Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
89/11.7GCGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: ALCOOLÍMETROS
VERIFICAÇÃO PERIÓDICA
Data do Acordão: 12/13/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1º, 14º DA LEI Nº 18/2007, DE 17 DE MAIO,153º DO CE, 1º E 4º DO DEC. LEI Nº 291/90, DE 20 DE SETEMBRO, PORTARIA Nº 1556/2007, DE 10 DE DEZEMBRO
Sumário: 1.- Os alcoolímetros quantitativos estão sujeitos a uma verificação periódica anual;

2.- A verificação periódica é válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização.

Decisão Texto Integral: I. RELATÓRIO


No 1º Juízo do Tribunal Judicial da comarca da Guarda o Ministério Público requereu o julgamento, em processo especial sumário, do arguido A..., com os demais sinais nos autos, a quem imputava a prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º, nº 1 e 69º, nº 1, a), do C. Penal.

Por sentença de 20 de Junho de 2011, foi o arguido condenado pela prática do imputado crime, na pena de setenta e cinco dias de multa à taxa diária de € 8 e na pena acessória de quatro meses de proibição de conduzir veículos motorizados.
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Inconformado com a decisão, dela recorre o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:
“ (…).
A) A douta sentença aqui posta em crise cometeu erro na apreciação e valoração da prova e erro de julgamento.

B) Nos termos do disposto no art. 7.º, n.º 2, do Regulamento de Controlo Metrológico dos Alcoolímetros (RCMA), a verificação periódica a que devem ser obrigatoriamente sujeitos os alcoolímetros é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação do modelo. Relativamente ao modelo de alcoolímetro quantitativo utilizado nos presentes autos, foi o mesmo aprovado por Despacho n.º 19684/2009, do IPQ, do qual não consta qualquer indicação especifica relativamente à periodicidade das inspecções periódicas, aplicando-se-lhe assim a regra geral das verificações periódicas anuais.
C) Contrariamente ao entendimento sufragado na douta decisão recorrida, não poderá considerar-se como válida a verificação periódica até 31 de Dezembro do ano seguinte àquela em que for efectuada. Na realidade, o art. 5.º do DL 291/90, de 20/09 estabelece a regra geral quanto ao controlo metrológico de todos os aparelhos a ele sujeitos, sendo certo que a Portaria 1556/2007, de 10/12 aprovou o Regulamento de Controlo Metrológico dos Alcoolímetros (RCMA), e, portanto, é norma especifica nesta área, estabelecendo regime especial quanto ao controlo metrológico dos alcoolímetros.
D) Nos presentes autos, o aparelho utilizado para realização do teste quantitativo de álcool no sangue havia sido sujeito a verificação periódica em 17/03/2010, pela última vez. Ora, por imperativo legal, a verificação periódica do mesmo aparelho deveria ter sido efectuada até ao dia 17/03/2011, condição esta imprescindível e essencial para que o alcoolímetro em questão estivesse em condições de ser utilizado para fiscalização na data a que se reportam os presentes autos – 03/06/2011.
E) Resulta, assim, demonstrado não terem sido observadas as formalidades legais imperativas relativamente ao alcoolímetro utilizado para fiscalização do arguido nos presentes autos, pelo que não pode dar-se como provada a concreta taxa de álcool no sangue, devendo o arguido ser absolvido do crime pelo qual vem condenado,
F) A prova obtida através do sobredito aparelho é nula, e "A consequência essencial que a obtenção de uma proibida provoca vem a ser a sua não utilização: trata-se de não a tomar em conta para qualquer fim processual. é como se a referida prova não existisse.", Cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal II, pág. 126, 3.a Edição, sob pena de violação do disposto no art.º 170 n.º 4 do Código da Estrada, assim se fazendo JUSTIÇA!
(…)”.
*

Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:
“ (…).
I – O arguido foi condenado por sentença proferida nos presentes autos na pena de 75 (setenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 8,00, perfazendo o montante total de € 600,00, bem como, na pena acessória de proibição de condução de veículos com motor, pelo período de 4 (quatro) meses, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. conjugadamente, pelos arts. 292º, nº 1 e 69º, nº 1, al. c), ambos do Código Penal.
II – Na referida sentença deu o Tribunal como provado, e a nosso ver, bem, que "submetido a exame de pesquisa de álcool no sangue através do ar expirado, com o aparelho oficialmente aprovado, Drager, 7110 MK III, com o n.º de série ARAN-0069, o arguido apresentou uma taxa de álcool no sangue de 1,58 g/ litro", valorando para o efeito o resultado do teste efectuado, por considerar que o aparelho, no qual foi realizado o teste à quantidade de álcool no ar expirado, estava dentro do prazo de validade,
III – O aludido aparelho foi aprovado pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária a 25 de Junho de 2009, através do despacho n.º 19684/2009, publicado na 2ª Série do DR n.º 166, de 27.08.2009.
IV – No que concerne aos prazos de verificação periódica do aparelho supra citado, dispõe o art. 4º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 291/90, de 20 de Setembro, que estabelece o regime Geral do Controlo Metrológico, que aquela compreende "o conjunto de operações destinadas a constatar se os instrumentos de medição mantêm a qualidade metrológica dentro das tolerâncias admissíveis relativamente ao modelo respectivo", Por sua vez, o n.º 5 do citado preceito legal estabelece que "a verificação periódica é válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização, salvo regulamentação específica em contrário".
V – Por outro lado, a concreta regulamentação aprovada em matéria de alcoolímetros consta da Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, que aprova o denominado Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, o qual veio estabelecer regras relativas às verificações metrológicas, dispondo no seu art. 7º, n.º 1 que "A primeira verificação é efectuada antes da colocação do instrumento no mercado, após a sua reparação e sempre que ocorra violação do sistema de selagem, dispensando-se a verificação periódica nesse caso". Por sua vez o n.º 2 do citado preceito legal estabelece que "A verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação do modelo".
VI – Assim, ponderando o disposto nos citados preceitos legais, resulta que a verificação periódica dos aparelhos de medição, como é o caso dos alcoolímetros, é anual e a sua validade estende-se até ao dia 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização.
VII – Face ao exposto, e salvo melhor opinião, entendemos que o aparelho de alcoolímetro que foi utilizado para realizar o teste quantitativo de álcool no sangue ao arguido encontrava-se acoberto da última verificação periódica a que foi sujeito, a qual teve lugar em 17.03.2010, estendendo-se o prazo de validade da verificação até ao dia 31 de Dezembro do ano seguinte, ou seja, 31 de Dezembro de 2011, pelo que o teste realizado em 03.06.2011 foi-o dentro do prazo previsto no n.º 5 do citado art, 4º e, por conseguinte, o resultado obtido através do mesmo no acto de fiscalização efectuado é válido e fiável como meio de prova.
VIII – Conforme decorre do disposto no art. 112º da Constituição da Republica Portuguesa, os decretos-lei são actos normativos e, como tal, só poderão ser derrogados, ou postos em causa, por acto normativo da mesma natureza.
IX – Assim, a Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, porque não é um acto normativo, mas sim administrativo, jamais poderia derrogar ou por em causa o regime estabelecido no Decreto-Lei n.º 291/90, de 20 de Setembro, por ser um diploma legal hierarquicamente superior, nem pode criar um regime especial face a este, antes tem de se conformar com ele, devendo, por isso, harmonizar-se a interpretação dos dois citados preceitos legais.
X – E, ainda que se considerasse que estava ultrapassado o prazo de validade do aparelho de alcoolímetro utilizado no controlo efectuado ao arguido, o que, pelo que já deixamos dito, não se concede, sempre se diria que a prova obtida com o aparelho em causa não seria cominada com a nulidade.
XI – Com efeito, o art. 118°, n.º 1 do Código de Processo Penal que consagra o principio da legalidade no domínio das nulidades dos actos processuais, estabelece que "a violação ou inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei".
XII – Assim, nas situações em que esteja em causa a falta de inspecção periódica do alcoolímetro, não existe nenhuma norma que sancione com a nulidade a violação da periodicidade das verificações periódicas dos aparelhos de medição, pelo que estaríamos perante mera irregularidade.
Termos em que deverá ser integralmente mantida a douta decisão recorrida, julgando-se como manifestamente improcedente o recurso interposto pelo arguido A…, Assim se fazendo Justiça!
(…)”.

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Na vista a que refere o art. 416º, nº 1, do C. Processo Penal o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, acompanhando a posição do Ministério Público junto da 1ª instância, e concluindo pelo não provimento do recurso.

Foi cumprido o art. 417º, nº 2, do C. Processo Penal.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO


Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões da motivação constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª Ed., pág. 335, e Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 2007, pág. 103).
Assim, atentas as conclusões formuladas pela recorrente, a questão a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, é a de saber se o tribunal a quo quando atendeu ao resultado apresentado pelo alcoolímetro em 3 de Junho de 2011, e cuja verificação periódica tinha ocorrido em 17 de Março de 2011, valorou prova proibida.
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Para a resolução desta questão importa ter presente o que, de relevante, consta da decisão recorrida. Assim:

A) Na sentença foram considerados provados os seguintes factos:
“ (…).
1) No dia …de Junho de 2011, pelas 00H02, o arguido conduzia o automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula …, na EN 233, em Barroquinho, área desta comarca.
2) Submetido a exame de pesquisa de álcool no sangue através do ar expirado, com o aparelho oficialmente aprovado, Drager, 7110 MK III, com o n.º de série ARAN0069, o arguido apresentou uma taxa de álcool no sangue de 1,58 g/litro.
3) Em 17/03/2010, o aparelho mencionado em 2) foi sujeito a verificação periódica e aprovado pelo Instituto Português da Qualidade.
4) O arguido conduziu de forma livre e voluntária, apesar de antes ter ingerido bebidas alcoólicas, bem sabendo que a sua ingestão o havia colocado em estado de embriaguez.
5) O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
6) O arguido vive com a sua mulher, em casa própria, e não possui encargos mensais com empréstimos.
7) O arguido exerce a actividade de motorista de veículos pesados de transportes internacionais por conta da empresa "…, Lda.", sita na …, auferindo salário de montante não concretamente apurado, mas pelo menos € 700,00 mensais.
8) A mulher do arguido trabalha em part-time no bar da Câmara Municipal de …, auferindo quantia não concretamente apurada, mas pelo menos € 150,00 por mês.
9) O veículo referido em 1) é da marca …, do ano de 1997, encontrando-se descrito na Conservatória do Registo Predial, Comercial e Automóveis da Guarda a favor do arguido desde 04/12/2006.
10) O arguido completou o 11.º ano de escolaridade.
11) O arguido encontra-se bem inserido socialmente e não tem por hábito ingerir bebidas alcoólicas em excesso.
12) Mediante a Ap. 04192, de 09/02/2009, o veículo de matrícula …, da marca S.I.S., encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial, Comercial e Automóveis da Guarda a favor de …, residente na Rua …, Guarda.
13) O arguido não conduziu em momento algum o veículo descrito em 12).
14) Nas circunstâncias de modo e lugar acima descritas em 1), o arguido foi detido pelas 00H02 e libertado nesse mesmo dia, pelas 00H40.
15) O arguido não tem condenações averbadas ao seu certificado do registo criminal.
(…)”.

B) E dela consta a seguinte motivação de facto:
“ (…).
A convicção do Tribunal alicerçou-se no conjunto da prova produzida e examinada em audiência, devidamente documentada e analisada criticamente à luz das regras de experiência comum, nos termos do artigo 127º do Código de Processo Penal.
Assim, quanto aos factos da acusação, fundou-se no depoimento de Paulo José Fernandes dos Santos Melo da Costa, sargento adjunto da G.N.R. e militar autuante, que de forma séria, escorreita e coerente e, por isso, credível, relatou no essencial os factos constantes do auto de notícia, pois que o arguido, no exercício de um direito que a lei lhe confere, preferiu remeter-se ao silêncio, excepto no que tange à sua situação pessoal e económica.
Ora, referiu aquela testemunha que, na sequência de uma operação de fiscalização levada a cabo na EN que liga a Guarda ao Sabugal, no cruzamento que dá para o Barroquinho, já de madrugada, o arguido foi mandado parar e sujeito ao teste de pesquisa de álcool no sangue, através do método de ar expirado.
A pergunta feita, mas de forma espontânea, disse que o veículo conduzido pelo arguido era da marca Volkswagen, modelo Passat, ou seja, um veículo ligeiro de passageiros, a cuja identificação procedeu com base nos documentos do veículo fornecidos na altura pelo arguido.
Mais disse que a identificação do arguido foi feita com base na apresentação do respectivo documento (bilhete de identidade).
Salientou a circunstância de o arguido se ter revelado educado no trato e colaborado na realização do exame, não tendo solicitado contraprova e se conformado com o resultado do teste.
Asseverou que naquela noite não fiscalizaram motorizadas, pelo que, quando confrontado com a divergência entre a matrícula exarada no auto de notícia e na notificação entregue ao arguido (cfr. fls. 14 e documento junto em audiência pelo arguido), apontou como explicação, que se nos afigurou plausível e razoável, um provável lapso, dado a complexidade no preenchimento dos formulários.
Este depoimento foi devidamente conjugado e corroborado pelo teor do auto de notícia de fls. 4, no que concerne à localização espácio-temporal dos factos e ao veículo conduzido pelo arguido, assim como pelo documento que atesta o resultado da pesquisa à base de dados do registo automóvel, junto em audiência de julgamento, relativo ao veículo …, da marca …, do ano de 1997, pertencente ao arguido desde 04/12/2006 (note-se que o próprio arguido confirmou ser proprietário de um veículo desta marca e modelo).
Não poderão, pois, existir dúvidas quanto ao veículo conduzido pelo arguido no dia da fiscalização a que foi sujeito, nem em relação à autoria dos factos.
Com efeito, sendo certo que a matrícula exarada na notificação é totalmente distinta da indicada no auto de notícia, a verdade é que tal se deveu a manifesto lapso de escrita, explicado pelo militar autuante, conclusão que saiu reforçada com o depoimento de …, proprietário do ciclomotor de matrícula …(conforme decorre da certidão de fls. 41 e 42), e que de forma espontânea referiu que jamais emprestou tal veículo ao arguido, pessoa que de resto desconhece, tanto mais que após ter sido julgado há cerca de 4 meses neste Tribunal pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez nunca mais "pegou na mota". Explica-se assim o motivo pelo qual a matrícula do veículo desta testemunha constava das bases de dados da G.N.R.
Atendeu ainda o Tribunal aos documentos juntos aos autos, nomeadamente, ao resultado do teste quantitativo de detecção de álcool no sangue de fls. 13, por ter sido realizado em instrumento de medição aprovado e definido por lei como adequado à medição do álcool no sangue, devidamente certificado e verificado, conforme se afere de fls. 15.
Salvo melhor entendimento, não se concorda, pois, com a argumentação expendida pelo arguido, no sentido de que tendo a verificação do aparelho ocorrido há mais de 1 ano à data dos factos, a prova com o mesmo obtida (o resultado do exame de pesquisa de álcool no sangue) é nula e de nenhum efeito, pelos motivos que passamos a expor.
Assim, é certo que da análise do documento em causa (cfr. fls. 15) decorre que a data de verificação do aparelho utilizado na fiscalização remonta a 17/03/2010, ou seja, há mais de um ano à data da prática dos factos.
De acordo com o Decreto-Lei n.º 291/90, de 20-09, que estabelece o regime geral do controlo metrológico dos instrumentos de medição, este compreende as seguintes operações: a) aprovação de modelo; b) primeira verificação; c) verificação periódica; d) verificação extraordinária (artigo 1 º, n.º 3).
Não estando em causa as situações previstas nas alíneas a), b) e d), importa aferir da conformidade da verificação periódica a que o alcoolímetro utilizado foi sujeito.
Assim, estabelece o artigo 4º, n.º 1, do diploma legal em referência que: "A verificação periódica é o conjunto de operações destinadas a constatar se os instrumentos de medição mantêm a qualidade metrológica dentro das tolerâncias admissíveis relativamente ao modelo respectivo (…)."
Reportando-se especificamente ao controlo metrológico dos alcoolímetros, estabelece a Portaria n.º 1556/2007, de 10-12, em consonância com o regime geral, igualmente quatro operações de verificação (artigo 5º), dispondo que: "A verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação do modelo" (artigo 7º, n.º 2).
Mostrar-se-ia, assim, ultrapassado o prazo da verificação periódica anual do aparelho.
Só que, ponderado o disposto no artigo 4º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 291/90, de 20-09, nos termos do qual: "A verificação periódica é válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização, salvo regulamentação especifica em contrário", entendemos, salvo melhor opinião, que o alcoolímetro encontrava-se a coberto da última verificação periódica a que foi sujeito, sendo, por conseguinte, válido e fiável o resultado com o mesmo obtido [Vide, neste sentido, os Acórdãos do Tribunal das Relação do Porto de 06/04/2011, proc. n.º 270/10.6GAALJ.P1, 27/04/2011, proc. n.º 242/10.0GAALJ.P1, de 25/05/2011, proc. n.º 182/10.6GAALJ.P1 e de 08/06/2011, proc. n.º 96/10.7GASBR.P1, todos acessíveis em www.dgsi.pt.].
Com efeito, como se salienta no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 06/04/2011, "Face aos diplomas que regulamentam a matéria (…) é seguro, no que respeita à verificação periódica dos aparelhos de medição, que ela é anual e que a sua validade se estende até ao dia 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização".
De facto, destas normas apenas decorre que os alcoolímetros têm que ser sujeitos a uma verificação em cada ano civil, pois "o termo anual usado na Portaria referida não constitui, a nosso ver, regulamento específico em contrário ao que estatui o Decreto-Lei referido, ou seja, cabe perfeitamente no âmbito da norma" (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 27/04/2011, acima referido).
Além disso, a portaria, porque é um acto administrativo, não poderia derrogar um acto normativo, isto é, a norma contida no artigo 4º, n.º 5, do Decreto-Lei n." 291/90, de 20-09, por este possuir valor hierarquicamente superior, devendo assim harmonizar-se a interpretação dos dois preceitos (artigo 112º, n.º1 da Constituição da República Portuguesa, que define os actos legislativos).
Ainda que assim não se entendesse, o que não se concede, sempre se diria que a prova obtida com o alcoolímetro em causa não poderia se cominada com o vício da nulidade, por inexistir norma que a prescreva.
De facto, segundo o artigo 118º, n.º 1, do Código de Processo Penal, "A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei" (princípio da legalidade das nulidades).
Assim, as normas relativas a nulidades insanáveis ou sanáveis são normas excepcionais e, por conseguinte, insusceptíveis de aplicação analógica [Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 2007, p. 305] pelo que não se poderia considerar nula a prova obtida através deste meio [Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 08/06/2011, acima citado, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 13/09/2010, proc. n.º 431/10.8GAFL.G1, acessível in www.dgsi.pt., nos termos do qual: "A inobservância de quaisquer procedimentos legalmente impostos na realização do teste de álcool não é cominada com o vício da nulidade."].
Todavia, estabelece o n.º 3 do artigo 118º, do Código de Processo Penal, que o regime das nulidades não prejudica as normas relativas a proibições de prova.
Ora, o Código de Processo Penal consagra a regra da não taxatividade dos meios de prova, ao estabelecer que são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei (artigo 125º).
No entanto, na Constituição da República Portuguesa desde logo se determina, no artigo 32º, n.º 8, que "São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações".
O legislador ordinário em cumprimento daquele preceito, estabeleceu as excepções ao princípio da não tipicidade dos meios de prova no artigo 126º, do Código de Processo Penal.
Seguindo de perto a posição de João Conde Correia [In "A distinção entre a prova proibida por violação dos direitos fundamentais e prova nula numa perspectiva essencialmente jurisprudencial", Revista CEJ, IV, 2006] nesta matéria, as proibições de prova não se encontram taxativamente elencadas e, por isso, não é necessária a referência expressa da sua cominação, já que a cláusula aberta, quer do artigo 32º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa, quer do artigo 126º, do Código de Processo Penal, impõe a proibição da sua obtenção e proibição/valoração sempre que se verifique a violação dos bens e direitos ali enunciados, que pode ainda consistir na prática de um ilícito tipificado jurídico-penalmente.
Só que, não se vislumbra em que medida a prova obtida através de um aparelho cuja validade da verificação periódica se encontrasse ultrapassada pudesse constituir prova proibida, porquanto nenhum dos direitos fundamentais protegidos por aqueles preceitos se mostraria colocado em causa.
Em suma, tendo o alcoolímetro em questão sido objecto de verificação em 17/03/2010, a validade da mesma mantém-se até 31/12/2011, pelo que a sua utilização em 03/06/2011 ainda se inclui durante o período de validade da verificação efectuada, não havendo, por isso, motivos para afastar a fiabilidade do valor obtido.
Coloca-se, então, a vexata questio abundantemente debatida nos tribunais superiores relativamente ao dever de o julgador corrigir ou não a taxa obtida no alcoolímetro através da aplicação da margem de erro máximo admissível, actualmente prevista na Portaria n.º 1556/2007, de 10-09 [No sentido de que deve ser efectuado o desconto do valor do "erro máximo admissível" do alcoolímetro que procedeu à medição, vide, entre outros, a titulo meramente exemplificativo, os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 03/03/2010, proc. n.º 58/09.7PAMDL.P1, de 23/06/2010, proc. n.º 127/09.GARSD.P1, este com larga apreciação ao nível do direito comparado, e no sentido de que tal desconto não deve ser efectuado, os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, 03/02/2010, proc. n.º 80/080PTVIS.C1, e de 10/11/2010, proc. nº 98/10.GTCBR.C1, e do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27/01/2011, proc. n.º 282/10.0GAMFR.L1-9, todos acessíveis in www.dgsí.pt.]
Com efeito, o preenchimento do tipo objectivo do crime por que vem acusado o arguido pressupõe a determinação da concreta taxa de álcool no sangue de que o mesmo é portador, na medida em que apenas a condução com uma taxa igualou superior a 1,2g/l integra a previsão normativa.
Os artigos 152º e segs., do Código da Estrada regem sobre o procedimento para a fiscalização da condução sob influência de álcool (e de substâncias psicotrópicas), estabelecendo o artigo 158º, n.º 1, alíneas a) e b), na parte que ora importa considerar, que são fixados em regulamento o tipo de material a utilizar na fiscalização e nos exames laboratoriais para determinação do estado de influenciado pelo álcool e os métodos a utilizar para a determinação do doseamento de álcool no sangue.
Tal matéria encontra-se consagrada na Lei n.º 18/2007, de 17-05, que aprovou o regulamento de fiscalização da condução sob influência do álcool ou de substâncias psicotrópicas, prevendo como meios de detecção e quantificação da taxa de álcool no sangue os analisadores qualitativos e quantitativos, estes por teste no ar expirado ou através de análise sanguínea (artigo 1º) e estabelecendo no artigo 14º, no que aos testes quantitativos de álcool no ar expirado se refere, que só podem ser utilizados analisadores que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, a qual deverá ser precedida de homologação de modelo, a efectuar pelo Instituto Português da Qualidade, nos termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros.
O alcoolímetro utilizado na situação em apreço – Drager, modelo 7110 MK III – encontra-se devidamente aprovado (cfr. Despacho n.º 19684/2009, in DR-II, n.º 166, de 27/08/2009).
Ora, a Portaria n.º 1556/2007, de 10-09, estabelece que se aplica aos analisadores quantitativos e qualitativos (artigo 1º) – competindo o seu controlo ao Instituto Português da Qualidade, na aprovação de modelo, primeira verificação, verificações periódica e extraordinária (artigo 5º) –, e prevê ainda os erros máximos admissíveis (EMA), variáveis em função do teor de álcool no ar expirado, nos termos constantes do quadro anexo (artigo 8º).
O controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição destina-se a promover a defesa do consumidor e a proporcionar à sociedade, em geral, e aos cidadãos, em particular, a garantia do rigor e da credibilidade das medições efectuadas através de instrumentos de mediação adequados e fiáveis.
Por isso, o aparelho não será aprovado e utilizado, "se o seu desempenho o colocar fora dos parâmetros de admissibilidade estabelecidos por esses «erros máximos admissíveis», enquanto parâmetros quantitativos que definem a sua aptidão qualitativa, isto é, enquanto instrumentos fiáreis e confiáveis para a medição exigida" [Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 03/02/2010, acima citado].
Em nosso entendimento, é este o âmbito de aplicação dos erros máximos admissíveis, os quais são tidos em conta aquando da aprovação do modelo, primeira verificação e verificações periódica e extraordinária, constituindo variáveis a ponderar nesses procedimentos de homologação e ulterior verificação dos alcoolímetros, não sendo legítima a sua consideração na altura de cada utilização do aparelho, já que, quando aprovados e homologados, estão aptos a fornecer valores fiáveis e confiáveis.
Em abono deste entendimento, pode ler-se a comunicação de Maria do Céu Ferreira no 2º Encontro Nacional da Sociedade Portuguesa de Metrologia [Apud, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, 10/11/2010, acima citado], nos termos da qual "Os EMA são limites definidos convencionalmente em função não só das características como da finalidade para que são usados. Ou seja, tais valores limite, para mais e para menos, não representam valores reais de erro, numa qualquer medição concreta, mas um intervalo dentro do qual, com toda a certeza (uma vez respeitados os procedimentos de medição), o valor da indicação se encontra. É sabido que a qualquer resultado de medição está sempre associada uma incerteza de medição, uma vez que não existem instrumentos de medição absolutamente exactos. Esta incerteza de medição é avaliada no acto da aprovação de modelo por forma a averiguar se o instrumento durante a sua vida útil possui características construtivas, por forma a manter as qualidades metrológicas regulamentares, nomeadamente fornecer indicações dentro dos erros máximos admissíveis prescritos no respectivo regulamento.(…)
O valor da indicação do instrumento é em cada situação, o mais correcto. O eventual erro da indicação, nesse momento, nessa operação, com o operador que a tiver efectuado, nas circunstâncias de ambiente locais, quaisquer que tenham sido outros factores de influência externos ou contaminantes do ar expirado, seja ele positivo ou negativo, está com toda a probabilidade contido nos limites do EMA."
Não existindo quaisquer elementos de prova que suscitem dúvidas sobre a fiabilidade do aparelho concretamente utilizado, deve considerar-se assente o resultado obtido (1,58 g/l), sem dedução de qualquer margem de erro.
Os factos considerados provados e relativos aos elementos intelectual e volitivo do dolo concernente à conduta do arguido foram considerados assentes a partir do conjunto de circunstâncias de facto dadas como provadas, já que o dolo é uma realidade que não é apreensível directamente, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum, salientando-se que é do conhecimento comum à generalidade das pessoas o dever de não conduzir após a ingestão de bebidas alcoólicas em quantidade capaz de determinar a embriaguez.
Ponderou-se ainda o teor de fls. 8 quanto ao período de privação da liberdade sofrido pelo arguido.
Relativamente às condições pessoais, sociais e económicas do arguido, o Tribunal baseou-se nas declarações por ele prestadas, conjugadas com os depoimentos de … e …, amigos do arguido, sobretudo no que toca à ocupação profissional da mulher do arguido, primeiramente por si negada.
Também no que se refere ao salário auferido pelo arguido, deu-se apenas como provado que ascenderá a, pelo menos, € 700,00, montante por si admitido, pois que, como é do conhecimento comum, os motoristas de veículos pesados de transportes internacionais recebem outras quantias que acrescem ao salário base.
No que se refere ao carácter e personalidade do arguido, atendeu-se aos depoimentos de … e …, prestados no sentido da factualidade dada como provada e que se revelaram surpreendidos com os factos imputados ao arguido, uma vez que o mesmo não possui o hábito de ingerir bebidas alcoólicas em excesso.
No tocante à ausência de antecedentes criminais, atendeu-se ao teor do certificado de registo criminal de fls. 16.
(…)”.
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Da valoração de prova proibida [por ter sido atendido, em 3 de Junho de 2011, resultado de alcoolímetro cuja verificação periódica tinha ocorrido em 17 de Março de 2010]

1. Entende o arguido, e esta é a única questão que suscita no recurso, que o alcoolímetro com que efectuou o exame de pesquisa de álcool no sangue através do ar expirado tinha excedido já o prazo da última verificação periódica pelo que, a inobservância de formalidades legais imperativas relativas à operação de fiscalização a que foi sujeito, determina uma prova proibida e nula, e a sua consequente absolvição, por falta de prova da sua concreta taxa de álcool no sangue [TAS].

Com relevo para a questão proposta, temos provado que:
- No dia 3 de Junho de 2011, pelas 0h2m, o arguido conduzia um veículo automóvel, ligeiro de passageiros, na EN 233, comarca da Guarda;
- Neste circunstancialismo de tempo e de lugar, foi submetido pela GNR a exame de pesquisa de álcool no sangue através do ar expirado;
- No dito exame foi utilizado o aparelho oficialmente aprovado Drager 7110 MK III, com o nº de série ARAN0069, que apresentou como resultado uma TAS de 1,58g/l;
- Este aparelho havia sido sujeito a verificação periódica e aprovado pelo Instituto Português da Qualidade [IPQ], em 17 de Março de 2010.

E é precisamente porque, quando foi realizado o exame, havia já decorrido mais de um ano sobre a data em que o alcoolímetro utilizado tinha sido verificado pelo IPQ, que o arguido sustenta, apoiado na interpretação que faz do art. 7º, nº 2, do Regulamento de Controlo Metrológico dos Alcoolímetros [RCMA], aprovado pela Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro, que foi valorada prova proibida e nula.
Vejamos então se lhe assiste razão.

2. A fiscalização da condução sob influência de álcool encontra-se regulada no art. 153º do C. da Estrada o qual dispõe, no seu nº 1 que, o exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito.
A Lei nº 18/2007, de 17 de Maio aprovou o Regulamento de Fiscalização da Condução sob influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas [RFCASP]. Este Regulamento prevê no seu art. 1º, as modalidades admissíveis de detecção e quantificação da taxa de álcool. Assim, nos termos do seu nº 1, a presença de álcool no sangue é indiciada através de teste ao ar expirado, efectuado com analisador qualitativo, Nos termos do seu nº 2, a quantificação da taxa de álcool no sangue é feita através de teste ao ar expirado, efectuado em analisador quantitativo, ou por análise ao sangue [sendo que esta, nos termos do nº 3, só terá lugar nos casos de impossibilidade de realização do teste em analisador quantitativo].
E, em conformidade com o disposto no supra referido art. 153º do C. da Estrada, estabelece o art. 14º, nº 1, deste Regulamento que, nos testes quantitativos do álcool no ar expirado só podem ser utilizados analisadores que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária. Aprovação esta que, face ao disposto no nº 2, é precedida de homologação de modelo pelo IPQ, nos termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros.

De tudo isto resulta que a medição da taxa de álcool no sangue [TAS] é feita através de um aparelho específico, de um analisador quantitativo.
E o regime do controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição encontra-se previsto no Dec. Lei nº 291/90, de 20 de Setembro.
Estabelece o nº 2, do art. 1º deste diploma que, os métodos e instrumentos de medição obedecem à qualidade metrológica estabelecida nos respectivos regulamentos de controlo metrológico de harmonia com as directivas comunitárias ou, na sua falta, pelas recomendações da Organização Internacional de Metrologia Legal (OIML) ou outras disposições aplicáveis indicadas pelo Instituto Português da Qualidade.
Neste diploma prevêem-se quatro operações de controlo metrológico, a saber: aprovação do modelo; primeira verificação; verificação periódica; e verificação extraordinária (art. 1º, nº 3), operações estas que se encontram definidas nos seus arts. 2º, 3º, 4º e 5º, respectivamente.
Releva para a questão de que cuidamos a verificação periódica, definida no art. 4º, nº 1, como, o conjunto de operações destinadas a constatar se os instrumentos de medição mantêm a qualidade metrológica dentro das tolerâncias admissíveis relativamente ao modelo respectivo, devendo ser requerida pelo utilizador do instrumento de medição.
Por sua vez, dispõe o nº 5 do mesmo art. 4º que, a verificação periódica é válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização, salvo regulamentação específica em contrário.

No que aos alcoolímetros quantitativos ou analisadores quantitativos respeita, o regime do Dec. Lei nº 291/90, de 20 de Setembro foi, nos termos do seu art. 15º, regulamentado pela Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro, que aprovou o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros [RCMA].
Este Regulamento define, no seu art. 2º, nº 1, os alcoolímetros quantitativos ou analisadores quantitativos como, os instrumentos destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado.
O seu art. 5º estabelece que o controlo metrológico dos alcoolímetros é da competência do IPQ e compreende quatro operações a saber: aprovação do modelo; primeira verificação; verificação periódica; e verificação extraordinária. Até aqui, portanto, tudo em conformidade com o diploma regulamentado (cfr. art. 1º, nº 3, do Dec. Lei nº 291/90, de 20 de Setembro).
Relativamente à verificação periódica, rege o art. 7º, nº 2, dispondo que, a verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação de modelo.

Finalmente, temos que o alcoolímetro quantitativo Drager 7110MK III, foi aprovado pelo despacho da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária [ANSR] nº 19684/2009, de 25 de Junho, sem específica menção de prazo de validade da aprovação (cfr. art. 6º, nº 3 do RCMA) e sem específica indicação da frequência temporal da verificação periódica (cfr. art. 7º, nº 2, do RCMA).

3. Enunciados que ficaram os elementos de facto e de direito relevantes, passemos de imediato à resolução da questão proposta.
Em primeiro lugar, cabe referir que, sendo verdade que, na hierarquia dos actos normativos, o decreto-lei se sobrepõe ao regulamento, é também seguro que a Constituição da República Portuguesa designadamente, o nº 5 do seu art. 112º, não proíbe o reenvio normativo, assim permitindo que a lei remeta para a administração a emissão de normas regulamentares executivas ou complementares (cfr. Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume, II, 4ª Edição Revista, pág.70). E o art. 4º, nº 5, do Dec. Lei nº 291/90, de 20 de Setembro prevê expressamente que a frequência da verificação periódica por si fixada possa, em certos casos, ser diferente.
Ainda assim, não cremos do confronto entre as normas do art. 4º, nº 5, do Dec. Lei nº 291/90, de 20 de Setembro e do art. 7º, nº 2, do RCMA resulte um choque de conteúdos normativos, tudo não passando de uma mera argumentação. Explicando,

O Dec. Lei nº 291/90, de 20 de Setembro, como já tivemos oportunidade de referir, estabelece o regime de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição em Portugal. Por isso, o seu universo de aplicação, quanto aos instrumentos de medição, é muitíssimo mais vasto do que o campo específico dos analisadores quantitativos, razão pela qual nenhum sentido faria que um diploma legal com tal amplitude, estabelecesse a frequência temporal da verificação periódica especificamente aplicável a cada grupo de aparelhos abrangido pelo seu vasto campo de aplicação. Daí que se tenha limitado a fixar o termo do período de validade de cada verificação periódica, fazendo-o coincidir com o último dia do ano seguinte ao da sua realização (art. 4º, nº 5).
Já o RCMA, como aliás, seria expectável, estabeleceu a frequência temporal da verificação periódica para os únicos aparelhos abrangidos pelo seu campo de aplicação, os analisadores quantitativo (art. 7º, nº 2), sem fixar, por outro lado, qualquer prazo de validade da mesma [o que bem se compreende, pois o diploma regulamentado já o havia fixado]. Ou seja, enquanto o Dec. Lei nº 291/90, de 20 de Setembro fixou o termo do período de validade de cada verificação periódica, relativamente a todos os aparelhos de medição, o RCMA fixou apenas a frequência temporal da verificação periódica dos alcoolímetros quantitativos, o que vale dizer que não existe sequer intersecção parcial entre o âmbito de previsão das duas normas referidas.
Daí que, o art. 7º, nº 2, do RCMA, não constitua uma regulamentação específica em contrário, relativamente ao art. 4º, nº 5, do Dec. Lei nº 291/90, de 20 de Setembro.
E por isso, quando no art. 7º, nº 2, do RCMA se lê que a verificação periódica é anual, o sentido a extrair da frase, tendo em conta a presunção do art. 9º, nº 3, do C. Civil, é o de que a verificação periódica tem lugar todos os anos ou seja, que os alcoolímetros a ela têm que ser submetidos, pelo menos uma vez, em cada ano civil. Com efeito, pretender ler na norma, como faz o recorrente, que entre as sucessivas verificações periódicas do mesmo alcoolímetro não pode decorrer mais de um ano ou seja, não podem decorrer mais de 365 dias contados dia a dia, é dar-lhe, ressalvado sempre o devido respeito, interpretação que ela, manifestamente, não comporta pois não tem na letra da lei um mínimo de correspondência verbal.

Desta forma, no que aos alcoolímetros quantitativos respeita, podemos fixar as seguintes regras:
- Estão sujeitos a uma verificação periódica anual, isto é, a realizar todos os anos civis (art. 7º, nº 2, do RCMA, aprovado pela Portaria 1556/2007, de 10 de Dezembro);
- Cada verificação periódica é válida até ao dia 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização (art. 4º, nº 5, do Dec. Lei nº 291/90, de 20 de Setembro).

Assim, tendo o alcoolímetro quantitativo, Drager 7110 MK III, com o qual foi o arguido submetido a exame de pesquisa de álcool, feito a verificação periódica em 17 de Março de 2010, quando em 3 de Junho de 2011 é efectuado aquele exame, estava a decorrer o período de validade da verificação, o qual só terminaria em 31 de Dezembro de 2011.
Logo, a valoração pelo tribunal a quo do resultado do exame não significou valoração de prova proibida nem determinou a verificação de qualquer nulidade, podendo e devendo ser valorada, como foi, nos termos dos arts. 125º e 127º, do C. Processo Penal.

4. Em síntese conclusiva do que antecede:
- Os alcoolímetros quantitativos estão sujeitos a uma verificação periódica anual;
- A verificação periódica é válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização;
- Tendo o aparelho Drager feito a verificação periódica em 17 de Março de 2010, o exame com ele efectuado em 3 de Junho de 2011 é, metrologicamente, válido pelo que, a sua consideração, no processo de formação da convicção do tribunal a quo, quanto à concreta TAS de que o arguido era portador, não implica nulidade de prova nem valoração de prova proibida.

Improcedem pois, as conclusões do recurso.
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III. DECISÃO


Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (arts. 513º, nº 1, do C. Processo Penal, e 8º, nº 5, do Regulamento das Custas Processuais e sua Tabela III).

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Heitor Vasques Osório (Relator)
Jorge Dias