Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2162/11.2TJCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CATARINA GONÇALVES
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
DELIBERAÇÃO
NORMA IMPERATIVA
NULIDADE
Data do Acordão: 11/11/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º JUÍZO CÍVEL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1430º Nº2 E 1438º-A DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – Não existindo título constitutivo da propriedade horizontal para um conjunto formado por dois blocos/edifícios e não estando sequer demonstrado que estejam reunidos os pressupostos legais de que tal dependia (art. 1438º-A do CC) não poderá ser reclamado o funcionamento das regime da propriedade horizontal para esse conjunto, tal como não poderá ser imposto esse regime a nenhum condómino de qualquer um dos edifícios (isoladamente constituído em propriedade horizontal).

II – Resultando do título constitutivo da propriedade horizontal que a mesma foi instituída em relação a dois lotes/edifícios, separadamente, não podem as respectivas assembleias de condóminos deliberar que esses dois lotes sejam administrados conjuntamente, como se fosse um único condomínio, através do funcionamento de uma única assembleia composta pelos condóminos de ambos os lotes e em que cada um deles teria um número de votos apurado com base na atribuição de uma permilagem diversa da que consta do título constitutivo e calculada com referência ao valor global de ambos os lotes.

III – Tal deliberação é nula, por contrariar disposições legais imperativas – designadamente o disposto no art. 1430º, nº 2, do CC – e por contrariar o título constitutivo da propriedade horizontal, que apenas pode ser alterado por escritura pública e mediante o acordo de todos os condóminos.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

A... , residente na Rua (...) Lousã, veio intentar acção contra a Associação de Moradores da B..., com sede na Rua x..., Coimbra, pedindo que:

- Sejam anuladas as deliberações tomadas em assembleia-geral da Ré de 11/03/2011, por irregular funcionamento da assembleia e por falsidade da respectiva acta, nos termos do disposto nos art.ºs 175.º e 177.º do C.C.;

- Seja anulada a deliberação tomada em assembleia-geral da Ré de 11/03/2011 que aprovou por unanimidade que as contas dos dois blocos fossem feitas como se, de um só bloco se tratasse, por ter incidido sobre assunto que não constava da convocatória e por ser manifestamente contrária à lei e ao decidido no douto acórdão do Tribunal de Relação de Coimbra de 30/11/2010 proferido no proc. 4173/09.9TJCBR do 4.º Juízo Cível deste tribunal, nos termos do disposto nos art.ºs 174.º, n.º 3 (primeira parte), 177.º, 178.º e 287.º do C.C.;

Subsidiariamente e para o caso de assim não se entender, pede que:

- Seja declarada a nulidade da deliberação tomada em assembleia-geral da Ré de 11/03/2011 que aprovou por unanimidade que as contas dos dois blocos fossem feitas como se, de um só bloco se tratasse, por ser manifestamente contrária à lei e ao decidido no douto acórdão do Tribunal de Relação de Coimbra de 30/11/2010 proferido no proc. 4173/09.9TJCBR do 4.º Juízo Cível deste tribunal, nos termos do disposto nos art.ºs 286.º do C.C., e consequentemente ser declarada a nulidade das deliberações tomadas pela Ré sobre a aprovação das contas do ano de 2010 e aprovação do orçamento para o ano de 2011, com as demais consequências legais;

- A Ré seja condenada a abster-se da prática de actos contrários à lei, no âmbito da sua administração do Bloco C do edifício sito na Rua x..., freguesia de Santa Maria dos Olivais, Coimbra, designadamente contra o que foi decidido pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30/11/2010, e até ser aprovado novo regulamento de condomínio válido.

O Autor, A..., instaurou ainda contra a mesma Ré uma outra acção, que veio a ser apensa aos presentes autos (a que correspondia o nº 1345/12.2TJCBR), pedindo que:

- Seja anulada a deliberação tomada em assembleia-geral da Ré de 24/02/2012 que em sede de “ratificação” da acta da assembleia geral de 11.03.2011, deliberou e aprovou uma nova permilagem das fracções do Bloco C e do Bloco A 1, tendo a dita deliberação incidido sobre assunto que não constava da convocatória;

- Seja declarada como inexistente a “ratificação” da acta n.º 8 da A.G. da Ré de 1.03.2011 constante do ponto quatro da ordem de trabalhos da A.G. da Ré de 24.02.2012, com as demais consequências legais;

- Seja declarada a nulidade da deliberação tomada em assembleia-geral da Ré de 24.02.2012 que ratificou a acta da assembleia-geral de 11.03.2011, por ser manifestamente contrária à lei, ao título constitutivo de propriedade horizontal e ao decidido no douto acórdão do Tribunal de Relação de Coimbra de 30/11/2010 proferido no proc. 4173/09.9TJCBR do 4.º Juízo Cível deste tribunal, nos termos do disposto nos art.ºs 286.º, 1418.º, n.º 1, 1419.º, n.º 1, 1424.º, n.º 1, 1430.º, n.º 2, todos do C.C.;

- Seja declarada a nulidade das deliberações tomadas pela Ré sobre a aprovação das contas do ano de 2011 e aprovação das contas para o ano de 2012, violando as mesmas o disposto no título constitutivo de propriedade horizontal e nos art.ºs 1418.º, n.º 1, 1419.º, n.º 1, 1424.º, n.º 1, 1430.º, n.º 2, todos do C.C., com as demais consequências legais;

- Seja a Ré condenada a abster-se da prática de actos contrários à lei, no âmbito da sua administração do Bloco C do edifício sito na Rua x..., freguesia de Santa Maria dos Olivais, concelho de Coimbra e a cumprir o estatuído no título constitutivo de propriedade horizontal desse prédio;

- Seja a Ré condenada a cumprir com o que foi decidido pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30/11/2010, administrando o condomínio do Bloco C de acordo com título constitutivo de propriedade horizontal desse prédio e fazer a administração desse condomínio separado de qualquer outro lote (bloco), designadamente do bloco A um;

- Seja a Ré ser condenada a pagar ao Autor a quantia de 30,00 € (trinta euros) por cada dia de atraso, a título de sanção pecuniária compulsória, contados desde a citação até à aprovação de regulamento de condomínio válido do Bloco C, respeitando o mesmo o título constitutivo da propriedade horizontal, devendo o Autor ser excluído na respectiva compartição dessa despesa para efeitos condominiais por facto não a si imputável;

- Seja a Ré ser condenada a ressarcir o Autor de todas as quantias que o mesmo tenha despendido a título de custas judiciais, de honorários e despesas com o patrocínio forense para a instauração das competentes acções judiciais, relegando-se para liquidação em execução de sentença, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 378.º do C.P.C., por o montante global em dívida ainda não se encontrar determinado, devendo o Autor ser excluído na respectiva compartição dessa despesa para efeitos condominiais por facto não a si imputável.

O Autor intentou ainda contra a mesma Ré uma outra acção, que também veio a ser apensa aos presentes autos (a que correspondia o nº 1225/13.4TJCBR), pedindo que:

- Sejam anuladas as deliberações tomadas em assembleia-geral da Ré de 15.02.2013, por irregularidade na votação das mesmas, por irregularidade de funcionamento da A.G. e por falsidade da respectiva acta (cfr. art.º 175.º e 177.º C.C.);

- Sejam anuladas as deliberações tomadas em assembleia-geral da Ré de 15.02.2013, que aprovaram as contas do ano de 2012 e do ano de 2013, por impedimento de voto do administrador ou Presidente da Direcção (cfr. art.º 176.º do C.C.);

- Seja declarada a nulidade das deliberações tomadas pela Ré sobre a aprovação das contas do ano de 2012 e aprovação das contas para o ano de 2013, violando as mesmas o disposto no título constitutivo de propriedade horizontal e nos art.ºs 1418.º, n.º 1, 1419.º, n.º 1, 1424.º, n.º 1, 1430.º, n.º 2, todos do C.C., com as demais consequências legais;

- Seja a ré condenada a abster-se da prática de actos contrários à lei, no âmbito da sua administração do Bloco C do edifício sito na Rua x..., freguesia de Santa Maria dos Olivais, concelho de Coimbra e a cumprir o estatuído no título constitutivo de propriedade horizontal desse prédio;

- Seja a Ré condenada a cumprir com o que foi decidido pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30/11/2010, administrando o condomínio do Bloco C de acordo com título constitutivo de propriedade horizontal desse prédio e fazer a administração desse condomínio separado de qualquer outro lote (bloco), designadamente do bloco A um;

- Seja a ré ser condenada a pagar ao Autor a quantia de 30,00 € (trinta euros) por cada dia de atraso, a título de sanção pecuniária compulsória, contados desde a citação até à aprovação de regulamento de condomínio válido do Bloco C, respeitando o mesmo o título constitutivo da propriedade horizontal, devendo o Autor ser excluído na respectiva compartição dessa despesa para efeitos condominiais por facto não a si imputável;

- Seja a ré ser condenada a ressarcir o Autor de todas as quantias que o mesmo tenha despendido a título de custas judiciais, de honorários e despesas com o patrocínio forense para a instauração das competentes acções judiciais, relegando-se para liquidação em execução de sentença, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 378.º do C.P.C., por o montante global em dívida ainda não se encontrar determinado, devendo o Autor ser excluído na respectiva compartição dessa despesa para efeitos condominiais por facto não a si imputável.

A Ré contestou, o Autor replicou e depois de ordenada a apensação aos presentes autos das duas acções supra identificadas, foi proferida decisão (sem realização de audiência de discussão e julgamento) nos seguintes termos:

• A acção principal foi julgada procedente, “declarando-se a nulidade das deliberações da assembleia geral da ré do dia 11 de Março de 2011, que aprovou por unanimidade que as contas dos dois blocos fossem feitas como se, de um só bloco se tratasse, e que aprovou por unanimidade que as contas dos dois blocos fossem feitas como se, de um só bloco se tratasse, declarando-se nula as deliberações tomadas pela ré sobre a aprovação das contas do ano de 2010 e aprovação do orçamento para o ano de 2011”;

• A acção apensa nº 1345/12.2TJCBR foi julgada parcialmente procedente “declarando-se a nulidade das deliberações da assembleia geral da ré do dia 24 de Fevereiro de 2012, que em sede de “ratificação” da acta da assembleia geral de 11.03.2011, deliberou e aprovou uma nova permilagem das fracções do Bloco C e do Bloco A 1 e que ratificou a acta da assembleia-geral de 11.03.2011, e aprovou as contas do ano de 2011 e das contas para o ano de 2012, no mais se absolvendo a ré dos pedidos”;

• A acção apensa nº 1225/13.4TJCBR foi julgada parcialmente procedente “declarando-se a nulidade das deliberações da assembleia geral da ré do dia 15 de Fevereiro de 2013, que aprovou as contas do ano de 2012 e do ano de 2013, e que deliberou e aprovou uma nova permilagem das fracções do Bloco C e do Bloco A 1, no mais se absolvendo a ré dos pedidos”.

 

Notificada dessas decisões, a Ré veio interpor o presente recurso – recurso que restringiu às decisões referentes aos processos nºs 2162/11 (acção principal) e 1345/12 (uma das acções apensas) –, formulando as seguintes conclusões:

1. A Apelante considera que a decisão ora Recorrida escamoteia a questão nuclear que opõe Recorrente e o Recorrido nos presentes autos, já que os fundamentos aí explanados e, salvo o devido respeito, não consubstanciam uma adequada apreciação desse problema.

2. Esse problema é, no entender da Associação Apelante e, salvo melhor opinião, também o do Recorrido o de saber “tout court“ se é legitimo ou não, proceder à administração conjunta dos Blocos A1 e C do edifício sito na Rua x...” sub judicio..

3. É entendimento da Recorrente que quer a presente sentença, quer o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra em referência nos presentes autos e acima identificado, quer mesmo a sentença da primeira instância proferida no identificado processo nº 4173/09.9TJCBR.C1 admitem ser legítimo que uma Assembleia Geral constituída exclusivamente por Condóminos regularmente convocada e participada, decida pela administração conjunta dos dois Blocos acima identificados ( A1 e C) sub judicio.

4. Não é este o entendimento do ora Recorrido que sempre defendeu posição contrária isto é, não ser legítimo que uma Assembleia Geral de Condóminos apesar de regularmente convocada e participada, sentenceie pela administração conjunta dos dois Blocos acima identificados ( A1 e C).

5. In Casu não se tratou de repristinar o Regulamento de Condomínio declarado nulo pelo acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferida no procº 4173/09.9TJCBR do 4º Juízo Cível, como não se tratou de aplicar um qualquer outro regulamento antes se estabeleceu um regime transitório de comparticipação nas despesas que, obedecendo aos critérios legais, permitisse elaborar um Regulamento de condomínio conforme ao decidido em juízo.

6. Pelo exposto a douta sentença ora em crise não pode deixar de estar ferida de nulidade, atento o disposto no artº 615, nº 1 alª c) do CPC porquanto a sua fundamentação admite uma interpretação que aponta como legitimo que uma Assembleia Geral de Condóminos, convocada e participada nos termos legalmente exigíveis, possa administrar os dois blocos em juízo em conjunto o que corresponde desde sempre aà pretensão e ao entendimento do ora Recorrente

Nestes termos deve ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida e, em consequência, dando integral satisfação ao pedido deduzido pelo Recorrente.

Não foram apresentadas contra-alegações.


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II.

Questões a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações da Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

• Saber se as sentenças recorridas estão feridas de nulidade por força do disposto no art. 615º, nº 1, alínea c) do CPC;

• Saber se a assembleia de condóminos podia ou não deliberar – válida e eficazmente – que os dois lotes aqui em causa (constituídos em propriedade horizontal, separadamente) fossem administrados conjuntamente, nos termos que emergem dessas deliberações.


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III.

Na 1ª instância, considerou-se provada a seguintes matéria de facto:

No que toca à acção principal:

1) O autor é dono da fracção autónoma designada pela letra “P”, correspondente ao 2º. andar C, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal correspondente ao edifício designado por Lote C, sito na Rua x..., freguesia de Stº. António dos Olivais, concelho de Coimbra, inscrito na respectiva matriz predial da freguesia de Stº. António dos Olivais sob o artº. (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o nº. (...) da mesma freguesia, ali registado a seu favor pelo registo G de 2004/04/29, apresentação 36.

2) A ré é uma associação sem fins lucrativos, constituída em 29 de Maio de 1976, e que tinha como finalidade a construção de blocos habitacionais, num programa de auto-construção financiado pelo serviço ambulatório de apoio local para os vários sócios que a constituíam.

3) A associação construiu os blocos C e A1, inscritos respectivamente sob os artºs. (...) e (...) e promoveu a transformação da propriedade cooperativa em propriedade horizontal, tendo a respectiva escritura de constituição de propriedade horizontal sido realizada no dia 3 de Junho de 2003 no 2º. Cartório notarial de Coimbra, bem como a transmissão da propriedade plena das fracções aos seus associados. A ré exerce as funções de administradora do condomínio do Bloco C.

4) Na escritura de constituição de propriedade horizontal o valor relativo da fracção “P” do Bloco C foi fixado em 52,3/1000.

5) Na assembleia geral dos associados da ré, realizada no dia 31 de Maio de 2003, realizada com a presença de 41 dos seus cooperantes/associados, representativos de 86% dos associados e, nomeadamente, com a presença do autor, foi aprovado com 40 votos a favor e 1 voto contra, do autor, a alteração dos Estatutos da Associação, que passaram a prever que a ré promoveria, entre outros, a administração do condomínio emergente da transformação em propriedade horizontal privada da propriedade colectiva existente à data da entrada em vigor da revisão estatutária.

6) Nessa mesma assembleia geral foi aprovada com 41 votos a favor o regulamento do condomínio dos Blocos A1 e C.

7) Através desse regulamento, a ré passaria a exercer conjuntamente a administração dos condomínios do Lote C e A1 dos prédios sitos na Rua x..., em Coimbra, como se de um único edifício se tratasse.

8) Correu termos neste tribunal, sob o n.º 4173/09.9TJCBR no 4.º Juízo Cível, acção declarativa sob a forma sumária instaurada pelo aqui Autor contra a aqui Ré Associação, na qual aquele peticionava que o regulamento do condomínio do Lote C do prédio urbano sito na Rua x..., freguesia de Santa Maria dos Olivais, em Coimbra, fosse declarado ineficaz, sendo a Ré condenada a administrar o condomínio do Lote C de acordo com o título constitutivo de propriedade horizontal desse prédio e a fazer a administração desse condomínio em separado de qualquer outro lote, nomeadamente do Lote A um.

9) Depois de interposto recurso da sentença proferida nos autos acima referenciados e por decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em 30 de Novembro de 2010, já transitada em julgado, foi declarada a nulidade da deliberação da assembleia-geral da Associação de Moradores da B..., aqui Ré, de 31 de Maio de 2003, que aprovou o regulamento do condomínio dos Lotes A-1 e C do edifício sito na Rua x..., freguesia de Santa Maria dos Olivais, Coimbra, e, consequentemente, condenou-se a ré, também aqui ré, a administrar o condomínio do Lote C de acordo com o TÍTULO CONSTITUTIVO de propriedade horizontal desse prédio e a fazer a administração desse condomínio em separado de qualquer outro lote, nomeadamente, do Lote A um.

10) Em Assembleia-Geral realizada em 11 de Março de 2011, reuniram alguns dos proprietários das fracções dos Blocos A1 e C, que distam um do outro cerca de 10 metros.

11) O Autor não esteve presente na referida assembleia-geral da Ré.

12) Consta da acta n.º 8 da dita assembleia, que estiveram presentes associados cuja permilagem totalizaria 1385%, perfazendo os 629,5 que sic “são mais do que os dois terços necessários à realização da Assembleia”.

13) Da ordem de trabalhos constavam os seguintes pontos: “(…) 2. Alteração do Regulamento do Condomínio face à declaração de nulidade do Regulamento de Condomínio pelo Tribunal da Relação de Coimbra.

3. Aprovação das Contas do Ano de 2010.

4. Aprovação do orçamento para o ano de 2011. (…)”.

14) Quanto ao segundo ponto da ordem de trabalhos, consta na referida acta que o Presidente da Direcção da Ré entendeu que sic: (…) devido ao decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, a ordem dos pontos a discutir na Assembleia iria ser alterado.”.

15) Para logo de seguida, colocar à deliberação dos associados da Ré sobre a necessidade de se ratificar ou não uma decisão anteriormente aceite por unanimidade, que era de as contas dos dois blocos serem feitas como de um só condomínio se tratasse, e nesse caso com permilagens iguais às anteriormente aceites.

16) Ou, se pelo contrário, os associados pretendiam que as contas fossem feitas de bloco a bloco, como dois condomínios separados.

17) Colocada de imediato a dita proposta à votação, a mesma FOI APROVADA POR UNANIMIDADE dos associados presentes da Ré, tendo sido aprovado “que as contas dos dois blocos fossem feitas como se, de um só bloco se tratasse.” (negrito nosso).

18) Mais tendo sido lavrado na dita acta da assembleia-geral que o Presidente da Direcção da Ré terá esclarecido que o futuro regulamento de condomínio teria que sofrer alterações mediante a resolução do Tribunal da Relação de Coimbra, ficando sem efeito o segundo ponto da ordem de trabalhos, sic “na medida em que se iria agora começar com essa alteração, depois dos condóminos terem ratificado nesta Assembleia, a intenção de se continuar, para efeitos de contas e demais procedimentos operacionais e funcionais, a considerar os dois blocos como se de um só condomínio se tratasse e com os valores para cálculo achados anteriormente, para esse feito”.

19) Não foi elaborado e aprovado qualquer Regulamento do condomínio referente à administração do condomínio do bloco C ou do bloco A um, após a decisão decretada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, supra mencionada.

No que toca à acção apensa nº 1345/12.2TJCBR:

20) O autor é dono da fracção autónoma designada pela letra “P”, correspondente ao 2º. andar C, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal correspondente ao edifício designado por Lote C, sito na Rua x..., freguesia de Stº. António dos Olivais, concelho de Coimbra, inscrito na respectiva matriz predial da freguesia de Stº. António dos Olivais sob o artº. (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o nº. (...) da mesma freguesia, ali registado a seu favor pelo registo G de 2004/04/29, apresentação 36.

21) A ré é uma associação sem fins lucrativos, constituída em 29 de Maio de 1976, e que tinha como finalidade a construção de blocos habitacionais, num programa de auto-construção financiado pelo serviço ambulatório de apoio local para os vários sócios que a constituíam. A ré é administradora do condomínio do bloco C.

22) A associação construiu os blocos C e A1, inscritos respectivamente sob os artºs. (...) e (...) e promoveu a transformação da propriedade cooperativa em propriedade horizontal, tendo a respectiva escritura de constituição de propriedade horizontal sido realizada no dia 3 de Junho de 2003 no 2º. Cartório notarial de Coimbra, bem como a transmissão da propriedade plena das fracções aos seus associados.

23) Na escritura de constituição de propriedade horizontal o valor relativo da fracção “P” do Bloco C foi fixado em 52,3/1000.

24) Na assembleia geral dos associados da ré, realizada no dia 31 de Maio de 2003, realizada com a presença de 41 dos seus cooperantes/associados, representativos de 86% dos associados e, nomeadamente, com a presença do autor, foi aprovado com 40 votos a favor e 1 voto contra, do autor, a alteração dos Estatutos da Associação, que passaram a prever que a ré promoveria, entre outros, a administração do condomínio emergente da transformação em propriedade horizontal privada da propriedade colectiva existente à data da entrada em vigor da revisão estatutária.

25) Nessa mesma assembleia geral foi aprovada com 41 votos a favor o regulamento do condomínio dos Blocos A1 e C, que distam um do outro cerca de 10 metros.

26) Através desse regulamento, a ré passaria a exercer conjuntamente a administração dos condomínios do Lote C e A1 dos prédios sitos na Rua x..., em Coimbra, como se de um único edifício se tratasse.

27) Correu termos neste tribunal, sob o n.º 4173/09.9TJCBR no 4.º Juízo Cível, acção declarativa sob a forma sumária instaurada pelo aqui Autor contra a aqui Ré Associação, na qual aquele peticionava que o regulamento do condomínio do Lote C do prédio urbano sito na Rua x..., freguesia de Santa Maria dos Olivais, em Coimbra, fosse declarado ineficaz, sendo a Ré condenada a administrar o condomínio do Lote C de acordo com o título constitutivo de propriedade horizontal desse prédio e a fazer a administração desse condomínio em separado de qualquer outro lote, nomeadamente do Lote A um.

28) Depois de interposto recurso da sentença proferida nos autos acima referenciados e por decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em 30 de Novembro de 2010, já transitada em julgado, foi declarada a nulidade da deliberação da assembleia-geral da Associação de Moradores da B..., aqui Ré, de 31 de Maio de 2003, que aprovou o regulamento do condomínio dos Lotes A-1 e C do edifício sito na Rua x..., freguesia de Santa Maria dos Olivais, Coimbra, e, consequentemente, condenou-se a ré, também aqui ré, a administrar o condomínio do Lote C de acordo com o TÍTULO CONSTITUTIVO de propriedade horizontal desse prédio e a fazer a administração desse condomínio em separado de qualquer outro lote, nomeadamente, do Lote A um.

29) Em Assembleia-Geral realizada em 24 de Fevereiro de 2012, reuniram alguns dos proprietários das fracções dos Blocos A1 e C.

30) O Autor não esteve presente na referida assembleia-geral da Ré.

31) Constavam da ordem de trabalhos da dita assembleia, com interesse para a presente demanda, os seguintes pontos:

“1. Aprovação das contas de condomínio do ano de 2011.

2. Aprovação das contas de condomínio do ano de 2012.

(…)

4. Leitura e ratificação da ata da Assembleia de condóminos n.º 8 de 11/03/2011. (…)”.

32) Consta na aludida acta n.º 9 que “após ser efectuada a chamada e verificando-se que existe uma permilagem de 721,15 (setecentos e vinte e um, quinze) do valor do condomínio (…). Começou o PD por informar os presentes que para esta Assembleia e Condóminos foi utilizado o processo que ficou aprovado, tal como foi a vontade expressa e por UNANIMIDADE, dos presentes na última Assembleia de Condóminos de 11/03/2011 em que, manifestaram o seu querer, de que os dois condomínios sejam geridos como se de um só condomínio se tratasse, utilizando para isso os novos valores de permilagem (também eles aprovados por UNANIMIDADE), e que só servem para se achar o valor de voto e da representatividade de cada Condómino nas assembleias gerais da AMQN e de Condomínio, tal como do valor do condomínio a pagar. Realçou sobre este assunto, (e para que não fiquem dúvidas para alguém menos atento) de que, o valor da permilagem, só serve para os procedimentos internos da responsabilidade do condómino para com a Associação/Condomínio.”.

33) E entrando na discussão do ponto 4 da Ordem de Trabalhos, constatamos que:

“(…) de seguida leu alguns excertos das 3 primeiras das 5 folhas que compõem da acta n.º 8 ratificada para ser entregue ao ilustre advogado da AMQN, uma vez que os restantes assuntos, não mereceram qualquer alteração. Por esse motivo, transcrevem-se para esta acta, a totalidade das 3 folhas, que irão ser entregues a todos os condóminos.

34) Aí também se fez constar - na acta n.º 9 – que: “Acta n.º 8 ratificada da Assembleia Geral de Condóminos 11 de Março de 2011 (…). Depois das explicações feitas, deu a palavra ao PMA que colocou à votação dos presentes a possibilidade de se “unificar” os dois condomínios e geri-los, como se de um só condomínio se tratasse. A vontade expressa dos presentes, foi traduzida na votação na qual foi aprovada por UNANIMIDADE que os dois condomínios fossem geridos como se, de um só condomínio se tratasse.

De imediato o PMA, deu de novo a palavra ao PD, informando os presentes, que como os dois condomínios iriam ser geridos como se de um só condomínio se tratasse, tal como foi a vontade expressa e por unanimidade dos presentes, informou que, para que esse benefício tivesse sucesso, o valor da “nova permilagem” teria de ser alterado, para os valores abaixo. (…).

Esclareceu e frisou que os valores apresentados, serviam somente como base para o cálculo do valor do voto e de representatividade nas assembleias, tal como para achar o valor da sua responsabilidade civil, com o condomínio anual.

Sublinhou ainda o PD que, este valor é somente para uso interno no condomínio, uma vez que o valor do condomínio que se encontra na escritura, não pode ser, naturalmente alterado, e que se mantém obviamente, para efeitos fiscais e gerais do condómino, fora do condomínio.

(…)

Depois das explicações feitas sobre “os novos valores da permilagem” e sobre as funções para as quais eram criados, deu de novo a palavra ao PMA que colocou à votação dos presentes, tendo dado o seguinte resultado, expressando uma vez mais, a vontade colectiva dos presentes.

A vontade expressa dos presentes, foi traduzida na votação na qual foi aprovada por UNANIMIDADE que a “nova permilagem” fosse usada para efeitos de cálculo no valor do voto em assembleias e para se achar o valor do condomínio anual”.

35) Não foi elaborado e aprovado qualquer Regulamento do condomínio referente à administração do condomínio do bloco C ou do bloco A um, após a decisão decretada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, supra mencionada.


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IV.

Tal como se referiu supra, o presente recurso apenas incide sobre as decisões referentes ao processo principal e ao processo apenso nº 1345/12 e, portanto, apenas tem como objecto as decisões que declararam a nulidade das deliberações das assembleia gerais de 11/03/2011 e 24/02/2012.

Está, portanto, excluída do objecto do recurso a decisão – referente à acção apensa nº 1225/13 – que declarou a nulidade da deliberação da assembleia-geral de 15/02/2013.

Feito este esclarecimento, apreciemos as questões suscitadas no recurso.

A Apelante insurge-se contra as sentenças recorridas, dizendo que as mesmas estão feridas de nulidade, atento o disposto no art. 615º, nº 1, alínea c), do C.P.C., porquanto – diz – a sua fundamentação admite uma interpretação que aponta como legítimo que uma Assembleia Geral de Condóminos, convocada e participada nos termos legalmente exigíveis, possa administrar os dois blocos em conjunto, o que corresponde desde sempre à pretensão e ao entendimento da Recorrente.

Não lhe assiste, no entanto, qualquer razão.

Dispõe a norma citada que a sentença é nula quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.

A sentença será nula, ao abrigo da norma citada, quando os fundamentos que nela são invocados conduzem, logicamente, a uma decisão diferente daquela que foi proferida, ou quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que a torne incompreensível.

Como se refere no Ac. do STJ de 16/09/2008, processo 08A1438[2], a propósito da oposição entre os fundamentos e a decisão, “Está aqui em causa um erro lógico, derivado de os fundamentos usados não estarem em sintonia com a decisão tomada. No processo lógico, as premissas de direito e de facto apuradas pelo julgador conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas ao oposto”.

A decisão judicial deve constituir a consequência lógica dos fundamentos invocados pelo julgador, verificando-se a nulidade prevista na al. c) do nº 1 do art. 668º do CPC se na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente. Verifica-se esta nulidade quando existe um vício no raciocínio do julgador consistente numa contradição intrínseca entre os fundamentos por ele invocados e a decisão tomada” – cfr. Ac. da Relação de Lisboa de 16/11/2003, processo 3253/2003-4[3].

Todavia, e como se escreve neste acórdão, “Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos com o erro de interpretação desta”.

De facto e como refere Cardona Ferreira, in, Guia de Recursos em Processo Civil, o Novo Regime Recursório Civil, 4ª. Ed., pág. 56, «A hipótese da alínea c) reporta-se ao processo lógico de raciocínio e não a opção voluntária decisória, ou seja, jurídico-processualmente, nulidade não é o mesmo que erro de julgamento».

Feitas estas considerações, é claro que as sentenças recorridas não padecem do apontado vício, na medida em que as decisões nelas proferidas estão em conformidade lógica com o raciocínio que é apresentado para a sua fundamentação; não existe qualquer erro no processo lógico do raciocínio que está subjacente à decisão, sendo que a fundamentação está em perfeita sintonia com a decisão que veio a ser proferida.

Refira-se, desde logo, que, ao contrário do que afirma a Apelante, a fundamentação das decisões recorridas não aponta como legítimo que uma assembleia-geral de condóminos possa administrar os dois blocos em conjunto. De facto, apesar de nessa fundamentação não encontramos uma pronúncia expressa e clara sobre essa questão teórica, nela se afirma claramente que, no caso concreto, a assembleia não podia ter deliberado nesses termos (atendendo, designadamente, à decisão proferida em acção anterior e já transitada em julgado) e aí se afirmando que, ao alterar as permilagens que constavam do título constitutivo, as deliberações em causa violavam preceitos imperativos.
Refira-se que os factos determinantes de nulidade da sentença correspondem apenas a vícios de natureza formal que nada têm a ver com erros de julgamento emergentes da errada valoração dos factos ou da errada aplicação da lei e, nessa medida, não releva agora saber se a fundamentação e a decisão estão ou não em conformidade com as normas jurídicas aplicáveis. A sentença será nula, ao abrigo da citada alínea c), se a decisão estiver em oposição ou em contradição lógica com os fundamentos que foram invocados para a sustentar. A sentença não padece, no entanto, de qualquer nulidade quando a fundamentação nela utilizada – estando em perfeita sintonia com a decisão – contraria a lei, já que, neste caso, o que existe é uma sentença errada e um erro de julgamento, em virtude de a lei impor uma outra fundamentação e decisão.
Ora, independentemente da correcção ou incorrecção da decisão e respectivos fundamentos, a verdade é que não existe qualquer contradição entre as decisões aqui proferidas e a respectiva fundamentação e tão pouco existe qualquer obscuridade ou ambiguidade que as torne ininteligíveis. Considerou-se, na fundamentação, que as aludidas deliberações infringiam normas legais imperativas, mais concretamente o disposto nos arts. 1418º, 1419º, 1421º, 1424º, 1429º-A, 1430º, 1432º e 1438º-A do CC, mais se considerando que, nos termos exarados no título de constituição da propriedade horizontal e de acordo com o referido no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (proferido no processo nº 4173/09.9TJCBR), a Ré não tinha base normativa para proceder à administração conjunta dos blocos aqui em causa e que, como tal, teria que administrar os blocos em separado e nos termos do título constitutivo de propriedade horizontal. Ora, como parece claro, a decisão que se impunha, em face desta fundamentação, era a declaração de nulidade das aludidas deliberações, inexistindo, por isso, qualquer oposição entre os fundamentos e a oposição que possa determinar nulidade da sentença.

 No que toca ao mérito das decisões recorridas, sustenta a Apelante que a questão nuclear que está subjacente às deliberações tomadas e às presentes acções (já que é essa a questão que opõe a Apelante ao Apelado) é a de saber se é legítimo ou não proceder à administração dos Blocos A1 e C do edifício em causa nos autos, sendo que essa questão não foi devidamente apreciada.
Sustenta a Apelante que o Acórdão da Relação de Coimbra proferido no processo nº 4173/09.9TJCBR.C1 não proíbe a administração conjunta dos aludidos blocos, nada resultando desse Acórdão que aponte para a nulidade de uma qualquer decisão que viesse a prever uma administração unificada dos aludidos blocos, sendo que, quer as sentenças aqui proferidas, quer o citado Acórdão da Relação, quer a decisão de 1ª instância proferida naquele processo admitem ser legítimo que uma Assembleia-Geral de Condóminos possa deliberar nesse sentido.

O aludido processo nº 4173/09 e, consequentemente, o Acórdão da Relação nele proferido incidiu sobre a deliberação da assembleia geral da Ré de 31/05/2003, que havia aprovado o regulamento do condomínio dos lotes A-1 e C do edifício sito na Rua x..., sendo que este regulamento já determinava a administração conjunta dos aludidos blocos como se fosse um único condomínio e a alteração das permilagens. Tal deliberação foi declarada nula pelo referido Acórdão que igualmente condenou a Ré a administrar o condomínio do Lote C de acordo com o título constitutivo da propriedade horizontal e, portanto, em separado do Lote A-1.

Ao contrário do que afirma a Apelante, não é correcto afirmar que nada resulta daquele Acórdão que aponte para a nulidade de uma deliberação da assembleia de condóminos que viesse a aprovar a administração conjunta dos aludidos blocos nos termos que constavam do regulamento que foi aprovado pela deliberação que foi declarada nula. De facto, pode ler-se naquele Acórdão o seguinte: “Debruçando-nos sobre o próprio conteúdo do regulamento do condomínio, refira-se ainda que ao invés do afirmado na decisão recorrida, a invocada divergência entre a permilagem exarada no regulamento do condomínio e o título constitutivo da propriedade horizontal não tem relevo apenas para a questão da repartição das despesas nas coisas comuns, relevando também, como aliás resulta de forma expressa no art. 15º, nº 2, do regulamento do condomínio, para a determinação do número de votos de cada condómino…Neste segmento, salvo melhor opinião, também a previsão do regulamento incide sobre matéria que não está na disponibilidade das partes (artigos 1430º, nº 2 e 1432º, nº 3, ambos do Código Civil), pelo que, ainda que a deliberação que aprovou o regulamento do condomínio não estivesse afectada de qualquer vício, sempre se verificaria a nulidade daquela previsão do regulamento do condomínio”.

Atendendo ao excerto citado, parece seguro afirmar que o aludido Acórdão já havia adiantado que a alteração das permilagens – decorrente da administração conjunta dos aludidos blocos que a Ré e alguns dos seus associados pretendiam implementar – não estava na disponibilidade das partes e que, violando preceitos imperativos, sempre seria nula qualquer deliberação tomada nesse sentido.

É certo, no entanto, que não foi com esse fundamento que o citado Acórdão declarou a nulidade da deliberação de 31/05/2003 e condenou a Ré a administrar o condomínio do Lote C em separado do outro lote. Tal nulidade foi declarada com fundamento na circunstância de a deliberação em causa ter sido tomada pela assembleia-geral da Ré (Associação) que não tinha, para o efeito, a necessária competência, já que tal competência pertencia à assembleia de condóminos ou ao administrador do condomínio, condomínio este que, à data, ainda não existia por não ter sido ainda constituída a propriedade horizontal. E a condenação da Ré a administrar o condomínio do Lote C em separado do outro lote – decretada pelo aludido Acórdão – foi mera decorrência da declaração de nulidade da deliberação que havia aprovado o citado regulamento, já que, sendo nula tal deliberação, o aludido regulamento não poderia produzir efeitos e, nessa medida, não existia qualquer base normativa para a administração conjunta dos aludidos blocos por não existir, à data, qualquer regulamento eficaz ou qualquer deliberação válida nesse sentido.

Parece-nos, portanto, que a força e a autoridade do caso julgado formado por tal decisão não impunham, só por si, que a assembleia de condóminos não pudesse vir a deliberar (para o futuro) no sentido de aqueles dois lotes serem administrados conjuntamente nos termos previstos no regulamento que foi considerado ineficaz por ter sido aprovado por uma entidade que não tinha, para tal, a necessária competência e legitimidade.

É certo, portanto, que do aludido Acórdão não decorre qualquer obstáculo à aludida deliberação e a força e autoridade do caso julgado que dele emana não poderá, só por si, justificar a nulidade das deliberações aqui em causa.

Refira-se, em jeito de esclarecimento, o seguinte:

Depreende-se das actas juntas aos autos a existência de alguma ambiguidade ou confusão entre as assembleias gerais da Ré enquanto associação e as assembleias gerais de condóminos, quando, na realidade, são coisas distintas. Uma coisa é a assembleia geral da Ré que é composta pelos respectivos associados; outra coisa é a assembleia de condóminos que é composta pelos condóminos e que tem poderes para deliberar sobre a administração das partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal. Ora, não obstante as actas referirem que está em causa uma assembleia geral de condóminos, a verdade é que os presentes não são identificados pela sua qualidade de condóminos e pela titularidade das respectivas fracções, mas sim pelo número de associado da Ré. Não obstante essa ambiguidade e sendo certo que os associados da Ré são igualmente condóminos, iremos entender que estão em causa assembleias gerais de condóminos e não assembleias gerais da Ré (até porque, se estivesse em causa uma assembleia geral da Ré, a mesma não teria competência para deliberar sobre assuntos relacionados com a administração do condomínio – conforme se considerou, aliás, no Acórdão da Relação a que acima fizemos referência – já que tal competência pertence à assembleia de condóminos). De qualquer forma, seria aconselhável que, no futuro, se evitassem tais ambiguidades e que os presentes nas assembleias de condóminos sejam identificados pela sua qualidade de condómino e pela titularidade de uma determinada fracção e não pela qualidade de associado da Ré. 

Feito este esclarecimento e assente que a força e autoridade do caso julgado formado pelo Acórdão da Relação supra identificado não justifica, só por si, a nulidade das deliberações aqui em causa (desde que entendidas como correspondendo a deliberações da assembleia de condóminos), resta saber se tais deliberações são válidas em face das normas jurídicas aplicáveis.

Diz a Apelante que a questão nuclear que está subjacente ao presente litígio consiste em saber se é legítimo ou não proceder à administração conjunta dos blocos A1 e C e que tal questão foi, de algum modo, escamoteada pela decisão recorrida.

Concordamos, de facto, com a Apelante quando afirma ser essa a questão central, porquanto é essa a questão que constitui o objecto ou pressuposto das deliberações aqui em causa e que, dada a discordância do Autor, tem motivado a propositura de várias acções judiciais.

Pois bem. Apreciemos essa questão.

Através das referidas deliberações, as assembleias de condóminos dos lotes A1 e C do prédio sito na Rua x..., reunidas em conjunto, deliberaram que os aludidos lotes fossem administrados em conjunto, como se se tratasse de um único condomínio, tendo alterado os valores de permilagem para efeitos de determinação do valor do voto e da representatividade de cada condómino nas assembleias e para efeitos de determinação do valor do condomínio a pagar.

Pretende, portanto, a Ré e alguns dos seus associados – igualmente condóminos – que aqueles dois lotes sejam tratados (internamente, ou seja, entre eles) como um único condomínio, de tal forma que fixaram para cada um dos condóminos permilagens diferentes das que constavam do título constitutivo da propriedade horizontal e que calcularam com referência ao valor global dos dois lotes que pretendem tratar e administrar como sendo um único condomínio.

Mas, salvo o devido respeito, tal procedimento não é legal.

A propriedade horizontal está, por regra, reservada – como decorre do disposto no art. 1414º do C.C. – para um único edifício que se decompõe em várias fracções que constituem unidades independentes.

Com efeito, e como referem Pires de Lima e Antunes Varela[4], “o instituto da propriedade horizontal …assenta no pressuposto de que cada uma das fracções resultantes da divisão não tem autonomia estrutural e só adquire autonomia funcional através da utilização de partes do edifício que necessariamente estão afectas ao serviço de outras fracções” e, portanto, não existirá, em princípio, qualquer razão para aplicar o regime da propriedade horizontal a diversos edifícios que, embora contíguos, são perfeitamente autónomos em termos estruturais e funcionais.

É certo, no entanto, que o Dec. Lei nº 264/94, de 25/10, veio aditar o art. 1438º-A onde se dispõe que “o regime previsto neste capítulo pode ser aplicado, com as necessárias adaptações, a conjuntos de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afectadas ao uso de todas ou algumas unidades ou fracções que os compõem”.   

Mas, embora admitindo a existência de propriedade horizontal relativamente a um conjunto de edifícios contíguos, o legislador deixou claro que tal apenas seria admitido quando esses edifícios estivessem funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns ao uso de todas ou algumas das unidades que os compõem. Isso mesmo resulta, com clareza, do preâmbulo do aludido diploma quando ali se refere o seguinte: “… decidiu-se estender o âmbito de incidência do instituto, por forma a ser possível submeter ao respectivo regime conjuntos de edifícios. Salvaguardou-se, porém, a interdependência das fracções ou edifícios e a dependência funcional das partes comuns como características essenciais do condomínio”.

É certo, portanto, que o legislador não prescindiu dessa dependência funcional das partes comuns como sendo uma característica essencial do condomínio e, portanto, um requisito do qual depende a aplicação do regime da propriedade horizontal e cuja falta não deixará de determinar a nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal, em conformidade com o disposto no art. 1416º do CC.

Ora, no caso sub judice, estão em causa dois edifícios contíguos e não sabemos sequer se estão funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afectadas ao uso de todas ou algumas unidades ou fracções que os compõem, conforme exige o citado art. 1438º-A e tal significa que nada nos permite afirmar que esses dois edifícios ou lotes reúnam as condições exigidas por lei para que pudessem constituir um único condomínio.

E – parece-nos evidente – não estando reunidas as condições para que esses dois lotes pudessem ficar constituídos em propriedade horizontal (num único condomínio), também não seria legítimo que uma deliberação dos condóminos viesse a aprovar o seu funcionamento em termos que não são consentidos na lei e como se se tratasse de um único condomínio.

Refira-se que a propriedade horizontal referente a estes lotes foi constituída em 03/06/2003 e, portanto, num momento em que já havia sido manifestada a vontade (na assembleia de 31/05/2003, onde foi proferida a deliberação que veio a ser declarada nula) de aqueles edifícios corresponderem a uma única propriedade horizontal. Ora, se já havia sido manifestada essa vontade, teremos que admitir como provável que só a falta de requisitos legais terá impedido que a propriedade horizontal tivesse sido constituída nesses termos e que, ao invés, tenha sido constituída a propriedade horizontal relativamente a cada um dos lotes isoladamente. E – reafirma-se – se a propriedade horizontal não poderia ser constituída nesses termos por falta dos requisitos legais (que são imperativos e determinam a nulidade do título), os condóminos também não poderiam, através de uma deliberação, contornar a lei e sujeitar os aludidos lotes a regras de funcionamento que, na prática, correspondem à existência de um único condomínio.

Mas, independentemente dessa questão e, portanto, ainda que os aludidos lotes reunissem as condições legalmente exigidas para que pudessem constituir uma única propriedade horizontal ou único condomínio, a verdade é que não foi nesses termos que a propriedade horizontal foi constituída.

Com efeito, ainda que tal tenha sido efectuado na mesma escritura, foi constituída a propriedade horizontal relativamente a cada um dos lotes (separadamente), sendo que a permilagem atribuída a cada fracção foi calculada com referência ao valor do lote do qual fazia parte.

Assim, nos termos do título constitutivo da propriedade horizontal e de acordo com o disposto nos arts. 1430º e segs. do CC, a administração das partes comuns de cada um desses lotes compete a um administrador e à assembleia de condóminos que é constituída, naturalmente, pelos condóminos do respectivo lote e que têm na assembleia tantos votos quantas as unidades inteiras que couberem na permilagem que lhes foi atribuída no título constitutivo.

Nestes termos, a administração do lote C cabe à assembleia que é formada pelos condóminos desse lote e na qual não poderão, evidentemente, participar activamente quaisquer outras pessoas e, designadamente, os condóminos de outro lote que não está integrado na propriedade horizontal.

Ora, com a administração conjunta dos dois lotes – que está plasmada nas deliberações aqui em causa – o que se pretendeu foi tratar esses lotes como um único condomínio, de tal forma que existiria uma única assembleia de condóminos formada pelos condóminos de ambos os lotes e em que cada um deles teria um número de votos que é apurado com base numa permilagem calculada com referência ao valor global de ambos os lotes. É preciso que se note que o que está aqui em causa não é apenas um critério de repartição das despesas com a conservação e fruição das partes comuns, já que, por força daquelas deliberações, os condóminos do lote A1 iriam tomar parte activa (exercendo o direito de voto) nas deliberações referentes a assuntos respeitantes ao lote C (e vice-versa) quando é certo que, nos termos da lei e nos termos do título constitutivo da propriedade horizontal, não integram a assembleia de condóminos a quem a lei atribui competência para decidir sobre tais assuntos e os condóminos de cada um dos lotes veriam drasticamente reduzida a sua representatividade na assembleia e o seu poder de voto em manifesto desrespeito pelo título constitutivo da propriedade horizontal e pelo disposto no art. 1430º do CC.

Tal procedimento – pretendido pela Ré e emergente das deliberações aqui em causa – constitui, na nossa perspectiva, uma clara violação do título constitutivo da propriedade horizontal (que, como dispõe o art. 1419º do CC, apenas pode ser alterado por escritura pública e mediante o acordo de todos os condóminos) e uma violação de normas legais imperativas, porquanto, tais deliberações, implicando uma clara violação do disposto no art. 1430º, nº 2, do CC, implicariam também uma efectiva alteração da composição da assembleia de condóminos que está legalmente determinada em função do título constitutivo (na medida em que a assembleia de condóminos de cada um dos lotes deixaria de ser constituída apenas pelos condóminos desse lote – como determina a lei – para passar também a incluir os condóminos do lote vizinho que não está integrado no mesmo condomínio).

Não existindo título constitutivo da propriedade horizontal para o conjunto formado pelos dois blocos e não estando sequer demonstrado que estejam reunidos os pressupostos legais de que tal dependia (art. 1438º-A do CC) não poderá ser reclamado o funcionamento do regime da propriedade horizontal para esse conjunto e, como tal, não poderá ser imposta a nenhum condómino de qualquer um dos lotes (isoladamente constituído em propriedade horizontal) a obrigação de participar em encargos referentes ao outro lote (do qual não é condómino), tal como não lhe poderá ser imposto que as deliberações referentes à administração do seu condomínio tenham a interferência ou participação de qualquer outra pessoa que, por não ser condómino daquele lote, não faz parte da respectiva assembleia de condóminos, nos termos em que esta está legalmente configurada.

Assim e respondendo claramente à questão colocada pela Apelante (questão que a Apelante diz ter sido escamoteada na decisão recorrida), dir-se-á que: não pode haver administração conjunta dos dois lotes nos termos pretendidos pela Ré e nos termos que emergem das deliberações aqui em causa; estão constituídos dois condomínios (o do lote C e o do lote A1); a administração de cada um desses condomínios pertence à respectiva assembleia de condóminos que é constituída apenas pelos condóminos desse condomínio, não sendo admitida a possibilidade de os condóminos do lote A1 serem admitidos a participar, a votar e a decidir sobre assuntos respeitantes à administração do lote C (e vice-versa); na respectiva assembleia, cada um dos condóminos é admitido a votar com o número de votos que lhe são conferidos pela lei e pelo título constitutivo da propriedade horizontal (art. 1430º, nº 2).

Para que a administração dos dois lotes possa funcionar nos termos pretendidos pela Ré (com o funcionamento de uma única assembleia de condóminos formada pelos condóminos dos dois blocos e onde cada um deles tem um determinado número de votos que, não coincidindo com o que consta do título, é calculado por referência ao valor global dos dois lotes) é necessário alterar o título constitutivo da propriedade horizontal, integrando os dois blocos no mesmo condomínio e calculando nesses termos as respectivas permilagens que irão determinar o número de votos de cada um dos condóminos, sendo certo, porém, que tal alteração do título só pode ser efectuada por escritura pública, com o acordo de todos os sócios e desde que se verifiquem os requisitos exigidos por lei para que os dois edifícios pudessem integrar o mesmo condomínio e uma única propriedade horizontal.

Enquanto não for alterado o título constitutivo, nos termos que acabamos de referir, cada um dos lotes corresponde a uma propriedade horizontal e, portanto, ainda que possam funcionar na mesma data e no mesmo local (por existirem, eventualmente, assuntos comuns) terão que ser realizadas assembleias de condóminos autónomas e separadas para cada um desses lotes e nas quais apenas intervêm – com o número de votos que lhes é conferido pelo título e pela lei – os respectivos condóminos; a assembleia de condóminos do lote C é constituída pelos condóminos deste lote (assim como a assembleia de condóminos do lote A1 é constituída pelos condóminos desse lote) e é à assembleia assim constituída (e não a uma assembleia com qualquer outra composição e abrangendo pessoas que não são condóminas do respectivo lote) que a lei atribui a competência para a administração das partes comuns do edifício.

Qualquer deliberação no sentido de alterar essa situação – e mais concretamente, como aqui sucedeu, uma deliberação que altere a composição da assembleia de condóminos (determinando que ela não será composta apenas pelos condóminos de cada um dos lotes, mas também pelos condóminos de outro lote), que altere as permilagens que constam do título e, consequentemente, o número de votos que a lei confere a cada um dos condóminos e que, em suma, determine que os dois condomínios passem a funcionar como um único e, portanto, com uma única assembleia de condóminos – será nula, na medida em que não respeita o título constitutivo da propriedade horizontal (que, como referimos, só pode ser alterado por escritura pública e com o acordo de todos os condóminos) e viola normas legais imperativas, designadamente o art. 1430º, nº 2, do CC.

  

Improcedem, portanto, os argumentos invocados pela Apelante e, como tal, confirmam-se as sentenças recorridas.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

I – Não existindo título constitutivo da propriedade horizontal para um conjunto formado por dois blocos/edifícios e não estando sequer demonstrado que estejam reunidos os pressupostos legais de que tal dependia (art. 1438º-A do CC) não poderá ser reclamado o funcionamento das regime da propriedade horizontal para esse conjunto, tal como não poderá ser imposto esse regime a nenhum condómino de qualquer um dos edifícios (isoladamente constituído em propriedade horizontal).

II – Resultando do título constitutivo da propriedade horizontal que a mesma foi instituída em relação a dois lotes/edifícios, separadamente, não podem as respectivas assembleias de condóminos deliberar que esses dois lotes sejam administrados conjuntamente, como se fosse um único condomínio, através do funcionamento de uma única assembleia composta pelos condóminos de ambos os lotes e em que cada um deles teria um número de votos apurado com base na atribuição de uma permilagem diversa da que consta do título constitutivo e calculada com referência ao valor global de ambos os lotes.

III – Tal deliberação é nula, por contrariar disposições legais imperativas – designadamente o disposto no art. 1430º, nº 2, do CC – e por contrariar o título constitutivo da propriedade horizontal, que apenas pode ser alterado por escritura pública e mediante o acordo de todos os condóminos.


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V.
Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, confirmam-se as sentenças recorridas.
Custas a cargo da Apelante.
Notifique.

Maria Catarina Ramalho Gonçalves (Relatora)

Maria Domingas Simões

Nunes Ribeiro


[1] Reg. nº 182.
[2] Disponível em http://www.dgsi.pt.
[3] Disponível em http://www.dgsi.pt.
[4] Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed. Revista e Actualizada (Reimpressão), pág. 393.