Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
591/02.1JACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: CORRUPÇÃO PASSIVA
FUNCIONÁRIO
Data do Acordão: 06/20/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE POMBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ALTERADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 373º E 386º CP
Sumário: 1.- O conceito de funcionário, definido pelo artigo 386 do CP, é um conceito amplo, diferente do conceito de funcionário para efeitos administrativos e, cada vez mais amplo como resulta das sucessivas alterações legislativas;

2.- O conceito, para o direito penal, consagra qualquer atividade realizada com fins próprios do Estado e, a atividade relacionada com a liquidação de patrimónios em processo de falência ou a venda em ação executiva é fim próprio do Estado levada a efeitos através do órgão de soberania Tribunais;

3.- Aquele que desempenha atividade compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional, de forma temporária, mediante remuneração, recebendo e executando ordens emanadas da autoridade, tem a qualidade de funcionário para efeitos do disposto nos artigos 386º CP.

Decisão Texto Integral: No processo supra identificado foi proferido acórdão que julgou parcialmente procedente a pronúncia deduzida contra o arguido:
- A..., residente na Rua … E outros;
Sendo decidido:
1. Declarar extinto por prescrição o procedimento criminal referente ao crimes de corrupção passiva para ato ilícito, p. e p. pelo art. 372, nº2, corrupção ativa para ato lícito, p. e p. pelo art. 374, nºs 1 e 2, e participação económica em negócio, p. e p. pelo art. 377, nº2, todos do Código Penal e imputados ao arguido A....
2. Condenar o arguido A..., como autor material de crime de corrupção ativa para ato ilícito, p. e p. pelo art. 374, nº 1, três crimes de participação económica em negócio, p. e p. pelo art. 377, nº 1, três crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256, nº 1, a), b) e c) e nº 4 e um crime de corrupção passiva para ato ilícito, p. e p. pelo art. 372, nº 1, todos do Código Penal, nas penas de 1 ano de prisão, 1 ano e 3 meses de prisão, 1 ano e 6 meses de prisão, 10 meses de prisão, 1 ano e 1 mês de prisão, 1 ano e 1 mês de prisão, 1 ano e 1 mês de prisão e 1 ano e 6 meses de prisão, respetivamente.
3. Operar o cúmulo jurídico de tais penas, aplicando ao arguido em causa a pena única de 5 anos de prisão.
4. Suspender a execução da pena única de prisão supra determinada com regime de prova pelo período de 5 anos, sob condição de o arguido, no prazo de 2 anos, entregar ao Fundo de Garantia Salarial a quantia de 30.000€, comprovando-o nos autos.
5. Absolver os arguidos: B..., C..., D..., E... e F... dos crimes de que vinham pronunciados.
***
Inconformado, do acórdão interpôs recurso o arguido A... formulando as seguintes conclusões na motivação do mesmo e, que delimitam o objeto:
1.O ora recorrente não deve ser qualificado de funcionário público (Motivação 8°);
2.Mesmo que o seja, o ora recorrente não atuou no exercício, mas sim, umas vezes, antes, outras depois, casos em que há apenas uso de poderes de facto e o "tirar partido" de uma função já terminada ou ainda nem sequer iniciada;
3. Mesmo que o ora recorrente tenha atuado no exercício, todavia, não praticou factos integradores dos crimes de participação económica previstos no art. 377, nº 1 do Cód. Penal (…………………………………..)
4. Quanto muito, tais factos, a serem relevantes, penalmente, sê-lo-ão nos termos ou do nº 2 desse mesmo artigo ou do art. 217 do C.P. (burla);
5. Qualquer que seja uma destas duas incriminações, tais crimes estão prescritos, em função da respetiva moldura penal, conjugada com as respetivas datas de ocorrência, a data de constituição de arguido do ora recorrente, as datas da acusação (3.4.2009) e sua notificação (23.04.2009) e da notificação do despacho que designou data para julgamento (27.01.2011) - A.2. -;
6. O crime de falsificação de documentos não se confunde com a utilização indevida da assinatura, pois, havendo instruções verbais, assiste-se à figura de Mandato não escrito (processo ... - Motivação art. 3 e art. 4);
7. A falsificação de documentos, como fabricação de documento forjado só é crime se houver ou obtenção efetiva ou intenção de obtenção de benefício ilegítimo pelo seu agente, ou, se da conduta deste, tiver resultado prejuízo para terceiro, o que não ocorreu de todo, no processo ... (Motivação - art. 6);
Quando a falsificação é crime-meio, não lhe corresponde pena alguma, desde que a do crime-fim seja mais elevada (Motivação art. 3);
8. O crime de corrupção ativa não pode ocorrer, quando praticado entre dois funcionários, um, enquanto dador ou promitente da vantagem, e o outro, enquanto aceitante dessa mesma vantagem.
Mesmo que assim não seja, só haverá tal crime, se a vantagem tiver por fim, o do art. 372 do C. Penal, fim que carece de prova, que no caso (Processo ...) não foi feita (Motivação - art. 2 -)
9. No processo ..., há factos dados como provados que estão em contradição entre si (Motivação 2.5.3.e 2.5.4.);
10. No processo ... (B-VII), o Tribunal «a quo» fez, ilegalmente, das escutas, não um meio de prova, mas sim a própria prova (Motivação 5.4);
11.Há prova dada como provada pelo Tribunal «a quo», que não o é;
12.Ou porque é insuscetível de o ser, por natureza (Processo ... - Motivação 5.5.2. e 5.5.3.);
13. Ou porque traduz meros juízos dedutivos do Tribunal «a quo» (Processo ..., Motivação art. 2; Processo ..., Motivação 5.5.4.);
14. Ou porque inexiste de todo (Processo ... - Motivação 2.2.e Processo ..., Motivação 5.5.4.);
15. O Acórdão prolatado sofre de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artigo 410 nº 2-a) do CPP), pois os factos que considerou provados não são suporte bastante para a decisão que foi tomada, quer nos termos da qualificação jurídica, quer para uma correta fixação da medida da pena contendo omissões (processo ... - Motivação 2.2. e 2.5.1. e processo ... - Motivação 5.2.);
16. O Acórdão prolatado padece, intrinsecamente (art. 410, nº 2, alínea b) do CPP) de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (proc. ... 7.3.);
17. Há erro notório na apreciação da prova (art. 410 nº 2-c) do CPP), por insuficiência do texto do Acórdão, que está eivado de distorções ilógicas e que traduz, por vezes, uma apreciação arbitrária, aos olhos e pulsar do homem médio (processo ... -Motivação 2.1; processo ... - 3.§. b); 3.2.; 3.4.; 3.6.; 4.3.);
18. O Tribunal «a quo» não respeitou a prova gravada (Processo ... - OOO... - Motivação 3.6. -; Processo ... - Motivação 7.3.), que, assim, deve ser reapreciada.
TERMOS EM QUE:
1- Deverá o presente recurso ser considerado procedente e, assim, revogado o Acórdão prolatado;
2 - Em consequência:
2.1. ser o ora recorrente absolvido pela falta de prova dos crimes por que foi condenado;
2.2. Na inversa, deverá proceder-se à correta incriminação da conduta do ora recorrente, o que conduzirá à prescrição do procedimento criminal, em função, conjugadamente, das então molduras penais e das datas dos respetivos factos, da acusação/pronúncia e da notificação do despacho de designação para julgamento.
PARA TANTO,
Deverá proceder-se à reapreciação da prova gravada, nos processos ... (OOO... - depoimento de ... -) e ... (inquirição de ...).
O ora recorrente PRETENDE REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA, indicando-se para o efeito, os seguintes pontos da MOTIVAÇÃO:
PROCESSO ... (2.2.; 2.3.; 2.6.)
PROCESSO ... (3.2.; 3.3.; 3.4.; 3.6. e 4.5.)
PROCESSO ... (5.5.2.; 5.5.3. e 5.5.4.)
PROCESSO ... (7.3.)
Respondeu o Magistrado do Mº Pº, concluindo:
1- O art. 386, n.º 1, al. b), do Código Penal, consagra um conceito "alargado" de funcionário, integrando-se no mesmo todos os agentes que, independentemente de estarem ou não sujeitos a uma relação orgânica com a Administração Pública, participem no desempenho dessa atividade.
2- No caso em apreço, o agente foi chamado a participar no exercício da função jurisdicional e ao praticar os factos que lhe são imputados atuou no âmbito do exercício da referida atividade ou por causa dela, pelo que não poderia o Tribunal Coletivo deixar de o considerar como funcionário.
3- Bem como, no que concerne ao crime de falsificação de documento pelo qual foi o arguido ora recorrente condenado, os factos considerados como provados, descriminados no douto acórdão, relativamente à falsificação das assinaturas, tanto no processo "..." quanto no da "...", consubstanciam a comissão do aludido crime.
4- Devendo também considerar-se isenta de qualquer crítica a posição assumida no douto acórdão relativamente ao valor probatório das escutas, sobretudo nos casos, como o dos autos, quando aquelas são corroboradas por outros elementos de prova, que as reforçam.
5- Por sua vez, os factos levados à fundamentação do douto acórdão e considerados como provados, resultam tanto dos depoimentos das testemunhas produzidos em audiência, quanto da prova documental existente nos autos.
6- De cuja análise, bem como da dos factos não provados vertidos no acórdão recorrido, não se divisa qualquer contradição na sua apreciação e interpretação, antes resultando a sua valoração e subsunção jurídica como corretamente efetuadas.
7- Resultando também da fundamentação do acórdão que o Tribunal, no âmbito da apreciação dos aludidos factos, não teve dúvidas relativamente à forma como os mesmos ocorreram, bem como a quem imputar a respetiva autoria.
8- Termos em que deve manter-se incólume o acórdão recorrido, assim se negando provimento ao recurso.
Nesta Relação, o Ex.mº PGA apôs o visto, por ter sido requerida a audiência.
Colhidos os vistos e realizada a audiência, cumpre decidir:
***
São os seguintes os factos que o Tribunal recorrido deu como provados e sua motivação:
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
Da acusação:
1.O arguido A... foi sócio-gerente da sociedade "UU... - ., Lda.", com sede na … , Leiria, desde … até … , data em que renunciou às funções de gerência.
2.Tal empresa tem por objeto social " ……………………………".
3.Os arguidos A... e E... são sócios da sociedade "Y...-, Lda.", com sede na Rua … , Leiria, que tem por objeto a "compra e venda de imóveis, investimentos e gestão imobiliária".
4.O arguido A... é ainda sócio da empresa Z..., Lda., com sede na … , e que tem como atividade " …. ", da qual e também sócio o arguido … .
5.As instalações das empresas Z..., Ldª e UU..., Ldª situam-se no mesmo prédio e lado a lado uma da outra.
6.... e o arguido F... exerceram, desde data exata não apurada, mas em todo o caso, pelo menos desde 1999, funções de liquidatários judiciais em diversos Tribunais da área do Distrito Judicial de Coimbra, estando para esse efeito inscritos nas listas distritais de gestores e liquidatários judiciais, elaboradas nos termos do disposto no art. 2 do DL. n° 254/93, de 17-7.
7.Desde momento exato não apurado, mas em todo o caso, próximo e posterior da data da sua constituição, até pelo menos ao ano de 2004, que a UU..., representada pelo arguido A..., tem intervindo em variados processos de falência e de execução em diversos Tribunais Judiciais de varias zonas do Pais, essencialmente na Zona Centro, coadjuvando os liquidatários judiciais, - designadamente ..., nomeada no âmbito daqueles processos de falência ou atuando como encarregada da venda em várias execuções.
8.Em tais processos de falência, os liquidatários judiciais eram nomeados para exerceram as suas funções pelo respetivo Juiz de Direito, e cabia-lhes, mediante remuneração, proceder a apreensão dos bens da massa falida e preparar o pagamento das dívidas do falido a custa do produto da alienação dos respetivos bens, contando com a cooperação e fiscalização da comissão de credores.
9.Por seu turno, as sociedades leiloeiras, como a UU..., enquanto coadjuvantes dos liquidatários judiciais em tal tipo de processos, cabia-lhes auxiliar aqueles na venda dos bens da massa falida, pelo melhor preço que conseguissem obter, entregando o mesmo à massa falida e recebendo, a final, a correspondente remuneração.
10.No âmbito dos processos de execução em que eram chamadas a intervir, as sociedades leiloeiras - como a UU... - eram nomeadas para exercer a atividade de encarregado da venda e tinham por função proceder a venda dos bens penhorados pelo melhor preço que conseguissem obter.
11.Algumas vezes, o arguido A... ou um funcionário ou associado seu era logo nomeado pelo liquidatário, nomeadamente por ... perito avaliador dos bens a apreender nos processos de falência onde posteriormente a UU... iria ser indicada encarregada da venda.
12.Por motivos e em circunstâncias exatos não apurados, o arguido A... emitiu o cheque nº 2574716097, em 4 de Janeiro de 2001, sacado sobre a sua conta nº … do Banco Santander, no valor de 1.000.000$00 à ordem de ....
13.Em 13 de Novembro de 1998, a sociedade ..., SA, requereu no Tribunal Judicial de Pombal a sua falência, que veio a ser decretada por sentença proferida a 15 de Julho de 1999 no âmbito do respetivo processo, inicialmente com o n° 223/98, da 4ª Secção daquele Tribunal, e, posteriormente, com o n° 518/99, do 2° Juízo.
14.Naquela sentença que declarou a falência da ..., foi nomeado liquidatário judicial ... .
15.Em 27 de Outubro de 1999, o liquidatário solicitou ao Tribunal Judicial de Pombal a nomeação da UU... - ., Lda. como sua auxiliar na liquidação do ativo no âmbito daquele processo de falência.
16.E em 28 de Outubro de 1999, procedeu-se a apreensão dos bens da falida, constituídos por 113 bens moveis, avaliados, nessa ocasião, em, 7.110.000$00, e por um bem imóvel, avaliado também nesse momento em 30.000.000$00.
17.Estiveram presentes no ato de apreensão e avaliação destes bens o liquidatário judicial ..., ..., membro da Comissão de Credores, e o arguido A..., como perito.
18.Apreendidos tais bens, o liquidatário judicial passou a promover a sua venda por negociação particular/leilão, conforme havia sido acordado em reunião da Comissão de Credores de 21 de Outubro de 1999 e foi autorizado judicialmente.
19.Desta venda ficou encarregada a UU..., que a divulgou por anúncios publicados no Correio da Manha, Diário de Noticias e Jornal de Noticias, nas edições de 24 de Dezembro de 1999 e de 5 de Janeiro de 2000 (Correio da Manha), de 22 de Dezembro de 1999 (Diário de Noticias) e de 21 de Dezembro de 1999 (Jornal de Noticias), estipulando que as propostas deveriam ser apresentadas ate 12 de Janeiro de 2001.
20.Foram, então, recebidas as seguintes propostas pela UU...:, …………………………………………………………………………...
21.Perante tais propostas, a Comissão de Credores, em reunião realizada no dia 18 de Janeiro de 2000, adjudicou o referido bem imóvel a ... e a totalidade dos bens móveis à sociedade ..., Lda., ambos subscritores das propostas mais elevadas.
22.Sucede, porém, que em data não concretamente apurada mas poucos dias antes da publicação daqueles anúncios, o arguido A... contactou dois dos administradores da sociedade … , SA.: ... e ..., perguntando-lhe se estariam individualmente interessados na compra do imóvel.
23.Em tal conversa, propôs-lhes a compra do imóvel onde tinham funcionado as instalações da ... pela quantia de 31.000.000$00.
24.Para tanto, A... solicitou-lhes que, para além do pagamento do preço referido, que reverteria para a massa falida, lhe entregassem a ele próprio, a quantia de 10.000.000$00, de forma a que, assim, garantisse a compra do mencionado imóvel por aquele valor.
25.Quantia essa, alias, que o arguido A... anotou no seu caderno de apontamentos referente ao ano de 1999/2000, como sendo um valor a acrescer ao que iria realizar com a venda do bem imóvel e dos bens imóveis da falência da ....
26.A proposta não foi aceite pelo ....
27.Em 12 de Janeiro de 2000, ... acabou por apresentar a já mencionada proposta no valor de 31.000.000$00 para compra daquele imóvel, que lhe foi, pois, adjudicado, sem que se tenha, contudo apurado, se este acabou por pagar a quantia de 10.000.000$00 ao A....
28.O arguido A... sabia que, enquanto sócio-gerente da sociedade UU..., e estando esta empresa encarregada de coadjuvar o liquidatário judicial no âmbito do processo de falência da ..., devia zelar pelos interesses da respetiva massa falida, promovendo a venda dos bens que integravam o seu património pelo melhor preço possível.
29.Ao atuar da forma descrita, o arguido A... dispôs-se a "mercadejar" o exercício das suas funções, comprometendo-se a vender o imóvel em apreço, desde que os dois indivíduos supra mencionados lhe dessem a título pessoal a quantia de 10.000.000$00, que efetivamente lhes solicitou, estando consciente de que, caso isso fosse aceite, era porque o preço que tais indivíduos estavam dispostos a pagar pelo imóvel seria superior a 31.000.000$00, mas dispondo-se a ficar com o valor excedente a essa quantia em seu poder, não o entregando, pois, à massa falida.
30.Bem sabia o arguido A... que, desse modo violava os deveres que sobre ele impendiam, no âmbito das suas funções de coadjuvante do liquidatário judicial do processo da falência da ....
31.O arguido A... agiu consciente e livremente, sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por Lei Penal.
32.Em 21 de Maio de 1998, a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Pombal requereu no Tribunal Judicial de Pombal a falência da sociedade ...-Transportes, Lda., que veio a ser decretada por sentença proferida a 03 de Novembro de 1998 no âmbito do respetivo processo, com o n° 117/98, do 2° Juízo, 2ª Secção, daquele Tribunal.
33.Naquela sentença que declarou a falência da ..., foi nomeado liquidatário judicial o arguido ... e foram nomeados para integrar a comissão de credores o Banco Comercial Português, o Centro Regional de Segurança Social e o Banco Totta & Açores.
34.Em 21 de Dezembro de 1998, aquele arguido reuniu com a comissão de credores da ... tendo sido decidido que: os bens que integravam a massa falida seriam vendidos por negociação particular em carta fechada dirigida ao liquidatário judicial, cartas estas a serem abertas na presença da comissão de credores; o liquidatário judicial ficava encarregado de escolher e nomear uma leiloeira, na condição de não resultarem dai quaisquer encargos para a massa falida.
35.Na sequência de tal deliberação, o arguido ..., em 14 de Janeiro de 1999, solicitou ao Tribunal Judicial de Pombal a nomeação da UU... - ., Lda. como sua auxiliar na liquidação do ativo no âmbito daquele processo de falência, o, que mereceu o seguinte despacho judicial, datado de 01 de Fevereiro de 1999: "Nada a ordenar".
36.Antes, porém, em 29 de Dezembro de 1998, havia-se procedido a apreensão dos bens da falida, constituídos por 18 verbas de bens moveis - avaliados, nessa ocasião, em 1.456.000$00 - e por 5 bens imóveis, estes avaliados em 165.619.500$00, por dois peritos contratados pelo liquidatário judicial.
37.Apreendidos tais bens, o liquidatário judicial … passou a promover a sua venda por negociação particular, conforme havia sido acordado na referida reunião da Comissão de Credores de 21 de Outubro de 1998, dela encarregando a UU..., que a divulgou por anúncios publicados no Correio da Manha, Diário de Noticias e 24 Horas, nas edições de 20 de Abril de 1999 (Diário de Noticias), de 20, 21, 26 e 27 de Abril de 1999 (Correio da Manha), e de 23 e 24 de Abril de 1999 (24 Horas), estipulando que as propostas deveriam ser apresentadas ate 20 de Maio de 1999.
38.Foram, então, recebidas as seguintes propostas: ………………………………………………….
39.Perante tais propostas, a Comissão de Credores, em reunião realizada no dia 21 de Maio de 1999, veio a decidir adjudicar os bens imóveis a Caixa de Credito Agrícola de Pombal e as verbas 1 a 5 e 7 a 15 dos bens móveis ao arguido B..., ambos subscritores das propostas mais elevadas.
40.Porém, o arguido A... havia recebido de ... uma proposta para aquisição daqueles bens móveis (os constantes das verbas n°s 1 a 5 e 7 a 15) no valor de 1.502.000$00 (a que acresceria IVA no montante de 255.340$00, a taxa então em vigor de 17%).
41.Ora, logo nessa ocasião, o arguido A... formulou o propósito de se apoderar de parte desse dinheiro que o referido ... estava disposto a pagar por aqueles bens móveis, em lugar de, como era seu dever, o instruir para que enviasse aquela sua proposta em carta fechada dirigida ao liquidatário judicial da falência em apreço, tendo omitido a existência da mesma, o que levou a que os bens fossem adjudicados a B..., apenas no montante no valor de 1.302.000$00 (a que acresceria IVA a taxa legal de 17%), pois os credores estavam convencidos que essa era, de facto a proposta de valor superior apresentada para os bens sobre que incidia.
42.Criada tal convicção, e após os referidos bens moveis terem sido adjudicados ao arguido ... pela comissão de credores da ..., o arguido A... recebeu, então, do ..., pela venda daqueles bens, a quantia de 1.502.000$00, acrescida de IVA a taxa legal de 17%, no valor total de 1.757.340$00, em 27 de Maio de 1999, através de dois cheques emitidos a ordem da UU..., um deles com o nº … , no valor de 557.340$00, sacado sobre a sua conta nº … da Caixa Geral de Depósitos - Agencia de Aveiro, e outro com o nº … , no valor de 1.200.000$00, sacado sobre a sua conta nº … do Banco Totta & Açores - Agencia de Bustos.
43.O ..., por sua vez, e na posse de tais bens, vendeu alguns deles (uma galera TIR, vários pneus e peças diversas) a ... pela quantia de 1.579.500$00 (aqui se incluindo 229.500$00 a titulo de IVA, a taxa legal de 17%), e outros (duas galeras TIR) a ... e ..., Lda., pela quantia global de 468.000$00 (aqui se incluindo 68.000$00 a titulo de IVA, a taxa legal de 17%), 234.000$00 por cada uma das galeras.
44.Por razões e em circunstâncias não concretamente apuradas, a UU..., por intermédio do arguido A..., emitiu uma fatura e duas vendas a dinheiro correspondentes a estas transações celebradas entre ..., ...e ... e ..., Lda., com as datas de 28 de Junho de 1999, 18 de Maio de 2000 e 24 de Maio de 2000.
45.Entretanto, em 23 de Novembro de 1999, e na concretização do plano formulado, o arguido A... entregou ao liquidatário judicial da massa falida da ... a quantia de 1.322.000$00, sendo 1.302.000$00 referente a venda dos bens constantes das verbas n°s 1 a 5 e 7 a 15 e 20.000$00 respeitante a venda dos bens constantes das restantes verbas.
46.O ... nunca entrou na posse dos bens sobre os quais incidiu a proposta por si apresentada, nem os pagou a quem quer que fosse.
47.Ao agir desta forma, o arguido A... visou obter para si a quantia de 200.000$00, proveniente do negócio que havia sido encarregue de realizar, e assim obter vantagem patrimonial a que não tinha direito, prejudicando em igual medida as interesses da massa falida da ..., pelos quais devia zelar por virtude das funções em que estava investido.
48.O arguido A... agiu sempre consciente e livremente e sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas pela Lei Penal.
49.Em 23 de Novembro de 1998, o Banco Nacional Ultramarino requereu no Tribunal Judicial de Alcobaça a falência da sociedade … , Lda., que veio a ser decretada por sentença proferida a 7 de Abril de 1999 no âmbito do respetivo processo, inicialmente com o n° 220/98, do 1º Juízo, 1ª Secção, daquele Tribunal e, após redistribuição, com o n° 259/99 do 1° Juízo.
50.Naquela sentença, foi nomeado liquidatário judicial o arguido ... e foram nomeados para integrar a comissão de credores o Banco Nacional Ultramarino, o Centro Regional de Segurança Social do Centro e a Fabrica… , Lda.
51.Em 7 de Junho de 1999, o liquidatário judicial ... reuniu com a comissão de credores da … tendo sido decidido que: os bens que integravam a massa falida seriam vendidos por negociação particular/leilão, com a coadjuvação de uma leiloeira; a leiloeira seria nomeada pelo liquidatário judicial, tendo este, no âmbito do acordo firmado com o arguido A..., logo proposto a UU..., Lda., o que mereceu a aprovação da assembleia; a comissão a receber pela UU... não ultrapassaria os 5% do produto da venda do bem imóvel da massa falida.
52.Foram apreendidos os bens pertencentes a massa falida em 16 de Junho de 1999 – 31 bens móveis avaliados, na sua globalidade, em 372.500$00 (diversas maquinas de costura e outras de "dar cola", de meter arrebites, de furar e de pintar, mobiliário e equipamentos de escritório, mobiliário de apoio, bancadas, prateleiras e restos de matéria prima para industria de marroquinaria), e um bem imóvel avaliado em 20.000.000$00 - prédio urbano sito em … , com rés-do-chão destinado a industria e 1º andar para escritórios.
53.Foi o A... quem avaliou os bens aprendidos em 16 de Junho de 1999, após ter sido nomeado perito avaliador pelo arguido ..., liquidatário judicial da falência.
54.Após, passou-se a promover a sua venda, que foi divulgada por anúncios publicados no Correio da Manha, Região de Cister e O Mirante, nas edições de 6 e 13 de Setembro de 1999 (Correio da Manha) e de 15 de Setembro de 1999 (Região do Cister e de O Mirante) - tarefa esta levada a cabo pela UU....
55.Nesses anúncios, constava que a venda seria efetuada por negociação particular e que as propostas deveriam ser apresentadas ate 30 de Setembro de 1999.
56.Foram então recebidas as seguintes propostas: ……………………………………………………...
57.Perante tais propostas, a Comissão de Credores, em reunião realizada no dia 6 de Outubro de 1999, veio a decidir adjudicar o bem imóvel a sociedade ..., Lda. (não obstante esta proposta ter sido rececionada apenas no dia 1/10/1999, portanto fora do prazo estipulado, que era no dia 30/9/1999), e os bens móveis a sociedade ..., Lda., em nome de quem foram apresentadas as propostas mais elevadas para aqueles bens.
58.Sucede, porem, que a proposta apresentada em nome da ..., como tendo sido subscrita pelo também sócio-gerente da referida empresa, … , se tratou de uma proposta forjada, pois que este nunca pretendeu adquirir tais bens nem apresentou, por isso, nenhuma proposta para aquisição de qualquer bem da massa falida da … , Lda., em seu nome ou em nome da ..., não sendo, assim, a mesma da sua autoria.
59.Alias, nem sequer o papel timbrado que serviu de suporte a referida proposta corresponde ao que é utilizado pela ..., tratando-se de um impresso forjado, com utilização do respetivo logótipo e do nome e da sede desta empresa com uma disposição completamente diferente da utilizada nos impressos da ..., muito embora com alguma semelhança com uns utilizados anteriormente.
60.Tal proposta foi forjada por pessoa cuja identidade não logrou apurar-se e com finalidades exatas não apuradas.
61.Á data, o arguido C... era sócio-gerente da empresa ..., conjuntamente também com … , sendo necessário para obrigar a assinatura da referida sociedade, a assinatura de dois gerentes.
62.Na verdade, como era do conhecimento do arguido A... tais bens foram realmente adquiridos pelos arguidos C... e D..., com intuito de os revenderem, com lucro.
63.E, não obstante a adjudicação ter sido feita à mencionada ..., quem pagou tais bens, contudo, e no seguimento anteriormente acordado foram os arguidos D... e C...: o primeiro, através do cheque nº ……………………………………que C... detinha sobre o arguido A... e que foi aqui imputado no pagamento dos referidos bens móveis.
64.Após ter depositado tais cheques na referida conta bancária, o arguido A... emitiu o cheque n° … , sacado sobre aquela sua conta no Banco Bilbao e Vizcaya, datado de 23/11/1999, no valor de 3.997.217$00, a ordem da massa falida de … , Lda., onde se incluíam 3.690.000$00 respeitantes a 30% do preço do imóvel apreendido a … e 307.217$00 relativos aos 500.000$00 pagos pelos bens moveis (onde se contabilizaram 192.783$00 referente a um "acerto de contas").
65.Nessa mesma data, o liquidatário judicial desta falência emitiu o recibo constante de fls. 30 do Apenso VII, onde declarou ter recebido da UU... "a quantia de Esc. 500.000$00 referente a venda dos bens móveis da falência de … , Lda.".
66.Posteriormente, por motivos exatos não apurados, o arguido A..., em 8/11/1999, vendeu a ..., sócio gerente da empresa ...-, Lda., por 220.000$00, acrescido de IVA a taxa legal de 17%, no valor total de 257.400$00, cinco dos trinta e um bens móveis em apreço, mais concretamente as máquinas de costura que integravam as verbas n°s 13, 14, 17, 19 e 20, avaliadas, no seu conjunto, em apenas 60.000$00.
67.Relativamente a este negócio, a ... – Sociedade.., Lda. - da qual o arguido C... era sócio-gerente - emitiu a venda a dinheiro n° 455, com a data de 8/11/1999, no valor de 257.400$00 (220.000$00+37.400$00 de IVA), posteriormente substituída pela venda a dinheiro n° 37, de 11/11/1999.
68.Por cada máquina de costura vendida, ao preço unitário de 44.000$00, reverteu para o arguido A... a quantia de 4.000$00, correspondente a 10% daquele preço, no total de 20.000$00, tendo o remanescente sido recebido por pessoa cuja identidade não foi possível apurar.
69.Os demais bens móveis vendidos no âmbito do processo que se tem vindo a mencionar tiveram destino que não logrou apurar-se.
70.O arguido C... no dia 1 de Outubro, pelas 18h07m, subscreveu e remeteu para a UU..., via "fax", em papel timbrado da ..., Lda., a proposta supra mencionada no valor de 12.300.000$00 para aquisição do bem imóvel apreendido no processo de falência a que se tem vindo a fazer referência, tendo a Comissão de Credores da … , Lda. decidido adjudicar á referida empresa, o referido bem imóvel por 12.300.000$00, por se tratar da proposta mais elevada que foi presente à reunião que teve lugar a 6 de Outubro de 1999.
71.Após aquele imóvel ter sido adjudicado a ..., Lda., e celebrado que foi o respetivo contrato-promessa o arguido C... . emitiu a ordem da UU... o cheque ………………….., cheque esse depositado pelo arguido A... na sua conta particular com o n° … do Banco Bilbao e Vizcaya (BBV) Agência de Leiria.
72.E, por sua vez, em 23/11/1999, o arguido A... emitiu o cheque n° …. daquela sua conta no BBV, à ordem da "Massa Falida de … ", no valor de 3.997.217$00, onde se incluíam os 3.690.000$00 relativos a 30% do valor total do imóvel e 307.217$00 respeitantes a venda dos bens móveis (que ascendeu a 500.000$00, como vimos, mas a que foi subtraído o valor de 192.783$00, referente a um "acerto de contas").
73.Nessa mesma data - 23/11/1999 - o liquidatário judicial da … , Lda., emitiu os recibos de fls. 87 e 88 do Apenso 56, nos valores de 500.000$00 e de 3.690.000$00, respetivamente, respeitantes à venda dos bens móveis e a 30% do valor da venda do imóvel.
74.O arguido C... ., na qualidade de administrador da ..., remeteu ao liquidatário judicial do processo de falência em apreço uma Carta com data de 16 de Outubro de 2000 através da qual comunicava a vontade de ceder a posição contratual da ... a sociedade … , entregando ainda a UU..., copia da mesma, "para conhecimento".
75.E na sequência de tal manifestação de vontade, e de modo a formalizar essa cedência, foi redigido e assinado em 16 de Novembro de 2000 um aditamento ao contrato promessa inicial já referido, no qual a ... assumiu a posição da ..., nos mesmos termos e condições constantes do contrato inicial, apenas alterando a forma de pagamento do remanescente do preço, que seria agora pago na data de assinatura do referido aditamento.
76.E foi assim que, em 21 de Fevereiro de 2001, dia aprazado para a realização da escritura de compra e venda do imóvel da … , compareceu no Cartório Notarial da Batalha ... e ..., na qualidade de gerentes da ... -, Lda., com sede na Rua ….., que assim adquiriram o imóvel em causa a ..., que ali outorgou na qualidade de liquidatário judicial da sociedade falida, pelo valor declarado de 12.300.000$00.
77.Contudo, como modo de pagamento deste imóvel, ... emitiu três cheques, todos sobre a conta n° …………………., com o qual pagou a esta sociedade o montante em dinheiro que a mesma já tinha entregue a massa falida - isto é, 30% do valor total do imóvel (3.690.000$00), a comissão de 5 % devida à UU... (615.000$00) e 17% de IVA sobre o valor desta comissão (104.550$00) - acrescentando ainda a quantia de 78.972$00; outro com o n° 5021111050, no valor de 8.610.000$00, datado de 08/02/2001, emitido à ordem da Massa Falida da … , Lda., com o qual pagou o remanescente do preço ainda em divida - os restantes 70% do valor total do imóvel e um terceiro, com o n° … , no valor de 3.000.000$00, apenas com a indicação do ano 2000 como data, emitido a ordem de D... e a quem o entregou, com o qual pagou o restante do prego combinado para a compra do imóvel (num total de 15.300.000$00.
78.Sobre esta conta, ... emitiu ainda um quarto cheque, com o n° … , no valor de 3.690.000$00, com a data de 20/10/2000, emitido a ordem do arguido D…, mas que, por razoes não apuradas, foi dado sem efeito, sendo também desconhecidos os exatos motivos que levaram a sua emissão, correspondendo, contudo, a 30% do valor total do imóvel.
79.Do negócio de venda à ... o arguido A... ficou com, 2.400.000$00 para ele próprio.
80.No âmbito deste processo, com finalidades exatas não apuradas, A... pagou diretamente a ..., que sabia ser liquidatário no processo em referência, a quantia de 500.000$00 que não lhe era devida, por força das funções que desempenhava, conforme anotação lavrada a 8 de Dezembro de 1999.
81.Agiu consciente e livremente e sabia que a sua conduta era proibida e punida pela Lei Penal.
82.Por sentença proferida a 9 de Abril de 1999, no âmbito do processo especial de recuperação de empresa n° 84/98, da 2ª Secção do 1° Juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça, foi decretada a falência da sociedade ... -, Lda..
83.Nessa sentença, foi nomeado liquidatário judicial ... e foram nomeados para integrar a comissão de credores o Banco Espírito Santo, o Banco Pinto & Sotto Mayor e o Centro Regional de Segurança Social do Centro.
84.No dia 4 de Maio de 1999, aquele liquidatário judicial reuniu com a comissão de credores da ..., tendo sido decidido que: a apreensão dos bens da falida e o respetivo auto seriam tarefas a cargo do liquidatário judicial, que se devia fazer acompanhar de um representante do Banco Espírito Santo e de um perito da sua escolha; os bens móveis que integravam o património da falida seriam vendidos por negociação particular, "de acordo com o art. 182° do C.P.E.R.E.F." - cfr. fls. 218 e 219 do Apenso 52.
85.Em 25 de Maio de 1999, procedeu-se, então, a apreensão dos bens móveis da falida ..., tendo o liquidatário judicial nomeado peritos, para esse ato, ……, o primeiro funcionário da UU... e o segundo cunhado do arguido A....
86.Os bens móveis foram nessa ocasião repartidos por 48 verbas e avaliados em 13.760.000$00.
87.Em 15 de Outubro de 1999, foi requerida por ... autorização para a venda imediata dos bens móveis apreendidos, na modalidade de negociação particular/leilão.
88.... requereu que essa venda se fizesse através da Leiloeira UU..., Lda., o que foi judicialmente deferido.
89.Assim, a UU... divulgou a venda dos bens móveis por negociação particular, através de anúncios publicados no Noticias de Leiria, no Correio da Manha e no Diário de Noticias, nas edições de 5/11/1999 (os dois primeiros) e 8/11/1999 (Diário de Noticias).
90.Nesses anúncios, constava que a venda seria efetuada por negociação particular e que as propostas deveriam ser apresentadas ate 18 de Novembro de 1999.
91.Foram, então, recebidas as seguintes propostas, conforme, alias, relatório elaborado pelo arguido A...: ……………………………………
92.Perante tais propostas, a Comissão de Credores, em reunião realizada no dia 23 de Novembro de 1999, veio a decidir adjudicar a totalidade dos bens móveis a E..., subscritor da proposta mais elevada, mas quem não havia recebido o carimbo da UU... confirmando a sua receção, ao contrário das demais.
93.Sucede, porem, que o referido E... nunca entrou na posse de tais bens e nunca os pagou a quem quer que fosse.
94.Na verdade, o arguido A... havia recebido de ..., administrador da empresa … , SA uma proposta escrita para aquisição de todos os bens móveis da falida ... no valor de 17.600.000$00, nela tendo inscrita a data de 13 de Outubro de 1999.
95.Contudo, nessa ocasião, o arguido A... formulou o propósito de se apoderar de parte desse dinheiro que o referido ... estava disposto a pagar por aqueles bens móveis da ..., em lugar de o entregar a respetiva massa falida.
96.Assim, e para concretização desse seu propósito, o arguido A..., em vez de integrar a referida proposta no rol das que foram recebidas para aquisição dos bens da ..., arquivou-a no "dossier" que possuía nas instalações da UU... respeitante ao processo de falência da ... e omitiu-a no já referido relatório que apresentou a respetiva comissão de credores.
97.Em lugar dessa proposta, o arguido A..., violando os deveres que sobre ele recaiam enquanto encarregado de venda, instruiu o referido ... para apresentar uma outra proposta de valor inferior, no montante de apenas 14.050.000$00, garantindo-lhe, contudo, que os bens lhe seriam adjudicados, ainda que pelo valor da sua proposta inicial.
98.O ... subscreveu, então, como representante da … , SA, uma nova proposta para aquisição dos bens móveis da ..., datada de 17/11/1999, agora no valor de apenas 14.050.000$00, que entregou ao arguido A..., e foi esta proposta que este arguido apresentou a Comissão de Credores da ... e incluiu no relatório que elaborou.
99.Pela Comissão de Credores foi decidido adjudicar ao arguido E... os referidos bens móveis por 14.120.000$00, por se tratar da proposta mais elevada que foi presente a reunião que teve lugar a 23 de Novembro de 1999.
100.Porém, após tal adjudicação, e não obstante ela, o arguido A... vendeu-os, então, e como havia prometido, a … , SA., e recebeu desta sociedade, representada pelo referido ..., para pagamento desses bens, as seguintes quantias: 3.000.000$00, a título de sinal, através do cheque n° … , de 7/12/1999, sacado sobre a conta n° 08026045001 do Credito Predial Português, titulada pela … , SA, emitido a ordem da UU..., depositado na conta de A... no Banco Santander com o n° … , em 9/12/1999; 11.120.000$00, através do cheque n° 7965823149, datado 16/12/2000 mas entregue a 30/12/1999, sacado sobre aquela mesma conta, também emitido a ordem da UU...; 1.405.000$00, a título de comissão para a UU..., através do cheque n° 2762825068, datado de 7/12/1999, também sacado sobre a referida conta bancária e igualmente emitido a ordem da UU..., depositado na conta de A... no Banco Santander com o n° … , em 9/12/1999.
101.Recebeu ainda o arguido A..., para pagamento destes bens, as seguintes quantias, pagas por … : 1.400.000$00, através do cheque n° … , de 13/01/2000, sacado sobre a conta n° … do Banco Nacional Ultramarino, titulada pelo referido ..., emitido a ordem de A...;1.000.000$00, através do cheque n° 7516754088, de 17/01/2000, sacado sobre a referida conta do Banco Nacional Ultramarino, emitido a ordem de A....
102.Cheques estes (emitidos por ...) que foram também depositados na conta de A... no BBVA com o nº 33200024957, em 17/01/2000 e em 13/01/2000.
103.Na verdade, ... havia acordado com ... que, caso viessem a ser adjudicados a … , SA, os bens móveis da ..., participaria no seu pagamento e receberia, depois, uma percentagem em futura revenda dos mesmos, tendo, por isso, comparticipado da forma descrita no pagamento de tais bens.
104.Assim, pelos referidos bens móveis, e da forma descrita, foi paga a quantia total de 16.620.000$00 (acrescida da quantia de 1.405.000$00 a titulo de comissão para a UU...), tendo ficado por apurar a forma como foi efetuado o pagamento da quantia de 1.080.000$00 para atingir o valor da proposta de 17.600.000$00 apresentada inicialmente pela 5G - Gestão e Comercio, SA..
105.O arguido A... registou igualmente todos estes pagamentos relacionados com a compra dos bens móveis da ... no seu "Caderno de Apontamentos" dos anos de 1999/2000, onde destacou, nomeadamente o recebimento da quantia de 2.400.000$00 em 13/10/2000 referente a " … ".
106.A empresa … , SA, por sua vez, na posse dos bens moveis da ..., vendeu-os a sociedade … , SA, da qual e administrador ..., pela quantia de 18.000.000$00, acrescida do montante de 3.060.000$00, a titulo de IVA, a taxa legal de 17%, num total de 21.060.000$00, tendo emitido, para o efeito, as respetivas faturas, com os n°s 20012 e 20013, ambas datadas 28/02/2000, nos valores de 19.480.500$00 (16.650.000$00 + IVA a taxa legal de 17%, no montante de 2.830.500$00) e de 1.579.500$00 (1.350.000$00 + IVA a taxa legal de 17%, no montante de 229.500$00).
107.Para pagamento de tais bens móveis, emitiu a … os seguintes cheques, todos a ordem da UU...: nº ……………………….
108.A tais cheques corresponderam as notas de pagamento com os nºs 146, 148, 224 e 267, de 24/12/1999 (as duas primeiras), 17/01/2000 e 28/2/2000 (as outras duas), nos valores de 2.000.000$00, 7.000.000$00, 9.000.000$00 e 3.060.000$00, respetivamente - v. fls. 1232, 1237, 1241 e 1245.
109.Quanto ao cheque nº 5021604918, no valor de 2.000.000$00, acima referido, foi o mesmo endossado pelo arguido A... a sociedade … , SA, e depositado na conta desta no Credito Predial Português - v. fls. 889 e 890.
110.Entretanto, em 9 de Dezembro de 1999, e na concretização do plano formulado, o arguido A... entregou a massa falida da ..., através do respetivo liquidatário judicial, a quantia de 1.625.000$00, a titulo de adiantamento do valor recebido pela venda dos bens moveis, e, em 28 de Janeiro de 2000, aquele arguido entregou mais a quantia de 12.152.679$00 relativa venda desses bens móveis, o que, juntamente com a quantia de 342.321$00 de despesas apresentadas, perfez o total de 14.120.000$00 pelo qual o arguido A... fez crer, da forma descrita, ter vendido tais bens.
111.Ao agir desta forma, o arguido A... visou obter para si a quantia de 3.480.000$00, proveniente do negócio que havia sido encarregue de realizar, e assim obter vantagem patrimonial a que não tinha direito, prejudicando em igual medida as interesses da massa falida ..., pelos quais devia zelar por virtude das funções em que estava investido.
112.Atuou de modo deliberado, livre e consciente, sabendo que a sua descrita conduta era proibida e punida por lei.
113.Em 20 de Dezembro de 1999, na sequência de autorização judicial nesse sentido proferida no âmbito do processo de falência em apreço, foi lavrado o auto de apreensão dos bens imóveis pertencentes a ..., tratando-se de 3 prédios urbanos que foram integrados numa só verba, com o nº 49, avaliados em 68.000.000$00.
114.Apesar de se ter decidido na reunião da comissão de credores de 4 de Maio de 1999, que o liquidatário judicial se devia fazer acompanhar de um representante do Banco Espírito Santo quando diligenciasse pela apreensão dos bens (conforme já atrás referido, aquele procedeu a apreensão dos bens imóveis da ... sem a presença de qualquer representante daquela instituição bancária ou de outro elemento da comissão de credores, e apenas acompanhado, mais uma vez, do já mencionado ..., funcionário da UU..., como perito.
115.Consistiam, tais bens imóveis, nas antigas instalações da ... - cinco pavilhões, cabine elétrica e edifício destinado a escritórios - implantados em terreno que não pertencia aquela empresa mas sim a ..., ex-sócio gerente da ....
116.Sobre este terreno pendia um crédito hipotecário a favor do Banco Espírito Santo no montante máximo de 92.836.612$50 (capital de 67.395.000$00 + juros).
117.No dia 16 de Maio de 2001, a Comissão de Credores da ... reuniu novamente, tendo sido aprovada a seguinte proposta do Banco Espírito Santo: o liquidatário judicial devia procurar um comprador para o imóvel e o terreno, este não pertencente a massa falida, sendo o prego da venda dividido pelo Banco Espírito Santo, pela massa falida e pelo proprietário do terreno; a comissão de credores haveria de dar o seu parecer sobre os valores que surgissem, cabendo sempre ao Banco Espírito Santo a ultima palavra sobre o valor conseguido e a sua distribuição; a massa falida só seria autorizada a vender se pagasse antecipadamente o valor da hipoteca; contudo, no caso de surgir uma proposta concreta, o Banco Espírito Santo poderia vir a autorizar o "distrate da hipoteca desde que fosse pago a pronto por um valor que resultasse de uma avaliação mandada efetuar pelo banco".
118.Em 7 de Junho de 2001, foi autorizada judicialmente a venda dos bens imóveis na modalidade de negociação particular/leilão, obtida que foi a anuência dos elementos da comissão de credores.
119.Em 16 de Janeiro de 2002, o liquidatário judicial deu conhecimento da retificação do auto de apreensão dos bens imóveis ao respetivo processo de falência, traduzida na inclusão do número de matriz que não constava do auto inicial.
120.O auto retificativo foi lavrado com a mesma data do auto inicial, ou seja, em 20/12/1999.
121.O liquidatário judicial passou, então, a promover a venda dos bens imóveis da ... por negociação particular, por intermédio da UU... (no âmbito do acordo firmado com o arguido A...), que procedeu a sua divulgação através de anúncios publicados no Correio da Manhã e na Região de Cister, nas edições de 17/04/2002 e 26/04/2002 (Correio da Manha) e 18/04/2002 (Região de Cister).
122.Nesses anúncios, foi fixado o dia 30 de Abril de 2002 como prazo limite para receção das "propostas reduzidas a escrito".
123.Ora, na sequencia de tais anúncios, … ., subscreveu, em 29/4/2002, uma proposta no valor de €698.318,00 para compra dos bens imóveis da ..., que remeteu nessa mesma data, por correio azul e registado, para a UU.... Este valor incluía "todos os pagamentos, nomeadamente massa falida, proprietário do terreno rústico, destrate de hipoteca e comissão do encarregado da venda".
124.O arguido A..., em momento exato não apurado, apercebeu-se que, efetivamente apenas pertenciam à massa falida as construções, conforme acima referido e, na medida em que a proposta apresentada era conjunta, em vez de levar ao conhecimento da comissão de credores da massa falida da ... aquela proposta apresentada pela … , como devia, arquivou-a no "dossier" que possuía nas instalações da UU... respeitante ao processo de falência da ....
125.E, elaborou um "Relatório de Venda" que apresentou a comissão de credores na reunião havida no dia 20 de Maio de 2002, onde fez constar, no seu ponto 8, que: a melhor oferta obtida pela globalidade e de 425.000,00€, repartida da seguinte forma: a) Instalações (construção): 125.000,00€ b) Ónus hipotecário, que impende sobre o terreno: 300.000,00€, atribuindo a autoria dessa proposta a mencionada … .
126.Nessa reunião, onde participaram os representantes da comissão de credores, o liquidatário judicial e o arguido A..., todos "reconheceram a insuficiência da proposta quanto ao valor", tendo o representante do Banco do Espírito Santo referido que se deveria tentar "...melhorar esta proposta junto do proponente e que mantém a disponibilidade para distratar a hipoteca recebendo € 375.000,00".
127.O arguido A..., sabedor do interesse do referido ... em adquirir os bens imóveis da ..., disponibilizou-se junto deste para, em sua representação, negociar com o proprietário do prédio rústico onde estavam implantados tais bens - o já mencionado ... - a compra desse terreno, como forma de permitir a aquisição por parte daquele da totalidade dos bens envolvidos do negócio, sem encargos, o que incluía a compra do prédio rústico, o destrate da hipoteca que sobre este incidia e a compra das construções pertencentes à massa falida.
128.Assim, o arguido A... contactou o Advogado de ..., Dr. …, a quem apresentou uma proposta no valor de € 100.000,00 para aquisição do terreno em apreço e solicitou a este Advogado que oportunamente obtivesse e lhe entregasse uma procuração outorgada a seu favor pelo proprietário desse terreno e pelo respetivo cônjuge, para, em nome deles, vender o referido prédio rústico.
129.Assim, após ter contactado com o seu cliente ..., o referido Advogado obteve concordância deste para vender o terreno em causa por € 100.00,00, tendo recebido daquele a procuração pretendida pelo arguido A..., lavrada que foi em 7 de Maio de 2002 no Cartório Notarial do Entroncamento.
130.Então, em 8 de Janeiro de 2003, o arguido A... entregou ao Dr. … o cheque nº … , sacado sobre a sua conta no … do Banco Internacional de Credito, no montante de € 100.000,00, para pagamento do terreno em causa, e recebeu daquele Advogado, nessa mesma ocasião, a dita procuração que aquele tinha obtido do seu cliente ....
131.Sucede, porem, que o arguido A... disse a ... que ... pretendia € 125.000,00 pela venda do seu terreno, valor esse que aquele aceitou pagar.
132.Então, para pagamento desse terreno, ..., emitiu e entregou a este arguido o cheque nº 8441267666, datado de 06/01/2003, sacado sobre a conta nº 40060588084 da CCAM da Batalha, titulada pela … , Lda. - da qual era sócio-gerente.
133.Na posse desse cheque, o arguido A..., em 7 de Janeiro de 2003, depositou-o na sua conta bancária nº 13660700121 do Banco Internacional de Credito, e dela emitiu o já referido cheque nº 9620383495, no valor de € 100.000,00, que entregou ao Dr. … para pagamento do preço acordado com este pela compra do terreno em causa, ficando com a quantia de 25.000€ para si próprio.
134.Apôs a entrega daquele cheque ao Advogado … , e depois de ter recebido a mencionada procuração, o arguido A... solicitou aquele Advogado uma outra procuração agora outorgada a favor de ..., para substituição da que já tinha em seu poder, por ter sido este o efetivo comprador do terreno em apreço e para poder, assim, o ... outorgar na respetiva escritura de compra e venda.
135.Obtida que foi essa nova procuração, entretanto lavrada a 30 de Janeiro de 2003 no 10 Cartório Notarial de Tomar, o arguido A... entregou-a a ..., na posse da qual este outorgou, então, na escritura de compra e venda do prédio rústico pertencente a ..., em representação deste e da … , Lda., da qual era sócio-gerente, escritura essa que foi realizada em 9 de Março de 2004 no 1° Cartório Notarial de Leiria.
136.Nessa escritura, onde apenas interveio o referido ... (e a sua mulher) por força da citada procuração - que lhe dava poderes para representar o vendedor ... - ficou a constar que o terreno em apreço foi negociado pelo preço de € 125.000,00.
137.Uma vez adquirido o terreno a ..., tornava-se então necessário proceder ao distrate do crédito hipotecário que pendia sobre o mesmo, de forma que ..., acompanhado do arguido A..., iniciou as negociações com o representante do Banco Espírito Santo com tal propósito.
138.Entretanto, e durante todo este período de tempo, ..., sabendo de tudo o que acima se referiu, foi intervindo no âmbito do processo de falência de forma a favorecer o referido ..., através, nomeadamente, de requerimento de 24 de Junho de 2002, onde solicitava que se aprovasse a proposta no valor de € 425.000,00 imputada a … pela encarregada da venda, nos termos já expostos, e que se adjudicassem as antigas instalações da ... aquela sociedade.
139.Requerimento esse que veio a ser indeferido por despacho judicial de 5 de Março de 2003.
140.O liquidatário judicial ..., em 17 de Março de 2003, comunicou ao respetivo processo de falência que ia convocar uma reunião da comissão de credores e procedeu à junção de um auto retificativo do auto de apreensão da verba n° 49, correspondente aos bens imóveis apreendidos, mantendo-se o valor de € 339.182,57 pelo qual tinha sido avaliado.
141.Tal reunião da comissão de credores teve lugar a 14 de Abril de 2003, e nela se decidiu que os bens imóveis seriam vendidos por propostas em carta fechada dirigidas ao Meritíssimo Juiz de Direito e que o preço mínimo de venda seria € 600.000,00.
142.Em 21 de Abril de 2003 ... juntou ao processo de falência da ... um novo auto de apreensão retificado conforme havia sido requerido pelo representante do Banco Espírito Santo, Dr. … , na mencionada reunião da comissão de credores.
143.Entretanto, o referido ... chegou a acordo com o Banco Espírito Santo, pelo montante de € 291.000,00, para cedência do credito hipotecário que este banco detinha sobre a ..., garantido por hipoteca sobre o terreno que havia sido propriedade de ....
144.Assim, em 7 de Agosto de 2003, o Banco Espírito Santo e ..., representando a … celebraram no 1º Cartório Notarial de Competência Especializada de Leiria, a respetiva escritura de cessão de crédito hipotecário, pela qual o BES cedeu a … pela quantia de € 291.000,00 o referido credito que detinha sobre a … .
145.Na sequência da cessão do seu crédito formalizada por esta escritura pública, o Banco Espírito Santo, em 15 de Setembro de 2003, comunicou ao Tribunal Judicial de Alcobaça que havia cedido o seu crédito a … e, por via disso, esta sociedade, em 3 de Novembro de 2004, foi nomeada membro da comissão de credores, em substituição daquele banco.
146.Entretanto, ..., sempre concertado com o arguido A..., continuou a intervir no âmbito do processo de falência agora através de requerimentos datados de 9 de Outubro de 2003 e de 3 de Dezembro de 2003, onde referia que: "as construções foram edificadas sobre terreno de terceiro ..., que, posteriormente, vendeu a " … Lda." sob o qual impende uma hipoteca a favor do BES e outras penhoras. O que é efetivamente propriedade da falida são as construções que foram feitas de forma ilegal (...) Nesta altura terá de ser vendido um conjunto de edificações implantadas sobre terreno de terceiro. E entendimento do Liquidatário que a dita construção seja vendida a melhor oferta que venha a ser obtida. Solicita a marcação da venda em carta fechada".
147.Entretanto, e por despacho judicial proferido e 26 de Janeiro de 2004, foi determinada a venda judicial dos bens imóveis apreendidos por propostas em carta fechada e designado o dia 30 de Março de 2004 para abertura das propostas, tendo sido publicados os respetivos anúncios.
148.Foram, então, recebidas as seguintes propostas: …. .
149.Contudo, no dia designado para abertura das propostas, foi decidido pelo Tribunal não aceitar nenhuma delas, designadamente pelo facto de o valor mínimo deliberado pelos credores não ter sido anunciado, como deveria, nas diligências de publicidade de venda, nem ter sido fixado qualquer outro valor mínimo.
150.Houve, então, lugar a nova reunião da comissão de credores da ... no dia 16 de Fevereiro de 2005, onde ... - representante da ..., entretanto habilitada a intervir no processo de falência, em substituição do Banco Espírito Santo, conforme já referido - propôs que a venda dos bens imóveis fosse efetuada por propostas em carta fechada "com o preço mínimo de venda correspondente a € 10.000, 00, proposta mais baixa da anterior venda judicial.".
151.Sobre essa proposta, ficou a Segurança Social de responder em 15 dias, e, como não o fez nesse prazo, ..., em 24 de Março de 2004, logo solicitou autorização judicial para venda dos bens imóveis apreendidos, por propostas em carta fechada, com o preço mínimo de venda correspondente a € 10.000,00.
152.Entretanto, em 13 de Abril de 2004, a Segurança Social informou que não lhe parecia correto que o valor indicado (€ 10.000,00) seja tão diferente do valor mínimo deliberado pelos credores e constante da ata referente a reunião de 14 de Abril de 2003 (€ 600.000,00).
153.Assim, e por despacho judicial de 12 de Julho de 2004, foi determinada nova data para a venda dos bens imóveis apreendidos mediante propostas em carta fechada, pelo valor de € 600.000,00, e designado o dia 9 de Novembro de 2005 para abertura das propostas, tendo sido publicados os respetivos anúncios.
154.Então, as únicas propostas recebidas foram as seguintes: uma, no valor de € 6.000,00, apresentada pela sociedade Y..., Imobiliária, Lda., da qual era sócio-gerente o arguido A..., que a manuscreveu; outra, no valor de € 20.000,00, apresentada pela … , de que ... e sócio gerente, conforme mencionado.
155.No entanto, no dia da abertura das propostas, foi decidido pelo Tribunal não levar a cabo a venda, pelo facto de o valor das propostas ficar aquém do valor mínimo fixado e " - ante a necessidade de lançar luz sobre que bem se esta efetivamente a fazer a venda".
156.No âmbito do processo de falência da ... a venda das construções acabou por ser feita à … , pelo valor de 20.000€.
157.O liquidatário ..., conhecedor de toda a atuação do arguido A... no âmbito do processo de falência da ... a que supra se alude, nada fez para o impedir de assim agir, assim violando os deveres inerentes ao cargo que desempenhava, a troco do pagamento da quantia de 1.500.000$00 que viria a receber do arguido A..., conforme anotação lavrada por este em 9.12.1999 na folha de caixa da falência da ....
158.O arguido A... agiu sempre consciente e livremente e sabia que a sua conduta era proibida e punida pela Lei Penal.
159.Em 17 de Junho de 1999, o Banco Nacional Ultramarino (BNU) requereu no Tribunal Judicial da Marinha Grande a instaurarão de execução contra a sociedade ….. , que foi distribuída ao 1° Juízo daquele Tribunal, com o n° 150/99.
160.No âmbito desse processo, o exequente BNU, em 21 de Janeiro de 2000, nomeou a penhora dois prédios urbanos pertencentes aos executados ... e mulher e diversos bens moveis propriedade da executada MOPOR.
161.Um daqueles prédios - casa de habitação situada na Marinha Grande - foi penhorado em 2 de Fevereiro de 2000 e, em 10 de Maio de 2000, foram penhorados os vários bens móveis, distribuídos por 12 verbas, avaliados em 21.500.000$00.Em 16 de Outubro de 2001, por determinação judicial, aquela casa de habitação foi avaliada em 45.900.000$00.
162.Assim, e por despacho judicial datado de 13 de Novembro de 2001, foi determinada a venda desse imóvel por propostas em carta fechada e pelo preço base de 45.900.000$00, tendo sido designado o dia 30 de Janeiro de 2002 para abertura das propostas.
163.Contudo, naquela data não foram apresentadas quaisquer propostas para aquisição do referido bem imóvel, o que, conjugado com a ausência do exequente e dos executados, levou a que se determinasse que a venda passasse a ser realizada em estabelecimento de leilão, pelo valor da avaliação, tendo sido nomeada em 1 de Fevereiro de 2002, como encarregado da venda, para o efeito, a UU....
164.Em 11 de Março de 2002, o arguido A..., como legal representante da UU..., requereu, no âmbito do processo de execução em apreço, a prorrogação do prazo de venda por mais 30 dias, o que foi deferido.
165.Entretanto, o arguido A... anunciou para o dia 26 de Março de 2002 a venda deste imóvel penhorado aos executados, através de anúncios publicados no Correio da Manha e no Região de Leiria em 22 de Março de 2002 (com apenas 4 dias de antecedência).
166.Em 26 de Março de 2002, o Advogado … , remeteu um e-mail para a UU... solicitando que o informassem quando obtivessem autorização de venda, em virtude de se encontrar "mandatado para exercer o direito de remição na aquisição da moradia de ...".
167.E em 4 de Abril de 2002, aquele Advogado remeteu novo e-mail para a UU..., referindo que "acabo de receber indicação de que o executado ira cobrir qualquer proposta ate perto dos 35. Diga-me alguma coisa entretanto".
168.Em 16 de Abril de 2002, o arguido A... informou o Tribunal que a melhor oferta recebida atingia o montante de € 134.675,43, proposta esta que o exequente (BNU, entretanto integrado na Caixa Geral de Depósitos) entendeu não ser suficiente por estar muito abaixo do valor real do bem a vender.
169.O arguido A... foi informado desta posição do exequente através de um ofício datado de 5 de Junho de 2002 do 1° Juízo do Tribunal Judicial da Marinha Grande, nele tendo sido manuscrita a seguinte anotação: "Proposta de 134.675,43€ não aceite. + 20 dias para tentar obter proposta superior. Apresentar proposta de 142.157,40 €. Não pode passar o prazo. Ct°. 25/06/2002. Atenção a isto."
170.Então, a 2 de Julho de 2002, e de acordo com aquela anotação, o arguido A..., sem ter identificado o proponente, informou o 1° Juízo do Tribunal da Marinha Grande que, no âmbito da execução em apresso, a melhor oferta registada era no valor de 142.157,40 € (28.500.000$00), tendo sido dada autorizarão para a venda do imóvel em causa por despacho judicial datado de 21 de Outubro de 2002, comunicado ao arguido A... por ofício de 23 de Outubro de 2002.
171.Sucede, porem, que o arguido A... não tinha recebido qualquer oferta no valor de € 142.157,40 pelo imóvel penhorado na execução em causa, razão pela qual, aliás, em 23 de Janeiro de 2003 (3 meses após ter sabido da autorização judicial para venda do imóvel) ainda não tinha sido efetuado o depósito obrigatório do respetivo preço, o que o obrigou a pedir nessa data uma prorrogarão do prazo por mail 20 dias, que foi deferido.
172.Entretanto, o arguido A... foi retardando o mais que pode o andamento do processo executivo em causa, de forma que, em 3 de Março de 2003, informou o Tribunal que o proponente - que continuava a não identificar - "esta algo renitente em efetuar o deposito do preço, pois diz que teria dificuldade em tomar posse do imóvel" devido a existência de bens moveis no seu interior, informação essa que reafirmou um mês depois, em 3 de Abril de 2003.
173.O arguido A... foi, então, mantendo vários contactos telefónicos com o executado … - que se encontrava ausente no Brasil - informando-o sobre o andamento do processo e acertando com ele a forma como iriam concluir o "negócio" acordado.
174.Entretanto, o executado … recebeu na sua morada no Brasil uma, notificação do Tribunal Judicial da Marinha Grande com a data de 5 de Junho de 2003, para retirar todos os seus bens do imóvel penhorado, do que deu conhecimento telefónico ao arguido A..., que lhe deu instruções sobre a forma como devia atuar.
175.Assim, e conforme combinado nesta conversação telefónica, o executado ..., em 23 de Junho de 2003, dirigiu ao 1° Juízo do Tribunal Judicial da Marinha Grande um requerimento onde solicitou a prorrogarão por mais 30 dias do prazo para "...poder retirar todos os bens do imóvel", invocando o facto de estar a residir no Brasil.
176.Tal requerimento foi deferido por despacho judicial de 27 de Junho de 2003, tendo ainda o executado ... beneficiado de uma nova prorrogação desse prazo por despacho judicial de 8 de Outubro de 2003, esta agora de 20 dias.
177.Entretanto, em 4 de Dezembro de 2003, e, novamente, em 13 de Fevereiro de 2004, foi ordenada judicialmente a notificação da encarregada da venda para se pronunciar sobre o estado da mesma, pois que, pese embora a proposta alegadamente recebida para compra do bem imóvel penhorado datasse de 2 de Julho de 2002, o arguido A..., decorrido mais de um ano e meio, ainda não tinha concretizado a venda.
178.A essas notificações só respondeu o arguido A... em 22 de Março de 2004, pedindo nova prorrogarão do prazo sem sequer apresentar qualquer justificação para o efeito, o que foi deferido em 25 de Março de 2004, com uma nova prorrogarão do prazo por mais 20 dias.
179.Em 22 de Junho de 2004, contudo, o arguido A... continuava sem ter concretizado a venda em causa, o que motivou um requerimento da exequente no sentido de que se ordenasse a notificação do encarregado da venda para providenciar pelo deposito do preço e pela marcação da respetiva escritura de compra e venda.
180.O arguido A... nada disse na sequência de tal requerimento e apenas em 24 de Setembro de 2004, através de uma exposição dirigida ao respetivo processo executivo, deu conhecimento que o promitente-comprador era, afinal, … e que este havia recebido da Caixa Geral de Depósitos um crédito no valor de € 142.000,00 que seria disponibilizado no ato da escritura de compra e venda, e, por isso, solicitava que o depósito do preço fosse apenas efetuado no dia que viesse a ser designado para a realização de tal escritura.
181.Sucede, porem, que o referido … não tinha sido o autor da proposta que o arguido A..., em 28 de Fevereiro de 2002, afirmava ter recebido para aquisição da vivenda penhorada, pois só em finais de Agosto ou princípios de Setembro de 2004 havia tornado conhecimento da existência dessa vivenda para venda.
182.Na verdade, e por motivos e em circunstancias que não se lograram apurar, a dada ocasião goraram-se as negociações que o arguido A... vinha a manter com o executado ..., no sentido de este ficar de novo com a casa que lhe tinha sido penhorada através de algum familiar próximo, por recurso a figura do direito de remição.
183.Então, o arguido teve de arranjar um novo comprador para o imóvel penhorado, sucedendo que em finais de Agosto ou princípios de Setembro de 2004, surgiu nas instalações da UU... o referido ..., que se mostrou interessado em adquirir aquele imóvel.
184.Nessa ocasião, o ... foi informado pelo arguido A... que teria que pagar obrigatoriamente a quantia de € 142.157,40 pelo imóvel, pois que era esse o prego que estava já definido no processo pelo respetivo Juiz, razão pela qual não lhe foi permitido apresentar proposta de valor diferente.
185.Aquele interessado aceitou, então, pagar pelo imóvel em apresso tal quantia em dinheiro, razão pela qual pediu a Caixa Geral de Depósitos um empréstimo no valor de € 142.000,00, empréstimo esse que foi aprovado em 22 de Setembro de 2004.
186.Então, em 2 de Novembro de 2004, ... adquiriu o imóvel em causa, através de escritura de compra e venda lavrada no 2° Cartório Notarial de Leiria.
187.Nesta mesma data, o arguido A... procedeu ao depósito do preço recebido pela venda daquele imóvel.
188.Por sentença proferida a 1 de Fevereiro de 2002, no âmbito do processo de falência n° 50006/2000, do 1° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Leiria, foi decretada a falência da sociedade … , Lda..
189.Nessa sentença, foi nomeado liquidatário judicial … e foram nomeados para integrar a comissão de credores, como membros efetivos, o Banco Pinto & Sotto Mayor, a sociedade … , SA, e o Banco Comercial Português, que tomaram posse a 20 de Fevereiro de 2002.
190.Nessa mesma data, foram apreendidos diversos bens móveis pertencentes à massa falida, nomeadamente alguns veículos automóveis, avaliados na sua totalidade em € 29.105,00, onde participou como louvado o arguido A....
191.Em 29 de Março de 2002, o liquidatário judicial ..., novamente com a participação do arguido A... como louvado, procedeu a apreensão de outros dois bens móveis pertencentes à falida, concretamente um veículo automóvel de marca OOO..., … , avaliado em € 4.000,00 e uma prensa de marca Technal, com cunhos, avaliada em € 1.250,00.
192.Entretanto, por despacho judicial datado de 9 de Abril de 2002, foi autori-zada a venda dos bens apreendidos com recurso a leilão, e com a coadjuvação da UU... .
193.O arguido A... tinha na sua posse uma proposta assinada com o nome de E..., datada 6 de Maio de 2002, no valor de € 4.100,00 para aquisição de tal veiculo automóvel que não foi levada ao conhecimento do liquidatário judicial ou aos membros da comissão de credores, tendo sido arquivada no dossier que o arguido A... possua nas instalações da UU... relativo ao processo de falência da … .
194.O leilão teve lugar no dia 9 de Maio de 2002, onde não foi leiloada, porem, a mencionada viatura de marca OOO..., tendo tal viatura sido retirada do leilão, em virtude de se encontrar avariada noutro local.
195.Entretanto, em 16 de Maio de 2002, o liquidatário judicial ..., novamente com a participação do arguido A... como louvado, procedeu a apreensão de mais dois bens móveis pertencentes a massa falida, concretamente um compressor de 400 litros avaliado em € 200,00 e um sistema de decapagem, avaliado em € 750,00.
196.Então, foi decidido que a referida viatura de marca OOO... e estes dois outros bens móveis entretanto apreendidos seriam vendidos por negociação particular, por não se justificar a realização de novo leilão para a sua venda - v. fls. 48 do Apenso 49.
197.Por motivos exatos não apurados, o arguido não concretizou a venda do OOO... em momento anterior ao que infra se referirá a terceira pessoa, motivo pelo qual decidiu ficar com ele para si.
198.Ora, conhecendo o arguido A... o proprietário da … , com quem havia celebrado alguns negócios, decidiu utilizar a identidade deste numa das propostas para compra daquela viatura, como se tivesse sido efetivamente subscrita por aquele e correspondesse a uma real intenção da sua parte em adquirir tal viatura.
199.E sabendo da identidade de … , sócio da empresa Y..., Lda., da qual o arguido A... era também sócio, decidiu utilizar a identidade daquele na segunda proposta que iria apresentar para compra do OOO..., como se tivesse sido efetivamente subscrita por aquele e correspondesse a uma real intenção da sua parte em adquirir tal viatura.
200.Assim, de acordo com o plano idealizado, o arguido A..., elaborou duas propostas para aquisição daquele OOO..., uma em nome da … , no valor de € 2.420,00, datada de 5/12/2002, e outra em nome de …. , no valor de € 2.650,00, datada de 18/11/2002, propostas essas nas quais após uma assinatura, de forma não totalmente apurada, como se se tratasse da assinatura do proponente nelas identificado e como se tivessem sido nelas apostas pelos respetivos proponentes.
201.Na posse de tais propostas assim fabricadas, o arguido A... entregou-as ao liquidatário judicial ..., dizendo-lhe nessa ocasião que estava disposto a ficar com a dita viatura automóvel pagando a quantia de € 100,00 acima do valor da proposta mais elevada.
202.O liquidatário judicial, desconhecendo a falsidade daquelas propostas, deu delas conhecimento a Comissão de Credores da falida … , Lda., através de um relatório elaborado em 30 de Dezembro de 2002, nele dando conta também do propósito manifestado pelo arguido A... em adquirir tal viatura.
203.Nesse seguimento, os elementos da referida Comissão de Credores deram o seu consentimento a venda do veículo automóvel em causa ao arguido A... pelo montante de € 2.750,00, acrescido de IVA a taxa legal em vigor.
204.Em 17 de Janeiro de 2003, o liquidatário judicial deu conhecimento ao Meritíssimo Juiz do respetivo processo de falência da adjudicação do OOO... ao arguido A... e, nessa mesma data, emitiu a fatura e o recibo n°s 17 em nome da UU..., no montante de € 3.272,50 (€ 2.750,00 + € 522,50 e IVA), referente a venda daquela viatura.
205.Por sua vez, o arguido A... procedeu ao pagamento desse veículo automóvel através dos … - que foi depositado na conta da "Massa Falida … " em 24/01/2003 - e o segundo no valor de € 522,50, que se destinou ao pagamento do IVA.
206.Sucede, contudo, que o arguido A..., havia já acordado em data exata não apurada, mas em todo o caso situada em finais de 2002 com … , vender-lhe o veículo automóvel em apresso por € 4.240,00, o que efetivamente fez.
207.Assim, para pagamento dessa viatura, o referido … emitiu, a ordem da UU..., o cheque n° … , datado de 30/12/2002, sacado sobre a sua conta n° 06480650246 do SOTTOMAYOR-Banco Comercial Português, que entregou ao arguido A..., cheque esse que este arguido depositou na conta n° 13660700121 da UU... no Banco Internacional de Credito.
208.Emitiu ainda o mencionado ..., ao portador, e com a data de 29/12/2002, o cheque n° 8745309478, sacado sobre a mesma conta, no valor de € 150, 00, que entregou ao arguido A... para pagamento do serviço de reboque do OOO... para a sua garagem.
209.O arguido A... não comunicou a existência de tal interessado na compra do veículo em momento posterior à apresentação das propostas, mas em todo o caso sempre anterior à data em que a sua proposta para aquisição do referido veículo foi objeto de apreciação.
210.Por via do negócio que celebrou, conseguiu um lucro de €1. 490,00 que a massa falida … , podia ter recebido por respeitar à venda de um bem que a integrava.
211.Ao agir da forma descrita, o arguido A... violou os deveres que sobre ele recaiam enquanto representante da UU..., nomeada auxiliar do liquidatário judicial no âmbito da liquidação do ativo da massa falida da … , Lda., no âmbito dos quais lhe cabia proceder a venda dos bens que integravam esse ativo pelo melhor prego que conseguisse obter e entregar aquela massa falida o valor integral do produto da venda efetuada.
212.Ao fabricar, daquela maneira, as propostas de aquisição do OOO..., agiu o arguido A... com o propósito de obter um enriquecimento a que não tinha direito, assim obtendo vantagem patrimonial que não lhe era devida, prejudicando em igual medida os interesses da massa falida da … , pelos quais devia zelar por virtude das funções em que estava investido.
213.O arguido A... agiu sempre consciente e livremente e sabia serem as suas condutas proibidas e punidas pela Lei Penal.
214.Relativamente ao compressor de 400 litros e ao sistema de decapagem acima mencionados, apreendidos que foram em 16 de Maio de 2002, o arguido A..., decidiu também forjar três propostas para aquisição de tais bens, como se tivessem efetivamente sido subscritas por aqueles que figuravam nelas como seus proponentes, e entrega-las ao liquidatário judicial para que este as apresentasse no âmbito do processo de falência em apreço, o que fez por motivos exatos não apurados.
215.Ora, conhecendo o arguido A... o proprietário da … o, conforme já acima mencionado, e sabendo das identidades de … , seu cunhado, e E..., sócio, como ele, da Y..., Lda., decidiu utilizar a identidade destes nas propostas para compra dos referidos bens, como se tivessem sido efetivamente subscritas por aqueles e correspondessem a uma real intenção dos mesmos em adquirir tais bens.
216.Assim, de acordo com o plano idealizado, o arguido A..., elaborou três propostas para aquisição daquele compressor e do sistema de decapagem, uma em nome da ………………., e uma terceira em nome de ….., no valor de € 1.010,00, sem data, propostas essas nas quais apôs uma assinatura, de forma não totalmente apurada, como se se tratasse da assinatura do proponente nelas identificado e como se tivessem sido nelas apostas pelos respetivos proponentes.
217.Na posse de tais propostas assim fabricadas, o arguido A... entregou-as ao liquidatário judicial ....
218.Este, desconhecendo a falsidade das mesmas, deu delas conhecimento a Comissão de Credores da falida … , Lda., que, em reunião de 30 de Julho de 2002, adjudicou o referido compressor e aquele sistema de decapagem a … , pois que figurava como subscritor da proposta mais elevada.
219.Assim, em 16 de Outubro de 2002, o liquidatário judicial emitiu a fatura e o recibo nºs 16 em nome de … , no montante de € 1.201,90 (€ 1.010,00 + € 191,90 de IVA, a taxa legal então vigente), referente a venda daqueles dois bens móveis.
220.Não obstante, quem efetivamente comprou estes bens foi o arguido A..., tendo pago os mesmos através dos cheques nºs 4100000139 e 3200000140, ambos sacados sobre a sua conta n° 00200031460 do Banco Santander, respetivamente no valor de € 1.010,00, datado de 7/11/2002, e de € 191,90, datado de 11/2002 (sem referencia ao dia de emissão), o primeiro dos quais foi depositado na conta bancária da massa falida … , e o segundo serviu para o pagamento do IVA.
221.O arguido A... ficou assim com tais bens para os revender posteriormente pelo preço que conseguisse, em todo o caso, superior ao que havia oferecido.
222.Sabia o arguido que enquanto encarregado da venda nomeado para aquele processo não poderia adquirir para si, bens a esse mesmo processo referentes.
223.O arguido A... agiu sempre consciente e livremente e sabia ser a sua conduta proibida e punida pela Lei Penal.
224.Por apenso ao processo n° 156/93 que corria seus termos no 2° Juízo da Marinha Grande, a sociedade … , Lda., instaurou uma execução sumaria contra a empresa ..., Lda., a qual foi atribuído o n° 156-C/93.
225.No âmbito dessa execução, foram penhorados em 18 de Junho de 2001, três extrusoras, um grupo de extorsão e uma cabeça de extorsão rotativa, bens estes que foram avaliados em 69.000.000$00.
226.Por despacho judicial datado de 11 de Abril de 2002, foi determinada a venda judicial dos bens penhorados por meio de propostas em carta fechada por 80% do valor da avaliação (55.200.000$00), tendo sido designado o dia 23 de Maio de 2002 para abertura das propostas.
227.Não tendo sido apresentadas quaisquer propostas, a exequente em 6 de Junho de 2002 requereu a venda dos bens penhorados em estabelecimento de leilão, pelo preço mínimo de 60% do valor da avaliação (41.400.000$00), o que foi deferido.
228.Para realizar a venda, foi nomeado o estabelecimento de leiloes UU..., Lda., a quem foi dado o prazo de 20 dias para o efeito, por despacho judicial de 11 de Julho de 2002.
229.Em 28 de Outubro de 2002, o arguido A... informou não ter ainda recebido qualquer proposta para os bens penhorados e requereu a prorrogação do prazo para a venda, o que foi deferido por 15 dias, através de despacho judicial datado de 31 de Outubro de 2002.
230.Aquele arguido foi notificado deste despacho judicial através de um ofício do 2° Juízo do Tribunal Judicial da Marinha Grande datado de 31 de Outubro de 2002.
231.Nesse ofício foi manuscrito o número de telefone da executada e o telemóvel do seu gerente, B.......
232.Ora, em momento não concretamente apurado, mas situado em data próxima do final do ano de 2002, o arguido A... abordou o referido ... ... e propôs a este entregar-lhe os referidos bens moveis penhorados na execução em apreço mediante o pagamento da quantia de €15.000,00, negocio a que aquele acedeu.
233.Então, o arguido A... logo formulou o propósito de obter para si a quantia parte desse dinheiro, a que sabia não ter direito, prejudicando na medida daquilo que viesse a receber o património das partes no processo onde havia sido determinada a venda.
234.Assim, na execução desse plano, o arguido A..., em 5 de Fevereiro de 2003, dirigiu uma informação ao processo executivo em apreço dando conta de que "a melhor oferta conseguida para a totalidade dos bens penhorados e no valor de € 6.900,00".
235.Valor esse, alias, de acordo com a anotação que, já a 27 de Janeiro de 2003, o arguido A... havia manuscrito no supramencionado ofício do Tribunal Judicial da Marinha Grande: "a melhor oferta para a totalidade das verbas é de € 6.900,00 - 27/01/2003".
236.Através de despacho judicial datado de 2 de Fevereiro de 2003, e face a não oposição da exequente, foi autorizada a venda dos bens penhorados por aquele valor.
237.O arguido foi então combinando com o... a forma de concretizarem os termos do negócio que tinham acordado.
238.Entretanto, enquanto decorriam estes contactos, o arguido A..., em 28 de Abril de 2003, dirigiu ao respetivo processo executivo um requerimento solicitando a prorrogação do prazo para efetuar o respetivo depósito obrigatório.
239.Deposito esse, contudo, que aquele arguido, porque ainda não havia recebido o dinheiro do ..., ainda não tinha efetuado em 20 de Maio de 2003, o que motivou que, nessa data, fosse judicialmente ordenada a sua notificação "para, em dez dias, finalizar a venda".
240.Assim, em 4 de Junho de 2003, na conversação telefónica mantida entre ambos, o arguido A... solicitava urgência ao ... no pagamento do € 15.000,00.
241.Conforme combinado, o arguido A... veio então a receber do ... a quantia de € 15.000,00 pelos bens penhorados, em data não concretamente apurada mas situada entre o dia 4 de Junho de 2003, data em que mantiveram esta ultima conversação telefónica, e o dia 25 de Junho de 2003.
242.Nesta ultima data, e depois de ter recebido aquele dinheiro do ... ..., o arguido A... emitiu o cheque nº 06020383703, sobre a sua conta nº 3136607001210, do Banco Internacional de Credito, no montante de € 6.900,00, e depositou-o na conta n° 393120297930 da UU... na Caixa Geral de Depósitos.
243.Posteriormente, em 27 de Junho de 2003, o arguido A... emitiu novo cheque no valor de € 6.900,00, com o n° 1173965035, datado de 27/06/2003, sacado agora sobre aquela conta da UU..., cheque esse que emitiu a ordem do Proc. 156-C/1993-2° Juízo - Tribunal Judicial da Marinha Grande, e com ele procedeu, em 1 de Julho de 2003, ao pagamento do referido deposito.
244.Em 4 de Julho de 2003, o arguido A... informou o processo executivo que o comprador dos bens penhorados, pelo valor de € 6.900,00, havia sido José Ferreira Curado, cunhado do referido ... ..., pese embora bem soubesse que tal não correspondia a verdade, pois que vendeu tais bens ao mencionado ... ... pela quantia de € 15.000,00.
245.Quanto aos restantes € 8.100,00, o arguido A... integrou-os na sua esfera patrimonial.
246.O arguido A..., enquanto encarregado da venda nomeado judicialmente no âmbito do processo executivo em causa, tinha por dever proceder a venda dos bens penhorados pelo melhor prego que conseguisse obter e depositar o valor integral do produto da venda efetuada.
247.Ao agir da forma descrita, o arguido A... violou os deveres que lhe cabia respeitar no âmbito das funções em que foi investido, compreendidas no âmbito da função publica jurisdicional, com o propósito conseguido de obter a vantagem patrimonial de € 8.100,00 que não lhe era devida, proveniente do negócio que havia sido encarregue de realizar, prejudicando em igual medida as interesses da massa falida ..., pelos quais devia zelar por virtude das funções em que estava investido
248.O arguido A... agiu sempre consciente e livremente e sabia ser a sua conduta proibida e punida pela Lei Penal.
249.Por sentença proferida a 8 de Outubro de 2002, no âmbito do processo de falência n° 227/2002, do Tribunal Judicial de Alcanena, foi decretada a falência da sociedade ... -, Lda..
250.Nessa sentença, foi nomeado liquidatário judicial … e foram nomeados para integrar a comissão de credores o Banco Espírito Santo, o Ministério Publico, o Banco Comercial Português, o Banco BPI e a Caixa de Credito Agrícola Mutuo de Porto de Mós.
251.Em 15 de Outubro de 2002, o liquidatário judicial nomeado solicitou escusa de funções e indicou como seu substituto … , o que foi judicialmente deferido por despacho de 16 de Outubro de 2002.
252.Em 31 de Janeiro de 2003, o liquidatário judicial ..., acompanhado do arguido A..., na qualidade de louvado, procedeu a apreensão de três bens móveis pertencentes a massa falida, que foram avaliados em € 200,00.
253.Em 31 de Março de 2003, o referido liquidatário solicitou autorização para recolha de propostas para a venda dos bens aprendidos, autorização essa que foi concedida por despacho judicial proferido a 22 de Abril de 2003.
254.Ora, em 30 de Abril de 2003, o liquidatário judicial ... dirigiu ao arguido A... uma Carta onde lhe solicitava a "...recolha de três propostas para a venda dos bens arrolados da ... porque gostava de ter esta parte do processo resolvida na próxima semana.".
255.Na sequência de tal solicitação, o arguido A... decidiu, então, forjar três propostas como se tivessem sido efetivamente subscritas por aqueles que figuravam nelas como seus proponentes, e entrega-las ao liquidatário judicial para que este as apresentasse no âmbito do processo de falência da ....
256.Pretendia dessa forma o arguido A... ficar com aqueles bens móveis da massa falida para ele próprio, e depois revende-los a um prego superior, ocultando, porem, a sua identidade, pois que tinha intervindo no processo como louvado.
257.Ora, tendo o arguido A... realizado diversos negócios com …. , decidiu utilizar a identidade destes nas propostas para compra dos bens da ..., como se tivessem sido efetivamente subscritas por aqueles.
258.Para tanto, o arguido A... em 5 de Junho de 2003, contactou telefonicamente … , sua funcionária na UU..., a quem deu instruções nesse sentido.
259.E, em 6 de Junho de 2003, o arguido A... voltou a contactar telefonicamente aquela sua funcionária, as 14h29m e às 17h32m, com ela tendo voltado a insistir nesse sentido, elucidando-a a propósito da forma como deveriam ser feitas as propostas.
260.Assim, de acordo com o determinado pelo arguido A..., e seguindo as suas instruções, foram elaboradas três propostas para aquisição dos referidos três bens moveis apreendidos no âmbito da falência da ..., uma em nome de … , no valor de € 187,50, outra em nome de … , no valor de € 250,00, e uma terceira em nome de … , no valor de € 225,00, as duas primeiras datadas de 3/09/2003 e a terceira datada de 5/09/2003, propostas essas nas quais foi manuscrita uma assinatura, como se se tratasse da assinatura do proponente nelas identificado.
261.Na posse de tais propostas assim obtidas, o arguido A... entregou-as ao liquidatário judicial ..., que, desconhecendo a sua falsidade, deu delas conhecimento a Comissão de Credores da ... através de carta datada de 3 de Outubro de 2003, propondo que a venda dos bens em causa se efetuasse ao subscritor da proposta de valor mais elevado.
262.Nesse seguimento, os elementos da referida Comissão de Credores deram o seu consentimento a venda dos bens móveis em causa ao subscritor daquela proposta com o valor de € 250,00.
263.Assim, no dia 27 de Novembro de 2003, o liquidatário judicial ... emitiu a fatura n° 1, no valor de € 297,50 (€ 250,00 + IVA a taxa legal de 19%), em nome da … , fatura essa que entregou ao arguido A..., juntamente com os respetivos bens da massa falida, para que este os entregasse ao alegado comprador.
264.O arguido A... pagou, então, ao liquidatário judicial da ... a quantia de € 250,00 pelos bens em causa, como se o estivesse a fazer em nome do alegado comprador - quantia essa que ... depositou a ordem do respetivo processo de falência, mas ficou com tais bens para ele, para os revender posteriormente por um prego superior e com isso obter um benefício patrimonial que, de outra forma, não perceberia.
265.Sabia o arguido que enquanto encarregado da venda nomeado para aquele processo não poderia adquirir para si, bens a esse mesmo processo referentes.
266.Atuou com intenção de obter para si bens, no âmbito de negócio que havia sido encarregue de realizar, e assim obter vantagem patrimonial a que não tinha direito.
267.O arguido A... agiu sempre consciente e livremente e sabia ser a sua conduta proibida e punida pela Lei Penal.
268.Em data exata não apurada foi encomendado na empresa de telecomunicações … , Lda., em Leiria, por pessoa cuja identidade não foi possível apurar um telemóvel de marca Nokia, Modelo 6130i, bem como um "kit mãos livres", no valor total de € 604,53.
269.Em 24 de Março de 2005, um funcionário daquela empresa instalou o referido kit no veículo automóvel do arguido F..., de marca BMW, com a matrícula 96-64-QG.
270.Tal serviço foi faturado a UU... e pago por esta sociedade.
271.E, nessa mesma data, o telemóvel foi entregue ao arguido F..., cujo preço foi igualmente faturado a UU....
272.O acabado de descrever ocorreu por motivos e com intenções exatas não apurados.
273.No dia 9.12.1999 foi efetuado o levantamento de um cheque, no valor de 2.000.000$00 da conta com o nº 7268900156 de que a UU... é titular no Banco Internacional de Crédito.
274.No dia 9.12.1999 no seu caderno de apontamentos referente aos anos de 1999 e 2000, o arguido A... fez a seguinte anotação: “Dr. … pes – pagamento de comissões 2.000 cts”.
Das contestações dos arguidos C... e D...: (factos nº 275 a 278)
Da contestação do arguido E...:(facto 279)
Condições pessoais dos arguidos:
280.O arguido A... é casado.
281.O seu agregado familiar é constituído por si, pela esposa e dois filhos de ambos de 7 e 16 anos de idade, que se encontram a estudar.
282.Residem em casa própria.
283.Suportam a quantia mensal de 1.400€ de prestação de empréstimo contraído para a sua aquisição.
284.O arguido em referência desempenhava na UU..., conjuntamente com a esposa a sua atividade profissional, tendo vendido ambos as quotas que detinham na mencionada sociedade em finais de 2009.
285.O próprio, atualmente desenvolve atividade de consultor na mencionada empresa, pelo período de 2 anos a contar da data do negócio de alienação, conforme em tal contrato estabelecido.
286.De tal atividade recebe uma avença mensal de 4.000€, a qual é paga a uma empresa criada para o efeito, da qual o próprio e os filhos são sócios.
287.No âmbito do contrato de alienação em que interveio foi celebrado pacto de não concorrência pelo período de 10 anos.
288.A esposa encontra-se desempregada, sem direito a subvenção estadual, pois na UU... desenvolvia funções de gerência.
289.Tal arguido tem como habilitações literárias o 12º ano de escolaridade.
(factos respeitantes ao arguido B...: 290 a 298)
(factos respeitantes ao arguido E...: 299 a 306)
(factos respeitantes ao arguido C...: 307 e 308)
(factos respeitantes ao arguido D...: 309 e 310)
311. Nenhum dos outros arguidos [incluindo o recorrente] tem antecedentes criminais.
***
Para além dos supra mencionados não se provaram os demais factos alegados na acusação e contestações deduzidas, em especial não se tendo provado:
Da acusação:
1.O arguido E... era sócio da empresa UU... – ., Ldª fora do período dado como provado;
2.A intervenção da UU... no âmbito de processos de execução e falência teve outra abrangência geral, localização temporal ou contornos que não os que se dão como provados.
3.Em virtude das funções que os arguidos A... e ... desempenhavam e das relações profissionais que mantinham, foi-se desenvolvendo entre eles um clima de confiança mútua, de modo que entre ambos se estabeleceu um acordo genérico em que ambos lucrariam com as respetivas intervenções nos vários processos de falência;
4.Foi no âmbito desse acordo, pré-estabelecido que se processava a intervenção da UU... nos processos onde era liquidatário ..., ocorrida, genérica e particularmente nos termos que se deram como provados.
5.A nomeação do A... ou de um seu funcionário ocorria por causa desse acordo preestabelecido.
6.Logo aquando das avaliações os bens eram avaliados por um valor inferior ao real, de forma a poderem ser vendidos mais tarde por um preço muito superior.
7.De acordo com esse plano prévio e como forma de o concretizar, foi genericamente decidido pelo arguido A... contactar compradores da sua confiança, que apresentavam propostas fictícias por tais bens, permitindo que esses bens fossem vendidos a outros compradores cujas identidades não surgiam nos respetivos processos de falência, por preço muito superior ao da avaliação (sem prejuízo do que, nos casos concretos, foi dado como provado).
8.Tudo com o conhecimento e consentimento de ... que, por isso recebia do arguido A... elevadas quantias em dinheiro (para além do que se dá como provado, nessa parte em dois casos concretos).
9.Os pagamentos feitos pelo A... diretamente a ... foram outros, com outra extensão ou intuitos que não os que se dão como provados.
10.Foi no âmbito desse acordo que o arguido A... que foi emitido o cheque mencionado em 12. dos factos provados.
11.Foi também no âmbito de um acordo genérico que excede os exatos termos que a esse respeito se deram como provados que foi entregue a quantia de 500.000$00 anotada na folha de Caixa da falência da … , nos termos que se dão como provados.
12.Foi também no âmbito de um acordo genérico que excede os exatos termos que a esse respeito se deram como provados que foi entregue a quantia de 1.500.000$00 anotada na folha de Caixa da falência da … , nos termos que se dão como provados.
13.Tais pagamentos de 500.000$00 e 1.500.000$00 dados como provados foram feitos com o dinheiro do levantamento mencionado em 280. dos factos provados.
14.A abordagem feita no âmbito do processo da ... de Pombal ocorreu relativamente a outras pessoas e noutros termos que não os que se dão como provados.
15.O imóvel pertencente a essa empresa e vendido no âmbito do processo de insolvência tinha valor real nunca inferior a 60.000.000$00;
16.Sabia, contudo, o arguido A..., bem como aqueles administradores que tal imóvel tinha um valor muito superior àquele, não obstante ter sido avaliado á data da sua apreensão por apenas 30.000.000$00.
17.A avaliação desse imóvel já tinha sido feita por valor que o arguido A... sabia ser muito inferior ao real, que nunca seria inferior a 60.000.000$00 com o prévio propósito de se locupletar com alguma quantia em dinheiro (sem prejuízo do que a esse respeito se deu como provado).
18.... era conhecedor desse plano e nada fez para o impedir, pois tinha firmado com ele um acordo genérico de em troca lhe serem pagas determinadas quantias, assim violando os deveres inerentes ao cargo que desempenhava a troco de dinheiro que viria a receber.
19.Na reunião da comissão de credores mencionada em 34. foi também decidido que a avaliação dos bens seria feita por dois peritos contratados pelo liquidatário.
20. A venda por negociação particular mencionada em 36. foi também anunciada a 21 de Dezembro de 1999 no Jornal de Noticias.
21.O B... nunca pretendeu adquirir os bens móveis sobre os quais incidiu a proposta por si titulada nos termos que se dão como provados e a mesma proposta não correspondia a uma real intenção da sua parte em adquirir os bens móveis constantes da mesma.
22.O arguido A... abordou o arguido ... e pediu-lhe que subscrevesse aquela proposta de aquisição dos mencionados bens móveis da ..., pelo exato valor da mesma constante, dando-lhe conhecimento de que tinha já uma proposta no valor de 1.502.000.000$00 e de que pretendia, por essa via apoderar-se da quantia de 200.000$00.
23.Foi anuindo a tal plano que o ... subscreveu a proposta mencionada nos factos provados, levando, sem intenção de os comprar a comissão de credores a adjudicar-lhe os bens móveis pelo valor correspondente, colaborando no plano idealizado pelo A....
24.A atuação do A... dos termos que se dão como provados beneficiou da colaboração do ..., no sentido de criar falsamente na comissão de credores a convicção de que a proposta deste era efetivamente a mais alta e motivando que os bens, assim, lhe fossem adjudicados.
25.Os cheques emitidos pelo ... tinham outra numeração que não a que se dá como provada.
26.Os documentos emitidos pela UU... para titular as transações havidas entre ..., ...e ... e ..., Ldª tinham outra natureza que não a que se dá como provada.
27.As intenções o arguido A..., aquando da atuação dada como provada referente aos bens da ... eram outras que não as que se dão como provadas.
28.O papel timbrado da ... utilizado para a proposta em nome da mesma apresentada no âmbito do processo da Ferreira e Machado não tinha a mínima correspondência com o logotipo da referida empresa.
29.O arguido A... havia combinado com os arguidos C... . e D...vender os bens móveis apreendidos à … , Ldª por valores muito superiores àqueles pelos quais tinham sido avaliados, entregando aquele à massa falida apenas parte do preço pelo qual os viessem a transacionar e repartindo entre eles a parte restante (para além do que nessa parte se considerou provado).
30.Logo aquando da avaliação que fez de tais bens, o arguido A... tratou de lhes dar valor muito inferior ao seu valor real, com o intuito de os vir a negociar, vendendo-os por preço muito superior ao da avaliação, entregando à massa falida apenas parte do preço pelo qual os viesse a transacionar.
31.Foi como forma de concretizar esse plano que o arguido A... acordou com os arguidos C... . e D...na apresentação de uma proposta de aquisição dos bens móveis da … , Ldª, nos termos que se dão como provados.
32.Foram aqueles três arguidos ou qualquer deles com identidade concreta apurada quem fabricou o impresso dado como provado que correspondeu à proposta em nome de ....
33.Tenha sido exatamente por causa disso ou por qualquer outro motivo que não o que se dá como provado que a Comissão de Credores decidiu adjudicar os bens móveis em apreço, nos termos em que o fez e se dão como provados.
34.Foi no âmbito desse plano previamente concertado, que ocorreu a venda das máquinas de costura nos termos dados como provados.
35.O demais dinheiro da venda dessas máquinas foi distribuído entre os arguidos C... . e D....
36.Os demais bens móveis foram igualmente vendidos a preços muito superiores àqueles pelos quais tinham sido avaliados, tendo a venda desses bens ultrapassado, em muito, os 500.000$00 que a massa falida por eles recebeu.
37.Desse dinheiro tenha efetivamente revertido para o A... a percentagem de 10% e revertendo para os arguidos C... e D...o restante.
38.Logo aquando da condução do negócio referente aos bens móveis da falida que foi encarregue de realizar, o arguido A... atuou com intenção de auferir para si ou propiciar aos outros dois mencionados arguidos benefícios financeiros resultante da obtenção de uma percentagem no produto da venda de tais bens, querendo prejudicar ou sabendo que prejudicava a massa falida, cujos interesses lhe incumbia defender (não obstante o que veio a ocorrer posteriormente, nos termos que se dão como provados).
39.Os outros dois arguidos deram colaboração ao arguido A..., visando criar na comissão de credores a convicção de que os bens móveis em causa tinham sido vendidos por valor inferior àquele pelo qual acabaram (naquela altura) por ser transacionados (sem prejuízo do que se dá como provado relativamente à transmissão posterior das máquinas de costura.
40.Ao fabricarem a proposta de aquisição de bens móveis da … e ao ali imitarem a assinatura do referido ..., os três arguidos que se têm vindo a mencionar, atuaram em conjugação de esforços e na execução de um plano combinado entre eles, pretendendo (e tendo conseguido) camuflar a identidade dos verdadeiros compradores e sempre com o propósito de obterem um enriquecimento a que não tinham direito.
41.Todos os arguidos referidos tenham atuado de modo livre, deliberado e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela Lei Penal.
42.O arguido A... havia recebido de ..., uma proposta de aquisição do bem imóvel da … , no valor de 15.300.000$00 e logo nessa ocasião, formulou o propósito de se apoderar de parte desse dinheiro em lugar de, como era seu dever, instruir aquele para que lhe enviasse a proposta por escrito para ser apreciada juntamente com as demais, no âmbito do respetivo processo de falência.
43.Então, o referido arguido, para concretização desse seu plano e conhecedor de que a proposta mais alta apresentada no âmbito do processo de falência em apreço ascendia a 12.000.000$00, abordou o C... . no dia 1 de Outubro de 1999, data em que havia terminado o prazo para recebimento de outras propostas e pediu-lhe que subscrevesse uma proposta de aquisição do mencionado imóvel por 12.300.000$00 a fim de impedir que este viesse a ser adjudicado ao subscritor daquela outra proposta mais elevada, apresentada por ... em 30.9.1999.
44.Foi por isso que, informado pelo A..., daquele seu plano, anuiu ao pedido deste e enviou a proposta mencionada nos factos provados.
45.Ora, na posse do cheque de 3.000.000$00, o arguido D...procedeu ao seu levantamento e entregou a respetiva quantia em dinheiro ao arguido A....
46.O cheque emitido pelo A... tinha outra numeração que não a que se dá como provada.
47.O arguido A... apoderou-se de dinheiro em seu benefício aquando da realização do negócio da venda do imóvel da … no âmbito do processo de falência onde tinha sido nomeado, sem prejuízo do que consta do ponto 79 dos factos provados, pois este considera-se posterior ao negócio efetuado para a massa e com ele não se confundindo.
48.Beneficiou, para tal da colaboração dos arguidos C... e D....
49.Os arguidos A..., C... e D...atuaram de modo livre, deliberado e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei (ressalvando o que quanto ao primeiro, nessa parte se deu como provado.
50.Na execução do plano delineado quanto aos bens da falência da ..., o arguido A... abordou o arguido E..., já à data sócio da UU..., e pediu-lhe que subscrevesse a proposta dada como provada, dando-lhe conhecimento de que tinha uma proposta de outro comprador para esses bens, no valor de 17.600.000$00 e de que pretendia, por essa via, apoderar-se da diferença entre estes valores.
51.O arguido E..., de modo livre, deliberado e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal aceitou colaborar com o arguido A... no plano por este idealizado e, foi por isso, que subscreveu a proposta constante dos factos a este respeito dados como provados.
52.O negócio referente aos bens imóveis da ... teve outros contornos que não os que se deram como provados.
53.Foi só por ter ficado convencido que era verdade que para venda do prédio rústico onde se encontram implantadas as construções o proprietário exigia 125.000€ que o ... aceitou o negócio e pagou o preço correspondente.
54.O arguido A... tenha, efetivamente causado prejuízo patrimonial do ..., no âmbito do negócio que este pretendia realizar e que efetivamente incidia sobre a globalidade do imóvel, incluindo as construções e o prédio onde haviam, sido implantadas, sem prejuízo do que, a esse respeito se deu como provado.
55. Até à presente data, ainda não logrou efetuar-se a venda dos bens imóveis apreendidos no âmbito do processo de falência da ....
56.O arguido A... quis obter para si ou para terceiro, qualquer vantagem patrimonial no âmbito da venda dos imóveis diretamente pertencentes à ..., sem prejuízo do que a esse respeito se dá como provado.
57.Tenha tal arguido atuado de modo livre, voluntário e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal, para além do que a esse respeito, se considerou como provado.
58.A “retirada” do OOO... do Leilão teve outros motivos que não os que se dão como provados.
59.O arguido A... vislumbrou, desde logo, uma forma de obter um enriquecimento patrimonial a que não tinha direito, caso ficasse com aquela viatura para ele por um valor inferior ao da avaliação, revendendo-a posteriormente por um preço superior, dispondo-se, também, desde logo, a prejudicar os interesses da massa falida.
60.Foi para concretizar tal plano que o mesmo decidiu retirar a viatura em causa do leilão, assim evitando que a mesma fosse adquirida por outro interessado.
61.Logo inicialmente o arguido A... formulou o propósito de ficar com o compressor e o sistema de decapagem para si com o propósito de os revender, sem prejuízo do que a esse respeito se dá como provado.
62.Com essa finalidade, logo assim delineada nem sequer procurou verdadeiros interessados na compra dos referidos bens, que por eles pagassem um preço superior.
63. Foi o arguido A... quem efetuou a anotação manuscrita no ofício datado de 5 de Junho de 2002 do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Marinha Grande.
64.No âmbito do processo de execução da … , o arguido A... agiu sempre consciente e livremente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
65.As intenções da atuação do arguido A..., no âmbito da execução da ... eram outras que não as que se dão como provadas.
66.A falência da ... foi decretada no Tribunal Judicial de Santa Cruz.
67.O referido arguido nem sequer procurou comprador para os bens da mencionada empresa, declarada falida, tendo atuado, logo desde o início com o propósito de ficar com eles para si, revendendo-os por preço superior, prejudicando os interesses da falida, sem prejuízo do que a esse respeito se dá como provado.
68.O referido arguido prejudicou, efetivamente, os interesses patrimoniais da referida falida.
69.O arguido A..., enquanto representante da UU... tem coadjuvado o arguido F..., enquanto liquidatário no âmbito de vários processos de falência em vários tribunais judiciais, sendo aquela empresa nomeada encarregada da venda, por sugestão deste, nomeadamente nos seguintes processos: … .
70.Foi o arguido A... quem encomendou na empresa … o telemóvel e o Kit mãos livres, mencionado nos factos dados como provados, o qual ofereceu ao arguido F... que o aceitou.
71.Foi o arguido A... quem determinou a instalação e faturação do referido equipamento nos termos que se dão como provados.
72.O arguido A... esperava que a sua empresa continuasse a ser escolhida para encarregada da venda, por sugestão do arguido F... em outros processos judiciais em que aquele interviesse como liquidatário judicial.
73.O arguido F..., conhecedor de tal pretensão do A... e pese embora desempenhasse o cargo de liquidatário judicial no âmbito da função pública jurisdicional, aceitou o referido telemóvel com o kit mãos livres, que sabia não lhe ser devido.
74.O arguido F... agiu consciente e livremente e sabia ser a sua conduta proibida e punida pela lei penal.
75.... era conhecedor de quaisquer outras atuações ou planos do A..., nada fazendo para o impedir de assim agir, pois com ele tinha firmado um acordo nos termos mencionados, assim violando os deveres inerentes ao cargo que desempenhava a troco de quantias que viria a receber do A..., para além do que, em termos particulares a esse respeito se deu como provado.
Da contestação do arguido B...: (factos 76 a 85)
Da contestação do arguido C...: (factos 86 a 94
Da contestação do arguido D...: (factos 95 a 108)
***
A título de questão prévia, nesta sede de fundamentação da decisão de facto, importa referir que, atenta a extraordinária complexidade e densidade dos factos em discussão, mas também da prova que sobre eles incide, tanto testemunhal como documental, a fundamentação da decisão de facto, não pode ser feita de forma comum.
Efetivamente, no entender deste tribunal coletivo, tal complexidade não é compatível, com uma enumeração meramente descritiva dos elementos probatórios em que foi alicerçada a prova positiva ou negativa dos factos, seja com descrição dos elementos documentais (os quais, por si só constituem numerosos volumes com milhares de páginas), seja com recurso à descrição de cada um dos depoimentos prestados, face ao elevado número de intervenientes ouvidos em várias cessões de julgamento.
Igualmente não é compatível com uma referência genérica sem menção expressa para elementos concretos de prova, pois dessa maneira, não só não se abrangeria a totalidade dos elementos probatórios usados em sede de sustentação da decisão como, também, dificilmente se conseguiria traduzir o raciocínio lógico seguido, o qual, em muitos casos, assenta conjugação de vários meios de prova produzidos, considerados de forma não linear e sim interpretativa.
Dessa forma, entendeu-se adotar uma forma explicativa mista, na qual, se fará referência a cada um dos processos em causa ou blocos de factos (seguindo a ordem concreta enunciada na acusação) e, dentro de cada um desses processos, enunciar de forma singela os documentos que serviram para alicerçar a convicção do Tribunal, sempre que eles tenham sido interpretados de forma literal (como acontece nos inúmeros casos em que, por exemplo, se descreve tramitação processual, sustentada em certidões juntas aos autos, cheques, escrituras, contratos, registos, faturas, vendas a dinheiro, anotações).
Nos casos em que esses elementos documentais tenham sido interpretados ou objeto de discussão, especificar-se-á o raciocínio seguido, o mesmo acontecendo, sempre que se revelou necessário conjugar vários meios de prova (por exemplo testemunhal e/ou documental ou registos de conversas escutadas) em ordem a alcançar uma determinada conclusão.
Igualmente se adotou a posição de explicar, genericamente, alguns raciocínios seguidos que, ou são fundamentais para uma global compreensão do entendimento seguido ou, pela sua abrangência ou generalidade, serão transversalmente utilizados depois, como pressuposto na análise de cada um dos casos concretos.
Generalidades:
No que se refere à integração dos conceitos utilizados, mormente de liquidatário, encarregado de venda, avaliador, leiloeira e outros conexos e âmbito de intervenção de cada um deles, não obstante os factos públicos e notórios e a legislação aplicável não carecerem sequer de alegação e prova (e logo também não de explicação), foi genericamente utilizado o Código de Processo Especial de Recuperação de Empresas e Falências (CPREF – DL 132/93 de 23.4), em vigor à data dos factos em causa nos autos, bem como à redação do Código de Processo Civil (na parte referente ao processo executivo), em vigor no mesmo período.
A prova da inscrição de ... e F... enquanto liquidatários no período dado como provado retirou-se da consulta das listas correspondentes no mesmo período.
Explicando genericamente, nos termos supra mencionados um dos raciocínios subjacentes para se dar como provado o recebimento em proveito próprio, por parte do arguido A..., de algumas das quantias em dinheiro que constam dos factos provados, importa referir que, em audiência, por várias das pessoas ouvidas (cujas identidades não importa aqui referir, na medida em que o que se pretende é clarificar o raciocínio nessa parte seguido) foi mencionado que a prática na área de atividade em que nos situamos é a de que o valor aposto nas propostas feitas por cada um dos interessados na aquisição de um bem é o valor de aquisição, sem nele se conter o montante referente aos impostos (IVA) ou sequer o valor das comissões.
Isso poderia levar a pensar que, algumas das quantias mencionadas como tendo sido recebidas pelo A... poderiam respeitar a comissões devidas ao mesmo, por força da atividade de que tinha sido encarregue e, logo, que o seu percebimento, seria legítimo, porque poderia ser pago diretamente e essencialmente, não careceria de ser declarado no processo, pois nada tinha a ver com o preço da compra, entendido enquanto tal e, por isso, não devia ser entregue à massa falida ou ás partes em processo executivo, dessa forma se justificando as divergências claras existentes nalguns casos entre os valores declarados/entregues nos processos a que infra se fará referência e os efetivamente pagos pelos proponentes.
Porém, esse raciocínio seria falacioso. Na verdade, muito embora seja devida ao encarregado de venda uma comissão a mesma não poderá, ultrapassar o que está fixado na Lei (art. 34, nº1, e) do CCJ na redação vigente à data) e que corresponde a um máximo de 5% sobre o produto da venda, mesmo havendo acordo das partes.
Por outro lado, o pagamento de tal comissão/honorários, em princípio, é pago no âmbito do próprio processo (seja ele executivo ou de falência), entrando em regra de custas (citado art. e 208 do CPREF), só assim não sendo se um dos intervenientes se responsabilizar pelo seu pagamento (cfr. neste sentido, entre outros o Ac. STJ de 27.9.2001 in CJ STJ, A. IX, T III).
E, assim sendo, tendo em conta os valores que infra se mencionarão, mas também o facto de, em muitos dos processos se não ter previsto que o pagamento ao encarregado da venda fosse feito fora do âmbito do processo, resulta claro que esse raciocínio que poderia, em abstrato passar pelo espírito de alguns, jamais se poderia defender nos casos ajuizados na medida em que, não só tal pagamento deveria, pois, ocorrer no âmbito do processo, como as divergências de valores assumem percentagens muitíssimo superiores, o que, torna os mencionados recebimentos não explicáveis de qualquer outra forma que não a que se dá como provada, à luz das regras de experiência comum.
Ainda em sede de explicação genérica, teremos que referir que as regras de experiência comum que foram utilizadas não foram apenas as do homem médio, prudente e zeloso, envolvido num trabalho regular e com um salário certo, para quem, a maior parte dos conceitos envolvidos neste processo, pareceriam estranhos, obscuros e de difícil entendimento.
Na verdade, encontramo-nos numa área de atividade (que os julgadores percecionam por força do exercício das funções que desempenham e cujos conhecimentos, nessa matéria, também utilizaram), onde o que se visa é o lucro, pois a maior parte das empresas e pessoas individuais que compram os bens judicialmente vendidos os destinam á revenda e, logo, assumindo embora os riscos posteriores e inerentes ao negócio, pretendem, sempre, indiscutivelmente, da sua atividade retirar rendimento, para o que terão que comprar por valor inferior àquele pelo qual vêm a vender.
Isso leva a que, indiscutivelmente, quem oferece, na esmagadora maioria dos casos, ofereça, sempre o menos possível, pois quanto menos oferecer, maior é a possibilidade de lucro ou, pelo menos, menor a de perder dinheiro.
É que, em muitos casos estão em causa vendas de bens com finalidades específicas, que não são cativantes para a generalidade das pessoas, muitas vezes vendidos por grosso ou em lotes, com enorme empate de capital, que não se compadece também com o património individual da esmagadora maioria das pessoas e com grandes exigências em termos de pagamentos, que implicam, desde logo, o pagamento de uma percentagem de relevo sobre o valor global e, depois, em curto prazo, o do restante, sem recurso a prestações ou dilações.
Nessa mesma atividade, os conhecimentos comerciais de cada um dos intervenientes são fundamentais, pois quanto maior for esse conhecimento, mais facilmente poderão amortizar o empate de capital feito, assim diminuindo o risco inerente ao negócio e os encargos que poderão existir referentes ao investimento, mas também porque, esses conhecimentos poderão levar a uma associação de vários interessados, na aquisição de bens de natureza diversa, cada qual com finalidades próprias e específicas, assim facilitando a sua futura colocação mas também o pagamento dos custos correspondentes.
É por isso que as vendas tentadas no âmbito dos próprios processos, com indiscutíveis e acrescidas garantias de legalidade e de controlo na esmagadora maioria dos casos resultam infrutíferas (e alguns dos casos em discussão neste processo não são exceção, pois conforme infra se verá foi tentada tal forma de alienação, sem resultados) o que justifica o recurso a terceiros, entre eles leiloeiras, para, usando os seus conhecimentos no plano comercial e uma melhor capacidade de entendimento do mercado, levarem a cabo o que não foi conseguido de outra forma.
Existe, por outro lado, sempre latente a estes atos, um conflito de interesses acrescido relativamente aos negócios normais, entre os interesses de quem compra (entendido genericamente da forma como se vem explanando, o que ocorre na esmagadora maioria dos casos) e os dos interessados na venda, que sendo credores, embora interessados na realização do seu crédito, zelam menos pelo negócio do que aquele que quer vender o que é seu e, muitas vezes, se encontram pressionados pelo tempo, que é essencial no plano negocial, preferindo, quantas vezes, vender mais rápido e por menos dinheiro.
Essa tensão, de resto, é agravada pela urgência da maior parte dos processos que exige que a alienação seja feita rapidamente o que não é compatível com uma maior procura de interessados em ordem à obtenção do maior valor.
Não raras vezes, neste domínio de atividade, quem compra já tem ele próprio interessado em lhe comprar e quando não tem, muitas vezes, entrega à mesma “leiloeira” ou a outra de funções idênticas, a tarefa de, com mais tempo, lhe encontrar negócio favorável ou a própria leiloeira, no âmbito de uma venda a fazer, socorre-se de anteriores compradores (com cujo contacto ficou), na tentativa de que estes, junto dos seus próprios contactos, tentem obter interessados numa alienação que ela, sozinha, enfrenta dificuldades em fazer.
Essa proximidade negocial, esse contacto direto com o mercado, o preço dos contactos, a mobilidade, o secretismo, a capacidade de raciocínio e avaliação do risco e da situação de cada um dos intervenientes, não obstante de difícil entendimento para a generalidade das pessoas tem que ser valorizada e entendida na análise de factos como os que estão em causa nos autos.
É verdade que, também por causa de tudo isso, não será invulgar a existência de casos em que, ocorra conluio de todos os interessados numa compra no sentido de apresentarem uma proposta de valor inferior àquela que alguns estão dispostos a oferecer, sem o conhecimento de quem faz a venda, assim levando a que ela seja feita por um valor inferior e permita um maior lucro a quem compra e depois revende, mediante uma participação dos demais no produto da diferença, o que também é fomentado pelo facto de as pessoas e empresas envolvidas, se cruzarem entre si com alguma frequência no âmbito deste tipo de negócios (o que se conclui não só com base nas regras de experiência comum e nos conhecimentos profissionais na área mas também da análise dos próprios elementos documentais do processo, de onde se constata que os mesmos intervenientes, com alguma frequência aparecem associados a vários casos diversos).
Igualmente não será invulgar, que a pessoa encarregue da venda, seja parte ativa num tal tipo de situação ou que, conhecendo as propostas apresentadas, que sabe baixas, se combine com alguém, no sentido de as superar, embora por pouco e com isso vise e consiga a obtenção de lucro para si próprio, com ou sem prejuízo para os interesses que representa.
Não raro será, também, que o encarregado da venda omita propostas ou interessados com o intuito de se beneficiar a si próprio ou a terceiros ou que até solicite ou aceite dinheiro de um interessado para não procurar outros, omitir valores ou simplesmente realizar um ato que por força das funções em que está investido, realizaria de qualquer modo.
Trata-se dos denominados “cambões” de que muito se falou em audiência.
Ora, o raciocínio que se tem vindo a discorrer é absolutamente fundamental para analisar muitas das situações que infra se descriminarão, pois dentro do meio em que as mesmas ocorreram e tendo em conta as regras de experiência comum, assim temperadas, do facto de hoje se comprar por um valor e amanhã se vender por um superior não se pode retirar necessariamente que quem vende hoje, só vendeu, nas condições em que o fez porque era sabedor de que havia outro comprador que estava interessado em comprar, por valor superior ao da venda que efetuou e, logo, que beneficiou com esse negócio ou, pelo menos, que realizando-o quis beneficiar o comprador (do ato em que interveio), prejudicando, em idêntica medida os interesses patrimoniais de quem tinha interesse na sua realização.
Por outro lado, ocorrendo participação (ilícita) de quem vende, tantas são as possibilidades da sua concretização (as quais, conforme se concluirá infra, poderão integrar, consoante os contornos, inúmeros crimes do elenco penal) que jamais se poderá concluir pela exata ocorrência de uma delas, sem que essa conclusão se possa retirar, de forma indiscutível dos meios de prova ao dispor do julgador (pelo menos com base no princípio in dubio pro réu, pois permanecerá a dúvida sobre tal participação, mesmo que não haja prova real e direta do contrário).
Também as especificidades a que se têm vindo a referir apontam no sentido de que as avaliações são feitas quase sempre por valores inferiores aos valores reais dos bens, se ele se entender, não como o valor a que provavelmente serão vendidos, mas como aquele que têm em abstrato, sem se atentar ao mercado a que efetivamente se destinam.
Isso ocorrer não porque o que se vise seja, diretamente, garantir futuramente um negócio ilegal do próprio avaliador ou de terceiro, mas porque, num tal contexto, na esmagadora maioria dos casos, o valor real dos bens, assim entendido não corresponde ao valor pelo qual o mercado que está disposto a adquiri-lo por ele dará e o valor da avaliação é dado tendo por referência o seu valor venal, dentro do contexto da venda a efetuar.
O mesmo é dizer, num contexto de venda forçada, por grosso e que se exige rápida, qualquer bem valerá, necessariamente menos do que valeria vendido pelo próprio proprietário, sem pressas, com procura de interessados ao longo de vários meses ou até anos e irá valendo tanto mais, quanto forem aumentando a capacidade negocial de quem o quer vender, os seus conhecimentos e a sua possibilidade em procurar ou aguardar.
Não se pode, pois, retirar daí, forçosamente, que avaliação de um bem num tal contexto por valor inferior àquele que, por exemplo, foi adquirido ocorra porque a avaliação já é feita “por baixo” e que quem fez a avaliação já tivesse à partida qualquer intuito lucrativo ou plano prévio delineado, pois pode muito bem acontecer que tal avaliação seja feita tendo por referência o valor que o avaliador considera ser possível obter pelo bem a vender já em determinadas circunstâncias.
Outro tanto se diga quando, em vendas posteriores, o mesmo bem vem a atingir valor superior àquele que inicialmente pela venda se conseguiu obter, na medida em que tal valor será tanto superior quanto maior for o conhecimento de quem o vende e melhor a sua capacidade de aguardar por condicionantes favoráveis na concretização do negócio.
Ainda em termos genéricos, terá também que se referir que as mesmas regras de experiência comum, temperadas com conhecimento profissional da área nos levam a concluir que entre os vários intervenientes, sejam eles liquidatários, leiloeiras, funcionários, compradores, vendedores, credores, seja pela frequência com que contactam (numa determinada área, o número de cada um acaba por ser relativamente pequeno), seja por outros motivos, acabam por se estabelecer (ou até pré-existir) laços de confiança comercial que motivam que se envolvam noutros negócios, sejam eles dependentes ou subsequentes, ou não, a processos judiciais, que, diga-se, não estão impedidos de realizar por, em determinada altura, exercerem funções no âmbito de processos pendentes, o que, ressalta à saciedade, também dos depoimentos de inúmeras das testemunhas inquiridas em audiência e associadas, que relataram genericamente vários negócios, em várias posições, em momentos diversos, ora como compradores a leiloeiras, ora como vendedores em leilões feitos por essas mesmas leiloeiras.
Não é, até, de descartar que tal confiança, em determinado momento, possa extravasar o campo puramente profissional e se passem a estabelecer laços pessoais ou até contratuais que nada tenham a ver com a atividade de cada um a que se tem vindo a fazer referência.
Nesse âmbito, não obstante o que infra se dirá, em termos de entendimento jurídico a propósito do crime de corrupção e da prova ou não da sua prática, não se poderiam entender como absolutamente desprovidas de sentido e indiscutivelmente concludentes no sentido da existência de um “negociar sobre o cargo de funcionário” seja para atividade lícita ou ilícita as entregas de dinheiro ou de bens, sem conexão direta com os casos que, nos autos se trata, por haver outras possibilidades que à luz das regras de experiência comum, pelo menos com base no princípio in dubio pro reu, entendido nos termos supra expostos, se não podem descartar.
Quanto aos factos descritos em A) da acusação
Tiveram-se literalmente em conta os documentos de fls. 1691 e segs., 408 e segs., bem como as demais certidões registais referentes ás sociedades em causa nos autos e a que infra se aludirá, separadamente, por referência a cada um dos processos ou grupos de factos, por uma questão de simplificação do raciocínio.
Teve-se ainda em conta a análise do teor integral da certidão de fls. 3030 e segs dos autos (que serviu, igualmente para dar como provado o facto referente à contestação desse mesmo arguido) no que tange à exata posição que o arguido E... teve na empresa UU....
Igualmente foram tidos em conta, em termos literais, os documentos de fls. 89 do apenso VII, fls. 2 do mesmo apenso, fls. 41 do apenso IV, fls. 153 do apenso XXXVI, fls. 49 do apenso XXVIII e fls. 15, 16 e 17 do processo.
No que se refere à não prova do entendimento genérico e inicial (conluio) a que se faz referência nesta parte da acusação entre o arguido A... e ..., para além do já referido supra genericamente nessa parte, que aqui chamamos á colação, importa fazer algumas precisões de raciocínio que motivaram, também que se desse como provados dois pagamentos feitos em termos concretos, com intenção relevante do ponto de vista penal no âmbito dos processos da … e da ....
Na realidade, da análise da totalidade da documentação apreendida ressalta que, indiscutivelmente, o arguido A... mantinha um controle pessoal de todos os pagamentos/recebimentos feitos no âmbito dos processos em que intervinha, indo até ao ponto de anotar nas folhas de caixa que mantinha em alguns dos processos ( … e ...) o pagamento de “comissões” a ... nos montantes que se dão como provados, conforme se retira com clareza dos já citados documentos de fls. 2 do apenso VII e fls. 41 do apenso IV.
Tal menção feita pelo próprio em documentos que lhe serviam para internamente controlar os custos e os proveitos dos negócios em que interveio nos processos em causa, apenas pode significar que, efetivamente, os referidos montantes, dados como provados, foram pagos pelo arguido em causa a ..., liquidatário em ambos os processos em causa.
Tais pagamentos nenhuma outra justificação poderão ter que não aquela que foi consignada nos factos provados, desde logo face á qualidade que ambos tinham e em que atuavam no caso. Igualmente não se poderá configurar que tais referências possam advir de um aligeirar das notas tomas e se quisesse referir aos valores a pagar às massas falidas, pois, não só os valores são, por vezes diversos, como se analisarmos cada uma das folhas de caixa, constata-se que esses pagamentos também lá contam e com as referências adequadas.
Ora, uma vez que os honorários dos liquidatários constituem encargo da massa falida e a este não é devida qualquer comissão nas vendas efetuadas, a explicação para tais pagamentos, apenas pode ser aquela que lhe foi dada.
E, podendo concluir que esses pagamentos se referem a processos concretos e a atos individualizados, não faz qualquer sentido referi-los genericamente, sem a correta integração.
Porém, se assim se pôde indiscutivelmente concluir, outro tanto não se pode dizer a propósito da alegação contida na acusação que os outros pagamentos concretos ali mencionados em A) tinham a mesma ou semelhante finalidade, pois relativamente a estes, não obstante existir uma cópia de um cheque e uma anotação genérica feita no caderno de apontamentos do arguido A..., não se pôde excluir a hipótese de se tratar de pagamentos feitos no âmbito de um qualquer negócio, completamente lícito cuja existência nos termos supra expostos, não se pode, fundadamente descartar (diga-se, aliás, que quanto ao pagamento de 2.000 cts. anotado a fls. 49 do apenso XXVIII, o mesmo, aparenta estar inserido no âmbito de um negócio de máquinas que se encontrariam num local e respeitavam a pessoas sem qualquer aparente ligação com este processo.
Resumidamente, a não prova de tais alegações assenta essencialmente na cir-cunstância de, não se podendo inserir os pagamentos num determinado contexto, jamais o tribunal poderia aferir se eles são, ou não, desprovidos de causa, nos termos em que o fez para os dois que supra se mencionaram.
E, não podendo fazer tal raciocínio, igualmente não poderia dar como provada a alegação da existência de um acordo genérico no sentido enunciado na acusação, entre os dois mencionados indivíduos, sobre o qual não incidiu qualquer outra prova.
Diga-se, aliás, que não obstante o número de processos em que ambos estiveram simultaneamente envolvidos, as atuações descritas são sobremaneira diferente, não implicam na maioria dos casos um conhecimento por parte do liquidatário e, nem sequer o indiciam e, nalgumas das situações, nem sequer se pode considerar que tenham ocorrido ilícitos, conforme infra se concluirá.
Por último, mas não menos importante, sempre se dirá que caso existisse tal acordo genérico e prévio, com grande probabilidade, em todos os processos apareceriam pagamentos (maiores ou menores) feitos pelo arguido A... ao ..., o que não ocorre, realmente, pois os únicos casos em que isso acontece são, precisamente aqueles a que supra se fez referência.
Falência da ...
Aqui foram literalmente tidos em conta os documentos de fls. 4 e 15 a 18 do apenso XLI, 153 do apenso IX, 10 e segs. e 5, 29, 33, 81 a 83, 85, do apenso XLI-A, fls. 46 do apenso XXVIII, fls. 100 do apenso 9.
Quanto aos factos em causa neste processo, foram ainda tidos em consideração os depoimentos da testemunha ..., o qual foi contactado pelo arguido A..., tendo relatado tal contacto nos exatos termos que se dão como provados e descrito que foi ... quem o chamou, dando-lhe a saber que o mencionado arguido os queria contactar, tendo a conversa que todos três mantiveram ocorrido na presença dos três.
Ora, embora ... tenha negado tal versão, o depoimento do ... foi integralmente corroborado pelos demais meios de prova produzidos e valorados, assim se tendo sobreposto, em termos de credibilidade, à versão contrária apresentada pelo outro.
Na verdade, o próprio arguido A..., nos seus apontamentos referentes ao ano em causa, fez anotar a quantia de 10.000.000$00 em termos em tudo compatíveis com o que foi referido pelo ..., sendo certo que, tal quantia não poderá obter justificação possível por qualquer outra forma, nos termos supra mencionados em sede de generalidades.
O referido depoimento foi, também credibilizado, embora em termos indiretos pelo da testemunha … o qual, não tendo embora estado presente na conversa tida entre os outros dois Administradores da falida e o arguido, ouviu o ... a mencionar que lhe estavam a ser pedido o dinheiro a pagar à parte.
Não foi produzida prova de que tal quantia efetivamente tenha sido paga e, pelo menos até à data em que ocorreu a conversa acabada de citar, esse pagamento não teria ocorrido.
No que se refere ao valor real do imóvel que não se deu como provado há a referir que embora os dois administradores mencionados (... e … ) tenham mencionado o preço pelo qual o prédio havia sido comprado, como muito superior ao da venda, esse não poderá ser o considerado como o valor real do imóvel, aqui se fazendo apelo ás considerações supra mencionadas em sede de generalidades.
Acresce que o valor que ambos referiram como sendo aquele que o prédio teria à data dos factos não foi sustentado por qualquer razão de ciência específica, motivo pelo qual não foi dado como provado.
Falência da ...
Foram tidos em consideração os documentos de fls. 5, 6, 10 a 13, 15, 16, 25 a 30, 32 a 42, 81, 59, 87 e 72, 64, 67, 76, 79, 85, 74, 83, 122 a 124 do apenso 51, 45, 74 a 83, 85 e 86, 209, 210, 161 do apenso V, fls. 1791, 211 a 213, 209, 210.
Igualmente foram aqui considerados os depoimentos das testemunhas ..., ...de . e ..., que relataram os negócios em que intervieram nos termos que se dão como provados, no que foram confirmados pelos documentos que a esse respeito constam dos autos.
De todos esses elementos se conclui que, efetivamente não foi quem apresentou a proposta ganhadora quem, efetivamente pagou os bens em causa, quem os negociou (os negócios foram feitos declaradamente pelo A... ou pela UU...) ou faturou, antes tendo sido o próprio arguido A... quem teve intervenção direta em toda essa cadeia subsequente, sem qualquer outra justificação que não a que lhe foi dada, em termos de matéria de facto provada, como, de resto, se pode concluir da análise dos seus apontamentos manuscritos a que se fez nesta parte referência em sede de prova documental.
No que refere à ausência de prova da alegada atuação do arguido B... nos factos que se deram como provados, importa referir que sobre ela não incidiu qual-quer prova direta ou indireta minimamente credível.
Efetivamente, tal arguido negou terminantemente ter atuado nos termos mencionados na acusação, invocando (em sede de contestação) que a proposta por si subscrita correspondia a uma efetiva vontade de aquisição dos bens, que nunca chegaram à sua posse porque o arguido A... lhe disse que a sua proposta não havia sido vencedora.
Tal versão, muito embora também não tenha merecido efetiva prova em seu benefício, é verosímil.
Acresce que o facto de ser a UU... a emitir os documentos referentes ás posteriores alienações de parte dos referidos bens, desde logo fomenta a dúvida sobre o que é que efetivamente se passou.
Por outro lado, nunca o referido arguido foi mencionado em qualquer dos depoimentos produzidos em audiência como tendo participação, maior ou menor em qualquer dos factos referentes a este processo, à exceção da apresentação da proposta.
Diga-se, de resto, que analisando as propostas concretas apresentadas no que aos bens em causa respeita, se constata que a de valor imediatamente inferior estava em nome de ..., nome do cunhado do arguido A..., que aparece associado a algumas das situações a que infra se fará referência concreta e nela se constata a existência de uma letra muito semelhante à do arguidos A... (o que se conclui da comparação com os escritos pessoais que lhe foram apreendidos) o que, em tese, levaria a que os bens lhe fossem adjudicados até por valor inferior (embora apenas em 2.000$00), pelo que não se vislumbra qualquer efetivo interesse na apresentação da proposta do B... em ordem à concretização dos interesses enunciados na acusação.
Por último, há que referir que o facto de este arguido ser sócio do arguido A... numa outra empresa que tem a sua sede no mesmo prédio da UU... não pode fazer e não fez, presumir a sua culpabilidade.
Foi, este, pois, o raciocínio (genérico e concreto) seguido para consignar como provados e não provados os factos correspondentes ao mencionado processo.
Falência da … , Ldª
Foram considerados os documentos de fls. 3, 13 a 18, 56, 78, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 40, 41, 37, 31, 45 e 46, 71, 74, 32, 31, 38, 63, 87 do apenso VII, 34, 35, 92 a 98, 87 e 88, 116 e 117, 112 a 115 do apenso 56, 1742 a 1748, 1171, 1176, 1767, 1167 e 1168, 744, 746, 743, 745, 131 e 132 do processo, 171 a 172, 170, 173 e 174, 178, 6, 175 e 176 do apenso XXXVII-A, 23, 38, 30vº e 23 do apenso XXVIII.
Relativamente aos factos que respeitam a este processo, teve ainda o Tribunal em conta o depoimento da testemunha ... que negou que a proposta constante dos autos fosse da sua autoria, bem como que descreveu o papel usado na mesma da forma exata que se dá como provada e declarou que nunca os bens em causa entraram na esfera jurídica da empresa sua representada: ....
Foi também considerado o depoimento da testemunha ... que, genericamente descreveu os factos em que interveio (na qualidade de funcionário da … ) em termos em tudo semelhantes àquilo que se dá como provado, tendo mencionado que a compra foi feita a uma empresa que declarou ter comprado à massa falida (referindo que associava o nome da UU... a tal negócio, mas apenas por causa de uns autocolantes que vinham nas máquinas que comprou), a qual identificou genericamente como tendo sido aquela que lhe emitiu a fatura referente ao negócio que foi documentado.
A testemunha ... em audiência negou ter sido o autor da proposta constante de fls. 71 do apenso VII, tendo referido que “com cerca de 90% de certeza”, nunca tentou comprar qualquer prédio, muito embora daí se não pudesse retirar qualquer conclusão útil para os factos essenciais em causa no processo, até porque a proposta da ... para o imóvel referente a este processo de falência foi de valor superior àquela.
Tal testemunha, contudo, acabou por mencionar que fez oferta (embora verbal) para compra de um imóvel a caminho da Benedita, num processo de falência, o que, indiscutivelmente, tem alguma semelhança com o imóvel referente ao mencionado processo, de onde se pode concluir que mesmo que subscrita por outra pessoa, a proposta em causa poderá, eventualmente corresponder a uma verdadeira vontade de adquirir, nada indiciando que o valor pelo qual o pretendeu fazer fosse diverso daquele que foi aposto na proposta em causa.
Quanto a estes factos teve-se ainda em conta o depoimento da testemunha ..., que descreveu o negócio celebrado e referente ao imóvel, que descreveu da forma que se dá como provada.
Ora, dos meios de prova produzidos e referidos, no que se refere aos bens móveis, resulta comprovadamente que a proposta da ... foi assinada por alguém que não foi o seu autor e a referida empresa a quem os mencionados bens foram adjudicados não adquiriu efetivamente os mesmos, que foram pagos por outras pessoas.
Contudo, refira-se que daí se não pode retirar que existiu qualquer prejuízo para a massa falida ou para quem quer que fosse, conforme supra se mencionou em sede de generalidades, pois a hipótese de haver negócio celebrado posteriormente, por quem comprou, mesmo que com intermédio da UU... não só não é de descartar como até se afigura plausível e será passível de justificar a percentagem percebida pela mesma ou pelo A... no negócio com a … , sem que daí se possa tirar qualquer relação direta e imediata com o negócio anterior de venda no âmbito do processo de falência.
Diga-se, de resto, que não se vislumbra qual a utilidade prática de ter sido apresentada a proposta da ... já que, uma proposta em termos semelhantes feita por quem efetivamente pagou, sempre teria sido aceite na circunstância, por ser a mais elevada.
Pode-se configurar em abstrato a possibilidade de a proposta ter sido feita pelo arguido C..., que para além de representante da ..., à data, era também seu sócio maioritário (refira-se que o outro gerente supra mencionado disse que nesse circunstancialismo mesmo em desacordo, sempre aceitaria a opinião daquele), pois conforme referido por várias das testemunhas ouvidas em audiência, muitas vezes faziam propostas por telefone, sem que alguma vez se lembrassem de as assinar (o que indicia que alguém poderia elaborar escritos onde, embora com falsificação de assinaturas, o que deles constava fosse absoluta expressão da verdade).
Pode-se, ainda configurar a hipótese de que, para o referido arguido, fosse mais fácil ou mais conveniente comprar, como efetivamente queria, em nome de outra empresa de que fosse representante eventualmente sozinho ou até em nome pessoal.
Embora isso não tenha resultado indiscutivelmente provado, não pode descartar-se, sem mais, a hipótese da verificação de um tal circunstancialismo ou outro semelhante e, mesmo que assim se não entendesse dos autos não resultou prova que permita concluir quem foi o efetivo autor da proposta (foi o A... com o conhecimento dos outros dois ou de um deles ou foi o C... com o conhecimento daquele ou ainda, foi de um deles, sem o conhecimento dos outros).
Igualmente não resulta indiscutivelmente provado, conforme supra se referiu, a existência de um qualquer conluio prévio, conforme supra se mencionou em sede de generalidades, o qual não se pode presumir.
Diga-se, aliás, que o comportamento posterior, com emissão de documentos oficiais que titulam a transação das máquinas até parece indiciar que quem as emitiu não tinha nada a esconder a venda posterior com lucro não leva a qualquer conclusão no sentido de ter sido cometida ilegalidade.
Quanto ao demais referente a estes bens e a este processo, faz-se aqui total apelo ao que supra genericamente se mencionou, acrescentando que não foi produzida qualquer prova quanto aos demais bens, cujo destino se não pode presumir idêntico.
No que se refere ao imóvel refere-se que não foi feita prova de que ao contrário do referido na acusação, pela ... tenha sido apresentada qualquer proposta anterior á da ... feita no âmbito do processo de falência.
Efetivamente, a testemunha ... referiu ter sido contactado pelo arguido D... no sentido de comprar o referido imóvel “uns meses antes” (talvez dois ou três) de verbalmente ter ocorrido a celebração do negócio e em todo o caso cerca de 4 ou 5 meses antes da cedência da posição contratual em que interveio.
Ora, constata-se que a proposta apresentada pela ... remonta a 1.10.99, tendo merecido decisão favorável da Comissão de Credores a 6.10.99, quando o pagamento do preço por parte da ... só se pode ter iniciado em 20.10.2000, (data do cheque dado sem efeito), sendo que a cessão da posição contratual/aditamento ao contrato promessa é de 16.11.2000, motivo pelo qual entre uma e outras circunstâncias mediou mais de um ano, nada impedindo que quem quis comprar, a partir do momento em que foi decidida a adjudicação, tenha iniciado a procura de comprador (se a sua intenção fosse, como aparentava, vender).
Ora, nenhuma outra prova se tendo feito, não obstante não ter resultado também provada a versão dos arguidos (apresentada em contestação), pelo menos com base no princípio in dubio pro reu, sempre teria que se considerar como não provada a demais matéria correspondente alegada na contestação.
Aqui se reitera, aliás, mais uma vez o que supra se tem vindo a referir a propósito dos negócios posteriores e também da possibilidade de neles participar a UU..., prova que, contudo, nesta parte não logrou fazer-se e que, mesmo que se tivesse feito, em nada afetaria o raciocínio seguido, face à dilação temporal a que se fez referência e à circunstância de poder a referida empresa ter intervenção nos posteriores negócios de revenda dos bens em causa que, então, já só indiretamente respeitavam à massa falida a que originariamente tinham pertencido, na medida em que, na cadeia negocial, entretanto, se haviam interposto pessoas, cujos interesses lucrativos sempre se teriam que configurar como abstratamente legítimos.
Diga-se, de resto, que contra esse raciocínio não milita o facto de a proposta da ... ter data posterior àquela que havia sido indicada para apresentação das propostas de aquisição (aquela de 1.10.99 e esta de 30.9.99).
Na realidade se existisse conluio entre todos, nada impedia que tivesse sido forjada a data da mencionada proposta, assim lhe dando a aparência de ter sido apresentada em tempo, não se podendo disso concluir o que quer que fosse, até porque, não obstante isso, a proposta em causa foi considerada por todos (liquidatário e comissão de credores e obteve vencimento).
Diga-se, por último que o facto de aparecer o arguido D... envolvido nos pagamentos e nas negociações posteriores, sem que formalmente tenha tido alguma coisa a ver com a proposta de aquisição do bem, perante a massa nenhum óbice representa ao raciocínio que se tem vindo a seguir.
É que os negócios ou os acordos feitos por quem propôs comprar são completamente alheios a tal massa e àquilo que nos autos se discute e, mais uma vez, reitera-se que podendo ter uma de várias explicações (acordo prévio em ordem à repartição dos encargos e dos lucros do negócio, intervenção posterior por dificuldades em pagar o preço integral constante da proposta, mera ajuda na tentativa posterior de alienação do bem?), não logrou apurar-se, porém, concretamente qual foi a sua génese.
Igualmente não se pode considerar o facto de se ter dado como provado que, no âmbito deste processo foi entregue ao liquidatário ... a quantia de 500.000$00 pelo arguido A..., como concludente de que algo de ilícito ocorreu, pois não se provou exatamente qual era a finalidade desse pagamento, havendo aqui que considerar que na ausência de prova de ato ilícito, tal pagamento ocorreu para ato lícito, por ser esse o entendimento mais favorável ao arguido.
Tudo isso se considerando, resulta indiscutível que apenas da forma como o foram, podiam os factos provados e não provados ser consignados.
Falência da ... –, Ldª
Foram considerados os documentos de fls. 211 a 214, 218 e 219, 5 a 11, 16 a 18, 20, 25 e 26, 23, 242, 244 e 248, 39, 78 a 80 43, 44 a 47 48 e 49, 157 a 160, 56 a 58, 135 a 138, 140 a 144, 64 a 66, 92, 96 a 98, 102, 103, 104, 112 a 116, 111, 166 e 207 a 209, 125, 128, 133, 148, 151, 152, 149, 150, 153, 154, 163, 172, 173, 175, 176, 178, 179, 182, 183, 184 do apenso 52, fls. 62, 63, 64, 66, 67, 68 e 70, 11 e 12, 4, 7 e 9, 8 e 10, 4, 6 e 9, 74, 3, 173 a 175, 54 a 56, 22 e 23, 30 a 33, 39, 27 a 29 do apenso IV, fls. 1771 e 1773, 1229 a 1232, 1234 e 1235, 1242 e 1243, 1246, 1233, 1237, 1241 e 1245, 889 e 890 do processo, fls. 301, 116, 157 do apenso XXXVII, fls. 190 a 195 do apenso XXXVII-A, fls. 39, 52 do apenso XXVIII.
No âmbito deste processo foi produzido o depoimento da testemunha ... o qual relatou em audiência que havia apresentado uma primeira proposta, de valor superior para aquisição dos bens móveis da referida empresa, a qual, alegadamente teria sido dada sem efeito, porque a venda ainda não estaria a decorrer.
Igualmente disse tal testemunha que esse valor mais alto se basearia na circunstância de então ter um comprador para os bens e ter garantida margem de lucro no negócio e que, mais tarde, já na fase correta, apresentou outra, de valor inferior porque o referido comprador se teria desinteressado do negócio e que comprou os bens, com base em tal proposta posterior, tendo sido esse o preço que efetivamente pagou.
Tal depoimento resultou, porém, totalmente desmentido pela prova documental nessa parte junta aos autos e já supra referida, pois constata-se que o preço que foi pago pelos bens em causa (na parte que se conseguiu apurar), não obstante não ser inteiramente coincidente com o constante da primeira proposta é claramente superior ao da segunda apresentada pela … , não havendo outra explicação para esse facto que não aquela que se lhe deu.
Aliás, refira-se, que parte dos pagamentos (tanto da … , como de ... ., que em audiência confirmou o negócio em que interveio nos termos que se dão como provados e cujo depoimento também se valorou a da … , conforme depoimento de ..., seu representante que descreveu os factos em que interveio da forma que se dá como provada, em depoimento que igualmente se valorou) foram feitos através de cheque à ordem da UU... e outros, à ordem do próprio arguido A..., o que também indicia, a existência de todo o circunstancialismo que se vem descrevendo.
Aliás, refira-se que esta é uma das situações características do supra mencionado cambão: há uma intenção de comprar bens por determinado valor e, depois várias pessoas se combinam para que o valor a oferecer seja inferior àquele, beneficiando todos do restante.
Ora, não obstante as considerações supra mencionadas em termos genéricos a propósito deste tipo de situações, este é um caso em que se provou, indiscutivelmente que não só o arguido A... sabia do circunstancialismo descrito, como nele participou nos termos que se deram como provados.
Na realidade, a proposta inicial (anterior ao ato de adjudicação) encontrava-se na sua posse, pelo que não podia desconhecer o seu teor, incluindo o valor em causa. Depois, os pagamentos passaram por si, diretamente, tendo-lhes ele dado destinos diversos (uns foram depositados na conta da empresa, outros em conta pessoal).
O pagamento foi feito em vários cheques, correspondendo o somatório de dois deles, exatamente ao valor da proposta que se sabia ganhadora e que consta como apresentada por outrem.
Por último, mas não menos importante, o próprio A... nos seus apontamentos (fls. 3 do apenso IV e fls. 39 e 52 do apenso XXVIII) anota os valores correspondentes e menciona o recebimento de 2.400.000$00 em 13.10.2000 com a referência expressa a cambão.
Porém, se tudo isso é possível concluir relativamente ao arguido A..., outro tanto não se pode dizer quanto ao arguido E....
É que, sobre isso não incidiu qualquer prova direta e não se vislumbra, á luz das regras de experiência comum, qual a necessidade de fazer intervir este arguido, na atuação dada como provada, intervenção essa que não se pode presumir da simples circunstância de ter ele uma proposta subscrita em seu nome que foi a ganhadora e de ser sócio do arguido A... numa outra empresa, conforme resulta dos factos dados como provados.
Na realidade, não se retira da documentação mencionada que tal arguido haja usufruído do que quer que fosse por força do mencionado “cambão” o que não é verosímil se a sua atuação fosse determinante ou sequer coadjuvante do resultado por todos querido.
Por outro lado, nem sequer se consegue conceber qual a necessidade de o fazer intervir nos termos referidos na acusação, pois, se o ...sabia de tudo, como ali se diz e se considera provado (e esse não poderia deixar de saber pois os pagamentos que faz ou que fizeram as pessoas a quem vendeu, ascendem a valor superior ao da proposta que apresentou no processo e foi ele o autor de ambas as propostas mencionadas), para alcançar a finalidade visada, bastaria que a sua proposta fosse do mesmo valor da que se veio a revelar vencedora, não havendo qualquer necessidade de o E...se lhe substituir numa cadeia com a qual aparenta nada ter beneficiado.
Só assim não seria se de facto, tal arguido tivesse tido algum benefício por ser o apresentante da proposta mais elevada, assim beneficiando do “ … ”, prova essa que, no caso, não foi feita e, como referido, não pode juridicamente presumir-se.
Na realidade, pode-se configurar aqui uma situação semelhante à supra equacionada quanto ao arguido ..., mediante a qual o próprio E...tenha sido completamente omitido num momento posterior á apresentação da sua proposta e esta correspondesse a uma efetiva vontade de comprar.
Diga-se, aliás, que esta proposta só serviu para aumentar o valor entregue à data falida, pois se não fosse ela a proposta da … , seria a vencedora, com o pagamento de apenas 14.050.000$00.
Tal raciocínio terá, pois, que ser utilizado e foi-o, em favor do referido arguido, até porque nenhuma prova concreta, para além do que se refere, contra ele foi produzida.
Ainda no âmbito deste processo, mas agora no que tange ao imóvel, foram tidos em conta, para além dos documentos supra mencionados, ainda o depoimento de … que descreveu o negócio em que interveio nos exatos termos que se dão como provados, tendo ainda ajudado a esclarecer exatamente o que era da falida.
De tal depoimento bem como da documentação se constata que a falida seria apenas dona de umas construções implantadas em prédio rústico propriedade do seu representante ... e que sobre este rústico recaía uma hipoteca circunstancialismo que não terá sido levado em consideração quando foram apreendidos os bens no âmbito do processo em causa e que terá, sobremaneira dificultado a concretização da venda dos imóveis propriedade da falida.
Ainda do referido depoimento resultou que o arguido A... interveio na negociação do rústico, junto do mencionado advogado tendo o negócio sido proposto e aceite nos termos que se dão como provados, por se considerar adequado o valor oferecido.
Ora, dos documentos juntos e que se tiveram em consideração, mormente do documento de fls. 22 e 23 do apenso IV, resulta que … apresentou, a 29.4.2002 a proposta em causa, com teor que se deu como provado, e que estava na posse do arguido A..., a qual não foi apresentada no âmbito do referido processo.
Poder-se-ia pensar que, sendo essa proposta no valor global de 698.318€ e englobava todos os pagamentos, nomeadamente à massa falida, aos proprietários do rústico, destrate da hipoteca e comissão ao encarregado da venda e tendo o arguido A... apresentado nos referidos autos apenas uma outra de 425.000€, logo o arguido A... programou apropriar-se do valor da diferença, prejudicando correspondentemente a falida, como se retira da acusação.
Tal raciocínio é, porém, demasiado simplificador, pois o relatório feito pelo arguido á comissão em 20.5.2002 continha apenas a referência ás instalações: 125.000€ e 300.000€ para o distrate da hipoteca.
Ora, se da análise da proposta do comprador resulta claro que ele saberia que as construções estavam implantadas em prédio de terceiro (veja-se a menção específica ao proprietário do rústico), não se pode concluir que o arguido em causa, logo nessa altura se tenha apercebido disso, até porque do processo essa informação não constava, como se pode constatar da análise da tramitação posterior.
Diga-se, aliás, que o arguido no âmbito do processo estava a desenvolver atividade de venda dos bens da falida e não dos bens de qualquer outra pessoa pelo que, o circunstancialismo posterior e a sua atuação no âmbito da venda do rústico, nada têm a ver com isso, na medida em que não obstante estreitamente conexionado com as construções nele implantadas, sem a ação competente não se poderia concluir, sem mais, que aquele tivesse deixado de ter autonomia jurídica própria.
Considerações idênticas se poderiam tecer – e foram tecidas no que se refere ao ónus que recaía sobre esse mesmo rústico que nada tinha diretamente a ver com a massa falida, pois onerava o rústico e não as construções.
Ambos esses negócios revestiram, pois natureza particular e não estavam diretamente relacionados com a atividade do referido arguido no âmbito do processo em causa.
Igualmente não se poderá fazer o raciocínio de que sendo o valor da proposta apresentada de 698.318€, se a hipoteca era de 375.000€, sobrariam 323.318€ para pagamento do rústico e das construções e, se aquele foi pago a 100.000€, logo o restante seria o preço das construções.
Na realidade, o valor de um todo não se confunde com o simples somatório dos valores individuais que o compõem e a proposta não especifica qual o valor de cada uma das especificações que contém, muito embora seja demonstradora de que o proponente estava interessado em adquirir aquele prédio, como um todo, pelo valor total de 698.318€.
De tudo isso se retira que não foi produzida prova de que tenha havido um efetivo prejuízo para a massa falida em virtude dos factos que se têm vindo a relatar (acrescentando-se que o próprio ..., representante da proponente referiu em julgamento que já comprou as construções, no âmbito do próprio processo, pelo singelo valor de 20.000€, que aparentemente pelos intervenientes foi considerado suficiente), até porque, das vicissitudes em causa resulta claramente duvidoso que o valor feito constar do auto de apreensão tenha tido em consideração a intrincada situação jurídica das construções em referência.
Contra isso nem sequer milita o teor da escuta telefónica constante de fls. 3 do apenso XXXIX, pois dela não se pode retirar efetivamente uma conclusão factual diversa daquela que se tem vindo a referir mesmo que outros fossem os convencimentos dos nela envolvidos.
Aqui chegados, importa esclarecer por que motivo se não deu como provado que o ... tenha celebrado o negócio do rústico apenas porque o arguido o “enganou” dizendo que o comprador queria 125.000€ quando na realidade, ele havia celebrado o negócio por apenas 100.000€.
Tal conclusão assenta estreitamente no raciocínio supra mencionado.
De facto, o proponente ao apresentar uma proposta de aquisição da globalidade do prédio, sem encargos pelo valor de 698.318€, demonstrou claramente ser esse o valor que estava disposto a pagar por aquilo que já na altura sabia ser composto pro construções da falida, feitas em prédio rústico de terceiro e que se encontrava onerado com uma hipoteca e, ao não dar valores individuais para cada uma dessas parcelas, também demonstrou que independentemente do valor de cada uma delas, o que lhe interessava era o todo e, desde que esse mesmo todo não fosse de valor superior ao oferecido a aquisição lhe interessava.
Ora, analisando os factos concretos, dados como provados resulta claro que o preço que veio efetivamente a ser pago pelo mencionado proponente foi muito inferior àquele que estava disposto a pagar: 436.000€ (20.000€ pelas construções + 125.000€ pelo rústico + 291.000€ pelo destrate da hipoteca – conforme declarações do próprio).
Por isso se conclui que o mesmo aceitou pagar os valores que pagou não motivado por qualquer engano, mas sim porque esses valores não só estavam dentro do que estava disposto a pagar como até lhe eram convenientes.
Valorou-se o depoimento do próprio quando referiu o que lhe foi transmitido pelo A..., pois essas declarações foram até confirmadas pelos instrumentos em que interveio (não havia razões para ter comprado por 100.000€ ou lhe ter sido dito que a compra do rústico era nesse montante, quando na escritura em que interveio referiu 125.000€).
Contudo, neste particular, refira-se que a atuação do A... na intermediação do negócio do rústico, de natureza puramente particular, haveria de ser financeiramente recompensada, compensação essa que o comprador estava, de resto, disposto a pagar, pois na sua proposta menciona especificamente comissões a encarregado da venda, as quais, neste caso não estariam sujeitas ás limitações referidas em sede de generalidades por se tratar de um negócio apenas indiretamente relacionado com o processo de falência, pelo que, também essa argumentação, milita em favor da conclusão que se retirou e no sentido da não prova dos factos correspondentes.
Diga-se que, os pagamentos feitos por A... a ... no âmbito deste processo, retratados na folha de caixa do mesmo, e supra mencionada, apenas poderão estar relacionados com os factos referentes e supra mencionados (aqui se ressaltando até que a testemunha Acácio, não obstante o que supra se referiu a propósito da relativa falta de credibilidade da sua versão até referiu contactos diretos mantidos com este), não havendo para tal pagamento, qualquer outra explicação.
Com base em todos esses raciocínios, se sustenta a decisão de considerar como provados ou não provados os factos correspondentes.
Execução contra, Ldª, ....
Foram considerados os documentos constantes de fls. 3, 6 a 8, 10 a 15, 23, 24, 26 e 27, 28, 35 e 36, 40 e 41, 62, 63, 64 e 65, 67 e 69, 70, 72, 75, 76, 80, 82 a 85, 87, 88, 89, 90, 92, 101 a 107, 98 do apenso XLIV e 11 a 15, 9 10, 7 do apenso VI.
No âmbito destes factos foi considerado, também, o depoimento da testemunha ... do Carmo Oliveira que relatou os factos em que interveio da exata forma que se dá como provada.
Quanto a estes mesmos factos refira-se, explicativamente, que o e-mail de fls. 10 do apenso VI, no entender do tribunal coletivo, não pode ser entendido no sentido unívoco que a acusação lhe aparenta dar, ou seja de que o valor aí mencionado fosse de 35.000 contos.
Efetivamente o que ali se diz é 35 o que tanto pode ser interpretado dessa forma como fazendo apelo a 135.000€, que, de resto, tem uma semelhança clara com o valor que o próprio arguido acabou por apresentar no processo: 134.675,43€.
Refira-se, aliás, que a venda já havia sido tentada no processo pelo preço base de 45.900.000$00 e não tinham sido apresentadas propostas.
Refira-se, também que analisando a documentação referente ao mencionado processo se constata que o valor proposto para a venda do referido imóvel pelos credores, ascendia, respetivamente a 25.000.000$00 e 32.000.000$00 (fls. 21 e 22. do apenso 44) e só depois foi judicialmente determinada avaliação que veio a concluir pelo valor referido no parágrafo anterior.
Não se pode concluir dos elementos probatórios que não tenham sido tentados outros contactos no sentido de a mesma venda ser efetuada, facto que, de resto se não presume.
Da análise da prova documental até se indicia, aliás, o contrário, pois a anotação manuscrita a fls. 18 do apenso VI faz referência a um “tal” .. que nunca foi especificamente mencionado no processo, ficando, desde logo o tribunal na dúvida se não seria este indivíduo até o autor das propostas com os valores que foram sendo indicadas pelo arguido A... no mencionado processo, nos termos que se dão como provados.
Conclusão diversa não se presume da análise das escutas telefónicas mencionadas na acusação, das quais se poderá retirar que o arguido A... auxiliou um dos executados no referido processo a retardar o andamento deste, embora isso possa até ser justificado pelo facto de lhe ter sido feito saber que havia um interessado na remissão.
Um tal comportamento, poderá até ser justificado pelo facto de não haver interessados na alienação e ter sido essa a forma (embora enviesada) de levar a cabo o ato para o qual havia sido nomeado, mas também se poderá ter como uma tentativa (humanamente aceitável, mas não justificada face ás funções de que havia sido encarregue) de facilitar a manutenção da casa por parte da família dos executados sem que daí adviesse, necessariamente, qualquer intuito lucrativo ou intenção de defraudar financeiramente o património dos credores.
Aqui se destaca que o referido arguido quando procurado pela testemunha supra mencionada apenas lhe pediu a quantia que ele veio a pagar o que nos leva a pensar, por um lado que não houve outros interessados em momento anterior e, por outro, que se não lhe foi pedido valor superior foi porque efetivamente não houve intenção de lucrar pessoalmente com o referido negócio o que, pelo menos com base no princípio in dubio pro réu terá que se considerar.
Com base em todos esses raciocínios, se sustenta a decisão de considerar como provados ou não provados os factos correspondentes.
Falência … , Ldª
Foram tidos em consideração os documentos de fls. 18 a 22, 28, 55 a 58, 67, 68, 59, 74, 48, 224, 225, 223, 222, 217, 227, 228, 51, 49 e 50, 48 do apenso 49, fls. 61 a 64, 8, 14, 15, 3, 223, 228 e 224, 17, 19, 13, 20 e 21 do apenso XV, fls. 159 do apenso 37, fls. 1860 a 1862 do inquérito.
Aqui foram tidos em consideração os depoimentos da testemunha Vítor Rodrigues, liquidatário judicial no âmbito do referido processo que relatou os factos em que interveio da forma que se dá como provada, incluindo os motivos que levaram à retirada do OOO... do leilão.
Igualmente se teve em consideração os depoimentos das testemunhas … e ... que negaram que as propostas onde aparenta estar a sua assinatura por eles tenham sido subscritas, muito embora admitindo que, nos termos já supra mencionados, por vezes eram feitas propostas sem ser pessoalmente, as quais não che-gavam a formalizar, desconhecendo qual o destino dado depois.
Nenhum deles, porém lembrou o OOO... em causa nos autos.
Quanto à proposta de ..., que não quis prestar declarações, por ser cunhado do arguido A..., tendo em conta os demais meios de prova produzidos e valorados no apontado sentido e o circunstancialismo posterior, concluiu o Tribunal que tal proposta havia sido elaborada nas mesmas circunstâncias das demais.
Foi ainda tido em conta o depoimento da testemunha ..., o qual descreveu o negócio de compra do carro, da forma que se dá como provada.
Aqui chegados, importa referir o seguinte: não se provou que, logo à partida o arguido formulou o plano de lesar os interesses patrimoniais da falida pois foi a avaria e ausência do veículo que motivou a sua retirada do leilão e não se tenha produzido qualquer outra prova que permitisse concluir que tal projeto existiu.
De facto, não se pode descartar a hipótese de não haver outros interessados no veículo em momento anterior e, atento o seu valor – que não era de relevo, o arguido ter assumido o risco de o vender futuramente, apenas com o intuito de ver encerrada a sua atividade no processo em causa (o que não obstante ilegal, ocorrerá algumas vezes e é, até consentido, pelos próprios credores, conforme se constata da análise dos factos dados nessa parte como provados).
Porém, se à partida assim era, e do depoimento do comprador do veículo não se pode retirar o contrário( entre o pagamento e o momento inicial em que se interessou pela compra mediaram poucos dias), o que retira a possibilidade de o arguido já ter esse comprador à data em que se propõe comprar o bem (conforme se vê do confronto entre a data em que o próprio se manifesta e a data dos cheques emitidos pela referida testemunha) o que justifica a não prova desse facto, outro tanto se não pode dizer em momento posterior.
Na realidade, conforme resulta desse mesmo confronto de datas, quando o bem é adjudicado ao arguido A... – e é nesse momento que o bem é efetivamente vendido – ele já sabe que há um comprador, pois até já tinha vendido e recebido o preço pelo que, ao omitir esse facto resulta claro que, então decide prejudicar a massa falida em seu próprio benefício, conforme facilmente se constata do confronto entre os valores de compra e de venda do automóvel em causa.
No que se refere ao compressor e ao sistema de decapagem, faz-se integral apelo ao que supra se mencionou e, embora as regras de experiência nos levem a concluir que com a compra o arguido visava obter vantagem patrimonial para si, não se pode concluir que houve efetivo prejuízo para a massa, desde logo face à ausência de prova da existência de reais interessados na aquisição.
Refira-se, de resto, uma similitude grande entre os declarados interessados nas aquisições neste processo e os do processo da ... a que infra se fará referência, onde existem outros elementos probatórios a que se fará referência que sustentam claramente o raciocínio seguido para este processo, aqui se fazendo também apelo a tudo o que, de mais, infra se referirá no âmbito de tal processo, sem prejuízo das particularidades que apenas a ele respeitem.
Com base em todos esses raciocínios, se sustenta a decisão de considerar como provados ou não provados os factos correspondentes.
Execução contra ..., Ldª
Foram considerados os documentos de fls. 70 e 71, 77, 80 a 82, 84 e 85, 88, 89, 92, 102, 105, 108, 107 do apenso 57, fls. 12, 11 do apenso II, fls. 87 e 88, 90, do apenso XXXVI.
Aqui tiveram-se em conta os depoimentos das testemunhas ... ... e … , os quais acabaram por confirmar a realização do negócio, nos termos em que se dão como provados, embora não sabendo precisar qual o preço efetivamente pago.
O valor de tal preço retirou-se dos registos das interceções telefónicas correspondentes, mormente a fls. 21, 218 do apenso XXXVIII, onde ele é expressamente mencionado poucos dias antes da concretização do negócio, como já assente e decidido.
Da conjugação desse elemento probatório com os elementos documentais supra mencionados, constata-se que o valor referido no processo para a proposta de aquisição foi de 6.900€, ou seja, inferior em 8.100€ àquilo que foi, efetivamente pago pelo que, fazendo aqui apelo ás considerações genéricas supra tecidas – que neste caso assumem plena acuidade até porque se trata de venda em processo de execução e logo, não abrangidas, sequer, por qualquer interpretação legal, pois a previsão é expressa – para tal divergência não pode ser encontrada outra explicação que não aquela que se lhe deu.
Com base em todos esses raciocínios, se sustenta a decisão de considerar como provados ou não provados os factos correspondentes.
Falência ... –, Ldª
Foram tidos em consideração os documentos de fls. 8 a 11, 16, 12, 13, 46, 49, 53, 80 a 82, 42, 74 e 75, 122, 123, do apenso 48, fls. 23 do apenso XVII.
Foram igualmente tidos neste âmbito em conta os depoimentos das testemunhas ….., com depoimentos em tudo idênticos aos referidos no processo de falência da ..., na parte do compressor e sistema de decapagem, pois a situação é idêntica quase ao pormenor, o mesmo se dizendo relativamente aos depoimentos, ressalvando a diversidade de identidade de alguns dos depoentes.
Aqui destaca-se, ainda, o teor das transcrições das conversações telefónicas relatadas a fls. 224, 239 e 240 do apenso 38, nas quais, o arguido A... dá instruções expressas no sentido de que sejam, no seu escritório, fabricadas as propostas.
Ora, em audiência foi falado por várias testemunhas que algumas vezes ocorria serem feitas verbalmente propostas sem que alguma vez fossem depois formalizadas por escrito pelos próprios proponentes, para daí concluir que isso também poderia ter ocorrido neste caso, como também nos do processo da ... supra mencionado.
É que, daí poderia concluir-se que, não obstante haver um documento efetivamente forjado, porque não subscrito pelos seus declarados autores, a conduta correspondente não integraria uma verdadeira falsificação, pois o documento em causa corresponderia a uma vontade real no sentido nele contido o que, também levaria à conclusão da inexistência de prejuízo ou sequer da obtenção de ilegítimo benefício do próprio ou de terceiro.
Um tal circunstancialismo não é, porém, ponderável, à luz das regras de experiência comum, em qualquer dos três casos a que se tem vindo a fazer referência pois, na realidade, conforme se comprova documentalmente, nenhum dos declarados proponentes efetivamente comprou os bens mencionados, os quais, integraram, isso sim a esfera jurídico-patrimonial do arguido ou da sua representada empresa, que os pagou e num dos casos, negociou posteriormente.
Com base em todos esses raciocínios, se sustenta a decisão de considerar como provados ou não provados os factos correspondentes.
Telemóvel e Kit mãos livres
Foram tidos em conta os documentos de fls. 722, 1118, 1122, 1123 e 1130.
Quanto aos factos não provados faz-se aqui total apelo ás considerações genéricas supra tecidas, sendo certo que não se tendo sequer provado que o arguido A... tivesse sido indicado pelo mencionado liquidatário em qualquer processo (dos autos não consta documentação comprovativa de tal alegação), nem sequer se pode fazer o raciocínio de que havia uma qualquer causa (quanto mais provavelmente associada) ao circunstancialismo provado.
Refira-se, aliás, que o nome constante da folha de obra contém como nome do cliente … , que não corresponde, literalmente nem ao A... nem ao próprio arguido F..., que não tem … no seu nome.
Poder-se-ia ainda raciocinar no sentido de que estando o equipamento instalado num carro do arguido F... e tendo sido faturado à UU..., isso seria indiciador dos demais factos alegados na acusação que vieram a considerar-se não provados.
Mais uma vez, aqui se fazendo apelo ao que foi referido supra em sede de generalidades e ás precisões agora aqui referidas, esse não é um raciocínio lógico necessário e, logo, não se pode fazer (e não foi feito).
Na realidade, para além de tudo o que já foi referido, não se pode descartar até a hipótese de ter sido praticado um outro ilícito, com intuitos de aumentar as despesas da empresa a quem o equipamento foi faturado, embora tendo sido outrem a pagá-lo, com manifestos efeitos fiscais, numa prática, aliás, em determinada altura adotada em muitas empresas, ilícito esse que não consta do objeto do processo e que embora se não possa descartar em abstrato, no concreto, também não resulta comprovado.
Condições pessoais dos arguidos e antecedentes criminais
Foram consideradas as declarações dos próprios que sobre isso depuseram e o teor dos CRCs atualizados, juntos aos autos, em fase de julgamento.
Conclusão
A prova produzida e valorada no sentido exaustivamente apontado, analisada em conjugação entre si e à luz das regras de experiência comum (entendidas como supra se descreveu), redundaram na prova dos factos que se consideraram provados, sendo que os que mereceram resposta negativa ou foram infirmados pela mesma prova, assim considerada, ou sobre eles não incidiu qualquer prova ou, ainda, não foi produzida prova credível bastante para levar á sua consignação pela positiva.
No que tange às transcrições de escutas telefónicas constantes dos autos, foram consideradas, apenas, aquelas a que se fez referência supra a propósito de cada um dos casos concretos.
De facto, esses registos foram feitos após autorização judicial das interceções telefónicas, dentro dos moldes legalmente previstos, tendo sido adotado um procedimento posterior, em conformidade com as previsões legais e, foram indicadas como meio de prova para comprovação de crimes, imputados na acusação, cuja moldura penal as coloca dentro do condicionalismo previsto no art. 187 do Código de Processo Penal.
Idênticas interceções não se consideraram, quando foram indicadas para tentar comprovar ilícitos que a própria acusação imputa e cuja moldura penal, à partida excluiria a possibilidade de tais interceções poderem ser autorizadas em ordem á tentativa isolada de comprovação dos mencionados ilícitos (cfr. citada disposição legal), por ser esse o entendimento jurídico que se nos afigura consentâneo com a legalidade de tal meio de prova, sem necessidade de nos alongarmos aqui na apreciação da problemática interpretativa e atual do citado preceito, do que devem considerar-se conhecimentos fortuitos e da distinção entre meio de prova e meio de obtenção de prova.
É que, na realidade, no caso concreto, as interceções utilizadas não constituíram, nunca o único elemento probatório em que assentou a convicção do Tribunal Coletivo, antes tendo apenas servido, apenas, como mais um elemento no sentido de tal formulação, a qual, sempre se dirá, na totalidade dos casos se alcançaria ainda se não fossem as transcrições mencionadas.
Por outro lado, as que se não consideraram, jamais levariam a que a convicção formada fosse em sentido diverso daquele que supra se enunciou pelo que, tais considerações aqui se revelariam desprovidas de relevo.
Por último, refere-se que os inúmeros depoimentos produzidos em audiência e não concretamente referidos supra nada acrescentaram à prova documental ou testemunhal supra mencionada especificamente e também, em muitos casos nada lhe retiraram pelo que não foram mencionados porque completamente desprovidos de relevo probatório para os factos em discussão.
A única exceção a esta regra prende-se com o depoimento da testemunha Ana Góis, inspetora da Polícia Judiciária encarregue da investigação, cujo depoimento foi valorado para confirmar apenas as diligências de busca e apreensão feitas e documentadas nos autos, por terem sido feitas em conformidade com os ditames processuais referentes e, também para concluir que os elementos que se consideram como pertencentes ao arguido A..., de facto, foram apreendidos na sua posse, sendo tal autoria reforçada pelo facto de ser o referido arguido o responsável direto, de facto e de direito, pela atividade da empresa UU... no período em questão, o que é confirmado pelo depoimento da testemunha Gabriela Antunes funcionária da referida empresa que também assim o identificou em depoimento que, também nessa parte foi valorado, até porque esse facto se retira da globalidade da prova testemunhal e documental, produzida onde se faz permanente referência a tal arguido como “o único rosto visível” da empresa em causa, nas datas em referência.
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Conhecendo:
Analisemos as questões suscitadas:
1-O recorrente não deve ser qualificado de funcionário para efeitos penais;
2-Sendo funcionário, não atuou no exercício de uma função;
3-Atuando no exercício de uma função, não cometeu o crime de participação económica em negócio;
4-Quando muito, os factos podem ser integrados no nº 2 do art. 377 ou, no crime de burla e, nesse caso, encontram-se prescritos;
5-O recorrente não cometeu os crimes de falsificação imputados;
6-Não há crime de corrupção entre dois funcionários;
7-Verificação dos vícios do art. 410 nº 2 do CPP;
8-As escutas foram usadas como prova e não como meio de prova;
9-Errada interpretação da prova, relativamente a factos que indica.
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1-Artigo 386 do CP, conceito de funcionário:
No acórdão foi analisada esta questão que havia sido suscitada pela defesa, nos seguintes termos que, por considerarmos corretos reproduzimos.
Do conceito de funcionário:
Conforme já se viu, das descrições dos tipos abstratos em causa nos autos, quase todos eles (exceção feita ao crime de burla), fazem apelo à qualidade de funcionário, exigindo-a para o agente autor do ilícito (nos crimes de corrupção passiva, de peculato e participação ilícita em negócio), no destinatário da conduta típica (no crime de corrupção ativa) ou como condicionante para agravação do tipo simples (no caso das falsificações).
É, pois, imperioso que se integre, agora esse conceito até porque essa mesma questão foi suscitada expressamente em sede de contestação.
O nº 1 do art. 386, consigna o conceito de funcionário para efeitos da lei penal, o qual, embora definitório, diga-se, em nossa opinião, deve ser apenas considerado como abrangendo as hipóteses em que a expressão correspondente se refira ao sujeito ativo do crime (enquanto criador de um crime específico ou agravante de um crime genérico por força dessa mesma categoria), uma vez que, a necessidade da consignação se ter ficado a dever à necessidade de prevenir a ocorrência de lacunas de punibilidade a que acresce a circunstância de se encontrar sistematicamente inserido precisamente na parte do Código Penal reservada aos crimes praticados no exercício de funções públicas.
Nesse sentido milita, ainda, a constatação de que os crimes que nos casos em que a expressão funcionário está associada, não á qualidade de funcionário, mas da vítima, o próprio legislador não exigiu ou indiciou o recurso àquele conceito.
Tal preceito consagra, no seu nº 1 que “para efeito da lei penal a expressão funcionário abrange: a) O funcionário civil; b) O agente administrativo; e c) Quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, tiver sido chamado a desempenhar ou a participar no desempenho de uma atividade compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional, ou, nas mesmas circunstâncias, desempenhar funções em organismos de utilidade pública ou nelas participar”, sendo que por força do nº 2 “Ao funcionário são equiparados os gestores, titulares de órgãos de fiscalização e trabalhadores de empresas públicas, nacionalizadas, de capitais públicos ou com participação maioritária de capital público e ainda de empresas concessionárias de serviços públicos”.
O nº 3 do mencionado artigo consagra que a equiparação a funcionário, para efeitos da lei penal, de quem desempenha funções políticas é regulada por lei especial.
O preceito em referência, acabado de citar, tendo em conta a redação que continha à data da prática dos factos, foi recentemente alterado, no seu teor literal, pela Lei 32/2010 de 4 de Setembro, que lhe deu a seguinte redação: “1 - Para efeito da lei penal a expressão funcionário abrange: a) O funcionário civil; b) O agente administrativo; e c) Os árbitros, jurados e peritos; e d) Quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, tiver sido chamado a desempenhar ou a participar no desempenho de uma atividade compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional, ou, nas mesmas circunstâncias, desempenhar funções em organismos de utilidade pública ou nelas participar. 2- Ao funcionário são equiparados os gestores, titulares dos órgãos de fiscalização e trabalhadores de empresas públicas, nacionalizadas, de capitais públicos ou com participação maioritária de capital público e ainda de empresas concessionárias de serviços públicos. 3- São ainda equiparados ao funcionário, para efeitos do disposto nos artigos 372 a 374: a) Os magistrados, funcionários, agentes e equiparados da União Europeia, independentemente da nacionalidade e residência; b) Os funcionários nacionais de outros Estados membros da União Europeia, quando a infração tiver sido cometida, total ou parcialmente, em território português; c) Todos os que exerçam funções idênticas às descritas no n.º 1 no âmbito de qualquer organização internacional de direito público de que Portugal seja membro, quando a infração tiver sido cometida, total ou parcialmente, em território português; d) Todos os que exerçam funções no âmbito de procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos. 4- A equiparação a funcionário, para efeito da lei penal, de quem desempenhe funções políticas é regulada por lei especial”.
Encontra-se defendido nos autos (cfr. contestação do arguido A... e requerimento pelo mesmo arguido apresentado no início da audiência) que à data dos factos em discussão, o arguido A... não teria a qualidade de funcionário e, logo, não podia ter praticado qualquer dos ilícitos de que vinha acusado, na medida em que tal prática pressupunha essa condição que não possuía.
Para defender essa ideia argumenta, também que, sendo inovadora a alª c) do novo preceito é porque antes lá não estavam contidas as pessoas com a qualidade ali mencionada.
A sua argumentação é, porém falaciosa.
De facto, tal norma, específica, recentemente introduzida, pode ter natureza puramente interpretativa, visando consignar legislativamente aquilo que já antes era entendido pelo intérprete ou aplicador do direito.
E é isso, que se conclui, precisamente.
De facto, o Código Penal de 1995 no nº 1 do artigo supra citado nada teve se inovador, tendo-se limitado a consagrar aquilo que já era definido e pode efetivamente ser considerado como o conceito alargado de funcionário, para efeitos da lei penal, que já antes se continha no art. 437 do mesmo diploma legal, antes da citada revisão.
As alíneas a) e b) do mencionado art. 386 continham, assim o grupo de pessoas que a doutrina considerava como os agentes da administração (conceito estrito de funcionário) e a sua alínea c), previa a qualificação com tal qualidade, para efeitos da lei penal (no sentido supra exposto) para todas as pessoas que sem vinculação funcional ou pessoal, e por qualquer forma (temporária ou provisoriamente, a título oneroso ou gratuito, voluntária ou obrigatoriamente) hajam sido chamados a desempenhar ou a participar no desempenho de uma atividade compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional (conceito alargado de funcionário).
E, tanto ao nível da doutrina como da jurisprudência, sempre se considerou que basta que o agente participe no desempenho de qualquer dessas atividades, não sendo necessário que esteja sujeito a uma qualquer relação orgânica efetiva com a Administração Pública.
Citando, a título de mero exemplo, porque muitos outros apontam no mesmo sentido, J. Damião da Cunha (Comentário ao Código Conimbricense do Código Penal, Vol. III, pp. 815) “A redação do conceito é suficientemente ampla para abranger todas as hipóteses em que um qualquer agente intervenha no exercício da função administrativa ou jurisdicional, não estando sujeito a uma qualquer relação orgânica com a Administração Pública”.
Ao nível da Jurisprudência, também a título de mero exemplo, referem-se o Ac. STJ de 13.3.2008 in www.dgsi.pt que ao referir-se precisamente à alª c) do artº 386 (na redação mencionada diz “Como é bom de ver, esta última alínea estende a qualidade de funcionário, para o que nos interessa, aos liquidatários judiciais, aos encarregados de venda, aos fiéis depositários e aos louvados.”
De tudo isso se conclui que já no domínio da anterior redação do art. 386 do Código Penal se considerava que os liquidatários judiciais, os encarregados da venda, bem como os louvados, deveriam ser considerados como funcionários para efeitos da lei penal pelo que a nova redação encontrada para o mencionado preceito, nada tem de inovador, antes devendo considerar-se meramente interpretativa do que já era o entendimento generalizado do intérprete e aplicador do direito, no domínio da anterior redação.
E, dito isto, sem necessidade de maiores delongas, temos, pois, como certo que tanto os liquidatários em processo de insolvência como os louvados/peritos/avaliadores dos bens em processo de insolvência ou de execução, bem como os encarregados da venda, ainda que mero coadjuvantes daqueles liquidatários devem considerar-se funcionários para efeitos da redação do art. 386 ao tempo dos factos em discussão neste processo, qualidade essa que é extensível aos demais comparticipantes dos factos com tal atividade relacionados e com relevância penal.
Na verdade, o nº 1 do art. 28 do Código Penal, sob a epígrafe “Ilicitude na comparticipação” dispõe que “se a ilicitude ou o grau de ilicitude do facto dependerem de certas qualidades ou relações especiais do agente, basta, para tornar aplicável a todos os comparticipantes a pena respetiva, que essas qualidades ou relações se verifiquem em qualquer deles, exceto se outra for a intenção da norma incriminadora”.
Conforme se retira, também da esmagadora maioria da doutrina e da jurisprudência (das quais se citam, a título de mero exemplo, Teresa Beleza, Ilicitamente Comparticipando, sep. do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, 1984 e o Ac. STJ acabado de citar) a qualidade de funcionário é indiscutivelmente uma daquelas em que ocorre a possibilidade legal de comunicação.
Citando o mencionado aresto “Resumindo, aquele que, sem o ser, juntamente com um funcionário (que pode ser meramente ocasional, nos termos já assinalados) cometer um crime dos que exigem aquela qualidade para que se verifiquem, incorre também na prática do mesmo delito.
Assim, tanto o cúmplice (não funcionário) que ajuda o funcionário a cometer um peculato, fornecendo a viatura para a carga da pilhagem, como o instigador que o determina a vender-se a um grande magnate para o beneficiar em detrimento dos concorrentes ou o coautor que com ele tripula a nave, pública, com destino bem privado, incorrem no cometimento dos crimes (...)”.
Temos, pois que concluir de tudo isso que ..., A... e F... tinham, pois, a qualidade de funcionários, tendo por referência a qualidade em que intervieram nos factos que se dão como provados e a lei em vigor à data desses mesmos factos e, tal qualidade dos mesmos é comunicável a todos aqueles que venha a concluir-se que com eles colaboraram na prática de quaisquer atos ilícitos associados ao exercício das referidas funções.
O arguido/recorrente enquanto coadjutor do liquidatário (processos de falência) ou enquanto encarregado da venda nos processos de execução integrava-se no conceito de funcionário como previsto no art, 386 do CP pois que, foi chamado a, de forma temporária, mediante remuneração, desempenhar uma atividade compreendida na função publica administrativa ou jurisdicional.
O conceito de funcionário, definido pelo art. 386 do CP, é um conceito amplo, diferente do conceito de funcionário para efeitos administrativos e, cada vez mais amplo como resulta das sucessivas alterações legislativas.
O conceito, para o direito penal, consagra qualquer atividade realizada com fins próprios do Estado e, a atividade relacionada com a liquidação de patrimónios em processo de falência ou a venda em ação executiva é fim próprio do Estado levada a efeitos através do órgão de soberania Tribunais.
O arguido desempenhava funções ou atribuições de interesse público, recebendo e executando ordens emanadas de uma autoridade, pelo que e para efeitos penais deve ser considerado funcionário, como previsto no art. 386 do CP.
Era para efeitos penais funcionário, sem necessidade de alongamento, isto é, era-o “por direito próprio” devido às funções que exercia e não por coadjutor de “funcionário”, por ser participante.
Relativamente a todas as funções e atos que desempenhou no âmbito daqueles processos, de falência ou executivos, tinha a qualidade de funcionário.
Pelo que não se coloca a questão de ter praticado os atos, antes ou depois. Os atos praticados antes, ou depois, não respeitam aos processos e não têm interferência nos factos que ao recorrente são imputados.
O Ac. do STJ de 18-04-1991, in BMJ 406-351, refere que “o conceito de funcionário público para efeitos penais previsto no CP é bastante amplo, procurando evitar lacunas, abrangendo qualquer pessoa que desempenhe funções em organismos de utilidade pública, ou nelas participe, sem curar da natureza do vínculo”.
Sendo nomeado para o exercício daquelas funções, o arguido exercia-as de forma legal e, é dessa legalidade que resulta o ser “funcionário” e não da atividade em si. Não houve utilização indevida do cargo, não houve usurpação do cargo.
Como refere o Prof. Figueiredo Dias in RLJ Ano 121, pág. 380, “tem-se aqui em mente apenas as faculdades ou poderes «de facto» propiciados pela titularidade do cargo e não já os poderes «de direito» que integram a competência normal do funcionário – e isto porque, como já se referiu, a lei nunca confere competência para a prática de atos injustos ou ilícitos, pelo que o exercício de faculdades inerentes ao cargo no âmbito do cometimento de um crime só pode consistir no exercício de meros poderes «de facto»”.
Como aí se refere, neste tipo de crimes, há sempre “um «desvio» no exercício dos poderes conferidos pela titularidade do cargo que, desse modo, em vez de usados na prossecução dos fins públicos a que se destinam, são deslocados para a satisfação de puros interesses privados do agente ou de terceiro(s)”.
E, embora a função da leiloeira fosse de coadjuvante e sujeita a comando e fiscalização, não deixava de ser primordial e relevante, pois que a decisão final da entidade competente, era baseada no resultado do trabalho apresentado pelo arguido. Há responsabilidades e culpas intermédias, resultantes das funções exercidas, e não apenas responsabilidade do “chefe máximo”.
E, não há violação da Constituição, pois que o conceito de funcionário existente à data da prática dos factos pelo arguido já abrangia a atividade que o arguido exerceu naqueles processos.
E, o arguido exerceu ou atuou no exercício de funções, resultantes daquele cargo que exercia de forma temporária e não atuando de motu próprio.
Pelo que, foi vestido da pele de “funcionário” e no exercício de funções que o arguido cometeu os factos que lhe vêm imputados.
Qualificação jurídica dos factos respeitantes aos crimes de participação económica em negócio.
Entende o recorrente que a preencher o tipo de crime seria pelo nº 2 e não pelo nº 1.
Como refere o Cons. Maia Gonçalves em anotação ao art. 377 do seu Código Penal Português anotado e comentado, “no nº 1, a participação opera-se ao nível do próprio ato jurídico e adquire realidade no próprio conteúdo desse ato. No nº 2, a participação é exterior ao ato jurídico, não sendo este influenciado pelas vantagens patrimoniais do funcionário”.
Este foi o entendimento expresso no acórdão recorrido, conforme se constata a fls. 3453 dos autos, “Ou seja, o funcionário atua criminosamente no próprio negócio e a sua participação adquire realidade no próprio conteúdo desse ato, nas palavras de Simas Santos e Leal-Henriques (Código Penal, anotado, 3ª edição, 2º vol., pag. 1626)”.
(…)
O mesmo é dizer que no nº 1 a participação económica em si, lesa interesses patrimoniais que ao agente foram confiados, e por isso, é ilícita, enquanto que nos nºs 2 e 3, o recebimento da vantagem patrimonial é exterior ao ato jurídico-civil (no caso do nº2) ou até mesmo à atividade (caso do nº3) praticado pelo agente, embora resulte desse ato ou dessa atividade e, por isso com a função do agente esteja relacionado”.
Nos casos concretos os atos jurídicos de negócio (entrega dos bens e recebimento respetivo) são influenciados e, só se concretizam devido às vantagens que o arguido conseguia?
Parece-nos que não.
Salienta o Prof. Figueiredo Dias in RLJ Ano 121, pág. 382 que, o art. 427, nº 1 [atual art. 377 nº 1], do Código Penal exige para a perfeição do crime que, haja uma participação económica que seja ilícita, ilicitude reportada à própria conduta do agente enquanto ato de um funcionário público. Que essa “conduta em que se traduziu a participação económica em negócio há-de apresentar-se inválida por referência aos deveres e aos poderes inerentes ao desempenho do cargo do funcionário (ou equiparado) em causa”, entendendo que não se trata de toda e qualquer invalidade mas que, na esfera jurídico-criminal, “apenas se tomem em linha de conta as invalidades respeitantes ao «conteúdo» ou «substância» do ato e não já as relativas à mera «forma» ou «(in)competência»”. “Só se está, assim, perante um ilícito penal quando se verifique a lesão ou perigo de lesão de tais bens jurídicos, o que apenas ocorre no caso de o ato se mostrar inválido no tocante ao «fundo» ou «substância» ”.
O que não é o caso, como veremos.
Assim, temos que há necessidade de analisar os vários casos submetidos porque, parece-nos, poderá o recorrente ter razão.
No caso ... Ldª, conforme factos 232 a 235, o arguido negociou os bens por 15.000,00€ e foi a quantia paga pelo comprador, desconhecendo este se o arguido entregou no processo essa quantia ou se entregou menos.
Assim que não foi no próprio ato jurídico que, nem no conteúdo desse ato que, se realizou a participação económica ilícita. Esta veio a consumar-se mais tarde quando o arguido não entregou a totalidade da quantia no processo respetivo.
O negócio jurídico não foi influenciado pela participação económica ilícita.
Pelo que os factos integrar-se-ão no nº 2 e não no nº 1 do art. 377 do CP.
Situação semelhante ocorreu nos restantes casos imputados.
Caso ..., factos 39 a 42 em que houve uma proposta do interessado ..., sendo que o arguido sabedor da quantia oferecida não a apresentou ao processo, mas veio a adjudicar os bens a este proponente pela quantia oferecida. Do destino dado ao dinheiro não sabe o proponente.
Assim que não foi no próprio ato jurídico que, nem no conteúdo desse ato que, se realizou a participação económica ilícita. Esta veio a consumar-se mais tarde quando o arguido não entregou a totalidade da quantia no processo respetivo.
Caso ... Ldª, factos 193 e seguintes, relativos à venda do OOO..., em que o arguido tinha uma proposta de compra que não apresentou no processo, posteriormente o arguido engendrou duas propostas que apresentou ao liquidatário, ao mesmo tempo que lhe referia que ele próprio estava interessado e oferecia quantia superior, fazendo com que lhe fosse entregue o veículo, que foi parar às mãos de outra pessoa com quem já havia acordado um preço com ganho.
Aqui o acordo já era anterior ao ato jurídico de aquisição do veículo.
Assim que não foi no próprio ato jurídico que, nem no conteúdo desse ato que, se realizou a participação económica ilícita. Esta veio a consumar-se mais tarde quando o arguido não entregou a totalidade da quantia no processo respetivo.
Caso ... em que o arguido não entregou a proposta que tinha, facto 96, mas comprometendo-se o arguido a entregar-lhe os bens por esse montante, desde que o proponente apresentasse nova proposta de montante inferior que seria levada ao processo.
O arguido recebeu a quantia da proposta primitiva (superior) e entregou no processo a quantia referente à segunda proposta, de montante inferior.
Sendo que na generalidade destes casos existiam propostas apresentadas pelos potenciais compradores, interessados na aquisição dos bens e não um negócio propriamente dito, com proposta e aceitação ou contraproposta negociável.
Assim que a vantagem do arguido era obtida “por qualquer forma” e não em “negócio jurídico”.
Assim o entendeu o tribunal recorrido ao deixar de fora alguns casos, “ficam, pois, fora do tipo legal em referência, os casos em que ocorre uma mera ilicitude formal, ainda que com origens diversas”.
E, foi o critério seguido no caso ... em que o arguido forjou as propostas e referiu ao liquidatário para que fosse adjudicado ao proponente da proposta mais elevada, o que veio a acontecer, ficando o arguido com os bens por esse valor que pagou.
Situação idêntica às supra referidas e que o Tribunal recorrido qualificou pelo nº 2 do art. 377 do CP.
Justificando “Aqui, face aos factos dados como provados, também como no caso acabado de referir, resulta claro ter o arguido atuado como parte no negócio que havia sido, enquanto funcionário, encarregue de realizar, embora sem prova do prejuízo para a massa, cujos interesses representava, motivo pelo qual a conduta integra o disposto no nº 2 do ar.º 377”.
Se não havia prova de prejuízo para a massa, também não havia prova do benefício, “da vantagem patrimonial”, já que um é o reverso do outro e o nº 2 exige essa vantagem patrimonial.
Assim que se qualifiquem os factos relativos à imputação dos crimes de participação económica em negócio, referidos, não pelo nº 1, mas pelo nº 2 do art. 377 do CP em que a moldura penal é a de prisão até 6 meses, a que conta para efeitos de contagem do prazo de prescrição.
Assim e seguindo o exposto no acórdão recorrido para aplicação do instituto da prescrição aos casos em que se aplicava, temos que estes crimes se encontram prescritos, “…muito antes que, no caso concreto ocorresse qualquer causa de suspensão ou interrupção do referido prazo, já que as circunstâncias com tais vicissitudes são apenas aquelas que supra se mencionaram”.
É que, “No caso dos autos, A... foi constituído arguido a 20.2.2008, a acusação é datada de 3.4.2009 e foi notificada ao referido arguido por carta depositada a 23 do mesmo mês e ano e o despacho que designou data para julgamento foi-lhe notificado por carta depositada a 27.1.2011”.
Crimes de falsificação imputados:
Reportam-se os crimes aos factos respeitantes à venda do OOO... (...), venda do compressor de decapagem (...) e forjou propostas (...).
Entende o recorrente que se verifica concurso aparente ou consunção, pois que a falsificação foi o crime-meio (instrumental) de obtenção de um resultado, o crime-fim. Não deve ser punido pela prática do crime meio.
A redação atual do preceito, art. 256 nº 1 do CP (dada pela Lei nº 59/2007) veio (acrescentar), incluir no tipo o fabrico ou elaboração de documento falso, com intenção de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime.
Como é referido no Acórdão nº 97P675 de Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Janeiro de 1998, “I- O concurso aparente de infrações pressupõe que sobre a mesma situação possa convergir mais do que uma norma, verificando-se entre elas uma relação de especialidade, de subsidiariedade ou de consumpção: uma delas prevalecerá então sobre a outra (ou sobre as outras) e exclui-la-á (ou exclui-las-á). II- Em geral, não pode ser esquecido que o mecanismo da consumpção não branqueia nem elimina a tonalidade delituosa própria do tipo penal consumido. O que se entende é que basta a formulação de um juízo de censura único, não dissociado embora na sua essência das infrações participantes - as consumptoras ou as consumidas - mas mitigadas estas pela própria circunstância da sua aglutinação naquele sobre dito juízo único”.
A regra do concurso de crimes, consagrada no art. 30, nº 1, do Código Penal, é a de que o número de crimes se determina pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
A problemática envolvida nesta questão está longe de ser simples, ao ponto do Prof. Eduardo Correia, referindo-se-lhe, ter afirmado que “se a distinção entre unidade e pluralidade de delitos parece, à primeira vista, fácil e clara, logo a um mais íntimo contacto revela ter um tão vasto objeto e ligar-se a um tão largo número de questões, que se transforma num dos mais torturantes problemas de toda a ciência do direito criminal” - in “A Teoria do Concurso em Direito Criminal”, Reimpressão, 1983, pág. 13..
Como refere o Ac. desta Relação, de 14-10-2010, no Proc. nº 117/09.6JAGRD.C1, “A doutrina vem distinguindo entre consumpção por especialidade e consumpção por subsidiariedade. A primeira, verifica-se quando entre duas normas intercede uma relação de especialização, decorrente da circunstância de uma dessas normas conter todos os elementos da outra, acrescendo-lhe ainda um elemento adicional, reservando o respetivo funcionamento para situações específicas em que esse elemento complementar se verifica. É, nomeadamente, o caso da relação que intercede entre o tipo geral de crime e o correspondente tipo agravado, qualificado ou privilegiado. A segunda, tem lugar quando um tipo legal de crime deva funcionar apenas a título subsidiário, quando não existir outro tipo legal abstratamente aplicável que comine pena mais grave (é, verdadeiramente, uma relação de sobreposição).
De um modo mais abrangente, poderá afirmar-se que o concurso aparente ocorre quando a conduta do agente apenas formalmente preenche vários tipos de crime, na medida em que é totalmente abrangida por um dos tipos violados, devendo ser excluída a aplicação dos demais. Em contraponto, no concurso efetivo, as diversas normas aplicáveis oferecem-se como concorrentes na sua aplicação concreta, por não interceder qualquer circunstância que obste à aplicação de todas elas”.
O critério do bem jurídico tutelado pelas normas violadas, totalmente distinto no crime instrumental e no crime final, a par do desfasamento temporal das condutas integradoras dos vários ilícitos, permite afastar a relação de concurso aparente e é demonstrativa de concurso real, como sucederá sempre que o agente vai praticando vários ilícitos numa sucessão de etapas com vista à obtenção de um resultado criminoso não contemplado nas ações já realizadas. Numa tal situação, o concurso aparente só deverá ser equacionado no caso da indispensabilidade dos crimes instrumentais para o cometimento do crime fim. Sem a verificação dessa indispensabilidade instrumental, os crimes que antecedem o crime fundamentalmente visado pelo agente conservam a sua autonomia, devendo ser punidos no âmbito do concurso real de infrações.
No caso dos autos verifica-se que o arguido consumou o crime fim por várias formas, não se tornando o crime instrumental como indispensável à obtenção do resultado final.
Como refere o Ac. desta Relação citado, “Não se verifica, pois, o critério de indispensabilidade que permitiria retirar autonomia aos crimes instrumentais”.
Assim que o concurso é real.
E, não se verifica qualquer erro no facto de haver bens avaliados em 200,00€ (facto 252) e as propostas forjadas serem, uma por valor inferior e duas por valor superior, vindo a mais alta de valor de 250,00€ a obter vencimento, concluindo o recorrente pela inexistência de benefício em seu favor ou prejuízo da massa falida.
A ser assim escusado era haver propostas. Se o valor da avaliação fosse o correto valor ideal de nem mais nem menos), quem oferecesse mais estava a prejudicar-se e, não é isso que os negociadores costumam fazer.
Basta atentar que é o recorrente o autor da proposta e o autor das propostas forjadas. As regras da experiência dizem-nos que, não iria oferecer 250,00€ se o bem, na realidade, apenas valesse 200,00€. Algum benefício retirou, embora não concretamente apurado.
O que antes da alteração legislativa cabia no caldeirão do benefício ilegítimo, agora vem expressamente explicitado que tal benefício pode consistir em preparar, facilitar, executar ou encobrir o alegado “crime fim”.
Assim que os factos apurados preenchem os elementos do tipo de crime –falsificação.
Isto, independentemente da análise que infra se fará acerca impugnação da matéria de facto e saber se se mantêm os factos, ou se os mesmos sofrerão alteração.
Crime de corrupção ativa:
Alega o recorrente que não pode existir crime de corrupção entre dois funcionários.
Dos seis crimes de corrupção ativa, o arguido foi condenado apenas por um, sendo absolvido por quatro e julgado extinto o procedimento criminal no outro.
O crime pelo qual foi condenado respeita a factos do processo ... e, pagamento ao liquidatário ... da quantia de 1.500,00€, facto 157.
Nos factos anteriores se refere que o liquidatário conhecedor de toda a envolvência referente à venda dos bens da ..., que acabaram por ser vendidos por quantia muito inferior às primeiras propostas, concluindo-se neste 157 que o liquidatário nada fez para impedir o arguido de assim agir, violando os deveres inerentes ao cargo que desempenhava, a troco de 1.500.000,00€.
Se o liquidatário recebeu a troco da violação dos deveres inerentes ao seu cargo de liquidatário, aqui se encontra a ilicitude de tal pagamento.
E, não se verifica qualquer contradição entre os factos e a motivação porque, embora se refira nesta que, entre o arguido e o liquidatário ... “não havia um entendimento genérico (conluio) ”, depois se especifica os dois casos concretos, fazendo “algumas precisões de raciocínio que motivaram, também que se desse como provados dois pagamentos em termos concretos, com intenção relevante do ponto de vista penal no âmbito dos processos … e da ...”, referindo os apontamentos do arguido onde fazia referência ao pagamento de “comissões” a … , “nos montantes que se dão como provados”.
Para concluir, “Tais pagamentos nenhuma outra justificação poderão ter que não aquela que foi consignada nos factos provados, desde logo face á qualidade que ambos tinham e em que atuavam no caso. Igualmente não se poderá configurar que tais referências possam advir de um aligeirar das notas tomas e se quisesse referir aos valores a pagar ás massas falidas, pois, não só os valores são, por vezes diversos, como se analisarmos cada uma das folhas de caixa, constata-se que esses pagamentos também lá contam e com as referências adequadas.
Ora, uma vez que os honorários dos liquidatários constituem encargo da massa falida e a este não é devida qualquer comissão nas vendas efetuadas, a explicação para tais pagamentos, apenas pode ser aquela que lhe foi dada.
E, podendo concluir que esses pagamentos se referem a processos concretos e a atos individualizados, não faz qualquer sentido referi-los genericamente, sem a correta integração”.
Por outro lado, não se vislumbra fundamento para que um funcionário não possa tentar ou corromper outro. O art. 374 apenas se reporta a “quem”, independentemente de cargo ou função, por si ou por intermédio de outrem com o seu assentimento, der a funcionário vantagem patrimonial ou não, com a finalidade de o funcionário praticar atos (ou omiti-los) contrários aos deveres do cargo.
Assim, que se tem como qualificados de forma correta os factos.
Vícios do art. 410 nº 2 do CPP:
Os vícios do art. 410 nº 2 do CPP são alegados, ou de conhecimento oficioso, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida.
Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada existe quando há lacuna no apuramento da matéria de facto, necessária para a decisão de direito;
- Lacuna ao não se apurar o que é evidente que se podia apurar;
- O tribunal não investiga a totalidade da matéria de facto, podendo fazê-lo;
- Por haver lacunas no apuramento da matéria de facto necessária e possível para a decisão. Se não há essas lacunas, há uma errada subsunção dos factos ao direito - erro de julgamento - (Germano Marques da Silva).
Esta insuficiência manifesta-se, pelo menos tendo em conta as regras da experiência, a levar em conta na formação da convicção.
Como se refere no Ac. do STJ in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 6º, Fasc. 4, pág. 557, "se se verificar que o Tribunal investigou o que devia investigar e fixou -dentro dessas possibilidades de investigação- matéria de facto suficiente para a decisão de direito, tal vício não existirá". "Apenas existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que tal matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do juiz" (sublinhado nosso).
No caso concreto, entendemos que tal vício não se verifica e o que o recorrente entende é que os factos apurados são insuficientes para determinar a condenação do arguido. É isso mesmo que diz na conclusão 15, “os factos que considerou provados não são suporte bastante para a decisão que foi tomada”.
- Contradição entre a factualidade provada e a não provada, factos referentes à ....
Face ao que ficou decidido face aos factos da ..., convolação da participação económica em negócio, do nº 1 para o nº 2 e aplicação do instituto da prescrição, fica prejudicado o conhecimento desta matéria.
Erro notório na apreciação da prova:
O erro notório na apreciação da prova, existe quando se verifica erro na crítica dos factos provados. Não erro na sua apreciação em ordem a aplicar o direito (Proc. 48658 eml-2-96;
Contra o que resulta de elementos que constam dos autos e cuja força probatória não foi infirmada, ou de dados de conhecimento publico generalizado, se emite juízo sobre a verificação ou não de certa matéria de facto e se torne incontestável a existência de tal erro de julgamento sobre a prova produzida (Proc. 327/96, em 8-5-96);
Se afirma algo que se não pode ter verificado (Proc. 136/96, em 1-5-96.
Como assim que, ao erro notório, vem sendo, de igual modo, entendimento das Doutrina e Jurisprudência que apenas se terá como verificado em apertadas circunstâncias. Tal vício nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto proferida e aquela que o recorrente entende ser a correta face à prova produzida, ele só pode ter-se como verificado quando o conteúdo da respetiva decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, patenteie, de modo que não escaparia à análise do homem comum, que no caso se impunha uma decisão de facto contrária à que foi proferida - entre muitos, Acórdão do S.T.J., de 20.03.99, Proc. 1 76/99- 3ª Sec. (sublinhado nosso).
Este vício não se verifica, pois o que o recorrente entende é que houve errada apreciação da prova. Como se refere na conclusão 17, o acórdão “está eivado de distorções ilógicas e que traduz, por vezes, uma apreciação arbitrária, aos olhos do homem médio”.
Escutas:
Alega o recorrente que o Tribunal recorrido fez ilegalmente das escutas, não um meio de prova, as a própria prova.
Num sentido restrito, e imediato, prova é a demonstração inequívoca da realidade de um facto ou da existência de um ato jurídico e, num sentido lato, ou mediato, será também o processo ou o conjunto dos procedimentos que tem por fim tal demonstração, ou seja, podemos ver a prova como resultado ou a prova como demonstração.
O art. 341 do Código Civil é claro mas genérico: “as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos”.
Já nos termos do art. 124, nº 1, do Código de Processo Penal se vai mais longe quando se diz que “constituem objeto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicadas”, ou seja, a prova poderá incidir não só sobre os elementos essenciais e acidentais do crime, mas sobre todo o objeto do processo, isto é, por tudo quanto, de relevante, é alegado quer pela acusação, quer pela defesa.
Por seu turno, os meios de obtenção da prova, previstos nos Capítulos I a IV do Título III do Livro III do Código de Processo Penal, e que estabelecem a regulamentação dos exames, das revistas, das buscas, das apreensões e das escutas telefónicas, “são instrumentos de que se servem as autoridades judiciárias, para investigar e recolher meios de prova; não são instrumentos de demonstração do thema probandi, são instrumentos para recolher no processo esses meios”.
Esta questão respeita aos factos da ... em relação aos quais o arguido foi condenado pela prática do crime de participação económica em negócio.
Tendo em conta a convolação supra operada e a consequente declaração de prescrição do procedimento criminal, prejudicada fica a análise desta questão.
Impugnação da matéria de facto:
Aponta-se a errada interpretação da prova produzida relativamente à prestada pela testemunha ..., (Processo ... –OOO...), porque não se considerou que este foi “perentório em afirmar, na audiência de julgamento, que aquela proposta e assinatura eram suas”. Estão em causa os pontos 199 e seguintes da matéria de facto provada.
Alega-se o erro na análise da prova, no sentido de mal apreciada a prova produzida.
O tribunal tem de decidir, após apreciação da prova nos termos do disposto no art. 127 do CPP, e só em caso de dúvida decide em benefício do arguido.
A matéria de facto apurada (factos provados e não provados) há-de resultar da prova produzida (depoimentos, pareceres, documentos, escutas) conjugada com as regras da experiência comum.
Também, se dirá que o recurso não tem como funcionalidade reexaminar a matéria de facto e o recurso não serve para um novo julgamento.
O recurso sobre a matéria de facto é um remédio para corrigir patentes erros de julgamento sobre matéria apontada pelo recorrente e tendo por base a sua argumentação que pode levar a decisão diversa e apenas isso.
O recorrente questiona a matéria de facto, que lhe imputa a prática de um crime de falsificação de documentos, (...), colocando em causa, desse modo, a prova e a apreciação da mesma.
A prova é valorada, tal qual é produzida em audiência, sendo a prova testemunhal perante os depoimentos orais e a imediação.
No nosso ordenamento jurídico/processual penal vigora o princípio da livre apreciação da prova, sendo esta valorada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador -, art. 127 do C. P. Penal.
O princípio da livre apreciação da prova está intimamente ligado à obrigatoriedade de motivação ou fundamentação fáctica das sentenças criminais, com consagração no art. 374/2 do Código de Processo Penal.
E não dispensa a prova testemunhal um tratamento cognitivo por parte do julgador mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal qual a prova indiciária de qualquer natureza, pode ser objeto de formulação de deduções ou induções baseadas na correção de raciocino mediante a utilização das regras de experiência.
A atribuição de credibilidade ou da não credibilidade a uma fonte de prova por declarações assenta numa opção motivável do julgador na base da sua imediação e oralidade que o tribunal de recurso só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum. O juiz é livre de formar a sua convicção no depoimento de um só declarante em desfavor de testemunhos contrários, cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, 207.
No mesmo sentido, recurso desta Relação nº 3127/99 de 2-2-2000, no qual se refere que “as declarações da ofendida, quando credíveis e inferidas de todos os outros elementos de prova, são suficientes para, segundo as regras da experiência, dar como provados os factos”.
Assim que, se entenda que é possível dar como provados factos fundando-os num só depoimento, desde que o mesmo seja convincente.
Concretizando:
Em causa uma proposta de compra do bem da massa falida, OOO..., alegadamente efetuada (escrita e assinada) pelo arguido em nome de … .
Refere-se no acórdão e motivação da matéria de facto, sobre esta questão: “Aqui foram tidos em consideração os depoimentos da testemunha … , liquidatário judicial no âmbito do referido processo que relatou os factos em que interveio da forma que se dá como provada, incluindo os motivos que levaram à retirada do OOO... do leilão.
Igualmente se teve em consideração os depoimentos das testemunhas … e ... que negaram que as propostas onde aparenta estar a sua assinatura por eles tenham sido subscritas, muito embora admitindo que, nos termos já supra mencionados, por vezes eram feitas propostas sem ser pessoalmente, as quais não chegavam a formalizar, desconhecendo qual o destino dado depois.
Nenhum deles, porém lembrou o OOO... em causa nos autos.
Quanto à proposta de ..., que não quis prestar declarações, por ser cunhado do arguido A..., tendo em conta os demais meios de prova produzidos e valorados no apontado sentido e o circunstancialismo posterior, concluiu o Tribunal que tal proposta havia sido elaborada nas mesmas circunstâncias das demais.
Foi ainda tido em conta o depoimento da testemunha ..., o qual descreveu o negócio de compra do carro, da forma que se dá como provada.
Aqui chegados, importa referir o seguinte: não se provou que, logo à partida o arguido formulou o plano de lesar os interesses patrimoniais da falida pois foi a avaria e ausência do veículo que motivou a sua retirada do leilão e não se tenha produzido qualquer outra prova que permitisse concluir que tal projeto existiu.
De facto, não se pode descartar a hipótese de não haver outros interessados no veículo em momento anterior e, atento o seu valor – que não era de relevo, o arguido ter assumido o risco de o vender futuramente, apenas com o intuito de ver encerrada a sua atividade no processo em causa (o que não obstante ilegal, ocorrerá algumas vezes e é, até consentido, pelos próprios credores, conforme se constata da análise dos factos dados nessa parte como provados”).
Ora, desta fundamentação e análise critica da prova entende-se o motivo para se dar como provado que o arguido “falsificou” as duas propostas em nome de ... Henriques e Vítor Gaspar António.
Na fundamentação se refere que estes, nos seus depoimentos “negaram que as propostas onde aparenta estar a sua assinatura por eles tenham sido subscritas, muito embora admitindo que, nos termos já supra mencionados, por vezes eram feitas propostas sem ser pessoalmente, as quais não chegavam a formalizar, desconhecendo qual o destino dado depois” (sublinhado nosso).
Porém, não é isso que se constata da análise da prova gravada.
A testemunha … , de forma clara referiu na audiência de julgamento que “a assinatura é minha”, “não tenho dúvida nenhuma”, o que repetiu quando insistiam em perguntar sobre essa matéria e que podia repetir a assinatura “presencialmente” se assim o entendessem.
Por outro lado, a testemunha … tendo no seu depoimento sempre negado que tivesse aposto a assinatura na proposta com o seu nome, o mesmo refere que por vezes e estando ausente e lhe telefonavam a dizer se queria fazer proposta ele mandava fazer em seu nome, “olha faz em meu nome”, “podia ter feito qualquer coisa por telefone” e, “podia ter acontecido a ordem”.
O facto de nenhuma destas testemunhas se lembrar em concreto de proposta referente a um veículo OOO..., não permite concluir que tivesse sido o arguido a produzir a falsificação.
E, da motivação da matéria de facto, nenhuns outros fundamentos constam.
Assim, que dos pontos da matéria de facto 198 a 201 deve retirar-se a matéria que reporta a feitura e as assinaturas naquelas duas propostas.
Sendo certo que essa matéria de facto aí constante é algo contraditória pois que não imputa de forma clara a falsificação ao arguido. Essa matéria de facto não diz expressamente que o arguido escreveu o teor da proposta e assinou-a com o nome (assinatura) daqueles … e … .
Apenas refere que o arguido “decidiu utilizar a identidade daquele… como se tivesse sido efetivamente subscrita por aquele”, para depois acrescentar que o arguido “elaborou duas propostas”.
Referindo no mesmo ponto 200, “… propostas essas nas quais após uma assinatura, de forma não totalmente apurada”. Dos factos consta após e não apôs, para além da forma “não totalmente apurada”.
Se não foi totalmente apurada, restarão dúvidas que revertem a favor do arguido tendo em conta o princípio in dúbio pro reo.
Assim deve ser retirada daquela matéria de facto a que imputa ao arguido a feitura das propostas e aposição das assinaturas, resultando como consequência a absolvição do arguido deste crime de falsificação.
As regras da experiência a essa conclusão conduzem, e a prova deve ser apreciada segundo as regras da experiência e livre convicção do julgador –art. 127 do CP.
Mas, diremos que o preceituado no art.127 do Código de Processo Penal só deve ter-se por cumprido quando a convicção a que o Tribunal chegou se mostra objeto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante, e onde não se vislumbre qualquer assumo de arbítrio na apreciação da prova.
Assim que o alegado pelo recorrente abala os fundamentos da convicção do julgador, tendo estes como não conformes às regras da experiência.
Matéria de facto respeitante ao processo ...:
Esta questão respeita aos factos em relação aos quais o arguido foi condenado pela prática do crime de participação económica em negócio.
Tendo em conta a convolação supra operada e a consequente declaração de prescrição do procedimento criminal, prejudicada fica a análise desta questão.
***
Na parcial procedência do recurso, e tendo em conta o supra exposto, restam ao arguido as seguintes condenações:
- Autoria material de crime de corrupção ativa para ato ilícito, p. e p. pelo artº 374º, nº1;
- Autoria material de dois crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, a), b) e c) e nº 4;
- Autoria material de um crime de corrupção passiva para ato ilícito, p. e p. pelo artº 372º, nº1;
Todos do Código Penal.
Pelo que se verifica a necessidade de reformulação do cúmulo jurídico efetuado.
São tidos em conta os critérios de determinação da pena unitária seguidos no acórdão recorrido.
Nos termos do artigo 77 n.º 1 do Código penal, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena.
Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Nos termos do artigo 77 n.º 2 a pena aplicável ao concurso tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
Na fixação da pena única, dentro dos limites balizados, sendo embora de levar em conta os critérios de determinação da medida da pena que incidiram sobre cada um dos crimes singularmente tomados, há que atender sobretudo e de modo específico aos factos globalmente considerados, em conjunto com a personalidade do agente.
Este critério específico de determinação da pena conjunta consiste, pois, em apurar se numa avaliação da personalidade – unitária – do agente, o seu percurso de delinquência é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, e não a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade… (neste sentido, Figueiredo Dias, Obra citada, pág. 291).
Tendo em conta a globalidade dos factos pelo mesmo praticados, a moldura penal do concurso, determinada nos termos supra expostos e que se situa entre 1 ano e 6 meses e 9 anos e 4 meses [agora 4 anos e 8 meses], a sua personalidade retratada na globalidade dos factos praticados e nas demais circunstâncias que a esse respeito se deram como provadas e todas as circunstâncias dos crimes que praticou: o período temporal em que se situam os factos e o montante global envolvido, tem o Tribunal Coletivo por adequado aplicar ao mesmo a pena única de 5 anos de prisão”.
No caso vertente é reduzida para metade, 4 anos e 8 meses, a soma das penas parcelares.
Pelo que igualmente se reduz para metade a pena unitária resultante do cúmulo jurídico efetuado, ou seja, 2 anos e 6 meses de prisão.
Mantendo-se igualmente a pena de substituição, suspensão da execução da prisão por igual período.
Mantendo-se a condição de o arguido, no prazo de 1 ano, entregar ao Fundo de Garantia Salarial a quantia de 15.000,00€.
*
Nos termos expostos se julga o recurso parcialmente procedente.
Decisão:
Acordam os Juízes desta Relação e Secção Criminal em conceder parcial provimento ao recurso do arguido A... e, em consequência:
1-Convolam-se os três crimes de participação económica em negócio, em que o recorrente havia sido condenado, do nº 1 art. 377, para o nº 2 do mesmo preceito.
2-Julga-se extinto, por prescrição, o procedimento criminal referente a tais crimes.
3- Absolve-se o recorrente de um crime de falsificação de documentos (factos referentes às propostas de venda do OOO...).
4-Quanto ao mais, mantém-se o acórdão recorrido.
5-Reformulando-se o cumulo jurídico efetuado e condenando-se o arguido na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão.
6- Pena que se suspende na sua execução por igual período temporal.
7- Com a condição de o arguido, no prazo de 1 ano, entregar ao Fundo de Garantia Salarial a quantia de 15.000,00€, comprovando nos autos essa entrega.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 Ucs.

Jorge Dias (Relator)
Brízida Martins