Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MARIA PILAR DE OLIVEIRA | ||
Descritores: | BUSCA DOMICILIÁRIA TEMPO DE DURAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 04/07/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | LEIRIA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ART. 177.º DO CPP | ||
Sumário: | A busca (domiciliária) não pode ser sujeita, no mandado judicial respectivo, a limite de duração que extravase o que a lei expressamente determina no artigo 177.º do CPP; de outro modo, em muitos casos, inviabilizar-se-ia o resultado visado com aquele meio de obtenção da prova. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. Relatório No processo de inquérito 124/15.0PAPBL da Comarca de Leiria, DIAP de Pombal, Secção Única, o Ministério Público proferiu o seguinte despacho: Segredo de Justiça: Resulta do disposto no artigo 86º, n.º 1 do Código de Processo Penal, que o processo penal é, sob pena de nulidade, público, ressalvadas as excepções previstas na lei. Não obstante, preceitua o n.º 3 daquele artigo 86º do Código de Processo Penal: "Sempre que o Ministério Público entender que os interesses da investigação ou os direitos dos sujeitos processuais o justifiquem, pode determinar a aplicação ao processo, durante a fase de inquérito, do segredo de justiça, ficando essa decisão sujeita a validação pelo juiz de instrução no prazo máximo de setenta e duas horas". Ora, o segredo de justiça está previsto no artigo 20º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa, sendo justificado com uma dupla finalidade - a saber - garantir o respeito pelo princípio da presunção de inocência do arguido e garantir a eficácia da investigação e da preservação dos meios de prova, quer quanto às provas já obtidas, quer quanto às provas a obter. Também assume, neste âmbito, uma função de garantia para outros intervenientes no processo, em particular as vítimas e as testemunhas, que, de outra forma, poderiam ficar, logo numa fase preliminar do processo, expostas a retaliações e vinganças dos arguidos ou de pessoas que lhes estejam associadas'. O Código de Processo Penal pretende efectuar um equilíbrio saudável entre os interesses da investigação (que se pretende eficaz e rápida), a defesa da sociedade contra o crime, a defesa do arguido e dos demais intervenientes. A regra da publicidade admite, no entanto, excepções, sendo a que nos interessa no momento, aquela que estabelece que, quando o Ministério Público entender que os interesses da investigação ou os direitos dos sujeitos processuais justificam a sujeição do processo, durante a fase de inquérito, ao instituto do segredo de justiça, esse segredo possa ser aplicado. Ora, como é sabido, segredo de justiça será aquele especial dever de que são investidas determinadas pessoas que intervêm no processo penal, de não revelar factos ou conhecimentos que só em razão dessa qualidade adquiriram. No âmbito objectivo, o segredo de justiça exprime-se sempre numa obrigação de abstenção, portanto sob a forma de uma proibição: proibição de assistência ou tomada de conhecimento e proibição de divulgação. No âmbito subjectivo, traduz-se num ónus imposto a certas pessoas, em função da sua posição processual. Nos presentes autos, face ao tipo de crimes em investigação, a ressonância social da sua comissão, a necessidade de salvaguardar a prova obtida, a necessidade de salvaguardar a prova a obter, a necessidade de evitar que os suspeitos e outros, pelo conhecimento antecipado dos factos e das provas, actuem de forma a perturbar o processo, dificultando o aparecimento daqueles e a reunião destas, à pretensão punitiva do Estado e ao interesse na descoberta da verdade, resulta indubitável a necessidade de sujeição dos presentes autos, durante a fase de inquérito, a segredo de justiça, o que se determina. Trata-se de salvaguardar a investigação criminal e garantir os melhores resultados possíveis a que se possa chegar. Assim, determino, nos termos do disposto no artigo 86º, n.º 3 do Código de Processo Penal, a aplicação, nos presentes autos, nesta fase de inquérito, do segredo de justiça.
Conclua, pelo exposto, os autos ao Mmo. Juiz nos termos e para os efeitos do disposto artigo 86º, n.º 3, parte final, do Código de Processo Penal.
Caso seja validada a decisão do MP no que diz respeito ao segredo de justiça, identifiquem-se os autos, nos termos habituais e na capa, como estando sujeitos a segredo de justiça.
Buscas: Conforme resulta dos presentes autos de inquérito, mais propriamente da conjugação do auto de notícia de fls. 3 a 6, declarações do ofendido/arguido A... e testemunhas B... e C... (cfr. fls. 46 e seguintes) e ainda informações da PSP de fls. 68/69, recaem sobre D... fortes suspeitas de deter, na sua residência, automóvel ou pessoa uma - uma pistola ou revólver - o que pode consubstanciar a prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, n.º 1, alínea e) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro. Com efeito, é confirmado que foi visto a apontar uma arma ao ofendido e não possui armas manifestadas ou registadas nem LUPA, não estando, pois, habilitado a deter tais armas. Por outro lado, há indicações de que tais armas poderão ter sido utilizadas para fins que contrariam as obrigações gerais/normas de conduta previstas no artigo 39°, n.º 1 e 2, alíneas e) e d) da referida Lei das Armas, o que, como se depreende, aliada à detenção ilegal daquelas, gera insegurança e potencia práticas que comportam perigos acrescidos, na medida em que também se desconhece se tal indivíduo sabe manejar armas de fogo. Importa, por tudo isto, pôr cobro à situação verificada e potencialmente perigosa, importando afastar o perigo que advém da detenção ilegal de arma(s) com aquela(s) característica(s). Porém, atendendo ao tipo de crime em investigação e à dificuldade de obtenção de elementos de prova, afigura-se-nos que a comprovação de tais suspeitas apenas pode lograr efectivar-se mediante a realização imediata de busca à residência do suspeito D... , residente na Rua x(...) , Pombal e respectivos anexos e garagens a fim de, dessa forma, se viabilizar a apreensão de material probatório com relevo para a investigação e respectivo prosseguimento, bem como a fim de apurar as responsabilidades do arguido no eventual cometimento do crime referido e restantes factos denunciados e apurados até à data.
Assim, remeta os autos ao Mm.º Juiz de Instrução Criminal junto de quem se promove seja autorizada busca à supracitada residência sita na Rua x(...) , Pombal e respectivos anexos e garagens, se necessário com arrombamento, nos termos expostos e ao abrigo do disposto nos artigos 174º, n.ºs 2, 3 e 4, 177º, n.º 1, 176º e 178º, todos do Código de Processo Penal.
O Juiz de Instrução, relativamente a tais pretensões, proferiu o seguinte despacho: É a publicidade a regra do procedimento (art. 86 n.s 1 do C.P.P.). Não se mostra concretamente alegado qualquer evento ou acontecimento que imponha que um inquérito em que se indicia ofensa à integridade física, injúria e ameaça (sob modo de execução mais básico: chapada e linguagem), em que já foram inquiridas testemunhas, fique sujeito a tal exceção, pelo que não se valida a aplicação de segredo de justiça.
Atenta a inquirição das testemunhas inquiridas a 14.07.2014 (n.s 3 e n.v 4), bem como as declarações do ofendido e a informação da P.S.P. de fls. 69 entende-se existirem indícios idóneos a que se ordene a busca domiciliária como se promove em termos factuais, indiciando-se assim a detenção de arma proibida p. e p. no artigo 86 n.s 1 al. e) da Lei 5/2006. O meio é proporcional: na verdade trata-se de lesão ocasional e temporário do direito fundamental em prol da segurança comunitária e o escopo concreto da perseguibilidade penal. Assim, nos termos dos arts. 174 n.º 2 e 177 n.º 1 do C.P.P ., autoriza-se a entrada na habitação de D... na R. x(...) , Pombal das 7.00h. às 21.00h., e sob a duração máxima de um hora de estadia na referida habitação, em ordem a serem apreendidas armas de fogo. Execução a efectuar pela P.S.P.-Pombal até 2 de outubro de 2015, inclusivé, descrevendo-se as circunstâncias em que a mesma decorreu sob auto (art. 99 n.º 3 do C.P.P.) bem como, caso necessário, as circunstâncias que motivaram ocorrências como o arrombamento, a realizar em último caso. Extraia cópia autenticada deste despacho para os devidos efeitos - artigo 176 n.º 1 e n.º 2 do C.P.P., comunique-se passando-se mandados (artigos 106 e 111 n.º 3 al. a) do Código de Processo Penal). Remeta-se aos serviços do Ministério Público.
Perante o conteúdo deste despacho o Ministério Público ordenou de novo a remessa dos autos ao Juiz de Instrução em despacho do seguinte teor: Compulsado o despacho e mandado de busca domiciliária que antecedem verifica-se que do mesmo consta que mandado deverá ser cumprido até ao dia 2 de Outubro inclusivé "das 7:00 horas às 21 :00 horas, e sob duração máxima de uma hora de estadia na referida habitação". Uma vez que não se vislumbra o fundamento de facto ou legal para tal restrição temporal de estadia em casa do buscado por parte da polícia, e podendo tratar-se de mero lapso, remeta os autos ao Mmo. JIC, junto de quem se solicitam esses esclarecimentos, desde já se promovendo, face ao tempo decorrido e que decorrerá, a prorrogação do prazo para a realização das buscas, com emissão de novos mandados.
O Juiz de Instrução proferiu então o seguinte despacho: Atento o tipo de investigação referido, pequena e média criminalidade, a medida de violação do direito fundamental e sua necessidade afere-se pelo factor "duração" do ato, o que convoca o conceito de proporcionalidade. A autorização da violação do conteúdo do direito fundamental é sujeita à necessidade e à proporcionalidade, cfr. artigo 18 da C.R.P .. Em concreto, serão precisas catorze horas para se encontrar uma possível arma dentro do domicílio? Obviamente que não. Acaso, se fosse autorizado sem tal duração, poderia o o.p.c. estar as catorze horas dentro de casa? Sim, mas excessivo. Ora, em face da simplicidade da operação, entende-se que uma hora é suficiente para a restrição, e uma vez que o o.p.c. não indica qualquer logística complexa. Por fim, compete ao JIC na sua veste de aplicador concreto e materialmente fundado a medida de restrição de um direito como se percebe do texto-norma constitucional.
Inconformado com o teor dos transcritos despachos judiciais, deles recorreu o Ministério Público, condensando a respectiva motivação nas seguintes conclusões: I - No âmbito dos presentes autos de inquérito, foi determinado o segredo de justiça, porquanto se desenhava a necessidade de proceder a busca domiciliária para averiguar se o arguido D... detinha, na sua residência, anexos e arrecadações, uma arma de fogo, alegadamente utilizada para ameaçar terceiros, sendo que não detém licença de uso e porte de arma nem armas manifestadas. 2 - Remetidos os autos a despacho judicial, o Mmo. JIC não validou a aplicação do segredo de justiça aos autos, afirmando não se mostrar concretamente alegado qualquer evento ou acontecimento que imponha que um inquérito fique sujeito a tal excepção, 3 - Deferindo o pedido de busca domiciliária, especificando que a mesma poderia ocorrer até ao dia 2 de Outubro, "das 7:00 horas às 21:00 horas, e sob duração máxima de uma hora de estadia na referida habitação em ordem a serem apreendidas armas de fogo". 4 - Pela perplexidade gerada com este último segmento do despacho, foram solicitados esclarecimentos sobre o fundamento legal e factual para tal restrição, respondendo o Mmo. Juiz, genericamente, que tal restrição teria apoio no princípio da proporcionalidade, constitucionalmente garantido. 5 - Quanto ao segredo de justiça, o mesmo foi determinado com vista a salvaguardar o inquérito e evitar o conhecimento, pelos sujeitos processuais ( em especial o arguido D... ) que tinham livre acesso aos autos (face à regra geral da publicidade), da busca que se pretendia e iria realizar. Daí que o despacho que determinou aquele segredo tivesse unicamente essa finalidade, sendo essa determinação indissociável, como bem e facilmente se alcança, do despacho que promoveu a realização de busca domiciliária àquele arguido, tendo de haver uma leitura conjunta de ambos. 6 - Respeitante à condição colocada para realização da busca, tanto quanto sabemos é a primeira vez que é tomada uma posição restritiva deste teor em inquéritos e pedidos semelhantes. 7 - Não sendo indicada, apesar das generalidades constitucionais, qualquer base legal/processual penal ou factual concreta para a restrição em causa, porque pura e simplesmente, não existe qualquer fundamento para imposição dessa restrição/requisito. 8- Sendo impossível, à partida e em abstracto, saber quanto tempo será necessário para encontrar uma arma de fogo, objecto que, pela sua natureza, se esconde sem dificuldade numa imensa variedade de locais e por mais pequena que seja a casa, anexos e arrecadações. 9 - A restrição de estadia de apenas uma hora por parte da polícia na casa do visado não só esvazia a autonomia técnica e táctica da polícia, como leva a que o Mmo. JIC extravase as suas funções de controlo jurisdicional, ao estabelecer limites não previstos na lei, que contrariam os regras de experiência e senso comum, entrando nos terrenos próprios da actuação policial, e por isso, actuação administrativa. 10 - Parecendo haver, também, confusão entre a singeleza do crime e objecto buscado com o tempo que pode demorar a encontrá-lo, o que não tem nem pode ter ligação necessária, sendo ainda certo que numa busca domiciliária podem ser encontrados outros objectos relacionados com estes factos ou até objectos que consubstanciem outros crimes, significando que nada se esgota no objectivo inicial. 11 - Ora, pretendendo o Mmo. JIC ser tão proporcional na sua tomada de posição, acaba por ser totalmente desproporcional e irrazoável, impondo actuações e requisitos para além do que o CPP exige,já que a busca tem apenas de começar e acabar entre as 7H00 e as 21H00, devendo seu fim depender apenas do cumprimento dos objectivos da busca, e não de um qualquer limite, não previsto nem dependente do decisor, imposto judicialmente. 12 - Assim, pegando na pergunta efectuada no despacho de fls. 85: "Em concreto, serão precisas catorze horas para se encontrar uma possível arma dentro do domicílio?", poderá responder-se que "Sim, se as idiossincrasias do caso o exigirem". 13 - Podendo, com as bases impostas, perguntar-se também como seria se, fixando-se a PSP nos limites impostos pelo Mmo. Juiz, não encontrasse o objecto no prazo de uma hora? Porventura interrompia a busca e solicitava novos mandados, com a informação de que não teve tempo para mais, deitando por terra, pelo conhecimento do suspeito do que se visava com a busca, os objectivos da diligência? 14 - Não se alcançando, pois, qual o critério do Mmo. JIC para se saber de quanto tempo precisa o OPC para uma busca domiciliária, impondo o entendimento colocado em crise uma aleatoriedade e dúvidas inadmissíveis, num domínio legal claro, balizado e facilmente apreensível no caso concreto - das 7 às 21 horas, sem mais restrições. 15 - Face ao exposto, no que diz respeito à não validação do segredo de justiça, e porque no processo se pretendia acautelar o conhecimento prévio das buscas pelos sujeitos processuais, principalmente o arguido visado por aquela diligência, o Mmo. JIC violou o disposto no artigo 86°, n.º 3 do CPP. 16 - Ao fixar um limite temporal máximo de uma hora de estadia da PSP na residência alvo de busca, o Mmo. JIC extravasou os seus poderes jurisdicionais, entrando em campo administrativo policial e violou, não só as regras da experiência comum, mas também o disposto no artigo 174º, n.º 2 a 4 e 177°, n.º 1, ambos do CPP. 17 - Devendo, em consequência, serem os despachos judiciais revogados e substituídos por outros, que validem o segredo de justiça aplicado e que determinem a realização da requerida busca domiciliária, sem qualquer limite temporal de estadia da polícia na residência do buscado que não o legal, agora com outro limite temporal de dias para a sua realização. Contudo, V. Exas. Farão JUSTIÇA.
Foi proferido despacho de admissão do recurso. O Juiz de Instrução exarou sustentação das decisões recorridas do seguinte teor: a) Quanto ao segredo de justiça importa dizer que o objecto destes autos é comum, há centenas de processos por esse país fora de igual jaez. Não há um único fundamento concreto de perigosidade do inquérito. Há arguidos constituídos no processo. Houve inquirição de testemunhas. O segredo de justiça é pois excessivo, para além de obviamente inútil. b) O conteúdo do direito fundamental da inviolabilidade do domicílio é a entrada no domicílio o qual se acentua no contexto da "duração". Uma coisa é uma busca em que se procura centenas de documentos ou objectos numa habitação, outra coisa é aquela em que se procura uma arma numa habitação, onde uma hora é suficiente, como decorre das regras de experiência comum. Não é à toa que há bem pouco tempo se definiu legalmente a vigência do ato intrusivo, n.s 4 do art. 174 do C.P.P .. Mas importa ir mais longe: dar conteúdo material ( existente, visível). Não havendo informação do organismo instrumental (o o.p.c.), não pode o Juiz se eximir de definir a concreta acção intrusiva limitadora do direito fundamental (o mesmo se passa na detenção, onde o subscritor deste despacho há mais de uma década concretizou o número de horas, perante o silêncio ou indiferença do direito fundamental em causa). Tudo isto é claro. Assim, do alegado dir-se-à (ponto 3. do requerimento de recurso): a) Incumbe ao o.p.c. dizer o que precisará de duração da concreta violação num juízo de prognose táctico, e no silêncio tal incumbirá ao juiz; b) e e) Incumbe à primeira instância a primeira frente das questões jurídicas, se as não tiver, o Direito não evolui, ou se é inerte sobre o mesmo. Na alegação sobre outros objectos fortuitos encontrados no local, importa dizer que a busca é meio de obtenção de prova e não um rastreio, e mais pouco a dizer: arts. 174 n.º 5 e n.º 6 e 249 do C.P.P .. Ora, função irrecusável do juiz é concretizar direitos ao nível da quantidade ( exógena e endógena) por comando da norma convocada do artigo 18 da C.R.P., mesmo perante o silêncio da Administração (Polícia). Em suma, inquina a busca o facto de se fixar uma hora de duração quando está em causa uma arma? A que título reteve o M.P. os mandados?
Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto não emitiu parecer. Colhidos os vistos legais e realizada conferência, cumpre apreciar e decidir. *** II. Apreciação do Recurso Como é sabido o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da correspondente motivação (artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal) sem embargo de questões do conhecimento oficioso. Assim, o recurso interposto suscita a questão de saber se a suspeita da detenção de arma proibida na posse do arguido justifica o decretamento do segredo de justiça e a questão de saber se o princípio da proporcionalidade na restrição de direitos impõe que se fixe um limite temporal para a realização de busca.
Apreciando: Embora o despacho recorrido pareça ignorar essa realidade e o decretamento do segredo pelo Ministério Público não evidencie devidamente esse fundamento, certo é que os autos revelam indícios de que o arguido é detentor de uma arma proibida e que a publicidade do processo pode colocar em questão a busca a realizar com a finalidade de encontrar tal arma. Parece-nos evidente que, caso o arguido tenha conhecimento deste específico objecto do processo, não ficará a aguardar passivamente pela realização da busca, nem entregará voluntariamente a arma ou armas que detenha fora das condições legais. Ora o artigo 86º do Código de Processo Penal preceitua que: 1 - O processo penal é, sob pena de nulidade, público, ressalvadas as excepções previstas na lei. 2 - O juiz de instrução pode, mediante requerimento do arguido, do assistente ou do ofendido e ouvido o Ministério Público, determinar, por despacho irrecorrível, a sujeição do processo, durante a fase de inquérito, a segredo de justiça, quando entenda que a publicidade prejudica os direitos daqueles sujeitos ou participantes processuais. 3 - Sempre que o Ministério Público entender que os interesses da investigação ou os direitos dos sujeitos processuais o justifiquem, pode determinar a aplicação ao processo, durante a fase de inquérito, do segredo de justiça, ficando essa decisão sujeita a validação pelo juiz de instrução no prazo máximo de setenta e duas horas. 4 - No caso de o processo ter sido sujeito, nos termos do número anterior, a segredo de justiça, o Ministério Público, oficiosamente ou mediante requerimento do arguido, do assistente ou do ofendido, pode determinar o seu levantamento em qualquer momento do inquérito. Pela razão já mencionada torna-se patente que estamos perante um caso em que os interesses da investigação justificam o decretamento do segredo de justiça e que este se deverá manter pelo menos até à realização da busca, sob pena de se inviabilizar a investigação de eventual crime de detenção de arma proibida. E se depois da realização dessa diligência não houver outro motivo que justifique o segredo, nos termos do artigo 86º, nº 4 do Código de Processo Penal pode o Ministério Público levantar o segredo, poder que é, evidentemente, vinculado ao cumprimento da lei que apenas permite o segredo nas situações que prevê e que, portanto, impõe ao Magistrado que dirige o inquérito o dever de ordenar o seu levantamento, sempre que inexista fundamento para o manter.
No que concerne à realização de busca e à necessidade ou não de limitar a sua duração em nome do princípio constitucional da proporcionalidade, a resposta pode encontrar-se no texto da lei processual e na finalidade da diligência. Por um lado é inquestionável que a lei processual penal, no seu artigo 177º, nº 1, apenas permite a busca em casa habitada ou numa sua dependência fechada seja efectuada entre as 7 e as 21 horas, não estabelecendo qualquer limite concreto quanto à sua duração senão o que resulta de não se poder realizar em diferente horário. Se a busca se destina a encontrar objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova e se encontrem em local reservado, como uma habitação ou anexos dela dependentes, a própria natureza das coisas levará à conclusão de que não é possível determinar com exactidão o tempo necessário para encontrar os objectos que se procuram, dependendo das circunstâncias concretos do espaço que vai ser objecto de busca e que apenas são conhecidos no momento da sua realização. O que significa que limitar o tempo de busca pode corresponder à impossibilidade de tornar eficaz diligência, em contradição com a finalidade legal visada com a permissão legal da sua realização. Considerando que, no dizer de Inocêncio Galvão Teles (Introdução ao Estudo do Direito, vol. I, 11ª ed., pág. 248) a lei, em princípio, deve ser entendida da maneira que melhor corresponda à consecução do resultado que o legislador teve em mira e que a lei estás para a “ratio legis” como o meio para o fim, e quem quer o fim quer o meio, se portanto o legislador quis atingir certo resultado, quis naturalmente, o meio a que esse resultado conduz. É para a realidade que se legisla. Se limitar o tempo de busca pode em muitos casos corresponder à impossibilidade do resultado que se visou com a sua permissão legal, temos por manifesto que a busca não pode ser sujeita a limite de duração que extravase o que a lei expressamente consigna. E tal não significará que a entidade que realiza a busca esteja autorizada por força do mandado judicial respectivo a permanecer no local da busca tempo superior ao que seja necessário posto que a sua presença no local apenas está legitimada para a realização da busca e deixará de estar legitimada logo que a mesma se encontre terminada, como decorre da lei. Pelo que precede merece integral provimento o recurso interposto, devendo os despachos recorridos ser substituídos por outro que valide o segredo de justiça e que determine a realização de busca sem tempo de duração limite, para além do que legalmente se encontra consignado. III. Decisão Pelo exposto acordam em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, revogam os despachos recorridos que devem ser substituídos por despacho que valide o segredo de justiça e que determine a realização da requerida busca, sem o antes imposto limite temporal de permanência da polícia na residência do buscado. Não há lugar a tributação em razão do recurso. *** Coimbra, 7 de Abril de 2016 (Texto processado e integralmente revisto pela relatora)
(Maria Pilar Pereira de Oliveira - relatora)
(José Eduardo Fernandes Martins - adjunto) |