Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
958/12.7TBCBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ GUERRA
Descritores: PRAZO
ACTO PROCESSUAL
MULTA
PENALIZAÇÃO
Data do Acordão: 01/22/2013
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: COIMBRA VARA MISTA 1º S
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: INDEFERIDA
Legislação Nacional: ART.145 CPC
Sumário: 1. A validade da prática de acto num dos 3 dias subsequentes ao termo do prazo fora das situações de justo impedimento fica dependente do cumprimento das sanções pecuniárias que a lei estabelece no art. 145º do CPC.

2. Só é válido o acto praticado por mandatário fora de prazo se for paga a multa devida de imediato, ou não sendo esta paga de imediato, se for paga esta e a penalização de 25% prevista no nº6 do citado art. 145º.

3. Constatando o pagamento fora de prazo da referida multa, deve a secretaria notificar o interessado para pagar a referida penalização de 25% dessa multa.

4. Só o pagamento integral da multa e da referida penalização de 25%, quando devido, valida a prática do acto fora de prazo.

Decisão Texto Integral: Decisão sumária nos termos do artigo 688.º, n.º 4, do Código de Processo Civil

I – RELATÓRIO

            Inconformadas com a decisão proferida em 30.07.2012 nos autos de Procedimento Cautelar Comum Nº 1541/11.0TBCBR da Vara de Competência Mista de Coimbra, 2ª Secção, instaurada pela requerente M (…) contra In (…), Lda. e Associação (…), que posteriormente veio a ser apensa ao autos 958/12.7TBCBR que correm termos na Vara de Competência Mista de Coimbra, 1ª Secção e que uma vez apensa a esta passou a assumir o Nº 958/12.7TBCBR-A, vieram ambas as requeridas interpor recurso da mesma.

         Tal decisão foi notificada aos ilustres mandatários das mencionadas requerente M (…) e requeridas In (…)  Lda. e Associação (…), por notificações que constam certificadas pelo sistema CITIUS como elaboradas nas datas de 30.07.2012.

         O recurso acompanhado das respectivas alegações interposto pela requerida Associação Académica de Coimbra, através do respectivo mandatário, deu entrada através do requerimento electrónico com Refª: 10915789 do qual consta a data de Quarta-feira, 29 de Agosto de 2012 - 0:46:16 GMT+0200.

         Através do documento junto a fls. 598 foi junto aos autos o comprovativo do pagamento feito em 06.09.2012 referente à autoliquidação da multa correspondente à prática do acto no 1º dia após o termo do prazo.

         Por entender que tal recurso e respectivas alegações da requerida Associação Académica de Coimbra tinham sido apresentados no 2º dia após o termo do prazo, sem que tivesse sido paga nesse mesmo dia, a Secção deu cumprimento ao disposto no Art. 145º Nº6 do CPC, tendo porém passado guias correspondentes à prática do acto no 3º dia.

         Constatado tal lapso, veio, por despacho proferido em 28.09.2012, a ser determinada a passagem de novas guias ao abrigo do disposto no Art. 145º Nº6 do CPC, com o valor correspondente à prática do acto no 2º dia.

         Após requerimento apresentado pelo ilustre mandatário da requerida Associação Académica de Coimbra com o qual juntou comprovativo da entrega do referido requerimento de interposição de recurso e respectivas alegações no dia 28 de Agosto de 2012, pelas 23.46 de Portugal, veio a ser considerado, por despacho proferido em 17.10.2012, que o recurso e respectivas alegações da mencionada requerida Associação Académica de Coimbra foram enviadas electronicamente no dia 28 de Agosto de 2012, mas que, ainda assim, continuava a ser devido o pagamento do acréscimo da multa prevista no Art. 145º Nº6 do CPC, já que o pagamento não foi efectuado no dia da prática do acto, mas sim posteriormente e correspondente ao 1º dia, ordenando-se a emissão de novas guias com o valor correspondente à prática do acto no 1º dia posterior ao termo do prazo, deduzindo-se o valor autoliquidado pela requerida.

        

         Emitidas guias com a Refª 3295388, no valor de € 7,65, com data de início de pagamento de 18.10.2012 e termo de 2.11.2012, não procedeu a requerida Associação (…) ao respectivo pagamento dentro do aludido prazo.

         Dado conhecimento de tal facto pela Secção à Mma. Juiz titular do processo veio esta, fazendo a resenha do que se deixa exposto, ordenar, por despacho proferido em 16.11.2012, a notificação da recorrente para comprovar nos autos, no prazo de 2 dias, que efectuou o pagamento da quantia de € 7,65 no prazo das guias que foram para esse efeito emitidas na sequência do anterior despacho.

         Em cumprimento a tal notificação dentro do prazo que para o efeito lhe foi fixado, veio o ilustre mandatário da recorrente Associação Académica de Coimbra, alegar que se encontrava em Macau na data em que foi notificado para pagamento da quantia de € 7,65 constante das referidas guias ( com a Refª 3295388 e com data de início de pagamento de 18.10.2012 e termo de 2.11.2012 ) e que por força disso só poderia efectuar tal pagamento via internet, o que não logrou fazer por essa via porque tal sistema sucessivamente recusou a referência constante da guia, tendo posteriormente ficado sem acesso aos meios de pagamento on line, pelo que entrou em contacto com a Secretaria Judicial competente pela qual foi informado ser preferível proceder à emissão de guia no mesmo valor, o que sucedeu, emitindo a guia com a referência 702 480 028 376 056, cujo pagamento comprova como efectuado na data de 21.12.2012, pelo documento que junta.

         Depois de informada pela Secção de que “ não se excluindo a possibilidade de tal contacto, ninguém se recorda que o mesmo tenha ocorrido “, veio a Mma. Juiz titular dos autos, por despacho proferido em 30.11.2012, a decidir não admitir o recurso interposto pela recorrida Associação (…) com o fundamento de que a totalidade da multa devida pela prática de acto fora de prazo não foi atempadamente paga. 

         Notificada do despacho que não admitiu o recurso interposto, veio a recorrente Associação (…) apresentar a presente Reclamação, na qual sem formular conclusões, termina dizendo que no caso ora em análise não se verificou a ausência de pagamento da multa nos termos do disposto no Art. 145º Nº5, a qual já se encontrava paga, pelo que se revela excessivo e desconforme com a vontade do legislador, não admitir o Recurso da ora Reclamante, com fundamento no atraso de pagamento da Penalização Adicional de 25% determinado no nº 6 do art. 145º do CPC, razão pela qual deve o recurso por si interposto ser admitido.

Não foi apresentada resposta à reclamação.

II – Apreciação da reclamação

Na presente reclamação a questão que importa apreciar é a de saber se - como deflui da dinâmica processual que se deixa exposta - no caso em apreço, em que a recorrente (…) apresentou o recurso por si interposto no 1º dia posterior ao termo do prazo consagrado na lei para a respectiva interposição, será de aplicar a penalização prevista na parte final do Nº 6 do Art. 145º do CPC.

Preceitua o Art. 145º do CPC que:

«1- O prazo é dilatório ou peremptório.

2- O prazo dilatório difere para certo momento a possibilidade de realização de um acto ou o início da contagem de um outro prazo.

3- O decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto.

4- O acto poderá, porém, ser praticado fora do prazo em caso de justo impedimento, nos termos regulados no artigo seguinte.

5- Independentemente de justo impedimento, pode o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa, fixada nos seguintes termos:

a) Se o acto for praticado no primeiro dia, a multa é fixada em 10% da taxa de justiça correspondente ao processo ou acto, com o limite máximo de meia UC;

b) Se o acto for praticado no segundo dia, a multa é fixada em 25% da taxa de justiça correspondente ao processo ou acto, com o limite máximo de três UC;

c) Se o acto for praticado no terceiro dia, a multa é fixada em 40% da taxa de justiça correspondente ao processo ou acto, com o limite máximo de sete UC;

6- Praticado o acto em qualquer dos três dias seguintes sem ter sido paga imediatamente a multa devida, logo que a falta seja verificada, a secretaria independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar a multa, acrescida de uma penalização de 25% do valor da multa, desde que se trate de acto praticado por mandatário.

7- Se o acto for praticado directamente pela parte, em acção que não importe a constituição de mandatário, o pagamento da multa só é devido após notificação efectuada pela secretaria, na qual se prevê um prazo de 10 dias para o referido pagamento.

8- O juiz pode excepcionalmente determinar a redução ou dispensa da multa nos casos de manifesta carência económica ou quando o respectivo montante se revele manifestamente desproporcionado, designadamente nas acções que não importem a constituição de mandatário e o acto tenha sido praticado directamente pela parte.»

         Da leitura sistemática deste preceito legal resulta que, tendo decorrido o prazo de que a parte dispunha para praticar o acto, o direito de o praticar não se extingue caso tenha ocorrido no seu decurso uma situação de justo impedimento ou, uma vez já decorrido aquele prazo, o vier a praticar num dos 3 dias seguintes ao seu termo, ficando, neste último caso, a sua validade dependente do cumprimento das sanções pecuniárias que a lei estabelece.

         A faculdade de praticar o acto depois de expirado o prazo peremptório, nos termos previstos no art.º 145º, n.º 5 do C. P. Civil, foi consagrada em termos inovadores, inicialmente pelo DL 323/70, de 11.7, mantendo-se desde aí apenas com alterações quanto ao montante das multas.

         Na esteira do entendimento de Antunes Varela, in RLJ, Ano 116º, pág. 31, que aqui seguimos, “ a solução preconizada pelo DL 323/70, de 11.7, teve por base o reconhecimento de uma velha pecha da nossa maneira colectiva de agir, a que não se mostram imunes os procuradores mais qualificados de negócios alheios, que são os mandatários judiciais.

         O propósito louvável, que remonta já aos primórdios da chamada reforma do processo, com o primado da justiça material sobre a pura legalidade formal, é o de evitar que a omissão de uma simples formalidade processual possa acarretar a perda definitiva dum direito material. O inveterado defeito em que a permissão directamente se funda é o hábito condenável de guardar para a última hora todo o acto que tem um prazo para ser validamente praticado. “

         Conforme se deixa salientado no Ac, do STJ, de 25-10-2012, disponível em www.dgsi.pt, “ ao permitir a prática de actos sujeitos a prazos peremptórios depois de estes terem terminado, fora dos casos de justo impedimento, a lei veio, na prática, alongar os prazos, sem impor a apresentação em juízo de qualquer justificação. Tal como sucede, por exemplo, com a junção de documentos de que a parte já dispunha, depois de apresentado o articulado onde foram alegados os factos a provar (artigo 523º, nº 1 do Código de Processo Civil), a multa exprime a preferência legal pelo cumprimento do prazo peremptório; mas não é possível associá-la a uma sanção por menor diligência processual.

         Este regime possibilita ainda às partes e aos seus mandatários a gestão do tempo disponível, de acordo com as respectivas conveniências, ponderando se compensa ou não dilatar o prazo mediante o pagamento da multa; mas não legitima qualquer juízo de censura em relação à parte (ou ao seu mandatário) que dele decide beneficiar.

         E prossegue, do mesmo passo, o objectivo (salientado por Antunes Varela, como se viu) da prossecução do “primado da justiça material sobre a pura legalidade formal”, valor decididamente protegido pelo legislador português nas recentes alterações das leis de processo. “

         Da interpretação dos Nºs 5 e  6 do citado Art. 145º do CPC não pode deixar de resultar, a nosso ver, serem duas as penalizações nele previstas para o caso do acto ser praticado por mandatário dentro dos três dias subsequentes ao termo do prazo legal:

         - a multa correspondente, conforme se trate do 1º, 2º ou 3º dia subsequente que deve ser paga imediatamente; e

         - o acréscimo de 25% do valor dessa multa, desde que tal multa não seja paga imediatamente.

         Enquanto que a primeira das referidas penalizações ( a da multa propriamente dita ) se prende com a circunstância do acto ser praticado por mandatário fora de prazo mas ainda dentro dos três dias subsequentes ao termo desse prazo ( cujo montante varia em função do dia daqueles três subsequentes a que disser respeito ), já a o acréscimo de 25% do valor dessa multa encontra a sua razão de ser no facto dessa multa devida não ser paga imediatamente como se exige em tal preceito legal, sendo este apenas exigível se o acto for praticado por mandatário em qualquer um dos três dias subsequentes sem que a multa correspondente seja paga de imediato.

         No caso em apreço, pretende a reclamante que por ter sido paga a multa devida, correspondente o 1º dia subsequente ao termo do prazo legal – que, segundo o preceito legal em causa deveria ter sido paga no dia 28.08.2012 e só o foi em 06.09.2012 - se revela excessiva e desconforme com a vontade do legislador a penalização adicional de 25% determinada no nº 6 do art. 145º do CPC.

         Não cremos, porém, que tal entendimento encontre suporte na solução legal consagrada que vem de ser analisada, pois, a enveredar pela argumentação sufragada pela reclamante far-se-ía tábua rasa do preceito legal contido no Nº 6 do citado Art. 145º do CPC, pois, isentar-se-íam do pagamento do acréscimo de 25% da multa nele previsto todas as situações sempre que a multa devida pela prática do acto por mandatário viesse a ser paga, independentemente desse pagamento ocorrer de imediato ( como a lei impõe ) ou não, interpretação esta que tal preceito não comporta.

         Até porque, diga-se, a alinhar pelo entendimento da reclamante, estar-se-ia a equiparar a situação da prática do acto fora de prazo por mandatário à situação da prática de acto fora de prazo pela própria parte, quando é manifesto, que do cotejo dos preceitos legais contidos nos Nºs 6 e 7 do citado Art. 145º do CPC, o legislador as quis distinguir, ao contemplar apenas no referido Nº 6 o acréscimo de 25% da multa devida quando o acto for praticado por mandatário e a multa devida não for paga de imediato, o que já não acontece quando o acto é praticado fora de prazo pela parte, pois que quando tal ocorra o pagamento da multa não é devido imediatamente, antes só ocorrendo após a notificação à parte para dentro do prazo de 10 dias proceder ao respectivo pagamento.  

         Daí que não mereça qualquer reparo a interpretação feita pelo tribunal a quo do preceito legal em causa, para além de que também essa interpretação não ofende qualquer normativo legal ou constitucional, como pretende a reclamante.

Assim, há que concluir que no caso apreço, como bem o entendeu o tribunal a quo, é devido o acréscimo de 25% da multa que não foi paga de imediato, acréscimo esse que por não ter sido pago atempadamente, invalida a interposição do recurso apresentado pela reclamante, não merecendo, por isso, censura o despacho proferido pela tribunal de 1ª instância que não admitiu tal recurso.

III- Sumário

1. A validade da prática de acto num dos 3 dias subsequentes ao termo do prazo fora das situações de justo impedimento fica dependente do cumprimento das sanções pecuniárias que a lei estabelece no Art. 145º do CPC.

2. Só é válido o acto praticado por mandatário fora de prazo se for paga a multa devida de imediato, ou não sendo esta paga de imediato, se for paga esta e a penalização de 25% prevista no Nº6 do citado Art. 145º.

3. Constatando o pagamento fora de prazo da referida multa, deve a secretaria notificar o interessado para pagar a referida penalização de 25% dessa multa.

4. Só o pagamento integral da multa e da referida penalização de 25%, quando devido, valida a prática do acto fora de prazo.

IV- Decisão

Termos em que se decide desatender a reclamação e manter o despacho reclamado de não admissão do recurso.

Custas pela reclamante.

                                     

         Maria José Guerra ( Relatora )