Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | VÍTOR AMARAL | ||
Descritores: | LIVRANÇA AVAL INTERPELAÇÃO DO AVALISTA CARTA REGISTADA COM AVISO DE RECEÇÃO | ||
Data do Acordão: | 03/16/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ANSIÃO – JUIZ 1 | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTº 224º, Nº 2 CPC. | ||
Sumário: | 1. - Deduzidos na petição de embargos – onde devia ser concentrada toda a defesa à execução – determinados meios de defesa (exceções do preenchimento abusivo da livrança, da inexigibilidade da obrigação exequenda e da inexequibilidade do título), os quais foram julgados improcedentes no despacho saneador, de que não foi interposto recurso, ocorreu trânsito em julgado quanto a essa matéria decidida, não podendo, por isso, conhecer-se no recurso da sentença de questões referentes a tais meios de defesa. 2. - Provado que, para interpelação do avalista quanto ao preenchimento da livrança exequenda (avalizada em branco), lhe foi remetida carta registada com aviso de receção para a morada que o mesmo havia indicado contratualmente para o efeito de realização de quaisquer interpelações ou comunicações, carta essa que só não foi recebida por o destinatário a não ter reclamado, apesar de avisado, junto dos serviços postais, opera o disposto no n.º 2 do art.º 224.º do CCiv., considerando-se eficaz a interpelação, visto a respetiva declaração recetícia só não ter sido recebida por culpa do destinatário. 3. - Em tal caso, havendo normação substantiva específica não lacunar, não são aplicáveis normas adjetivas referentes à citação do réu, como o previsto no art.º 229.º, n.ºs 4 e 5, do NCPCiv., que apenas colhem aplicação no âmbito processual, visto o gravoso efeito cominatório decorrente da citação. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO Por apenso aos autos de execução para pagamento de quantia certa – montante exequendo de €101.052,19 – que lhe move (e a outros) “G..., S. A.”, com os sinais dos autos, veio o Executado T..., também com os sinais dos autos, deduzir oposição a tal execução (mediante embargos de executado), concluindo pela procedência da oposição e consequente extinção da execução. Alegou, para tanto, em síntese ([1]): - ter a livrança dada à execução sido entregue à Exequente em outubro de 2009, apenas assinada pela sociedade “B..., S. A.” e pelos avalistas, encontrando-se no mais em branco; - ter a dita “B...” sido declarada insolvente em 18/04/2016, sendo que a Exequente não comunicou o preenchimento da livrança, nem o seu montante, nem o motivo de tal preenchimento; - encontrarem-se as obrigações da “B...” vencidas desde 18/04/2016, tendo o Embargante sido citado três anos após o decurso dessa data, desconhecendo a razão e oportunidade do preenchimento da livrança. Invocou, assim, o preenchimento abusivo da livrança – por inscrição de montante superior ao crédito reconhecido sobre a insolvente, por não ter ocorrido aviso quanto ao seu preenchimento e por inobservância do dever de preenchimento na sequência do vencimento da obrigação da devedora insolvente –, sendo o título inexequível e a obrigação inexigível, para além da prescrição do crédito exequendo e do abuso do direito, ao que acresce ser o valor devido inferior ao inscrito no título. Contestou a Exequente/Embargada, concluindo pela improcedência da oposição, para o que alegou, no essencial: - ter, em 12/10/2009, prestado uma garantia à primeira solicitação a favor da “C..., S. A.” a pedido da aludida sociedade “B...”, assegurando, por essa via, 75% do capital mutuado, em dívida em cada momento, no valor máximo de 375 mil euros; - ter a sociedade “B...” entregue, para garantia do contrato de emissão de garantia autónoma, à Exequente uma livrança por si subscrita e avalizada, para além do mais, pelo Embargante; - ter a C..., no dia 03/09/2015, na sequência de incumprimento contratual por parte da sociedade “B...”, acionado a garantia autónoma, solicitando o pagamento da quantia de €80.357,19, ao que a Exequente, honrando a garantia, correspondeu, do que informou aquela sociedade, solicitando, por sua vez, o pagamento da quantia por si paga ao banco, o que não foi feito; - no âmbito do processo de insolvência da sociedade “B...”, a Exequente não recuperou qualquer quantia, razão pela qual, em 28/03/2018, solicitou àquela sociedade e aos avalistas o pagamento da quantia em dívida, no montante total de €96.280,23, informando quanto aos termos do preenchimento da livrança, bem como que, caso não ocorresse o pagamento até à data do vencimento, procederia ao acionamento judicial; - daí que inexista falta de interpelação, preenchimento abusivo ou prescrição ([2]). Proferido despacho saneador, julgadas improcedentes as exceções invocadas pelo Embargante – inexequibilidade do título, inexigibilidade da obrigação, preenchimento abusivo e prescrição – e enunciados o objeto do litigio e os temas da prova, procedeu-se à audiência final, seguida de sentença, com o seguinte dispositivo: «a. (…) julgo parcialmente improcedente por parcialmente não provados os presentes embargos de executado e em consequência determino o prosseguimento da execução, quanto ao Embargante, para pagamento da quantia de 96.263,67 euros, acrescido de juros desde 07 de junho de 2018 até integral pagamento à taxa de 4%/ano, imposto de selo sobre os juros e de selagem da livrança de 481,32 euros. b. Custas a cargo do Embargante e Embargado na proporção de 99,98% e de 0,02%, respetivamente.». Inconformado, o Embargante apela do assim decidido, apresentando alegação recursiva, onde formula as seguintes Conclusões ([3]): ... A Recorrida não contra-alegou. O recurso foi admitido como de apelação, com o regime e efeito fixados no processo ([4]), tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido tal regime e efeito fixados. Nada obstando, na legal tramitação recursiva, ao conhecimento do mérito da apelação, cumpre apreciar e decidir. II – ÂMBITO DO RECURSO Sendo o objeto dos recursos delimitado pelas respetivas conclusões, pressuposto o objeto do processo fixado nos articulados das partes – como é consabido, são as conclusões da parte recorrente que definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([5]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil (doravante, NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 –, está em causa saber: a) Se deve alterar-se a decisão da matéria de facto, por via de invocados lapso(s) ou erro(s) de julgamento; b) Se pode retomar-se a matéria de exceção já decidida no despacho saneador, de que não foi interposto recurso (questões do preenchimento abusivo do título, da inexigibilidade da obrigação e da inexequibilidade do título); c) Se deve alterar-se a decisão de direito, quanto a: 1. - Interpelação do Embargante/avalista; 2. - Montante exequendo. III – FUNDAMENTAÇÃO A) Da impugnação da decisão da matéria de facto Pugna o Recorrente por uma outra redação do ponto xviii da matéria de facto dada como provada, invocando, desde logo, a existência de erro/lapso de cálculo aritmético. Assim, sendo este o único ponto fáctico objeto de impugnação, pede (na sua alegação e respetivo acervo conclusivo): «(…) a alteração do ponto xviii da matéria de facto, passando a constar do mesmo os seguintes valores: - Quantia paga pelo Exequente ao beneficiário da garantia: 80.357,19 €; - Juros sobre esse valor, calculados à taxa de 6% entre 25-set.-2015 e 18-mai.-2018, no montante de 12.760,28 €. - Comissões no montante de 102.52 €, 80,25 €, 6,84 €, 13,23 €, 20,51 € e 22,93 €. - Juros de 17,54 € (desde 12-07-2015 a 18-05-2018), 13,32 € (12-08-2015 a 18-05-2018), 1,07 € (desde 06-10-2015 a 18-05-2015), 2,08 € (desde 06-10-2015 a 18-05-2018), 3,22 € (06-10-2015 a 18-05-2018) e 3,60 € (desde 06-10-2015 a 18-05-2018). - Imposto de selo sobre os juros no montante de 602,32 €. Num total de 94.006,90 €.» (cfr. conclusão 8.ª). No impugnado ponto xviii deu a 1.ª instância como provado que o valor aposto na livrança se reporta a: «1. quantia paga pelo Exequente ao Beneficiário da garantia: 80.357,19 euros a. a esse valor acrescem juros, sendo que os vencidos entre 17 de setembro de 2015 e 18 de maio de 2018 são de 15.010,28 euros; 2. comissões no montante de 102,52 euros, 80,25 euros, 6,84 euros, 13,23 euros, 20,51 euros e 22,93 euros, a. a esse valor acrescem juros de 20,45 euros (desde 13.07.2015 a 18.05.2018), 15,53 euros (desde 13.08.2015 a 18.05.2018), 1,25 euros (desde 06.10.2015 a 18.02.2018), 2,42 euros (desde 13.08.2015 a 18.05.2018), 3,75 euros (desde 06.10.2015 a 18.02.2018), respetivamente. 3. imposto de selo sobre os juros no montante de 602,32 euros.». Refere – e bem – o Recorrente que, na fundamentação da matéria de facto da sentença, é apresentado como resultado da adição daquelas parcelas o de “96.263,67 euros” (cfr. fls. 110 v.º do processo físico), montante esse depois transportado para a fundamentação de direito (cfr. fls. 113 v.º do processo físico) e reconhecido no dispositivo (fls. 115 v.º do mesmo processo físico). Porém, defende o impugnante que a soma correta de tais parcelas não ultrapassa o valor de “96.259,43 €” (conclusão 3.ª). Ora, efetuada a soma daqueles montantes/parcelas inseridos no discutido ponto fáctico, obtemos – salvo o devido respeito por diversa contabilização – o montante total de €96.259,47 ([6]), diverso, pois, do considerado na fundamentação da convicção e jurídica da sentença (aludindo àqueles €96.263,67) e do invocado na peça recursiva (€96.259,43). Mas o Apelante esgrime, a mais disso, que há erro no apuramento do valor dos juros moratórios dados como assentes no referido ponto xviii – uma das ditas parcelas –, por ter sido considerada uma taxa anual de 7%, quando a taxa aplicável seria a de 6%, à luz da cláusula 13.ª do contrato, da correspondente matéria assente (ponto viii) e dos dados legais aplicáveis (o contrato estabelece que, não sendo o pagamento efetuado na data devida, serão devidos juros moratórios à taxa legal, acrescida de dois pontos percentuais, ou seja, 4% mais 2% ao ano). Complementa que, perante o que consta do ponto xiv da matéria assente – segundo o qual, nos termos do estabelecido na cláusula 5.ª do contrato, a G... remeteu uma carta à B... de interpelação para o pagamento da importância de €80.357,19 até ao dia 25/09/2015 –, a obrigação de pagamento de juros sobre o capital iniciou-se, então, em 25/09/2015, «e não a 17-set.-2015, que serviu de termo inicial ao cálculo dos juros efetuado pela credora, e pelo Tribunal». Tudo para concluir por um valor total de €94.006,90, em vez dos “96.263,67 euros” definidos na sentença. Porém, desde logo cabe dizer que, se na parte fáctica da sentença (dito ponto xviii) foi dado como apurado um montante de juros vencidos (entre 17/09/2015 e 18/05/2018) de €15.010,28 – enquanto o Recorrente pugna por um montante de apenas € 12.760,28 (cfr. conclusões 7.ª e seg., onde apresenta os seus cálculos, finalizando por um montante global de juros de €12.801,11) –, já, contudo, ali não foi dado como provado o dito valor total (que não consta contabilizado no mesmo ponto xviii, apenas surgindo na subsequente fundamentação, da decisão de facto e de direito, e no dispositivo da sentença). Assim, esse resultado (soma aritmética das parcelas) não aparece contemplado – nem tinha de constar, por meramente conclusivo – no quadro de factos provados, apenas havendo de ser encontrado na fundamentação jurídica da decisão, uma vez realizada a necessária contabilização final. Donde que não assista razão ao Recorrente quando pretende que se adicione agora esse valor total global à matéria de facto, posto o mesmo só em sede de subsequente fundamentação jurídica haver de ser considerado e valorado. Já quanto ao valor dos discutidos juros moratórios vencidos sobre o capital (montante parcelar), o mesmo consta, de modo expresso, na parte fáctica da sentença, contando com a discordância do Apelante. Nesta particular, cabe dizer que na fundamentação da convicção do Tribunal a quo apenas se apresentou a seguinte motivação: «Por outro lado, são devidos juros visto que a quantia de 80.357,19 euros não foi paga nem após interpelação nem posteriormente. O mesmo se diga das comissões. Saliente-se que o Exequente não efetuou o cálculo dos juros até ao vencimento da livrança (07 de junho de 2018) mas até 18 de maio de 2018, cfr. esclarecimento que consta de fls. 85 dos autos. O que é mais favorável ao Embargante. Assim, os juros são, respetivamente de: 15.010,28 euros; 20,45 euros (desde 13.07.2015 a 18.05.2018), 15,53 euros (desde 13.08.2015 a 18.05.2018), 1,25 euros (desde 06.10.2015 a 18.02.2018), 2,42 euros (desde 13.08.2015 a 18.05.2018), 3,75 euros (desde 06.10.2015 a 18.02.2018). Sobre os juros, incide o respetivo imposto de selo, no montante de 602,32 euros. Num total de 96.263,67 euros. A selagem da livrança corresponde, assim, ao valor de 481,32 euros.» (itálico aditado). Não resulta, pois, claro qual o específico cálculo aritmético realizado para se chegar àquele montante de juros moratórios vencidos de 15.010,28 euros. Sabe-se, no entanto, que, previamente ao despacho saneador, a Embargada/Apelada veio prestar esclarecimentos, afirmando o seguinte: «6. E o critério que permite aferir do cálculo dos juros é o que resulta da Lei e do Contrato, (cf. artigo 805º, n.º 1 do Código Civil (“CC”) e (cláusula 5ª e 13ª do Contrato), ou seja os juros foram calculados à taxa de 7% desde a data de vencimento de cada verba até 18/05/2018, o que perfaz o valor de juros de mora vencidos de € 15.073,81. 7. O título executivo subjacente à execução é uma livrança subscrita no montante de € 96.280,23, vencida em 07-06-2018; 8. Sendo que ao referido valor acresceram juros de mora à taxa legal em vigor de 4%, no valor de € 4.125,54, contabilizados desde a data de vencimento da livrança - 07-06-2018 até 03-07-2019 – data da propositura da execução; 9. Acresce ainda o valor do Imposto do Selo sobre a livrança: no montante de € 481,40; bem como o Imposto do Selo sobre os juros de mora vencidos: € 165,02; 10. O que perfaz o referido total em divida de € 101.052,19 (cem e um mil e cinquenta e dois euros e dezanove cêntimos)» (cfr. fls. 85 do processo físico, com itálico aditado). Como refere o Apelante, na sentença ter-se-á seguido o dito «esclarecimento que consta de fls. 85 dos autos», com a aludida «taxa de 7%» como referencial para o cálculo dos juros moratórios vencidos. Porém, como também enfatiza o Recorrente, a taxa a atender é a «taxa legal, acrescida de dois pontos percentuais» [cfr. ponto viii, não impugnado, dos factos provados da sentença, segundo o qual as partes acordaram que, não sendo efetuado o pagamento na referida data, seriam devidos juros de mora, à taxa legal, acrescida de dois pontos percentuais]. Assim, importa a taxa pretendida de 6% ao ano (correspondente a 4% + 2%), e não a de 7%, em conformidade com a cláusula 13.ª do contrato celebrado (cfr. fls. 39 do processo físico). Por isso haverá de conferir-se alguma razão nesta parte ao Apelante, aplicando-se aquela taxa de juros moratórios vencidos de 6% – sem esquecer que do ponto fáctico provado em xiv, não impugnado, resulta que a credora concedeu um prazo de pagamento do capital até ao dia 25/09/2015, sob pena de instauração de ação executiva, termos em que é adequado contabilizar desde então, como pretende o impugnante, os juros moratórios sobre o capital –, com a consequente adesão, quanto aos demais montantes parcelares de juros moratórios, aos valores (e modo/taxa de cálculo) constantes da tabela apresentada no âmbito da conclusão 7.ª do Recorrente ([7]). Assim, o segmento fáctico em questão terá de sofrer alteração, nos termos da seguinte redação: «1. (…) a. a esse valor acrescem juros de mora, sendo que os vencidos até 18/05/2018 são contados à taxa de juros moratórios de 6% ao ano (correspondente a 4% + 2%, de acordo com a cláusula 13.ª do contrato celebrado), perfazendo € 12.760,28; 2. (…) a. a esses valores acrescem juros de 17,54 € (desde 12-07-2015 a 18-05-2018), 13,32 € (12-08-2015 a 18-05-2018), 1,07 € (desde 06-10-2015 a 18-05-2018), 2,08 € (desde 06-10-2015 a 18-05-2018), 3,22 € (06-10-2015 a 18-05-2018) e 3,60 € (desde 06-10-2015 a 18-05-2018).». Em suma, procede em parte a impugnação da decisão da matéria de facto, com a consequente alteração da parte fáctica da sentença em conformidade. B) Da matéria de facto Após as alterações introduzidas pela Relação, é a seguinte a factualidade provada: ... D) Da substância jurídica do recurso 1. - Do preenchimento abusivo da livrança Continua o Embargante/Apelante a afirmar existir preenchimento abusivo da livrança, mormente quanto ao valor nela inscrito, por superior ao devido. É certo ter ficado apurado que a livrança foi preenchida pela Exequente com o montante de €96.280,23 (facto xv), quando é sabido que na sentença em apreciação se considerou ascender a dívida por aquela titulada (e o correspondente crédito exequendo, nessa parte) a valor inferior (o de «96.263,67 euros»). Em tal sentença, perspetivando a questão decorrente dessa divergência de valores, pode ler-se: «Somos da convicção de que deverá proceder-se à mera reconfiguração da pretensão cambiária, de modo a contê-la dentro dos limites excedidos. Pelo que, o valor da livrança exequenda passará a corresponder 96.263,67 euros, acrescido de selagem de 481,32 euros e juros à taxa de 4%/ano desde o vencimento da livrança até integral pagamento.» (sublinhado aditado). Que dizer? Em primeiro lugar, dir-se-á que, de acordo com a alteração fáctica introduzida pela Relação – em consequência da procedência da impugnação da decisão da matéria de facto –, a diferença de valor entre o efetivamente devido e o valor inscrito na livrança é mais significativa do que o apurado na 1.ª instância. Assim, temos que, quanto a capital e comissões, estes ascendem a € 80.603,47, enquanto os juros de mora vencidos ascendem ao total de € 12.801,11, perfazendo o montante conjunto de € 93.404,58. É certo que a este montante acrescem ainda juros de mora nos termos do dispositivo da sentença (desde 07/06/2018 e até integral pagamento, mediante a taxa de 4% ao ano, âmbito decisório não objeto de impugnação), bem como, por outro lado, €602,32 de imposto de selo sobre juros (ponto xviii, 3.) e €481,32 de selagem da livrança (ponto xix), assim perfazendo um total global já líquido de € 94.488,22. Sempre abaixo, pois, do valor inscrito na livrança, de €96.280,23 (sem olvidar que o montante relevante, nesta ponderação, é aqueloutro de € 93.404,58). Esta divergência em desfavor dos devedores (no caso, de um seu garante) pode ter-se devido a erro de cálculo ou a outras razões, sendo imputável, em qualquer caso, à conduta de quem procedeu ao preenchimento do título, a Exequente/Apelada, não se apurando, contudo, que tal portadora tenha agido de má-fé. Todavia, seguro é, desde logo, por outra razão, não poder agora proceder a exceção do invocado preenchimento abusivo. Com efeito, esse meio de defesa, deduzido expressamente na petição de embargos – onde devia ser concentrada toda a defesa à execução –, foi conhecido e decidido em sede de despacho saneador, onde se deixou expresso o seguinte: «Concluo assim não se verificarem os pressupostos (de facto nem de direito) do preenchimento abusivo. O que não significa e, por isso, não impede que se sindique a configuração da menção referente ao montante aposto no titulo, como correspondente à quantia em divida. Sendo que, caso se conclua que essa menção é incorreta, proceder-se-á à sua reconfiguração de acordo com a vontade real dos declarantes. Inspecionada a livrança ela é exigível – visto que se mostra vencida – e exequível. (…) Com os fundamentos atrás expostos, julgo improcedente a exceção invocada.» (cfr. fls. 96 do processo físico). Ora, desta decisão de improcedência da exceção do preenchimento abusivo – ou do demais decidido no despacho saneador – não foi interposto qualquer recurso, pelo que a matéria ficou definitivamente decidida, tendo transitado em julgado (cfr. art.ºs 619.º, n.º 1, e segs. e 628.º, todos do NCPCiv.). Por isso, sob pena de ofensa do caso julgado já formado nos autos, não poderia agora conhecer-se dessa matéria e julgar-se de modo divergente. Donde que tenha de improceder, sem necessidade de outras considerações, o recurso nesta vertente, sem prejuízo de se poder – e dever – proceder à dita «reconfiguração da pretensão cambiária, de modo a contê-la dentro dos limites excedidos», o que se procurará fazer ulteriormente. 2. - Da inexigibilidade da obrigação e da inexequibilidade do título Continua também o Apelante a pugnar pela inexigibilidade da obrigação exequenda e pela inexequibilidade do título (cfr. conclusões 11.ª a 15.ª), mormente por o preenchimento da livrança ter sido abusivo quanto ao valor nela inscrito. Ora, sobre esta matéria também já se pronunciou a 1.ª instância no despacho saneador, concluindo, inequivocamente, no sentido de ser a «livrança (…) exigível – visto que se mostra vencida – e exequível». Por isso, também nesta parte, na ausência de recurso do despacho saneador, ocorreu trânsito em julgado, inclusive quanto ao invocado no respeitante à insolvência da devedora principal ([8]), com a consequência de não poder agora conhecer-se dessa matéria, designadamente para julgá-la de modo divergente. Donde que tenham de improceder as conclusões do Apelante em contrário. 3. - Da não interpelação do avalista/embargante Esgrime ainda o Recorrente que a contraparte não o interpelou, enquanto avalista, para o preenchimento da livrança em branco, determinando a imprestabilidade de título executivo dos autos (cfr. conclusões 16.ª e segs.). Considera que, perante a devolução, sem culpa sua, da carta que lhe foi remetida, devia ter ocorrido repetição do ato comunicativo, para, em caso de nova devolução, se poder presumir a culpa exclusiva do destinatário quanto à não receção ou desconhecimento do respetivo teor, tudo à luz das disposições combinadas dos art.ºs 224.º, n.ºs 1 e 2, do CCiv., e 229.º, n.ºs 4 e 5, do NCPCiv.. Na sentença em crise foi adotado o seguinte entendimento: «(…) no vertente caso, o Embargado interpelou o Embargante, nos termos que constam da fundamentação de facto. (…) A declaração recipienda, consoante dispõe o n.º 1 do artigo 224.º do Código Civil, torna-se apta a produzir os efeitos intencionados pelo declarante logo que é efetivamente conhecida pelo destinatário ou quando chega ao poder do destinatário em condições de ser por ele conhecida ou a partir do momento em que, normalmente, teria sido recebida pelo destinatário, caso este tivesse obstado, com culpa, à sua oportuna receção. (…) Porém, para a lei basta que a declaração chegue ao poder do destinatário, atinja a sua esfera jurídica, em condições de ser por ele conhecida, para se tornar eficaz, revelando-se indiferente que tome ou não efetivo conhecimento do respetivo conteúdo. Consagra-se, portanto, um desvio a favor da teoria da receção, que se mostra totalmente razoável: trata-se de considerar a declaração eficaz a partir do momento em que, segundo as regras da experiência comum e os usos do tráfego, fique apenas a depender de ato do destinatário entrar no seu conhecimento. (…) A lei procura, desta forma, repartir de forma equilibrada, quer a prova das comunicações, quer os riscos a que as mesmas se expõem. E consagra uma perspetiva intermédia, conjugando e temperando a teoria do conhecimento com a da receção. Assim, por exemplo, se é entregue uma carta, sem sobrescrito fechado, na caixa de correio da morada correspondente à residência habitual do destinatário espera-se que o mesmo a vá recolher, que a abra e que leia a comunicação dela constante. Em coerência com este pensamento, se for o destinatário a impedir, culposamente, que a declaração chegue à sua esfera de poder, tudo se passa como se ela tivesse sido oportunamente recebida. Deste modo, mesmo que o destinatário da carta não se dispuser a recebê-la, recusando-se a assinar o registo ou a reclamação na estação de correios quando lhe tenha sido deixado aviso para o fazer, considera-se a declaração eficaz a partir do momento em que poderia tê-la recebido. O que também acontecerá quando a receção se frustre por virtude de o declaratário não ter comunicado à contraparte a alteração de morada para onde, nos termos acordados, deveria ser feita determinada comunicação ou interpelação. (…) No caso, o Embargado juntou prova documental que prova o envio da carta, para a morada que resulta do contrato. Deste modo, mesmo que o destinatário da carta não se dispuser a recebê-la, considera-se a declaração eficaz a partir do momento em que poderia tê-la recebido.». Vejamos. Consta dos factos provados que as partes acordaram que quaisquer interpelações ou comunicações a realizar ao abrigo do dito contrato (e salvo indicação escrita em contrário) deveriam ser dirigidas para as moradas indicadas na identificação das partes (ponto ix), sendo que o Embargante/Apelante indicou como morada a Rua ... (ponto x). Ora, a Exequente/Apelada procedeu ao preenchimento da livrança, apondo-lhe como data de emissão 28/05/2018 (ponto xv), data essa em que, por outro lado, dirigiu àquele Embargante, para a morada indicada por ele (sita em Leiria, na Rua ...), carta registada com aviso de receção, que consta de fls. 64 a 69 dos autos, informando quanto aos valores em dívida, ao preenchimento da livrança e data de pagamento do valor inscrito na mesma (ponto xvi), carta essa que, porém, foi devolvida ao Exequente por não ter sido reclamada pelo destinatário (ponto xvii). Assim, dúvidas não podem restar de ter a carta, remetida por via postal – sob registo e com aviso de receção –, sido enviada para a morada que o próprio destinatário/declaratário havia indicado para o efeito, termos em que o declarante (a aqui Apelada) empregou, como é forçoso concluir, os meios adequados ao seu dispor para fazer chegar a comunicação (declaração recetícia) ao respetivo destinatário. É certo que esta a não recebeu, mas sabe-se porquê. Como resulta de fls. 64 a 69 do processo físico, ocorreu devolução ao remetente com a menção de «Objeto não reclamado» (fls. 68), não tendo o destinatário atendido («Não Atendeu», mas ficou «AVISADO», como mencionado a fls. 69). Podia, pois, o Embargante/Apelante ter reclamado, junto dos serviços postais, a carta que lhe era dirigida, em conformidade com o «aviso» que lhe foi deixado (no seu recetáculo postal), mas optou por não o fazer (aludido ponto xvii). Como referem Pires de Lima e Antunes Varela ([9]), a propósito da norma do n.º 2 do art.º 224.º do CCiv. ([10]), «como medida de protecção do declarante, considera-se eficaz a declaração que não foi recebida por culpa do declaratário. É o caso, por exemplo, de este se ausentar para parte incerta ou de se recusar a receber a carta, ou de a não ir levantar à posta-restante como o fazia usualmente». Assim sendo, tendo sido o próprio Embargante/Apelante a indicar a morada para onde deveriam ser remetidas as interpelações ou comunicações a realizar, o que foi observado pela contraparte/declarante, a frustração da efetiva entrega da carta que continha a comunicação decorre de culpa exclusiva do destinatário, que não procedeu ao seu levantamento/reclamação junto dos Correios, apesar de avisado para tanto e de ter ao seu dispor todos os meios para o efeito. Termos em que a sua opção – de não levantamento/reclamação da carta, ocasionando a frustração da entrega e o não conhecimento da comunicação adequadamente remetida –, livremente assumida e só a si imputável, implica que deva considerar-se, nos termos legais (dito n.º 2 do art.º 224.º), eficaz a declaração e a inerente interpelação ([11]). Em suma, improcede a argumentação do Apelante assente na pretendida – mas não verificada – falta de interpelação do avalista. 4. - Da verificação/exatidão do montante exequendo Resta, então, proceder, como dito na sentença e já admitido no despacho saneador, à correta «reconfiguração da pretensão cambiária», contendo-a «dentro dos limites excedidos». Como visto – e se reitera –, ocorrendo, in casu, diferença entre o efetivamente devido e o valor inscrito na livrança, os valores a acolher são os seguintes: a) Quanto a capital e comissões, estes ascendem ao montante total de € 80.603,47; b) Os juros de mora vencidos ascendem ao total de €12.801,11; perfazendo o montante conjunto de € 93.404,58; c) Acrescem juros de mora nos termos do dispositivo da sentença (desde 07/06/2018 e até integral pagamento, à taxa de 4% ao ano); d) O montante de €602,32, de imposto de selo sobre juros; e e) A quantia de €481,32, de selagem da livrança; assim perfazendo um total global já líquido de € 94.488,22 (inferior ao valor inscrito na livrança, de € 96.280,23). Donde que, na parcial procedência do recurso, deva alterar-se a decisão recorrida, procedendo em parte os embargos, com redução da quantia exequenda em conformidade. IV – SUMÁRIO (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.): 1. - Deduzidos na petição de embargos – onde devia ser concentrada toda a defesa à execução – determinados meios de defesa (exceções do preenchimento abusivo da livrança, da inexigibilidade da obrigação exequenda e da inexequibilidade do título), os quais foram julgados improcedentes no despacho saneador, de que não foi interposto recurso, ocorreu trânsito em julgado quanto a essa matéria decidida, não podendo, por isso, conhecer-se no recurso da sentença de questões referentes a tais meios de defesa. 2. - Provado que, para interpelação do avalista quanto ao preenchimento da livrança exequenda (avalizada em branco), lhe foi remetida carta registada com aviso de receção para a morada que o mesmo havia indicado contratualmente para o efeito de realização de quaisquer interpelações ou comunicações, carta essa que só não foi recebida por o destinatário a não ter reclamado, apesar de avisado, junto dos serviços postais, opera o disposto no n.º 2 do art.º 224.º do CCiv., considerando-se eficaz a interpelação, visto a respetiva declaração recetícia só não ter sido recebida por culpa do destinatário. 3. - Em tal caso, havendo normação substantiva específica não lacunar, não são aplicáveis normas adjetivas referentes à citação do réu, como o previsto no art.º 229.º, n.ºs 4 e 5, do NCPCiv., que apenas colhem aplicação no âmbito processual, visto o gravoso efeito cominatório decorrente da citação.V – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação, na parcial procedência da apelação, em alterar a decisão recorrida, julgando os embargos apenas parcialmente procedentes, termos em que: a) Determinam o prosseguimento da execução, quanto ao Embargante/Apelante, para pagamento da quantia de € 80.603,47, referente a capital e comissões; b) Bem como respetivos juros de mora vencidos até 18/05/2018, no montante de €12.801,11 (perfazendo, assim, o valor conjunto líquido de €93.404,58); c) Acrescendo remanescentes de juros moratórios, desde 07/06/2018 até integral pagamento, à taxa de 4% ao ano; d) Tal como o montante de €602,32, referente a imposto de selo sobre juros; e e) A quantia de €481,32, respeitante a selagem da livrança (assim perfazendo um total global já líquido de € 94.488,22). No mais, julgam, na procedência dos embargos, extinta a execução. Custas da apelação e dos embargos por ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento (dependente de simples cálculo aritmético). Coimbra, 16/03/2021 Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior). Assinaturas eletrónicas e em teletrabalho. Vítor Amaral (relator) Luís Cravo Fernando Monteiro
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