Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2040/20.4T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: RECLASSIFICAÇÃO E REPOSICIONAMENTO SALARIAL
ASSISTENTES TÉCNICOS
CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Data do Acordão: 04/29/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 104.º DA LEI N.º 12-A/2008, DE 27-02
Sumário: I – Na reclassificação e reposicionamento salarial dos assistentes técnicos em contrato individual de trabalho dos Hospitais EPE inexiste qualquer lacuna que importe preencher.

II – A reclassificação e reposicionamento salarial destes assistentes é feita de acordo com os arts. 23.º e 33.º do IRCT aplicável (ACTs celebrados entre o Réu e outros e o STFPS, e o SINTAP, BTE n.º 23 de 22-06-2018) e art. 104.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27-02.

III – O princípio da igualdade não proíbe tratamentos diferenciados de situações distintas, implicando antes que se trate por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual, de modo que só haverá violação desse princípio se ocorrer tratamento diferenciado de situações essencialmente iguais.

IV – O princípio «a trabalho igual salário igual» impõe a igualdade de retribuição para trabalho igual em natureza, quantidade e qualidade, e a proibição de diferenciação arbitrária (sem motivo objetivo), ou com base em categorias discriminatórias (sexo, raça, idade e outras) destituídas de fundamento material.

Decisão Texto Integral:
Apelação 2040/20.4T8VIS.C1

Relator: Felizardo Paiva.

Adjuntos: Jorge Loureiro.

Paula Roberto.


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Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra

I – (i) AA, residente na Rua ..., ..., ..., V...; (ii) BB, residente na Rua ..., ..., V...; e (iii) CC, residente na Urbanização ..., V... instauraram a presente acção com processo comum contra:

- CENTRO HOSPITALAR ..., E.P.E., com sede na Avenida ..., V..., pedindo que o Réu seja condenado a pagar a:

a) AA a quantia de 59.806,24€ acrescida da diferença salarial que obteria no caso de estar correctamente posicionada, isto a título de subsidiações, horas de qualidade, trabalho extraordinário e outros suplementos remuneratórios, que constituem os créditos já vencidos nesta data, assim como deve proceder à conversão imediata do seu contrato de trabalho para Técnica Superior, pagando a remuneração mensal correspondente a tal escalão para o futuro, isto é, 1.573,99€ a título de créditos vincendos;

b) BB a quantia de 72.267,86€, acrescida da diferença salarial que obteria no caso de estar correctamente posicionada, isto a título de subsidiações, horas de qualidade, trabalho extraordinário e outros suplementos remuneratórios, que constituem os créditos já vencidos nesta data, assim como deve proceder à conversão imediata do seu contrato de trabalho para Técnica Superior, pagando a remuneração mensal correspondente a tal escalão para o futuro, isto é, 1.573,99€ a título de créditos vincendos;

c) CC a quantia de 79.654,05€, acrescida da diferença salarial que obteria no caso de estar correctamente posicionada, isto a título de subsidiações, horas de qualidade, trabalho extraordinário e outros suplementos remuneratórios, que constituem os créditos já vencidos nesta data, assim como deve proceder à conversão imediata do seu contrato de trabalho para Técnica Superior, pagando a remuneração mensal correspondente a tal escalão para o futuro, isto é, 1.573,99€, a título de créditos vincendos.

d) Os juros de mora já vencidos bem como dos juros de mora vincendos a partir da data da sua citação até efectivo e integral pagamento das quantias devidas.

Para fundamentarem os seus pedidos alegaram, em síntese, que se encontram há vários anos a exercer para o Réu funções inerentes a categoria superior àquela em que se encontram de facto inseridas, exercendo as funções de técnicas superiores, mas sendo remuneradas pela categoria profissional de assistentes técnicas e praticando um horário de 40 horas semanais, sendo que nunca tiveram a remuneração ajustada à categoria profissional que efectivamente exercem, ao contrário de outras colegas em situação análoga que auferem mensalmente € 1.569,28, sendo que as Autoras auferem apenas € 780,72.

As Autoras são licenciadas e possuem as habilitações académicas necessárias para a atribuição da categoria profissional de técnicas superiores, sendo que o Réu reconhece que efectivamente as Autoras desempenham funções que correspondem a funções de um técnico superior, sendo que não as reclassifica devido a parecer desfavorável da ARS, no entanto, não existe nenhuma razão válida para que o Réu não regularize a situação.

As Autoras exercem as mesmas funções que outras trabalhadoras do Réu que estão classificadas como técnicas superiores, designadamente a DD e a EE, sendo que ambas auferem a retribuição mensal de € 1.569,28 indexada a 40 horas semanais. Invocam assim que existe violação do princípio de trabalho igual salário igual, devendo o Réu corrigir tal situação. Invocam ainda que ao contrário do referido no parecer desfavorável emitido pela ARS Centro a sua situação não configura qualquer mobilidade funcional. Assim, deve o Réu proceder à sua reclassificação e pagar-lhe as diferenças salariais correspondentes, nos termos e pelos montantes peticionados.


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Na audiência de partes, não se logrou a composição amigável do litígio e, notificado o réu, apresentou este contestação alegando em síntese, tal como também consta da sentença recorrida, que as Autoras foram contratadas ao abrigo de contratos individuais de trabalho, os quais reflectem o acordo das partes quanto a todos os aspectos da relação laboral, sendo que na altura a designação dadas às funções das Autoras foi de assistentes técnicas, sendo essa a designação que ainda se mantém.

Tal designação foi aposta por mera facilidade de tratamento de dados mas não correspondia a qualquer categoria consagrada em instrumento de regulação colectiva que fosse aplicável à relação laboral.

O Réu insere-se no sector público empresarial tendo trabalhadores nomeados como funcionários públicos e trabalhadores contratados por contrato individual de trabalho, sendo que estes não detêm a qualidade de funcionários públicos, nem de agentes administrativos.

Assim, existem assistentes técnicos com contrato em funções públicas e assistentes técnicos com contrato individual de trabalho, estando estes sujeitos ao Código do Trabalho e respectiva legislação especial.

Em 2008, foram pulicados diplomas definindo a estrutura da carreira e as regras de progressão dos assistentes técnicos em funções públicas, o que não aconteceu com os assistentes técnicos com regime de contrato individual de trabalho, inexistindo qualquer instrumento legal ou convencional que regulasse a estrutura e progressão na carreira e estatuto remuneratório, pelo que nada obrigava o Réu a proceder a qualquer modificação da remuneração ou posição na carreira das Autoras.

Tal situação só foi alterada em 2018, quando foram publicados Acordos Colectivos de Trabalho a regular a carreira dos assistentes técnicos com contrato individual de trabalho, os quais foram celebrados entre o Réu e outros e o STFPS e o SINTAP e outros, sendo que as Autoras não invocam a sua condição de sindicalizadas para se lhes aplicar tais instrumentos de regulação colectiva, sendo certo que mesmo nos termos destes acordos a progressão e reposicionamento remuneratório depende de avaliação do desempenho.

Alega ainda que não existe qualquer tratamento discriminatório, uma vez que a situação das trabalhadoras DD e EE não é idêntica à das Autoras.


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II – Dispensada a realização da audiência prévia, prosseguiram os autos a sua tramitação sem fixação do objecto do processo e sem enunciação dos temas de prova acabando, a final, por ser proferida sentença de cujo dispositivo consta o seguinte:

“Por tudo o exposto e ao abrigo das disposições legais citadas, julga-se a presente acção parcialmente procedente e em consequência condena-se o Réu CENTRO HOSPITALAR ..., E.P.E. a:

a) proceder à reclassificação da Autora AA para a categoria de Técnica Superior, com efeitos desde 15-12-2020 (data da sua sindicalização, com a retribuição correspondente à 1ª posição dessa categoria (11º nível) em vigor em 2020 no montante de € 998,50 (novecentos e noventa e oito euros e cinquenta cêntimos), com as respectivas actualizações, e a pagar-lhe a título de diferenças salariais vencidas até à presente data 30-07-2021, nos termos supra expostos, o montante global de € 1.960,02 (mil novecentos e sessenta euros e dois cêntimos), acrescida das diferenças salariais com base na referida remuneração mensal a título de subsidiações, horas de qualidade, trabalho extraordinário e outros suplementos remuneratórios, que constituem os créditos já vencidos nesta data, pagando a referida remuneração mensal correspondente a tal escalão para o futuro, quantias essas acrescidas de juros de mora à taxa legal de 4% desde o vencimento de cada retribuição mensal até integral pagamento.

b) proceder à reclassificação da Autora BB para a categoria de Técnica Superior, com efeitos desde 30-12-2019 (data da sua sindicalização, com a retribuição correspondente à 1ª posição dessa categoria (11º nível) em vigor em 2019 no montante de € 995,51 (novecentos e noventa e cinco euros e cinquenta e um cêntimos) actualizada em 2020 para o montante de € 998,50 (novecentos e noventa e oito euros e cinquenta cêntimos), com as respectivas actualizações, e a pagar-lhe a título de diferenças salariais vencidas até à presente data 30-07-2021, nos termos supra expostos, o montante global de €4.798,32 (quatro mil setecentos e noventa e oito euros e trinta e dois cêntimos), acrescida das diferenças salariais com base na referida remuneração mensal a título de subsidiações, horas de qualidade, trabalho extraordinário e outros suplementos remuneratórios, que constituem os créditos já vencidos nesta data, pagando a referida remuneração mensal correspondente a tal escalão para o futuro, quantias essas acrescidas de juros de mora à taxa legal de 4% desde o vencimento de cada retribuição mensal até integral pagamento.

c) proceder à reclassificação da Autora CC para a categoria de Técnica Superior, com efeitos desde Outubro de 2019 (data da sua sindicalização, com a retribuição correspondente à 1ª posição dessa categoria (11º nível) em vigor em 2019 no montante de € 995,51 (novecentos e noventa e cinco euros e cinquenta e um cêntimos) actualizada em 2020 para o montante de € 998,50 (novecentos e noventa e oito euros e cinquenta cêntimos), com as respectivas actualizações, e a pagar-lhe a título de diferenças salariais vencidas até à presente data 30-07-2021, nos termos supra expostos, o montante global de €5.650,32 (cinco mil seiscentos e cinquenta euros e trinta e dois cêntimos), acrescida das diferenças salariais com base na referida remuneração mensal a título de subsidiações, horas de qualidade, trabalho extraordinário e outros suplementos remuneratórios, que constituem os créditos já vencidos nesta data, pagando a referida remuneração mensal correspondente a tal escalão para o futuro, quantias essas acrescidas de juros de mora à taxa legal de 4% desde o vencimento de cada retribuição mensal até integral pagamento.

d) absolve-se o Réu dos restantes pedidos contra ele formulados pelas Autoras.


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III – Não se conformando com esta decisão dela a autora AA veio apelar, alegando e concluindo:

I. O presente recurso tem como objecto a incorrecta aplicação do Direito aos factos dados como provados.

II.I. MATÉRIA DE FACTO

II. Da decisão vertida na douta sentença do Tribunal a quo, resultou como provado, aliás, por acordo das partes, que:

(dá-se por reproduzida a matéria de facto dada por provada infra descrita)

II.II MATÉRIA DE DIREITO

II.II.I – DOS ERROS DE INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DE DIREITO PELO TRIBUNAL “A QUO”:

Com base nestes factos provados, por acordo, o tribunal “a quo” declarou a acção improcedente em parte;

III. Com duas petições de princípio que, salvo o devido respeito, consubstanciam errada interpretação e aplicação da lei.

IV. A primeira petição de princípio é que a Autora pretende ser equiparada a nível remuneratório a outras trabalhadoras do Recorrido, sem qualquer fundamento para o efeito.

V. Quando a Autora pretende e defendeu a aplicação de normas legais que conferem direitos constitucionalmente protegidos dos trabalhadores – artigo 59º da Constituição da República Portuguesa, vide artigo 24º e 270º do Código do Trabalho.

VI. A segunda petição de princípio é a errada aplicação no tempo dos ACT’s publicados no BTE nº 23 de 22 de Junho de 2018, bem como a completa derrogação da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, em especial do artigo 38º/7.

VII. Concluindo-se que os ACT’s apenas poderão ser aplicados à Recorrente a partir do momento em que a mesma se sindicalizou.

VIII. E que a Recorrente teria que auferir um vencimento correspondente à 1.ª posição remuneratória da carreira de Técnico Superior.

IX. O que, salvo o muito e devido respeito, é uma conclusão absurda.

X. Deixaremos, portanto, algumas notas sobre estas duas petições de princípio que tornam totalmente errada, em nosso entender, a decisão do tribunal “a quo”.

XI. Quanto ao primeiro erro de interpretação, a alínea a) do número 1 do artigo 59º da Constituição da República Portuguesa é clara quando nos indica que “Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito: a) À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna;”

XII. Pelo que, perante a evidência de que diferentes trabalhadoras exercem as mesmas funções, na mesma quantidade, natureza e qualidade, a conclusão deveria ser apenas e só uma – a de que devem auferir a mesma retribuição.

XIII. E essa evidência ficou provada.

XIV. Provou-se que a Recorrente exercia funções de Técnica Superior desde Dezembro de 2013, nomeadamente funções consultivas, de estudo, planeamento, programação avaliação e aplicação de métodos e processos de natureza técnica e/ou científica, assim como confere os lançamentos do processamento de vencimentos.

XV. Exercendo as suas funções com total independência e autonomia.

XVI. Tal e qual como as duas trabalhadoras já identificadas.

XVII. Apenas não sendo remunerada da mesma forma.

XVIII. Pelo que se encontra em causa a violação por parte do Recorrido do princípio da igualdade na sua vertente de “trabalho igual salário igual”.

XIX. Atenta a discriminação salarial entre a Recorrente e as trabalhadoras DD e EE.

XX. Pese embora as funções e a categoria profissional entre as trabalhadoras e a Recorrente sejam idênticas.

XXI. O princípio constitucional invocado implica a inadmissibilidade de um tratamento salarial diferenciado por vários factores, entre eles um critério puramente subjectivo.

XXII. No entanto, é isso que está em causa, a remuneração de forma completamente arbitrária.

XXIII. Sem ter em conta as funções exercidas pela Recorrente há vários anos, e que o próprio Recorrido reconhece como sendo as de um Técnico Superior.

XXIV. Mas não efectuando o pagamento da remuneração devida pelo exercício de tal categoria profissional.

XXV. E que a Recorrente exerce desde Dezembro de 2013.

XXVI. Como se afirma na sentença por determinação do Réu e em seu beneficio.

XXVII. Pelo que se impõe a correcção desta desigualdade, e permitam-nos, injustiça!

XXVIII. Uma vez que a Recorrente não vê o seu trabalho, o seu esforço e sua dedicação recompensados.

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XXIX. Quando ao segundo erro de interpretação, deve ter-se em conta que a Lei do Orçamento de Estado para 2018, no artigo 23º estendeu os efeitos a todos os trabalhadores do sector público empresarial (como é o caso da Autora) desde que existam ACT’s e nos termos previstos nesses ACT’s.

XXX. A Lei do Orçamento de Estado para 2018 entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2018 (artigo 333º dessa Lei).

XXXI. Pelo que, também nessa data, entraram em vigor (face à produção de efeitos expressamente consensualizada) os ACT’s publicados no BTE nº 23, de 22 de Junho de 2018.

XXXII. Aplicando-se a todos os trabalhadores do sector público empresarial, independentemente da sua sindicalização (sublinhado nosso).

XXXIII. Sendo que esses mesmos ACT’s, na respectiva cláusula 23.ª, impõe a equiparação entre os trabalhadores em Contrato Individual de Trabalho e os trabalhadores com contrato de trabalho em Funções Públicas para efeitos da alteração do posicionamento remuneratório.

XXXIV. Como premissa a uniformização de regime, a interpretação sistemática das disposições legais só nos pode levar à equiparação na avaliação, progressão e posicionamento remuneratório.

XXXV. E aplicando-se, e bem, esta disposição, a Recorrente nunca poderia auferir o correspondente à 1.ª posição remuneratória, por tal ser expressamente proibido por lei, vide artigo 38º/7 da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho – “O empregador público não pode propor a primeira posição remuneratória ao candidato que seja titular de licenciatura ou de grau académico superior quando esteja em causa o recrutamento de trabalhador para posto de trabalho com conteúdo funcional correspondente ao da carreira geral de técnico superior.”

XXXVI. Pelo que a Recorrente terá sempre direito a ser considerada Técnica Superior, auferindo o rendimento correspondente à 2.ª posição remuneratória, por força da aplicação dos ACT’s publicados no BTE nº 23, de 22 de Junho de 2018, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2018.

XXXVII. Conjuntamente com o artigo 38º/7 da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho.

XXVIII. Pois que uma interpretação das normas distinta da acima exposta viola por completo os preceitos elencados.

XXXIX. E uma decisão contrária, implica uma derrogação expressa das leis e normativos legais invocados.

XL. Devendo, da mesma forma, considerar-se ainda a aplicação análoga da mencionada Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, atenta a lacuna do Código do Trabalho.

XLI. Lançando-se mão do artigo 10º do Código Civil, pois apesar do vínculo de contratação em causa ser diferente, as funções de um Técnico Superior com vínculo de emprego público, a exercer funções numa EPE não diferem.

XLII. Pelo que se poderia sempre recorrer à analogia perante um caso omisso como o da Recorrente.

XLIII. Que exerce funções de Técnico Superior desde Dezembro de 2013.

XLIV. Mas só viu a sua situação regulada com a celebração dos ACT’s publicados em 2018, e que vieram, efectivamente, concretizar e aplicar o regime da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.

II.III. DAS QUANTIAS DEVIDAS

XLV. Assim, considerando-se procedente a tese explanada supra, deve terse a subsunção da mesma à realidade da Autora, aqui Recorrente.

XLVI. Desde Dezembro de 2013 que a Recorrente exerce as funções de Técnica Superior, não auferindo a remuneração correspondente a tal.

XLVII. Sendo essa remuneração auferida por outras trabalhadoras do Recorrido, com funções de natureza, qualidade e quantidade idênticas.

XLVIII. Pelo que deverá ser essa a remuneração a ser auferida pela Autora para o futuro.

XLIX. E também para o passado, pelo que a Recorrente terá sempre direito a receber, a título de retroactivos, 59.806,24€ (cinquenta e nove mil, oitocentos e seis euros e vinte e quatro cêntimos) a título de retroactivos.

L. Que corresponde à diferença entre os valores recebidos pela Recorrente e os valores pagos pelo Recorrido às trabalhadoras DD e EE.

LI. E se tal não se entender, e por mera cautela de patrocínio se dirá que a aqui Recorrente também não se poderá conformar com a decisão do Tribunal a quo.

LII. Pois esta, e conforme indicado supra, desvalorizaram vários preceitos legais.

LIII. Pelo que, subsidiariamente e pelo menos, terá a Recorrente direito, a título de retroactivos, ao montante de 13.047,34€ (treze mil, e quarenta e sete euros e trinta e quatro cêntimos).

LIV. Valor que corresponde à diferença do montante que efectivamente deveria ter recebido desde 1 de Janeiro de 2018.

LV. Bem como todos os valores que vierem a ser apurados até decisão final.

LVI. Além passar a ser remunerada como tal de ora em diante.

Nestes termos, e nos melhores de direito que V. Exas. suprirão, deve o presente recurso ser considerado procedente por provado e, em consequência, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que condene o Réu, aqui Recorrido a pagar à Recorrente:

a) a quantia de 59.806,24€ (cinquenta e nove mil, oitocentos e seis euros e vinte e quatro cêntimos), acrescida da diferença salarial que obteria no caso de estar correctamente posicionada, isto a título de subsidiações, horas de qualidade, trabalho extraordinário e outros suplementos remuneratórios, que constituem os créditos vencidos nesta data, assim como deve proceder à conversão imediata do seu contrato de trabalho para Técnica Superior, pagando a remuneração mensal correspondente a tal escalão para o futuro, isto é, de 1.573,99€ (mil, quinhentos e setenta e três euros e noventa e nove cêntimos) a título de créditos vincendos;

E ainda, deve o Réu:

b) Ser condenado ao pagamento dos juros de mora já vencidos bem como dos juros de mora vincendos a partir da data da sua citação até efectivo e integral pagamento das quantias devidas;

c) Ser o réu condenado nas custas e demais despesas da presente acção judicial. Subsidiariamente, caso não se entenda que a Recorrente tem direito a auferir o salário acima identificado, o que só se aqui se põe em hipótese por mera cautela de patrocínio, deve considerar-se que a decisão do Tribunal “a quo” padece de um grave erro e ser o Réu condenado a pagar à Recorrente:

a) a quantia de 13.047,34€ (treze mil, e quarenta e sete euros e trinta e quatro cêntimos), acrescida da diferença salarial que obteria no caso de estar correctamente posicionada, isto a título de subsidiações, horas de qualidade, trabalho extraordinário e outros suplementos remuneratórios, que constituem os créditos vencidos nesta data, assim como deve proceder à conversão imediata do seu contrato de trabalho para Técnica Superior, pagando a remuneração mensal correspondente à segunda posição remuneratória para o futuro, isto 239 de 1020 59/60 é, de 1.205,08€ (mil, duzentos e cinco euros e oito cêntimos) a título de créditos vincendos;

E ainda, deve o réu:

b) Ser condenado ao pagamento dos juros de mora já vencidos bem como dos juros de mora vincendos a partir da data da sua citação até efectivo e integral pagamento das quantias devidas;

c) Ser o réu condenado nas custas e demais despesas da presente acção judicial.


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Contra alegou o recorrido, concluindo:

(…).


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O Exmº PGA emitiu parecer no sentido da confirmação da sentença impugnada.

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IV – A 1ª instância considerou provada a seguinte matéria:

1- A Autora AA foi admitida ao serviço do Réu em 02 de Maio de 2007, para exercer as funções de Técnica Administrativa, por contrato escrito de trabalho por tempo indeterminado, nos termos constantes do doc. 9 junto com a petição inicial de fls. 31 verso a 32 verso dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

2- Tal Autora encontra-se a exercer as funções discriminadas nos documentos nºs 2, 10 e 11 juntos com a petição inicial e constantes de fls. 22 verso a 23 e 33 a 36 verso dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

3- A mesma foi integrada na equipa coordenada pela Técnica Superior, Dra. FF, no sector de vencimentos, em Setembro de 2013.

4- Passando, no mês de Dezembro do mesmo ano, a substituir a sua coordenadora, Dra. FF, por baixa médica desta.

5- Exercendo desde então as funções de responsável do sector.

6- Ou seja, exerce diariamente nomeadamente funções consultivas, de estudo, planeamento, programação avaliação e aplicação de métodos e processos de natureza técnica e/ou científica, assim como confere os lançamentos do processamento de vencimentos.

7- Tendo ainda, desde Janeiro de 2018, sido encarregada de corrigir e submeter mensalmente a declaração mensal de remunerações (tarefa esta que era anteriormente realizada por um colaborador externo).

8- Tais funções são exercidas pela Autora com total independência e autonomia.

9- A Autora nunca foi remunerada de acordo com a categoria de Técnica Superior, mas apenas como Assistente Técnica.

10- No entanto, o próprio Director dos ..., o Sr. Dr. GG, em várias comunicações efetuadas para o Conselho de Administração do Réu, para além de reconhecer a importância da Autora e da sua actividade ser a correspondente às funções de Técnica Superior, dizendo ipsis verbis que a Autora “tem desempenhado funções de Técnica Superior” e que o seu contrato “celebrado como Assistente Técnica não corresponde ao exercício das funções que desde há alguns anos desempenha” , conforme doc.12 junto com a petição inicial, constante de fls. 37 a 37 verso dos autos.

11- Refere também que a mesma deveria ser “reconhecida e recompensada”, porém, tal nunca veio a acontecer.

12- As funções exercidas pela Autora foram determinadas pelo Réu de cujo exercício beneficia.

Da Autora BB.

13- A Autora BB foi admitida ao serviço do Réu em 14 de Julho de 2008, para exercer as funções de Técnica Administrativa, por contrato escrito de trabalho a termo incerto, tendo posteriormente em 08-11- 2011 celebrado contrato escrito de trabalho por tempo indeterminado para exercer as funções de Assistente Técnica, nos termos constantes do doc. 14 junto com a petição inicial de fls. 38 verso a 40 verso dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

14- Tal Autora encontra-se a exercer as funções discriminadas nos documentos nºs 3 ,15 e 16 juntos com a petição inicial e constantes de fls. 23 verso a 24 e 41 a 42 verso dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

15- Desde Junho de 2012, altura em que, após licença de parentalidade, retomou o serviço do ..., tendo vindo a exercer funções de preparação, planeamento, organização e aplicação de métodos.

16- Estas funções prendem-se, essencialmente, com a realização de mapas para entidades internas e tutelares externas.

17- Foi manifestado interesse, por parte dos órgãos competentes do Réu, no sentido de integrar a aqui autora na área do aprovisionamento, função que também se integra na categoria funcional de Técnico Superior.

18- Tendo em conta que a sua transferência para o novo serviço não foi acautelada a Setembro de 2019, foi esta reintegrada no serviço anterior, exercendo exactamente as tarefas anteriormente desenvolvidas.

19- A Autora nunca foi remunerada de acordo com a categoria de Técnica Superior, mas apenas como Assistente Técnica.

20- Tais funções são exercidas pela Autora com total independência e autonomia, sendo sempre realizadas com grande brio e empenho, zelando sempre pelo interesse público.

21- As funções exercidas pela Autora foram determinadas pelo Réu de cujo exercício beneficia.

Da Autora CC

22- A Autora CC foi admitida ao serviço do Réu em 13 de Março de 2008, para exercer as funções de Técnica Administrativa, por contrato escrito de trabalho por tempo indeterminado, nos termos constantes do doc. 17 junto com a petição inicial de fls. 43 a 44 autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

23- Tal Autora encontra-se a exercer as funções discriminadas nos documentos nºs 4 e18 juntos com a petição inicial e constantes de fls. 24 verso a 25 e 44 verso a 47 dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

24- Desde Fevereiro de 2013, altura em que ficou responsável pela Gestão da Plataforma ... (Facturação Hospitalar às Seguradoras), na área dos Serviços Financeiros, desempenhando assim funções com grande responsabilidade e completa autonomia técnica.

25- Isto, para além de todas as funções que já exercia anteriormente, como Assistente Técnica.

26- Tendo sido aumentada a sua carga de trabalho e responsabilidade de um momento para o outro.

27- No entanto, não recusou tal aumento de trabalho e tem prestado um trabalho de grande excelência.

28- Tais funções são exercidas pela Autora com total independência e autonomia.

29- A Autora nunca foi remunerada de acordo com a categoria de Técnica Superior, mas apenas como Assistente Técnica

30- As funções exercidas pela Autora foram determinadas pelo Réu de cujo exercício beneficia.

31- As Autoras auferem a retribuição mensal de € 780,72, remuneração associada à prática de horário de trabalho de 40 horas semanais pela categoria de Assistentes Técnicas.

32- Através de ofícios submetidos pelo Sr. Dr. GG, Director de ..., datados de 2 de Abril de 2019 foi comunicado ao Conselho de Administração do Réu que em face das funções exercidas pelas Autoras deveria ser alterada a sua categoria de Assistente HH, conforme doc. 2, 3 e 4 juntos com a petição constantes de fls. 22 verso a 25 dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

33- Neste ofício é reconhecido, não só que as Autoras são completamente elegíveis para a atribuição da categoria profissional de Técnicas Superiores, nomeadamente por deterem as habilitações académicas necessárias para o efeito.

34- Como também se reconhece que as mesmas vêm desempenhando funções que correspondem a funções de um Técnico Superior.

35- Reconhecimento esse que decorre igualmente do pedido efetuado pelo Réu no sentido de obter autorização superior para a conversão dos contratos dos trabalhadores cuja situação se inseria no contexto das Autoras.

36- Foi posteriormente comunicado aos aludidos trabalhadores, incluindo às Autoras, a 19 de Setembro de 2019, que o Réu teria sido informado da emissão por parte da ARS Centro de um parecer desfavorável à referida solicitação conforme docs. 5, 6 e 7 juntos com a petição e constantes de fls. 25 verso a 26 verso dos autos.

37- A ARS Centro, fundamentou a decisão com base no número 5 do artigo 120.º do Código de Trabalho e ainda, defendendo que as necessidades de pessoal devem ser feitas através de recrutamento.

38- Insatisfeitas com tais circunstâncias, as Autoras remeteram ao Conselho de Administração do Réu, uma comunicação que consistia na requisição da correcção da situação, comunicando as razões de facto e de direito que justificavam o aludido requerimento, que ia no sentido da colocação das mesmas no estatuto remuneratório legalmente devido conforme documento nº 8 junto com a petição e constante de fls. 27 a 31 dos autos que aqui se dá por reproduzido.

39- O Réu, no entanto, não deu qualquer resposta a tal comunicação.

40- As Autoras exercem idênticas funções, no mesmo horário de 40 horas semanais e com a mesma produtividade e mesma qualidade das trabalhadoras DD e EE.

41- As Autoras detêm o mesmo grau de responsabilidade de tais trabalhadoras, a mesma autonomia e independência técnica, o mesmo empenho e produtividade e a mesma satisfação pelo Réu quanto ao desempenho das Autoras e dessas trabalhadoras.

42- As referidas trabalhadoras DD e EE inicialmente exerceram funções de Assistentes Administrativas no regime da função pública, tendo posteriormente passado para o regime de contrato individual de trabalho para exercerem as funções de Técnicas Superiores.

43- A trabalhadora DD exerce funções de Técnica Superior no departamento de estatística.

44- Exercia e exerce, tal como as Autoras, funções de análise, planeamento, programação, avaliação e aplicação de processos de natureza técnica de elevada importância, com um horário de trabalho de 40 horas semanais, ao abrigo de um contrato individual de trabalho.

45- Aufere no exercício dessas funções, nesse horário de trabalho, porque lhe foi atribuída a categoria de Técnica Superior o salário de € 1.569,28.

46- A trabalhadora EE também exerce funções de Técnica Superior, na biblioteca.

47- Funções essas que já exerce há variados anos, não se limitando, já desde essa altura, ao exercício exclusivo de funções associadas à categoria de Assistente Técnica, pois já detinha como continuar a deter, nomeadamente, total autonomia na gestão de tal departamento.

48- Apesar de exercer tais funções durante vários anos, apenas em 2009 é que lhe foi proposta a transição para Técnica Superior, tendo sido necessária a conversão do seu Contrato de Trabalho em Funções Públicas para Contrato Individual de Trabalho.

49- A Autora AA é responsável no sector de vencimentos, encontrando-se ali a exercer as funções referidas no nº 2, desde Dezembro de 2013.

50- A Autora AA esteve ausente do serviço por baixa médica entre Agosto de 2016 e Abril de 2017.

51- A Autora BB exerce funções no departamento ..., sendo que desde Julho de 2012 que exerce as funções referidas no nº 14, designadamente executando funções de preparação, planeamento, organização e aplicação de métodos.

52- A Autora BB esteve ausente do serviço por baixa médica entre Maio e Fevereiro de 2017 e Julho e Agosto de 2019.

53- A Autora CC é a responsável pela Gestão da Plataforma ... (...), na área dos ..., encontrando-se ali a exercer as funções referidas no nº 23, desde Fevereiro de 2013.

54- Os contratos individuais de trabalho celebrados com as Autoras e referidos nos nºs 1, 13 e 22, reflectem o acordo das partes quanto a todos os aspectos da relação laboral no momento da admissão das Autoras.

55- A designação que foi dada às funções das Autoras de Assistentes Técnicas ainda hoje se mantem, como consta dos recibos de vencimento juntos aos autos

56- Em tais contratos consta que na data da sua celebração “não existem instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho especificamente aplicáveis às relações de trabalho que o Hospital mantém com os respectivos trabalhadores.

57- O Réu insere-se no sector público empresarial, sendo que a existência de trabalhadores com Contrato Individual de Trabalho (CIT) no sector empresarial do Estado vem, pelo menos, desde 1989. 58- Nesse ano foram publicados o Decreto-Lei 184/89, de 2 de Junho e o Decreto-Lei 427/89, de 7 de Dezembro.

59- O primeiro estabelecia os princípios gerais em matéria de emprego público, remunerações e gestão de pessoal da função pública, e o segundo - na continuidade daquele - veio “desenvolve(r) e regulamentar os princípios a que obedece a relação jurídica de emprego na Administração Pública”.

60- Resultava desses diplomas que a relação jurídica de emprego com um ente público se podia constituir por nomeação ou por contrato de pessoal, sendo que este contrato de pessoal, podia ser um contrato de provimento, ou um contrato de trabalho, em qualquer das suas modalidades.

61- No entanto, só a nomeação conferia a qualidade de funcionário público e só o contrato administrativo de provimento conferia a qualidade de agente administrativo.

62- Dizia o art. 2º daquele Decreto-lei 184/89, de 2 de Junho que: 1 - Aos contratos de trabalho celebrados por pessoas colectivas públicas é aplicável o regime do Código do Trabalho e respectiva legislação especial, com as especificidades constantes da presente lei. 2- O contrato de trabalho com pessoas colectivas públicas não confere a qualidade de funcionário público ou agente administrativo, ainda que estas tenham um quadro de pessoal em regime de direito público.

63- Assim os Assistentes Técnicos contratados por pessoas coletivas públicas ao abrigo deste regime de CIT não detinham “a qualidade de funcionário público” nem a de “agente administrativo”.

64- Isto isso fazia (e faz) com que, no universo dos técnicos contratados por pessoas colectivas públicas, haja duas situações distintas em termos de regime jurídico de contratação: i. a dos Assistentes Técnicos com contrato em funções públicas; i ii. e a dos Assistentes Técnicos com contrato individual de trabalho, sujeito ao “regime do Código do Trabalho e respectiva legislação especial”.

65- Em 2008, foram publicados diplomas definindo a estrutura da carreira e as regras de progressão para os Assistentes Técnicos em funções públicas (a Lei 12- A/2008, de 27 de Fevereiro), bem como o seu estatuto remuneratório (o Decreto Regulamentar 14/2008 de 31 de Julho).

66- E a partir daí os Assistentes Técnicos em funções públicas passaram a ter uma carreira definida, com categorias funcionais também definidas, regras de progressão e um estatuto remuneratório pelo qual passaram a reger-se.

67- Na sequência de uma solicitação da ... foram elaboradas as informações constantes dos documentos nº 11, 16 e 18 juntos com a petição inicial (fls. 34 a 36 verso, 42 a 42 verso e 44 verso a 47 dos autos), na expectativa de que iriam ser criadas regras que levassem à modificação da situação das Autoras,

68- Não obstante o Réu ser uma pessoa colectiva de direito público de natureza empresarial dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, está vinculado aos poderes de superintendência e tutela sectorial e financeira dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da saúde e das finanças, tal como previsto no Decreto-Lei nº 18/2017 de 10 de Fevereiro.

69- Por isso, o Réu indagou se deveria alterar a situação das Autoras, mas a tutela não autorizou essa alteração.

70- Nessa recusa invocou dois argumentos: a) que a alteração não era imposta pela lei do trabalho, porque o nº 5 do art. 120º do C. Trabalho a não previa; b) que a satisfação de necessidades de pessoal deveriam ser supridas pela via de concurso.

71- Só em Junho de 2018, para vigorar a partir de 01 de Julho, foram publicados Acordos Colectivos de Trabalho a regular a carreira dos Assistentes Técnicos em CIT.

72- Tratam-se dos dois Acordos Colectivos de Trabalho celebrados entre o Réu e outros e o STFPS, e o SINTAP e outros, que foram objecto de publicação simultânea no BTE nº 23 de 22 de Junho de 2018, e cujas redacções são inteiramente coincidentes.

73- Nesses Acordos estabeleceu-se que a estrutura de carreira dos senhores Técnicos em CIT seria igual à que tinha sido definida no art. 49º da Lei 12-A/2008 para os técnicos em função pública (cfr. cláusula 3ª).

74- Estabeleceu-se que “A retribuição mensal base (…) é determinada (…) de harmonia com a tabela remuneratória aplicável aos trabalhadores com vínculo de emprego público (…)” (cláusula 23ª).

75- Determinou-se o reposicionamento remuneratório dos técnicos de acordo com “(…) o regime previsto no artigo 104.º da Lei 12-A/2008, de 27 de fevereiro (…)” (cláusula 33ª/1) e em função da sua avaliação do seu desempenho (cfr. cláusula 10ª).

76-Determinou-se que o período normal de trabalho também passaria a ser “(…) o previsto na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP) aplicável a trabalhadores com vínculo de emprego público, integrados em carreiras gerais” (cláusula 11ª/1) e que a transição para aquele período de trabalho poderia implicar uma redução do número de horas de trabalho a prestar pelos trabalhadores em CIT (cl. 32ª/2 e ss).

77-E por fim, estabeleceu-se que as mudanças de categoria seriam feitas mediante procedimento concursal, cujas regras também foram definidas (cfr. cláusula 8ª).

78- As trabalhadoras DD e EE tinham sido trabalhadoras em funções públicas durante vários anos antes da sua contratação em CIT.

79- Concretamente a DD desde 1997 e a EE desde 1981, conforme termos de posse constantes de fls 76 a 76 verso (doc.s nºs 1 e 2 juntos com a contestação.

80- E em 2009 - tendo ambas pedido a sua exoneração de funções públicas, nos termos então previstos no DL 233/05 de 29.12 - foram contratadas por CIT, tudo conforme contratos constantes de documentos de fls. 77 a 79 verso dos autos (docs. 3 e 4 juntos com a contestação).

81-Quando foram contratadas em CIT, já o foram com a remuneração que hoje auferem.

82- Não houve qualquer progressão na carreira, mas uma alteração do vínculo e uma negociação entre as partes, que teve em conta a sua experiência anterior 83- Quando foram contratadas as Autoras não tinham experiência anterior.

84- A Autora II é sócia da Associação do Pessoal Administrativo da Saúde (ASPAS) desde 15 de Dezembro de 2020, conforme documento de fls. 93 que aqui se dá por reproduzido.

85- A Autora BB é associada do Sindicato dos Trabalhadores em Funções Publicas e Sociais do Centro desde 30 de Dezembro de 2019, conforme documento de fls. 94 que aqui se dá por reproduzido.

86- A Autora CC é sócia do SINTAP – Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública e de Entidades Com Fins Públicos desde Outubro de 2019, conforme documento de fls. 95 que aqui se dá por reproduzido.


+

Factos não provados:

Não se provou qualquer outro facto com interesse para a decisão, designadamente:

- da petição inicial a demais matéria constante dos artºs 9, 22º, 28º, 38º, 54º, 66º, 74º, 110º, 111º e 146º que não consta dos factos provados, sendo que os artºs 1º a 8º, 26º (demais matéria que não consta dos factos provados), 33º, 34º, 35º, 43º, 45º (demais matéria que não consta dos factos provados), 47º a 51º, 60º (demais matéria que não consta dos factos provados), 62º a 64º, 67º, 87º a 109º, 112º a 145º, 147º, 148º (demais matéria que não consta dos factos provados), 149º a 151º, 153º, 154º, 156º a 159º, 161º e 162º contêm apenas matéria de impugnação, conclusiva ou de direito.

- da contestação não se provou a demais matéria que consta dos artºs 5º, 6º, 8º, 27º, 28º, 29º, 49º e 61º que não consta dos factos provados, sendo que os artigos artºs 1º, 2º, 21º a 25º, 33º a 39º, 47º, 48º, 50º a 55º, 63º e contêm apenas matéria de mera impugnação, conclusiva ou de direito.


***

V[1] - Conforme decorre das conclusões da alegação da recorrente que, como se sabe, delimitam o objecto do recurso, as questões a decidir podem equacionar-se do seguinte modo:

1. Data a partir da qual deve a autora se reclassificada como Técnica Superior.

2. Posição remuneratória que deve ser atribuída à autora após reclassificação.

3. Violação do princípio da igualdade na vertente “para trabalho igual salário igual”.

Da reclassificação profissional da autora.

A autora encontra-se vinculada ao réu através de contrato individual de trabalho (CIT) desde 02.05.2007 com a categoria profissional de técnica administrativa.

Pretende ser reclassificada como Técnica Superior desde Dezembro de 2013 uma vez que, segundo alega, desde essa data, passou a exercer as funções correspondentes a essa categoria, sendo-lhe devido o pagamento das diferenças salariais decorrentes dessa reclassificação.

O tribunal a quo entendeu que essa reclassificação, considerando que a autora se encontrava vinculada contratualmente através de CIT, apenas ocorreu após entrada em vigor da regulamentação colectiva saída em 2018 e, mais precisamente, com a sua sindicalização na medida em que, só a partir da data desta sindicalização a regulamentação colectiva publicada lhe passou a ser aplicável.

A autora contrapõe que face à matéria provada, resulta que desempenhava funções de técnica superior desde 2013.

Ora se, actualmente, nos Hospitais EPE, as carreiras do regime geral (Técnicos Superiores, Assistentes Técnicos e Assistentes Operacionais), a contratação de pessoal é efectuada, somente, através de contratos individuais de trabalho, no passado, a única realidade era a contratação para o exercício de funções públicas.

Como as funções de um técnico superior com vínculo de emprego público não diferem daquelas desempenhadas por um trabalhador sem esse vínculo, deverá recorrer-se à analogia, perante um caso omisso como é o presente.

Nesta sequência argumenta ainda que, se a fonte principal de regulamentação para a contratação de pessoal é o Código de Trabalho, e este não define determinados conceitos, nomeadamente inter carreiras ou categorias profissionais, existe uma lacuna no Código do Trabalho, pelo que dever-se-á fazer uso da integração de lacunas, lançando mão de norma aplicável aos casos análogos, ou seja, às normas que regem o trabalho em funções públicas, reconhecendo o desempenho de funções de Técnica Superior desde Dezembro de 2013.

Decidindo:

Conforme a própria reconhece, a autora não tem a qualidade de funcionário público (v. artº 92º das alegações).

Também por todos é reconhecido que no sector empresarial do Estado, no qual se incluem os Hospitais EPE, há trabalhadores em funções públicas, ou seja, com vínculo de emprego público e outros vinculados através de CIT.

O recurso à analogia pressupõe que se tenha por verificada uma lacuna que importe preencher.

Na procura de saber se se verifica a invocada lacuna, importa fazer, ainda que breve, uma resenha histórica sobre a contratação laboral no sector empresarial do Estado

Assim, a apontada dualidade de vinculação ou contratação remonta ao ano de 1989, ano em que foram publicados o Decreto-Lei 184/89, de 2 de Junho e o Decreto-Lei 427/89, de 7 de Dezembro.

Destes diplomas resultava que a relação jurídica de emprego com um ente público se podia constituir por nomeação ou por contrato de pessoal.

Este contrato de pessoal, podia ser um contrato de provimento ou um contrato de trabalho, em qualquer das suas modalidades.

Decorria do disposto no art. 2º do Decreto-lei 184/89, de 2 que os Assistentes Técnicos contratados por pessoas colectivas públicas ao abrigo do CIT não detinham a qualidade de funcionário público nem a de agente administrativo, ficando sujeitos ao regime do Código do Trabalho e respectiva legislação especial.

Em 2008, foram publicados diplomas definindo a estrutura da carreira e as regras de progressão para os Assistentes Técnicos em funções públicas (a Lei 12- A/2008, de 27 de Fevereiro), bem como o seu estatuto remuneratório (o Decreto Regulamentar 14/2008 de 31 de Julho).

Para os Assistentes Técnicos em CIT não existia diploma, ou convenção colectiva que regulasse a estrutura da carreira, a progressão entre categorias e o estatuto remuneratório.

Só em Junho de 2018, para vigorar a partir de 01 de Julho, foram publicados Acordos Colectivos de Trabalho a regular a carreira dos Assistentes Técnicos em CIT (ACTs celebrados entre o Réu e outros e o STFPS, e o SINTAP, BTE nº 23 de 22 de Junho de 2018).

Nesses Acordos estabeleceu-se que a estrutura de carreira dos senhores Técnicos em CIT seria igual à que tinha sido definida no art. 49º da Lei 12-A/2008 para os técnicos em funções públicas (cfr. cláusula 3ª);

Neles se estabeleceu também a sua retribuição mensal base, o seu reposicionamento remuneratório, o período normal de trabalho e as mudanças de categoria.

Só com a entrada em vigor destes Acordos, é que passaram a estar previstas categorias profissionais e carreiras para os Assistentes Técnicos em CIT passando, desde então, a existir níveis remuneratórios, regras a definir a sua progressão dentro dos vários níveis remuneratórios e regras a definir a mudança de categoria.

Uma lacuna legal pode definir-se como a ausência de uma norma explícita com referência a uma determinada situação fáctica; como uma “incompletude insatisfatória no seio de um todo jurídico” (Karl Engisch, Introdução ao Pensamento Jurídico, p. 223).

Trata-se da inexistência de dispositivo aplicável ao caso concreto ou de um critério para que se saiba qual norma aplicar. A lacuna da lei é uma omissão involuntária, detectada no texto de uma lei, da regulamentação de determinada espécie de caso, havendo casos em que a inexistência de regulamentação corresponde a um propósito deliberado do legislador ou da lei e então a mesma não constitui uma deficiência que o intérprete esteja autorizado a superar.

Uma lacuna de lege ferenda, ou seja, de direito a constituir, apenas pode motivar o poder legislativo a uma reforma do direito, mas não o intérprete ao preenchimento da dita lacuna.

E isto porque o intérprete não se pode substituir ao legislador na criação do direito.

Ora, como resulta da evolução legislativa acima descrita, sempre o legislador decidiu e optou por manter uma dualidade de regime legais consoante os trabalhadores estivessem vinculados através de uma relação jurídica de emprego público, sujeito a um regime próprio, ou vinculados através de CIT com sujeição às cláusulas do próprio contrato e ao regime consignado no CT.

Só em 2018 com a publicação da regulamentação colectiva a que acima se fez referência, que entrou em vigor em 01.07.2018, o legislador entendeu por bem equipar os trabalhadores independentemente do vínculo a que se encontram adstritos.

Nitidamente, no caso, não existe qualquer lacuna que importe preencher ou integrar.

Alega ainda recorrente que (cfr. concl. XXIX a XXXIV) deve ter-se em consideração que a Lei do Orçamento de Estado para 2018 (Lei 114/2017 de 29 de Dezembro) no artigo 23º estendeu os efeitos a todos os trabalhadores do sector público empresarial (como é o caso da Autora) desde que existam ACT’s e nos termos previstos nesses ACT’s, pelo que a partir de 1 de Janeiro de 2018, data da entrada em vigor da Lei do Orçamento de Estado para 2018 entraram em vigor (face à produção de efeitos expressamente consensualizada) os ACT’s publicados no BTE nº 23, de 22 de Junho de 2018.

Assim, por efeito da Lei do OE para 2018 a autora devia ter sido reclassificada como Técnica Superior a partir de 01.01.2018, independentemente da sua sindicalização

Decidindo:

Estabelece o citado art 23º da citada Lei que “ao sector público empresarial é aplicável o disposto em instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho, quando existam, considerando-se repostos os direitos adquiridos na sua totalidade a partir de 1 de Janeiro de 2018

Como se viu só em 01.07.2018, com a entrada nem vigor dos ACTs referidos publicados no BTE n.º 23 de 22/06/2018, passaram a estar previstas categorias profissionais e carreiras para os Assistentes Técnicos em CIT passando, desde então, a existir níveis remuneratórios, regras a definir a sua progressão dentro dos vários níveis remuneratórios e regras a definir a mudança de categoria.

Se bem atentarmos no teor literal[2] do artº 23 da Lei do OE para 2018, os direitos adquiridos de que fala o preceito deviam resultar do disposto em instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho que estivessem em vigor e fossem aplicáveis à autora anteriormente a 01.01.2018, o que no caso não aconteceu por inexistência dos mesmos, o que só ocorreu a partir de 01.06.2018.

A não ser assim, não deixaria de se estar a aplicar retroactivamente um IRCT para além de, em 01.01.2018, a autora não se encontrar sindicalizada e, consequentemente não lhe ser aplicável tal instrumento, sindicalização aquela que, só veio a ocorrer posteriormente (15 de Dezembro de 2020).

Falece, pois, a argumentação de que, por efeito da Lei do Orçamento de 2018, a aplicação da regulamentação colectiva à autora prescindia da sua sindicalização sendo-lhe aplicável a partir de 01.01.2018, data da entrada em vigor da Lei do OE para 2018.

À autora, na qualidade de trabalhadora com CIT, é-lhe aplicável o regime contratual decorrente do próprio contrato de trabalho e o regime previsto no CT, sufragando-se a decisão de 1ª instância quando entendeu que a classificação da autora como Técnica Superior só ocorreu com a publicação da respectiva regulamentação colectiva e com a sua sindicalização.

Com efeito, considerando o princípio da filiação consagrado art. 496º/1 do C. Trabalho, a CCT só obriga o empregador que a subscreve e os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros da associação sindical celebrante; e não há notícia que a regulamentação colectiva tenha sido estendida a trabalhadores não filiados.

Da posição remuneratória a atribuir à autora após reclassificação:

Da conjugação do previsto nas Cláusulas 23º e 33ª dos ACTs, artº 104º da Lei 12-A/2008 de 27/02 (que estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas), nos artºs 1º e2º do Decreto Regulamentar nº 14/2008 de 31/07 (estabelece e identifica os níveis da tabela remuneratória única dos trabalhadores que exercem funções públicas correspondentes às posições remuneratórias das categorias das carreiras gerais de técnico superior, de assistente técnico e de assistente operacional) e na Portaria 1553-C/2008 de 31/12 (aprovou a tabela remuneratória única dos trabalhadores que exercem funções públicas), a 1ª instância concluiu que a autora deve ser reposicionada com o salário de € 995,51 porquanto, lê-se na sentença que … tendo por base a aplicação dos ACT referidos, diremos que, a transição para o regime previsto no artigo 104º da Lei 12-A/2008 de 27/02 por remissão da cláusula 33ª, n º1, terá que observar as regras ali previstas e, portanto, “são reposicionados na posição remuneratória a que corresponda nível remuneratório cujo montante pecuniário seja idêntico ao montante pecuniário correspondente à remuneração base a que actualmente têm direito”, sendo que, a mesma não pode ser inferior a € 995,51, correspondente à 1ª posição remuneratória, naquela carreira em 2019 e 998,50 em 2020.

Da factualidade provada resulta que cada uma das Autoras aufere actualmente montante inferior a tal posição, pelo que, as mesmas terão de ser reposicionadas tendo por base a sua reclassificação na categoria de técnica superior, (…) desde 15 de Dezembro de 2020 relativamente à Autora AA, tendo a mesma direito a auferir o correspondente à 1ª posição remuneratória naquela carreira, ou seja, € 995,51 desde (…) desde a aludida data de 2020 para a Autora AA”.

A recorrente, pelas razões que aduz nas conclusões XXXII a XXXIX, entende que lhe é devida a retribuição correspondente à 2ª posição remuneratória (15º nível) da tabela geral da carreira que corresponde ao valor de remuneração base de 1.205,08€ para 35horas semanais.

Decidindo.

Como ficou referido, a reclassificação da autora só se tornou possível com a regulamentação colectiva publicada em 2018; e essa reclassificação operou-se por a autora ter aceitado essa regulamentação por efeito de se ter filiado ou sindicalizado num dos sindicatos outorgantes nos IRCT sendo-lhe aplicável, por isso, a partir desse momento, aquela regulamentação colectiva.

Daí que a fórmula de cálculo da retribuição devida à A. por força da sua reclassificação é a que está prevista nas cláusulas 23 e 33ª da Convenção aplicável.

Ora, estabelece a cláusula 23ª dos AC que “A retribuição base mensal, incluindo os subsídios de férias e de natal é determinada pela posição retributiva, pela qual o trabalhador está contratado, de harmonia com a tabela remuneratória aplicável aos trabalhadores com vínculo de emprego público, integrados nas carreiras gerais”.

Da cláusula 33ª do referido ACT consta que “1-Para efeitos de reposicionamento remuneratório, aos trabalhadores abrangidos pela cláusula anterior [ artigo 32., n º 1 – trabalhadores filiados nas estruturas sindicais outorgantes do presente AC], aplica-se o regime previsto no artigo 104º da Lei 12-A/2008 de 27 de Fevereiro, mantido em vigor pela alínea c) do número 1 do artigo 42º a Lei 35/2014 de 20 de Junho (…).

Por seu turno dispõe o artigo 104º da Lei 12-A/2008 de 27 de Fevereiro que “1- Na transição para as novas carreira e categoria, os trabalhadores são reposicionados na posição remuneratória a que corresponda nível remuneratório cujo montante pecuniário seja idêntico ao montante pecuniário correspondente à remuneração base a que actualmente têm direito, ou a que teriam por aplicação da alínea b) do n.º 1 do artigo 112.º, nela incluindo adicionais e diferenciais de integração eventualmente devidos. 2 - Em caso de falta de identidade, os trabalhadores são reposicionados na posição remuneratória, automaticamente criada, de nível remuneratório não inferior ao da primeira posição da categoria para a qual transitam cujo montante pecuniário seja idêntico ao montante pecuniário correspondente à remuneração base a que atualmente têm direito, ou a que teriam por aplicação da alínea b) do n.º 1 do artigo 112.º (…).

Por sua vez, o artigo 1º do Decreto Regulamentar n º 14/2008 de 31/07, preceitua que “O presente decreto regulamentar identifica os níveis da tabela remuneratória única dos trabalhadores que exercem funções públicas correspondentes às posições remuneratórias das categorias das carreiras gerais de técnico superior, de assistente técnico e de assistente operacional”.

E, o artigo 2º do mesmo Decreto Regulamentar estabelece que “Os níveis remuneratórios correspondentes às posições remuneratórias das categorias das carreiras de técnico superior, de assistente técnico e de assistente operacional constam dos anexos I, II e III ao presente decreto regulamentar, do qual fazem parte integrante”.

Presente este quadro normativo, a 1ª instância limitou-se a aplicar a lei, ou seja, a aplicar o regime previsto no artigo 104º da Lei 12-A/2008 de 27/02 ex vi cláusula 33ª, n º1 do ACT, reposicionando a autora na posição remuneratória a que corresponde nível remuneratório cujo montante pecuniário seja idêntico ao montante pecuniário correspondente à remuneração base a que autora tinha direito antes do reposicionamento.

E, porque a autora aufere actualmente montante inferior ao correspondente à 1ª posição remuneratória da carreira de técnico superior, tal como decidiu o tribunal a quo, deverá ser remunerada com o valor correspondente a essa 1ª posição, ou seja, no valor de € 995,51

Acrescente-se que a reclassificação é e foi feita na base de cláusulas contratuais de IRCT, que a autora voluntariamente aceitou ao sindicalizar-se pelo que se não pretendesse essa reclassificação, bastava não se ter filiado num dos sindicatos outorgantes nos ACTs, continuando na situação anterior, ou seja, com a categoria profissional anterior, auferindo a remuneração correspondente, ficando sujeita às cláusulas e disposições que decorrem do CIT e do Cód. Trabalho.

Da violação do princípio da igualdade na vertente “para trabalho igual salário igual”.

A sentença impugnada entendeu não ter sido violado o referido princípio com a seguinte fundamentação: “….às Autoras incumbe o ónus de provar factos que permitam concluir pela existência de trabalho igual, designadamente quanto à natureza, qualidade e quantidade de tal trabalho, relativamente aos trabalhadores que identificam e perante os quais se sentem discriminados.

Alegam as Autoras exercem idênticas funções e no mesmo horário semanal das trabalhadoras do Réu, DD e EE, classificadas de técnicas superiores e que auferem um salário superior às Autoras.

Ora, quanto a tal questão ficou provado nos autos que as Autoras exercem idênticas funções, no mesmo horário de 40 horas semanais e com a mesma produtividade e mesma qualidade das trabalhadoras DD e EE detendo as Autoras o mesmo grau de responsabilidade de tais trabalhadoras, a mesma autonomia e independência técnica, o mesmo empenho e produtividade e a mesma satisfação pelo Réu quanto ao desempenho das Autoras e dessas trabalhadoras.

A trabalhadora DD exerce funções de Técnica Superior no departamento de estatística. Exercia e exerce, tal como as Autoras, funções de análise, planeamento, programação, avaliação e aplicação de processos de natureza técnica de elevada importância, com um horário de trabalho de 40 horas

semanais, ao abrigo de um contrato individual de trabalho e aufere no exercício dessas funções, nesse horário de trabalho, porque lhe foi atribuída a categoria de Técnica Superior o salário de € 1.569,28.

Por sua vez a trabalhadora EE também exerce funções de Técnica Superior, na biblioteca, funções essas que já exerce há variados anos, não se limitando, já desde essa altura, ao exercício exclusivo de funções associadas à categoria de Assistente Técnica, pois já detinha como continuar a deter,

nomeadamente, total autonomia na gestão de tal departamento. Apesar de exercer tais funções durante vários anos, apenas em 2009 é que lhe foi proposta a transição para Técnica Superior, tendo sido necessária a conversão do seu Contrato de Trabalho em Funções Públicas para Contrato Individual de Trabalho.

Provou-se ainda que tais trabalhadoras inicialmente exerceram funções de Assistentes Administrativas no regime da função pública, tendo posteriormente passado para o regime de contrato individual de trabalho para exercerem as funções de Técnicas Superiores.

Efectivamente, as referidas trabalhadoras tinham sido trabalhadoras em funções públicas durante vários anos antes da sua contratação em CIT, concretamente a DD desde 1997 e a EE desde 1981, e, em 2009 -tendo ambas pedido a sua exoneração de funções públicas, nos termos então previstos no DL 233/05 de 29.12 - foram contratadas por CIT e quando foram

contratadas em CIT, já o foram com a remuneração que hoje auferem.

Não houve qualquer progressão na carreira, mas uma alteração do vínculo e uma negociação entre as partes, que teve em conta a sua experiência anterior, contrariamente às Autoras que quando foram contratadas não tinham experiência anterior.

Ora, a situação de desigualdade de tratamento só pode ser aferida em relação a situações concretas que constem da matéria de facto.

No caso em apreço e perante tais factos provados não se pode concluir estarmos perante uma situação de discriminação.

Na verdade as referidas trabalhadoras que as Autoras indicam como em relação a quem se encontram discriminadas, exerceram funções para o Réu em regime de função pública e em 2009 passaram para o CIT, fizeram-no mediante previa negociação com o Réu, prescindindo do vinculo público e a remuneração fixada para ambas teve por base a experiência profissional anterior das mesmas, sendo a que ainda hoje mantêm, sendo que as mesmas têm mais anos de serviço

que as Autoras, pelo que a diferença remuneratória que têm e que se mantêm desde que as mesmas passaram para CIT, não pode ser considerada violadora do principio da igualdade.

Na verdade, mesmo podendo considerar-se que o trabalho era efectivamente igual, a Ré logrou provar factos que permitem concluir que a diferença salarial entre as Autoras e aquelas trabalhadoras decorre de critérios objectivos e sindicáveis e não apenas de meros critérios subjectivos da Ré.

Assim e relativamente a estas trabalhadoras terá que se concluir que não existe desigualdade de tratamento, nem ocorre qualquer discriminação das Autoras perante as mesmas, pelo que não poderá considerar-se ser devida às Autoras remuneração igual às auferidas por tais trabalhadoras”.

                 Sufragamos este enquadramento.

Na verdade é hoje pacífico que o princípio da igualdade não proíbe tratamentos diferenciados de situações distintas, implicando antes que se trate por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual, de tal maneira que só haverá violação desse princípio da igualdade se houver tratamento diferenciado de situações essencialmente iguais.

O princípio «a trabalho igual salário igual» impõe a igualdade de retribuição para trabalho igual em natureza, quantidade e qualidade, e a proibição de diferenciação arbitrária (sem qualquer motivo objectivo), ou com base em categorias tidas como factores de discriminação (sexo, raça, idade e outras) destituídas de fundamento material atendível.

Especificamente, o princípio constitucional “a trabalho igual salário igual” visa que nenhum trabalhador seja discriminado, em termos de retribuição, relativamente a outros trabalhadores que executam igual trabalho em termos de quantidade, natureza e qualidade.

Haverá violação da igualdade em termos salariais na perspectiva deste princípio, se a diferenciação da retribuição não resultar de critérios objectivos, ou seja, se o trabalho prestado pelo trabalhador discriminado for igual ao dos restantes trabalhadores, não só quanto à natureza (tendo em conta a sua dificuldade, penosidade e perigosidade), mas também em termos de quantidade (duração e intensidade) e qualidade (de acordo com as exigências, conhecimentos, prática e capacidade).

Daí que a violação do referido princípio constitucional não decorra, necessariamente, da circunstância de trabalhadores da mesma empresa e com a mesma categoria profissional auferirem diferentes remunerações: é necessário que se demonstre, que para além da paridade formal das funções exercidas com uma certa categoria, existe também identidade ou equivalência no plano da quantidade e qualidade do trabalho produzido.

Importa reter, ainda, que compete ao trabalhador, nos termos do artigo 342º/1 do CC, alegar e provar factos que permitam afirmar a prestação de trabalho objectivamente semelhante em natureza, qualidade e quantidade relativamente ao trabalhador (ou trabalhadores) face ao qual se diz discriminado e permitam concluir que a diferente progressão na carreira e o pagamento de diferentes remunerações viola o princípio da igualdade, não bastando, para o efeito do juízo comparativo a estabelecer, a prova da mesma categoria profissional e da diferença retributiva

Do Acórdão da Relação do Porto de 08/01/2018, proferido no âmbito do Pº 3639/15.6T8VFR.P1[3], disponível, in, www.dgsi.pt, , pode extrair-se que apesar da estrutura base da carreira do regime geral (Técnicos Superiores, Assistentes Técnicos e Assistentes Operacionais) partilhar princípios comuns, tudo o mais está depois sujeito ao seu próprio regime, isto é, no caso dos técnicos superiores contratados em regime de contrato individual de trabalho, ao Código do Trabalho e legislação complementar e aos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho; no caso dos técnicos superiores, cuja relação jurídica de emprego seja constituída por contrato de trabalho em funções públicas, ao regime próprio da administração pública.

No caso que nos ocupa, conforme se sublinha na sentença, as trabalhadoras que a autora indica como em relação a quem se encontram discriminadas, exerceram funções para o Réu em regime de função pública e em 2009 passaram para o CIT.

E esta passagem foi feita mediante prévia negociação com o réu não tendo ocorrido qualquer progressão na carreira, mas sim uma alteração do vínculo decorrente de uma negociação entre as partes, tendo tais trabalhadoras prescindido do vínculo público.

A sua remuneração foi fixada tendo por base a sua experiência profissional anterior, contrariamente às Autoras que, quando foram contratadas, não tinham experiência anterior.

Perante tais factos, não se pode concluir estarmos perante uma situação de discriminação.

Como se concluiu na sentença os factos provados permitem concluir que a diferença salarial entre as Autoras e aquelas trabalhadoras decorre de critérios objectivos e sindicáveis e não apenas de meros critérios subjectivos da Ré.

Ou seja, não se descortina no caso qualquer discriminação salarial, não tendo sido violado o princípio de “trabalho igual salário igual”.


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IV - Termos em que se delibera julgar a apelação improcedente com integral confirmação da sentença impugnada.

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Custas a cargo da apelante.

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Coimbra, 29 de Abril de 2022

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(Joaquim José Felizardo Paiva)

(Jorge Manuel da Silva Loureiro)

(Paula Maria Mendes Ferreira Roberto)



[1] Segue-se o que a propósito de questões similares se decidiu no acórdão desta Secção Social de 14.01.22, com o mesmo relator e adjuntos, proferido no âmbito do processo nº 3293/20.3T8VIS.C1.
[2] Elemento do qual se deve sempre partir em qualquer interpretação.
[3] Referente à carreira dos enfermeiros a trabalhar nos hospitais EPE, mas aplicável mutatis mutandis ao caso em apreciação.