicção do julgador, que temos conformes às regras da experiência.
Afigura-se-nos que ressalta, de forma límpida, do texto da sentença ter o Tribunal, após ponderada reflexão e análise crítica sobre a prova recolhida, obtido convicção plena, porque subtraída a qualquer dúvida razoável, sobre a verificação dos factos imputados ao arguido e que motivaram a sua condenação.
O que, diferentemente se pretende é que o tribunal deveria ter valorado as provas à maneira da recorrente, substituindo-se ele-recorrente ao julgador, mas tal incumbência é apenas, porém deste - art. 127 CPP.
Na conjugação dos depoimentos com a credibilidade que cada um mereceu e as inferências daí resultantes, partiu para a operação intelectual de formação da convicção, resultando a prova dos factos.
Assim, temos que não se verifica qualquer erro, e a convicção do julgador tem suporte nos depoimentos, inexistindo violação do princípio in dúbio pró reo.
Mantendo-se a matéria de facto tal como fixada na sentença.
Deficiente qualificação jurídica dos factos apurados:
A nível de matéria de direito entende o recorrente que os factos imputados não são objetivamente suscetíveis de integrar os ilícitos pelos quais foi condenado (resistência e corrupção).
Pelo que interessa antes de mais, averiguar se os factos provados integram o elemento objetivo daqueles crimes imputados, dado que na sentença recorrida se entendeu que sim e o recorrente entende que não.
Entende o recorrente que os factos provados não integram os elementos objetivos dos tipos de crime, resistência e coação sobre funcionário e corrupção ativa.
Crime de resistência e coação sobre funcionário:
Entende o recorrente que inexistiu violência idónea a intimidar, perturbar pu impedir que os agentes da autoridade executassem as suas funções.
É certo que, conforme refere o recorrente, um agente da autoridade tem de ter uma capacidade especial para suportar/gerir pressões e determinadas situações de confronto, a violência e ameaça tem de atingir um grau mais elevado.
Assim como o art. 21 da CRP consagra o direito que todos têm de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias.
Porém, não é necessário ser violência ou ameaça físicas, podendo ser moral, desde que seja grave. Aferindo-se a gravidade pela “seriedade com que é feita e pela potencialidade para produzir o efeito querido” Maia Gonçalves, anotação ao art. 347 do seu Código Penal Português anotado e comentado.
Não é necessário, como parece entender o recorrente, que a violência ou ameaça sejam impeditivas de o funcionário ou membro de forças militarizadas ou de segurança cumprirem as suas obrigações profissionais.
Em termos genéricos, podemos dizer que se entende por violência todo o ato de força ou hostilidade que seja idóneo a coagir o funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, e existe ameaça grave em todos os casos em que a ação afecte a segurança e tranquilidade da pessoa a quem se dirige e seja suficientemente séria para produzir o resultado pretendido.
“O crime em análise é um crime de perigo, para cuja consumação é tão só exigida a prática da ação coatora adequada a anular ou comprimir a capacidade de atuação do funcionário” – Ac. desta Relação, de 08-09-2010, proferido no Processo nº 9/09.9GBCNT.C1.
De todo o modo, a violência terá de ser exercida de modo sério e com a intensidade necessária para intimidar.
Neste contexto, o critério de avaliação do grau de violência/ameaça relevante para se considerar preenchido o tipo em causa há-de assentar na idoneidade dessa violência/ameaça para perturbar a liberdade de ação do funcionário, sendo natural que uma mesma ação integre o conceito de violência relevante nos casos em que o sujeito passivo for mero funcionário e seja desvalorizada quando o visado é, por exemplo, um militar.
E, como refere expressamente Cristina Líbano Monteiro, «diferentemente do que acontece no crime de coação do artigo 154, não se torna necessário que à adequação do meio, no sentido atrás considerado, se siga um comportamento coagido. Tanto a resistência eficaz como a ineficaz estão compreendidas na ofensa típica. Trata-se, contudo, de um crime material, uma vez que deve exigir-se, para a consumação, um resultado intermédio: que a ação violenta ou ameaçadora tenham atingido, de facto, o seu destinatário» -Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo III, pág. 342. Dito por outras palavras, o tipo de crime em causa não exige que o agente impeça, de facto, o exercício do ato de função pública que estiver em causa; basta que o agente se oponha com violência/ameaça a esse exercício.
No caso vertente e, tendo ficado provado:
3.O arguido disse que não queria fazer tal teste e disse aos militares “Não são vocês que me seguram”, tendo agarrado com as duas mãos pelos braços o militar da GNR B..., que se encontrava de costas e projetou o corpo do mesmo contra a lateral esquerda do automóvel, tendo-o mantido sob pressão alguns instantes sem o largar.
4.De seguida, os militares D... e C... fizeram cessar tal agressão, agarrando o arguido.
5.Este, tentando libertar-se, empurrou, com o seu corpo, o corpo do militar C..., projetando-o de encontro ao veículo automóvel, o que lhe provocou uma escoriação no cotovelo do braço direito deste.
6.Já no Posto da GNR de ..., o arguido disse so militar da GNR C... a seguinte expressão: “Você quer quinhentos contos ou mil contos para me mandar embora? Eu telefono e o dinheiro está cá em cinco minutos”.
10.Pretendia o arguido, ao projetar os corpos dos militares da GNR B... e C... de encontro à viatura automóvel, constranger os mesmos de modo a que não praticassem ato relativo ao exercício das suas funções.
11.Sabia o arguido que, com a sua conduta, iria constranger os militares da GNR de modo a obstar a que os mesmos praticassem um ato relativo ao exercício das suas funções e sabia, ainda, o arguido que os mesmos se tratavam de militares da GNR, uma vez que os mesmos se encontravam devidamente uniformizado.
Tendo em conta estes factos é manifesto ter havido violência e ameaça grave e inibidora do exercício das funções por parte daqueles agentes da autoridade, exercida de modo sério e com a intensidade necessária para intimidar.
“Um empurrão deliberado e agressivo contra membro de força militar (GNR) integra o conceito penal de violência, com idoneidade para concretizar a oposição do autor à prática do ato devido (detenção), sendo por isso bastante para se ter como verificada a prática pelo arguido do crime de resistência, previsto e punido pelo artigo 347 do C. P., independentemente de essa oposição ter ou não êxito” – Ac. desta Relação, de 27-06-2007, proferido no processo nº 1177/05.4PBFIG.C1.
Assim que se considera que a atuação do arguido integra a prática do crime de resistência a funcionário previsto no art. 347 do C. Penal, pelo qual vinha acusado e, pelo qual foi condenado.
Crime de corrupção ativa:
Entende o recorrente que inexistiu uma promessa séria.
Será que o recorrente também entende que a promessa só é séria quando a “oferta” é aceite?
Corrupção ativa consiste no ato de oferecer, (esse oferecimento pode ser praticado das mais variadas formas) vantagem, qualquer tipo de benefício ou satisfação de vontade, que venha a afetar a moralidade da Administração Pública.
O crime de corrupção ativa consuma-se com a simples dádiva ou promessa de dádiva e, nesse momento, é violado o bem jurídico protegido. O que quer dizer que a ilicitude a considerar é a resultante da prática daquelas condutas e não a que resulta da execução do ato ilícito por parte do corrupto passivo – cfr. Ac. nº 046663 de Supremo Tribunal de Justiça, 13 de Maio de 1998.
E, é isso mesmo que diz o preceito legal, art. 374 do CP, “quem… der ou prometer a funcionário. Basta, portanto a promessa.
Quando o legislador quis adjetivar fê-lo. Assim acontece no criem supra referido do art. 347, em que a ameaça tem de ser “grave”, quando no art. 349 a ameaça aí referida já não é adjetivada, ou no 154 em que a ameaça tem de ser “com mal importante”.
No caso em apreço, corrupção ativa, basta-se com “prometer”.
Ficou provado que:
6.Já no Posto da GNR de ..., o arguido disse ao militar da GNR C... a seguinte expressão: “Você quer quinhentos contos ou mil contos para me mandar embora? Eu telefono e o dinheiro está cá em cinco minutos”.
15.Sabia o arguido que prometia uma quantia monetária ao militar da GNR que não era devida ao mesmo, não obstante tal conhecimento, o arguido procedeu de tal forma.
16.Tinha o arguido intenção com tal promessa de oferta que o militar da GNR o libertasse e não o autuasse, praticando, assim, ato contrário aos seus deveres do cargo.
Certamente que não se tratava de promessa “pífia” como dizem os brasileiros, nem consiste num mero desabafo.
O arguido agiu com a intenção de que o militar o libertasse e não o autuasse (para me mandar embora), pelo que não se vê porque a promessa não seria séria.
Assim que se considera que a atuação do arguido integra a prática do crime de corrupção ativa, previsto no art. 374 do C. Penal, pelo qual vinha acusado e, pelo qual foi condenado.
Crime de embriaguez fundamentado em meio de prova proibido:
Entende o recorrente que o aparelho de medição do teor de álcool no sangue não estava aprovado, porque tinha excedido o prazo da última verificação periódica.
O procedimento para a fiscalização da condução sob influência de álcool ou de substâncias psicotrópicas está atualmente estabelecido no Código da Estrada aprovado pelo Decreto Lei nº 44/2005 de 23 de Fevereiro e pelo Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, estabelecido na Lei nº 18/2007 de 17 de Maio.
Daqueles diplomas decorre que em caso de fiscalização é obrigatório sujeitarem-se, a) os condutores, b) os peões, sempre que sejam intervenientes em acidentes de trânsito, c) as pessoas que se propuserem iniciar a condução.
O regime geral da fiscalização assenta na obrigatoriedade do sujeito passivo se sujeitar, por regra, a um exame de pesquisa de álcool no ar expirado, realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito, a que pode seguir-se um procedimento diferenciado relativo à contraprova.
Sublinhe-se que o método regra da determinação quantitativa da taxa de álcool é o teste no ar expirado, sendo que a análise de sangue só é efetuada quando não for possível realizar o teste em analisador quantitativo.
Resultam os seguintes factos provados:
1.No dia 19 de Junho de 2009, pelas 4 horas e 10 minutos, o arguido conduzia na Rua …, em ..., a viatura automóvel de matrícula ... quando foi mandado parar pelos militares da GNR de ..., que se encontravam devidamente uniformizados.
19.O alcoolímetro da marca “Drager”, modelo “7110 MKIII P”, que determinou a taxa referida em 8) foi aprovado por despacho do IPQ nº.11037/2007, de 24.04, publicado no D.R 2ª.série nº.109, de 06.06.2007, correspondendo-lhe o nº.211.06.07.3.06, no qual se estabeleceu o prazo de validade de 10 anos.
20.O aparelho que determinou a taxa referida em 8) foi objeto de verificação periódica em 23/04/2009, com aprovação válida até 31/12/2010.
Refere a Portaria nº 1556/2007 de 10 de dezembro no seu art. 5, referente ao Controlo metrológico:
O controlo metrológico dos alcoolímetros é da competência do Instituto Português da Qualidade, I. P. -IPQ e compreende as seguintes operações:
a) Aprovação de modelo;
b) Primeira verificação;
c) Verificação periódica;
d) Verificação extraordinária
In casu, vejam-se documentos de fls. 155 a 1557, referidos na motivação e para se dar como provado os factos dos pontos 19 e 20.
O aparelho em questão foi aprovado em junho de 2007 e a aprovação tem a validade de 10 anos, conforme art. 6 da Portaria.
O aparelho foi objeto de verificação periódica em 23 de abril de 2009 e a utilização no caso vertente foi em 19 de junho de 2009.
A verificação periódica e nada havendo em contrário no despacho de aprovação, é anual.
Entendendo-se que tem de haver uma verificação periódica em cada ano civil e, por isso, se refere como facto provado qua a verificação periódica seguinte teria de ser efetuada até 31 de dezembro de 2010.
Assim que se não entende a questão suscitada pelo recorrente de que “desconhece o arguido qualquer aprovação, por despacho do Presidente da ANSR, para sua utilização na fiscalização rodoviária, posterior a 6 de junho de 2007”.
Se o despacho de aprovação é de junho de 2007 e tem a validade de 10 anos, parece que não tem de haver qualquer aprovação desde aquela data e até ao corrente.
Assim como estava a vigorar a verificação periódica.
Como se refere no Ac. desta Relação de 13-12-2011, no processo nº 89/11.7GCGRD.C1, “Os alcoolímetros quantitativos estão sujeitos a uma verificação periódica anual; A verificação periódica é válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização”.
No que aos alcoolímetros quantitativos respeita, podemos fixar as seguintes regras:
- O controlo metrológico dos alcoolímetros é da competência do Instituto Português da Qualidade, I. P. — IPQ (art. 5 dp RCMA, aprovado pela Portaria 1556/2007, de 10 de Dezembro);
- Os alcoolímetros estão sujeitos a aprovação de modelo, que é válida por 10 anos (art. 6 do RCMA);
- Estão sujeitos a uma verificação periódica anual, isto é, a realizar todos os anos civis (art. 7, nº 2, do RCMA);
- Cada verificação periódica é válida até ao dia 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização (art. 4, nº 5, do Dec. Lei nº 291/90, de 20 de Setembro).
Assim, tendo o alcoolímetro quantitativo, Drager 7110 MK III, com o qual foi o arguido submetido a exame de pesquisa de álcool, feito a verificação periódica em 23 de Abril de 2009, quando em 19 de Junho de 2009 é efetuado aquele exame, estava a decorrer o período de validade da verificação, o qual só terminaria em 31 de Dezembro de 2010.
Logo, a valoração pelo tribunal a quo do resultado do exame não significou valoração de prova proibida nem determinou a verificação de qualquer nulidade, podendo e devendo ser valorada, como foi, nos termos dos arts. 125 e 127, do C. P.P..
EMA:
Alega o recorrente erro notório na apreciação da prova, por não se terem aplicado “os erros máximos admissíveis”.
Em processo penal são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei –art. 125 do CPP.
E, a prova através de aparelho aprovado é admissível e válida.
As provas são apreciadas segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador –art. 127 do CPP.
O julgador apenas podia concluir pela existência da taxa de alcoolemia no quantitativo acusado no aparelho, sendo que essa era a taxa correspondente à taxa de álcool no sangue do arguido (já que nenhuma outra foi provada).
A medida da taxa de álcool no sangue é efetuada por aparelho igual ou semelhante ao utilizado no caso em análise, ou através da análise direta do sangue, caso seja requerida a contraprova.
E, a contraprova é efetuada, nomeadamente, a pedido do arguido, quando questione, ou por ele seja “posta em causa” a leitura feita pelo aparelho. Efetuada a contra prova é que terá de se efetuar a correspondência entre a taxa de álcool no sangue resultante da leitura do aparelho e a resultante da análise ao sangue.
Não se percebe outro meio de fazer a correspondência.
Assim, a taxa de álcool no sangue do arguido era a indicada no aparelho utilizado para a medição, o qual estava devidamente homologado e aferido, ou seja, a taxa de álcool no sangue do arguido era de 2,11 g/l.
Como refere o Ac. da Rel. De Guimarães de 26-02-07, “no nosso sistema processual penal –art. 125 – são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei”, e não é proibida a prova obtida através da utilização de aparelho de medição quantitativa de álcool no sangue, desde que devidamente aprovado, como estava o que foi utilizado no caso concreto.
Assim que se tenha como válida a prova do quantitativo de álcool no sangue apresentado pelo arguido e detetada pelo aparelho marca Drager, modelo 7110 MKIII, devidamente aprovado, porque apenas detetados “erros inferiores aos erros máximos admissíveis”.
E, daqui logo resulta que a margem de erro admissível se deve observar quando da aprovação do aparelho e não posteriormente em cada uma das utilizações.
Na sentença e matéria de facto, deu-se como provada a TAS de 2,11 g/l, a marcada no aparelho alcoolímetro, o que se fez de forma correta.
Como se vem entendendo nesta Relação e é nosso entendimento em vários acórdãos relatados, os EMA são limites definidos convencionalmente em função não só das características dos instrumentos, como da finalidade para que são usados. Ou seja, tais valores limite, para mais e para menos, não representam valores reais de erro, numa qualquer medição concreta, mas um intervalo dentro do qual, com toda a certeza (uma vez respeitados os procedimentos de medição), o valor da indicação se encontra.
É sabido que a qualquer resultado de medição está sempre associada uma incerteza de medição, uma vez que não existem instrumentos de medição absolutamente exatos. Esta incerteza de medição é avaliada no ato da aprovação de modelo por forma a averiguar se o instrumento durante a sua vida útil possui características construtivas, por forma a manter as qualidades metrológicas regulamentares, nomeadamente fornecer indicações dentro dos erros máximos admissíveis prescritos no respetivo regulamento.
É por isso, que em domínios de medição com vários níveis de exigência metrológica se definem classes de exatidão em que os EMA são diferenciados de classe para classe. No caso dos alcoolímetros não existem classes de exatidão diferenciadas, mas existem dois tipos de alcoolímetros: uns designados de “qualitativos”, outros de “quantitativos”. Apenas estes últimos têm características metrológicas suscetíveis de ser utilizados para medir a alcoolémia, para fins legais, dentro dos EMA definidos na lei. Os designados de qualitativos apenas servem para despistar ou confirmar situações de alcoolémia mais ou menos evidente, exigindo depois, se for caso disso, uma medição rigorosa com um alcoolímetro quantitativo legal.
Os EMA constituem simples fatores de correção considerados no momento de Aprovação de Modelo [AP]; de Primeira Verificação [PV] e de Verificação Periódica [VP].
Qualquer alcoolímetro que os respeite torna-se a partir de então um instrumento válido e fiável para as subsequentes medições realizadas, as quais devem ser consideradas nos valores obtidos sem nova consideração ou ponderação dos mesmos EMA.
Por isso é que com periocidade regular os aparelhos de medição do teor de álcool no sangue têm de ser submetidos a controlo, verificação periódica, assim como outros instrumentos de medição têm de ser submetidos a aferição.
Uma vez feito o controlo ou aferição, tais instrumentos estão aptos a serem utilizados como instrumentos de medição, sem que novamente se tenha de aplicar a margem de erro. O aparelho que no controlo faça a medição em obediência às margens de erro, está apto a ser utilizado, e uma vez utilizado são válidos os valores observados.
Transpondo tal entendimento para os autos, teremos, então, que na decisão recorrida a M.mª Juiz a quo considerou, e bem, que a arguida conduzia sob a influência de uma TAS de 2,11 g/l, ou seja, a constante do talão inserto a fls. 10 e sem interferência de um qualquer EMA.
A alterar-se a taxa dada pelo aparelho, por nova aplicação do EMA, é que se verificava a existência do vício de erro notório na apreciação da prova e até contradição entre a matéria de facto provada e a motivação da mesma.
Assim que nada houvesse a corrigir nem aplicar o EMA, nem resultando qualquer violação do princípio in dúbio pró reo, ou violação do art. 292 do CP, ou art. 8 da Portaria 1556/2007 de 10-12.
Afigura-se-nos que ressalta, de forma límpida, do texto da sentença ter o Tribunal, após ponderada reflexão e análise crítica sobre a prova recolhida, obtido convicção plena, porque subtraída a qualquer dúvida razoável, sobre a verificação dos factos imputados à arguida e que motivaram a sua condenação.
O que, diferentemente se pretende é que o tribunal deveria ter valorado (não valorado) as provas à maneira do recorrente, substituindo-se ela –recorrente - ao julgador, mas tal incumbência é apenas, deste - art. 127° CPP.
Medida das penas, principal e acessória:
Na sentença recorrida, foram observados os critérios legais de escolha e determinação da medida da pena.
Na aplicação da medida da pena deve ter-se em conta o disposto no art. 71 do C. Penal.
Aí se diz – no seu nº 1 – que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (geral e especial).
Visando-se, com a aplicação das penas, a proteção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, art. 40 nº1 do Cód. Penal.
No que se refere à prevenção geral, haverá que dizer que esta radica no significado que a "gravidade do facto" assume perante a comunidade, isto é, importa aferir do significado que a violação de determinados bens jurídico penais tem para a comunidade e satisfazer as exigências de proteção desses bens na medida do necessário para assegurar a estabilização das expectativas na validade do direito (cfr. ANABELA RODRIGUES, A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade, Coimbra, 1995, págs. 371 e 374) ou, por outra forma, a consideração da prevenção geral procura dar "satisfação à necessidade comunitária de punição do caso concreto, tendo-se em conta de igual modo a premência da tutela dos respetivos bens jurídicos" (Ac. STJ de 4-7-1996, CJSTJ, II, p. 225).
Sendo que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa, art. 40 nº 2 do C. Penal.
Decorre, assim, de tais normativos que a culpa e a prevenção constituem os parâmetros que importa ter em apreço na determinação da medida da pena.
Na determinação concreta da pena, o tribunal atende a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele – art. 71 nº 2 do C. Penal.
Enunciando-se, de forma exemplificativa, no mesmo nº 2 quais as circunstâncias que podem ter tal função.
Há que ter em conta as finalidades da prevenção, quer geral, quer especial, incentivar nos cidadãos a convicção que comportamentos deste jaez são punidos, assim como há que dissuadir o arguido para que não volte a prevaricar.
A pena só cumpre a sua finalidade enquanto sentida como tal pelo seu destinatário – cfr. Ac. desta Relação de 7-11-1996, in Col. jurisp. tomo V, 47.
Atenta a natureza de uma pena ou sanção, o condenado tem de senti-la sob pena de se poder traduzir em “absolvição encapotada”, e não surtir o efeito pretendido pela lei. As penas têm essa designação, de outro modo não o seriam, nem constituiriam dissuasor necessário para prevenir as infrações, se não forem sentidas como tal, quer pelo agente, quer pela comunidade em geral.
Ficando provado que o arguido é pessoa séria, honesta, educada, trabalhadora e bem vista na terra onde vive, e que não tem antecedentes criminais.
Na sentença se refere a ausência de antecedentes criminais, bem como a integração social do arguido.
Face ao exposto, temos que as penas aplicadas não se mostram nada exageradas, mas antes bem doseadas e bem merecidas e adequadas à culpa do arguido.
Sendo certo que o recorrente colocava a tónica do exagero da pena relativamente ao crime de condução em estado de embriaguez e na perspetiva de redução de 15% (?) à taxa do teor de álcool no sangue.
E, também era nessa perspetiva que considerava exagerada a sanção acessória de inibição de conduzir veículos motorizados.
Entende a recorrente que a sanção da inibição aplicada se encontra desajustada, por exagerada.
O período de inibição será fixado entre o período de 3 meses e 3 anos –art. 69 do CP.
Tendo em conta o teor de álcool no sangue do arguido quando conduzia, e as necessidades de prevenção da perigosidade, bem como a culpa, temos como nada exagerada (podendo até considerar-se branda) a sanção de inibição aplicada em concreto.
O exercício da condução, só por si já encerra perigo, sendo desnecessário potenciar esse perigo, nomeadamente através da ingestão de bebidas alcoólicas que determinem taxa de álcool no sangue superior ao legalmente estabelecido.
Visando-se com a aplicação das penas a proteção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, art. 40 nº1 do Cód. Penal, quanto á sanção de inibição deve ter-se, ainda, em conta a perigosidade do agente.
Sendo que, em caso algum, a pena (sanção) pode ultrapassar a medida da culpa, art. 40 nº 2 do C. Penal.
Tendo em conta estes considerandos, importa ponderar que as exigências de prevenção neste tipo de situações demandam uma severa punição (para os casos graves e não no limiar mínimo como pretende o recorrente), atento o número de sinistros rodoviários em Portugal, onde anualmente são ceifadas número elevado de vidas, muitas vezes causados pelo excesso de álcool (não foi o caso dos autos, felizmente).
Há que ter em conta as finalidades da prevenção, quer geral, quer especial, incentivar nos cidadãos a convicção que comportamentos deste jaez são punidos e que também visam diminuir o índice de sinistralidade rodoviária, que é elevadíssimo e preocupante, assim como há que dissuadir o arguido para que não volte a prevaricar.
Tem de se ter em conta o grau de alcoolemia (bastante elevado).
A pena acessória só faz sentido enquanto sentida como tal pelo seu destinatário, e visa essencialmente prevenir a perigosidade do agente – cfr. Ac. desta Relação de 7-11-1996, in Col. jurisp. tomo V, 47.
Como salienta o prof. Figueiredo Dias in Direito Penal Português- As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 165, a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados tem como pressuposto material “a circunstancia de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável”, donde que “então essa circunstância vai elevar o limite da culpa do (ou pelo) facto”, acrescentando, “por isso, à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa".
O crime cometido pelo arguido é punível com pena de inibição (corresponde uma sanção abstrata de proibição de conduzir veículos com motor), por um período entre 3 meses e 3 anos.
Também a inserção familiar e social são tidos em conta na medida da sanção a aplicar.
Medida da inibição:
A medida da inibição oscila entre 3 meses e 3 anos.
Tem de ter-se em conta a taxa de alcoolemia apurada, 2,11g/l.
Tem de se ter em conta a necessidade de, ponderando as especificidades de cada caso, aplicar sanção equivalente para taxas de alcoolemia equivalente, e não haver grande disparidade na jurisprudência.
Em vários recursos que já tivemos sobre esta matéria, limitamo-nos a confirmar a inibição existente, por apenas haver recurso do arguido e face ao que dispõe o art. 409 do CPP.
Mas, tendo em conta as várias situações com que já nos deparamos, ponderando a culpa do agente bem como as necessidades de prevenção, temos que não é nada exagerada a sanção da inibição de conduzir veículos motorizados aplicada na sentença, e face aos factos apurados.
Já foi decidido por esta Relação.
Recurso 1611/04, taxa de 1,67g/l, sanção de inibição por 6 meses (confirmação);
Recurso 2420/04, taxa de 1,54g/l, sanção de inibição por 4,5 meses (confirmação);
Recurso 2486/04, taxa de 2,73g/l, sanção de inibição por 5 meses (rejeitado) apenas recorreu o arguido;
Recurso 3457/04, taxa de 1,81g/l, sanção de inibição por 5 meses e 15 dias (confirmação);
Recurso 3108/05, taxa de 1,84g/l, sanção de inibição por 6 meses;
Mais recentes, e por nós relatados:
Recurso 2617/05, taxa de 2,76g/l, sanção de inibição por 8 meses (na 1ª instância havia sido condenado em 4 meses e 15 dias!!!);
Recurso 1992/05, taxa de 1,44g/l, sanção de inibição por 6 meses (na 1ª instância havia sido condenado em 7 meses);
Recurso 1619/05, taxa de 3,03g/l, sanção de inibição por 11 meses (confirmada, apenas recorreu o arguido);
Processo nº 28/07.0GTGRD.C1, taxa de 2,02g/l, sanção de inibição por 4 meses e 15 dias (confirmada, apenas recorreu o arguido);
Assim, entendemos como sanção acessória adequada aos factos apurados na audiência de julgamento a medida de inibição de condução de veículos motorizados a aplicada na sentença.
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Assim se julgando improcedente o recurso do arguido, por improcedentes todas as conclusões.
*
Decisão:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra e Secção Criminal em, julgar improcedente o recurso do arguido A... e, em consequência, mantem-se na íntegra a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente com 6 Ucs de taxa de justiça.

Jorge Dias (Relator)
Brízida Martins