Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
124/15.0PAPBL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA PILAR DE OLIVEIRA
Descritores: BUSCA DOMICILIÁRIA
TEMPO DE DURAÇÃO
Data do Acordão: 04/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 177.º DO CPP
Sumário: A busca (domiciliária) não pode ser sujeita, no mandado judicial respectivo, a limite de duração que extravase o que a lei expressamente determina no artigo 177.º do CPP; de outro modo, em muitos casos, inviabilizar-se-ia o resultado visado com aquele meio de obtenção da prova.
Decisão Texto Integral:




Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório

No processo de inquérito 124/15.0PAPBL da Comarca de Leiria, DIAP de Pombal, Secção Única, o Ministério Público proferiu o seguinte despacho:

Segredo  de  Justiça:

Resulta  do  disposto  no  artigo  86º,  n.º 1  do  Código  de  Processo  Penal,  que  o  processo  penal  é,  sob  pena  de  nulidade,  público,  ressalvadas  as  excepções  previstas  na  lei.

Não  obstante,  preceitua  o  n.º 3  daquele  artigo  86º  do  Código  de  Processo  Penal:  "Sempre  que  o  Ministério  Público  entender  que  os  interesses  da  investigação  ou  os  direitos  dos  sujeitos  processuais  o  justifiquem,  pode  determinar  a  aplicação  ao  processo,  durante  a  fase  de  inquérito,  do  segredo  de  justiça,  ficando  essa  decisão  sujeita  a  validação  pelo  juiz  de  instrução  no  prazo  máximo  de  setenta  e  duas  horas".

Ora,  o  segredo  de  justiça  está  previsto  no  artigo  20º,  nº 3  da  Constituição  da  República  Portuguesa,  sendo  justificado  com  uma  dupla  finalidade  -  a  saber  -  garantir  o  respeito  pelo  princípio  da  presunção  de  inocência  do  arguido  e  garantir  a  eficácia  da  investigação  e  da  preservação  dos  meios  de  prova,  quer  quanto  às  provas  já  obtidas,  quer  quanto  às  provas  a  obter.  Também  assume,  neste  âmbito,  uma  função  de  garantia  para  outros  intervenientes  no  processo,  em  particular  as  vítimas  e  as  testemunhas,  que,  de  outra  forma,  poderiam  ficar,  logo  numa  fase  preliminar  do  processo,  expostas  a  retaliações  e  vinganças  dos  arguidos  ou  de  pessoas  que  lhes  estejam  associadas'.

O  Código  de  Processo  Penal  pretende  efectuar  um  equilíbrio  saudável  entre  os  interesses  da  investigação  (que  se  pretende  eficaz  e  rápida),  a  defesa  da  sociedade  contra  o  crime,  a  defesa  do  arguido  e  dos  demais  intervenientes.

A  regra  da  publicidade  admite,  no  entanto,  excepções,  sendo  a  que  nos  interessa  no  momento,  aquela  que  estabelece  que,  quando  o  Ministério  Público  entender  que  os  interesses  da  investigação  ou  os  direitos  dos  sujeitos  processuais  justificam  a  sujeição  do  processo,  durante  a  fase  de  inquérito,  ao  instituto  do  segredo  de  justiça,  esse  segredo  possa  ser  aplicado.

Ora,  como  é  sabido,  segredo  de  justiça  será  aquele  especial  dever  de  que  são  investidas  determinadas  pessoas  que  intervêm  no  processo  penal,  de  não  revelar  factos  ou  conhecimentos  que  só  em  razão  dessa  qualidade  adquiriram.

No  âmbito  objectivo,  o  segredo  de  justiça  exprime-se  sempre  numa  obrigação  de abstenção,  portanto  sob  a  forma  de  uma  proibição:  proibição  de  assistência  ou  tomada  de  conhecimento  e  proibição  de  divulgação.  No  âmbito  subjectivo,  traduz-se  num  ónus  imposto  a  certas  pessoas,  em  função  da  sua  posição  processual.

Nos  presentes  autos,  face  ao  tipo  de  crimes  em  investigação,  a  ressonância  social  da  sua  comissão,  a  necessidade  de  salvaguardar  a  prova  obtida,  a  necessidade  de  salvaguardar  a  prova  a  obter,  a  necessidade  de  evitar  que  os  suspeitos  e  outros,  pelo  conhecimento  antecipado  dos  factos  e  das  provas,  actuem  de  forma  a  perturbar  o  processo,  dificultando  o  aparecimento  daqueles  e  a  reunião  destas,  à  pretensão  punitiva  do  Estado  e  ao  interesse  na  descoberta  da  verdade,  resulta  indubitável  a  necessidade  de  sujeição  dos  presentes  autos,  durante  a  fase  de  inquérito,  a  segredo  de  justiça,  o  que  se  determina.

Trata-se  de  salvaguardar  a  investigação  criminal  e  garantir  os  melhores  resultados  possíveis  a  que  se  possa  chegar.

Assim,  determino,  nos  termos  do  disposto  no  artigo  86º,  n.º  3  do  Código  de  Processo  Penal,  a  aplicação,  nos  presentes  autos,  nesta  fase  de  inquérito,  do  segredo  de  justiça.

Conclua,  pelo  exposto,  os  autos  ao  Mmo.  Juiz  nos  termos  e  para  os  efeitos  do  disposto  artigo  86º,  n.º  3,  parte  final,  do  Código  de  Processo  Penal.

Caso  seja  validada  a  decisão  do  MP  no  que  diz  respeito  ao  segredo  de  justiça,  identifiquem-se  os  autos,  nos  termos  habituais  e  na  capa,  como  estando  sujeitos  a  segredo  de  justiça.

Buscas:

Conforme  resulta  dos  presentes  autos  de  inquérito,  mais  propriamente  da  conjugação  do  auto  de  notícia  de  fls.  3  a  6,  declarações  do  ofendido/arguido  A...   e  testemunhas  B... e  C...   (cfr.  fls.  46  e  seguintes)  e  ainda  informações  da  PSP  de  fls.  68/69,  recaem  sobre  D...   fortes  suspeitas  de  deter,  na  sua  residência,  automóvel  ou  pessoa  uma  -  uma  pistola  ou  revólver  -  o  que  pode  consubstanciar  a  prática  de  um  crime  de  detenção  de  arma  proibida,  p.  e  p.  pelo  artigo  86º,  n.º  1,  alínea  e)  da  Lei  n.º  5/2006,  de  23  de  Fevereiro.

Com  efeito,  é  confirmado  que  foi  visto  a  apontar  uma  arma  ao  ofendido  e  não  possui  armas  manifestadas  ou  registadas  nem  LUPA,  não  estando,  pois,  habilitado  a  deter  tais  armas.

Por  outro  lado,  há  indicações  de  que  tais  armas  poderão  ter  sido  utilizadas  para  fins  que  contrariam  as  obrigações  gerais/normas  de  conduta  previstas  no  artigo  39°,  n.º  1  e  2,  alíneas  e)  e  d)  da   referida  Lei  das  Armas,  o  que,  como  se  depreende,  aliada  à  detenção  ilegal  daquelas,  gera  insegurança e  potencia  práticas  que  comportam  perigos  acrescidos,  na  medida  em  que  também  se  desconhece  se  tal  indivíduo  sabe  manejar  armas  de  fogo.

Importa,  por  tudo  isto,  pôr  cobro  à  situação  verificada  e  potencialmente  perigosa,  importando  afastar  o  perigo  que  advém  da  detenção  ilegal  de  arma(s)  com  aquela(s)  característica(s).

Porém,  atendendo  ao  tipo  de  crime  em  investigação  e  à  dificuldade  de  obtenção  de  elementos  de  prova,  afigura-se-nos  que  a  comprovação  de  tais  suspeitas  apenas  pode  lograr  efectivar-se  mediante  a  realização  imediata  de  busca  à  residência  do  suspeito  D... ,  residente  na  Rua  x(...) ,  Pombal  e  respectivos  anexos  e  garagens  a  fim  de,  dessa  forma,  se  viabilizar  a  apreensão  de  material  probatório  com  relevo  para  a  investigação  e  respectivo  prosseguimento,  bem  como  a  fim  de  apurar  as  responsabilidades  do  arguido  no  eventual  cometimento  do  crime  referido  e  restantes  factos  denunciados  e  apurados  até  à  data.

Assim,  remeta  os  autos  ao  Mm.º  Juiz  de  Instrução  Criminal  junto  de  quem  se  promove  seja  autorizada  busca  à  supracitada  residência  sita  na  Rua  x(...) ,  Pombal  e  respectivos  anexos  e  garagens,  se  necessário  com  arrombamento,  nos  termos  expostos  e  ao  abrigo  do  disposto  nos  artigos  174º,  n.ºs  2, 3  e  4,  177º,  n.º  1,  176º  e  178º,  todos  do  Código  de  Processo  Penal.

O Juiz de Instrução, relativamente a tais pretensões, proferiu o seguinte despacho:

É  a  publicidade  a  regra  do  procedimento  (art.  86  n.s  1  do  C.P.P.).

Não  se  mostra  concretamente  alegado  qualquer evento  ou  acontecimento  que  imponha  que  um  inquérito  em  que  se  indicia  ofensa  à  integridade  física,  injúria  e  ameaça  (sob  modo  de  execução  mais  básico:  chapada  e  linguagem),  em  que  já  foram  inquiridas  testemunhas,  fique  sujeito  a  tal  exceção,  pelo  que  não  se  valida  a aplicação  de  segredo  de  justiça.

Atenta  a  inquirição  das  testemunhas  inquiridas  a  14.07.2014  (n.s  3  e  n.v  4),  bem  como  as  declarações  do  ofendido  e  a  informação  da  P.S.P.  de  fls.  69  entende-se  existirem  indícios  idóneos  a  que  se  ordene  a  busca  domiciliária  como  se  promove  em  termos  factuais,  indiciando-se  assim  a  detenção  de  arma  proibida  p.  e  p.  no  artigo  86  n.s  1  al.  e)  da  Lei  5/2006.  O  meio  é  proporcional:  na  verdade  trata-se  de  lesão  ocasional  e  temporário  do  direito  fundamental  em  prol  da  segurança  comunitária  e  o  escopo  concreto  da perseguibilidade  penal.  Assim,  nos  termos  dos  arts.  174  n.º  2  e  177  n.º  1  do  C.P.P  .,  autoriza-se  a  entrada na  habitação  de  D...   na  R.  x(...) ,  Pombal  das  7.00h.  às  21.00h.,  e  sob  a  duração  máxima  de  um  hora  de  estadia  na  referida  habitação,  em  ordem  a  serem  apreendidas  armas  de  fogo.  Execução  a  efectuar  pela  P.S.P.-Pombal  até  2  de  outubro de  2015,  inclusivé,  descrevendo-se  as  circunstâncias  em  que  a  mesma  decorreu  sob  auto  (art.  99  n.º  3  do C.P.P.)  bem  como,  caso  necessário,  as  circunstâncias  que  motivaram  ocorrências  como  o  arrombamento,  a realizar  em  último  caso.  Extraia  cópia  autenticada  deste  despacho  para  os  devidos  efeitos  -  artigo  176  n.º  1  e  n.º  2  do  C.P.P.,  comunique-se  passando-se  mandados  (artigos  106  e  111  n.º  3  al.  a)  do  Código  de  Processo Penal).  Remeta-se  aos  serviços  do  Ministério  Público.

Perante o conteúdo deste despacho o Ministério Público ordenou de novo a remessa dos autos ao Juiz de Instrução em despacho do seguinte teor:

Compulsado  o  despacho  e  mandado  de  busca  domiciliária  que  antecedem  verifica-se  que  do  mesmo  consta  que  mandado  deverá  ser  cumprido  até  ao  dia  2  de  Outubro  inclusivé  "das  7:00  horas  às  21  :00  horas,  e  sob  duração  máxima  de  uma  hora  de  estadia  na  referida  habitação".

Uma  vez  que  não  se  vislumbra  o  fundamento  de  facto  ou  legal  para  tal  restrição  temporal  de  estadia  em  casa  do  buscado  por  parte  da  polícia,  e  podendo  tratar-se  de  mero  lapso,  remeta  os  autos  ao  Mmo.  JIC,  junto  de  quem  se  solicitam  esses  esclarecimentos,  desde  já  se  promovendo,  face  ao  tempo  decorrido  e  que  decorrerá,  a  prorrogação  do  prazo  para  a  realização  das  buscas,  com  emissão  de  novos  mandados.

O Juiz de Instrução proferiu então o seguinte despacho:

Atento  o  tipo  de  investigação  referido,  pequena  e  média  criminalidade,  a  medida  de  violação  do  direito  fundamental  e  sua  necessidade  afere-se  pelo  factor  "duração"  do  ato,  o  que  convoca  o  conceito  de  proporcionalidade.

A  autorização  da  violação  do  conteúdo  do  direito  fundamental  é  sujeita  à  necessidade  e  à  proporcionalidade,  cfr.  artigo  18  da  C.R.P  ..

Em  concreto,  serão  precisas  catorze  horas  para  se  encontrar  uma  possível  arma  dentro  do  domicílio?

Obviamente  que  não.

Acaso,  se  fosse  autorizado  sem  tal  duração,  poderia  o  o.p.c.  estar  as  catorze  horas  dentro  de  casa?  Sim,  mas  excessivo.

Ora,  em  face  da  simplicidade  da  operação,  entende-se  que  uma  hora  é  suficiente  para  a  restrição,  e  uma  vez  que  o  o.p.c.  não  indica  qualquer  logística  complexa.

Por  fim,  compete  ao  JIC  na  sua  veste  de  aplicador  concreto  e  materialmente  fundado  a  medida  de  restrição  de  um  direito  como  se  percebe  do  texto-norma  constitucional.

Inconformado com o teor dos transcritos despachos judiciais, deles recorreu o Ministério Público, condensando a respectiva motivação nas seguintes conclusões:

I  -  No  âmbito  dos  presentes  autos  de  inquérito,  foi  determinado  o  segredo  de  justiça,  porquanto  se  desenhava  a  necessidade  de  proceder  a  busca  domiciliária  para  averiguar  se  o  arguido  D...   detinha,  na  sua  residência,  anexos  e  arrecadações,  uma  arma  de  fogo,  alegadamente  utilizada  para  ameaçar  terceiros,  sendo  que  não  detém  licença  de  uso  e  porte  de  arma  nem  armas  manifestadas.

2  -  Remetidos  os  autos  a  despacho  judicial,  o  Mmo.  JIC  não  validou  a  aplicação  do  segredo  de  justiça  aos  autos,  afirmando  não  se  mostrar  concretamente  alegado  qualquer  evento  ou  acontecimento  que  imponha  que  um  inquérito  fique  sujeito  a  tal  excepção,

3  -  Deferindo  o  pedido  de  busca  domiciliária,  especificando  que  a  mesma  poderia  ocorrer  até  ao  dia  2  de  Outubro,  "das  7:00  horas  às  21:00  horas,  e  sob  duração  máxima  de  uma  hora  de  estadia  na  referida  habitação  em  ordem  a  serem  apreendidas  armas  de  fogo".

4  -  Pela  perplexidade  gerada  com  este  último  segmento  do  despacho,  foram  solicitados  esclarecimentos  sobre  o  fundamento  legal  e  factual  para  tal  restrição,  respondendo  o  Mmo.  Juiz,  genericamente,  que  tal  restrição  teria  apoio  no  princípio  da  proporcionalidade,  constitucionalmente  garantido.

5  -  Quanto  ao  segredo  de  justiça,  o  mesmo  foi  determinado  com  vista  a  salvaguardar  o  inquérito  e  evitar  o  conhecimento,  pelos  sujeitos  processuais  (  em  especial  o  arguido  D... )  que  tinham  livre  acesso  aos  autos  (face  à  regra  geral  da  publicidade),  da  busca  que  se  pretendia  e  iria  realizar.  Daí  que  o  despacho  que  determinou  aquele  segredo  tivesse  unicamente  essa  finalidade,  sendo  essa  determinação  indissociável,  como  bem  e  facilmente  se  alcança,  do  despacho  que  promoveu  a  realização  de  busca  domiciliária  àquele  arguido,  tendo  de  haver  uma  leitura  conjunta  de  ambos.

6  -  Respeitante  à  condição  colocada  para  realização  da  busca,  tanto  quanto  sabemos  é  a  primeira  vez  que  é  tomada  uma  posição  restritiva  deste  teor  em  inquéritos  e  pedidos  semelhantes.

7  -  Não  sendo  indicada,  apesar  das  generalidades  constitucionais,  qualquer  base  legal/processual  penal  ou  factual  concreta  para  a  restrição  em  causa,  porque  pura  e  simplesmente,  não  existe  qualquer  fundamento  para  imposição  dessa  restrição/requisito.

8-  Sendo  impossível,  à  partida  e  em  abstracto,  saber  quanto  tempo  será  necessário  para  encontrar  uma  arma  de  fogo,  objecto  que,  pela  sua  natureza,  se  esconde  sem  dificuldade  numa  imensa  variedade  de  locais  e  por  mais  pequena  que  seja  a  casa,  anexos  e  arrecadações.

9  -  A  restrição  de  estadia  de  apenas  uma  hora  por  parte  da  polícia  na  casa  do  visado  não  só  esvazia  a  autonomia  técnica  e  táctica  da  polícia,  como  leva  a  que  o  Mmo.  JIC  extravase  as  suas  funções  de  controlo  jurisdicional,  ao  estabelecer  limites  não  previstos  na  lei,  que  contrariam  os  regras  de  experiência  e  senso  comum,  entrando  nos  terrenos  próprios  da  actuação  policial,  e  por  isso,  actuação  administrativa.

10  -  Parecendo  haver,  também,  confusão  entre  a  singeleza  do  crime  e  objecto  buscado  com  o  tempo  que  pode  demorar  a  encontrá-lo,  o  que  não  tem  nem  pode  ter  ligação  necessária,  sendo  ainda  certo  que  numa  busca  domiciliária  podem  ser  encontrados  outros  objectos  relacionados  com  estes  factos  ou  até  objectos  que  consubstanciem  outros  crimes,  significando  que  nada  se  esgota  no  objectivo  inicial.

11  -  Ora,  pretendendo  o  Mmo.  JIC  ser  tão  proporcional  na  sua  tomada  de  posição,  acaba  por  ser  totalmente  desproporcional  e  irrazoável,  impondo  actuações  e  requisitos  para  além  do  que  o  CPP  exige,já  que  a  busca  tem  apenas  de  começar  e  acabar  entre  as  7H00  e  as  21H00, devendo  seu  fim  depender  apenas  do  cumprimento  dos  objectivos  da  busca,  e  não  de  um  qualquer  limite,  não  previsto  nem  dependente  do  decisor,  imposto  judicialmente.

12  -  Assim,  pegando  na  pergunta  efectuada  no  despacho  de  fls.  85:  "Em  concreto,  serão  precisas  catorze  horas  para  se  encontrar  uma  possível  arma  dentro  do  domicílio?",  poderá  responder-se  que  "Sim,  se  as  idiossincrasias  do  caso  o  exigirem".

13  -  Podendo,  com  as  bases  impostas,  perguntar-se  também  como  seria  se,  fixando-se  a  PSP  nos  limites  impostos  pelo  Mmo.  Juiz,  não  encontrasse  o  objecto  no  prazo  de  uma  hora?  Porventura  interrompia  a  busca  e  solicitava  novos  mandados,  com  a  informação  de  que  não  teve  tempo  para  mais,  deitando  por  terra,  pelo  conhecimento  do  suspeito  do  que  se  visava  com  a  busca,  os  objectivos  da  diligência?

14  -  Não  se  alcançando,  pois,  qual  o  critério  do  Mmo.  JIC  para  se  saber  de  quanto  tempo  precisa  o  OPC  para  uma  busca  domiciliária,  impondo  o  entendimento  colocado  em  crise  uma  aleatoriedade  e  dúvidas  inadmissíveis,  num  domínio  legal  claro,  balizado  e  facilmente  apreensível  no  caso  concreto  -  das  7  às  21  horas,  sem  mais  restrições.

15  -  Face  ao  exposto,  no  que  diz  respeito  à  não  validação  do  segredo  de  justiça,  e  porque  no  processo  se  pretendia  acautelar  o  conhecimento  prévio  das  buscas  pelos  sujeitos  processuais,  principalmente  o  arguido  visado  por  aquela  diligência,  o  Mmo.  JIC  violou  o  disposto  no  artigo  86°,  n.º  3  do  CPP.

16  -  Ao  fixar  um  limite  temporal  máximo  de  uma  hora  de  estadia  da  PSP  na  residência  alvo  de  busca,  o  Mmo.  JIC  extravasou  os  seus  poderes  jurisdicionais,  entrando  em  campo  administrativo  policial  e  violou,  não  só  as  regras  da  experiência  comum,  mas  também  o  disposto  no  artigo  174º,  n.º  2  a  4  e  177°,  n.º 1,  ambos  do  CPP.

17  -  Devendo,  em  consequência,  serem  os  despachos  judiciais  revogados  e  substituídos  por  outros,  que  validem  o  segredo  de  justiça  aplicado  e  que  determinem  a  realização  da  requerida  busca  domiciliária,  sem  qualquer  limite  temporal  de  estadia  da  polícia  na  residência  do  buscado  que  não  o  legal,  agora  com  outro  limite  temporal  de  dias  para  a  sua  realização.

Contudo,  V.  Exas.  Farão JUSTIÇA.

Foi proferido despacho de admissão do recurso.

O Juiz de Instrução exarou sustentação das decisões recorridas do seguinte teor:

a)  Quanto  ao  segredo  de  justiça  importa  dizer  que  o  objecto  destes  autos  é  comum,  há  centenas  de  processos  por  esse  país  fora  de  igual  jaez.  Não  há  um  único  fundamento  concreto  de  perigosidade  do  inquérito.  Há  arguidos  constituídos  no  processo.  Houve  inquirição  de  testemunhas.  O  segredo  de  justiça  é  pois  excessivo,  para  além  de  obviamente  inútil.

b)  O  conteúdo  do  direito  fundamental  da  inviolabilidade  do  domicílio  é  a  entrada  no  domicílio  o  qual  se  acentua  no  contexto  da  "duração".  Uma  coisa  é  uma  busca  em  que  se  procura  centenas  de  documentos  ou  objectos  numa  habitação,  outra  coisa  é  aquela  em  que  se  procura  uma  arma  numa  habitação,  onde  uma  hora  é  suficiente,  como  decorre  das  regras  de  experiência  comum.  Não  é  à  toa  que  há  bem  pouco  tempo  se  definiu  legalmente  a  vigência  do  ato  intrusivo,  n.s  4  do  art.  174  do  C.P.P  ..  Mas  importa  ir  mais  longe:  dar  conteúdo  material  (  existente,  visível).  Não  havendo  informação  do  organismo  instrumental  (o  o.p.c.),  não  pode  o  Juiz  se  eximir  de  definir  a  concreta  acção  intrusiva  limitadora  do  direito  fundamental  (o  mesmo  se  passa  na  detenção,  onde  o  subscritor  deste  despacho  há  mais  de  uma  década  concretizou  o  número  de  horas,  perante  o  silêncio  ou  indiferença  do  direito  fundamental  em  causa).  Tudo  isto  é  claro.  Assim,  do  alegado  dir-se-­à  (ponto  3.  do  requerimento  de  recurso):  a)  Incumbe  ao  o.p.c.  dizer  o  que  precisará  de  duração  da  concreta  violação  num  juízo  de  prognose  táctico,  e  no  silêncio  tal  incumbirá  ao juiz;  b)  e  e)  Incumbe  à  primeira  instância  a  primeira  frente  das  questões  jurídicas,  se  as  não  tiver,  o  Direito  não  evolui,  ou  se  é  inerte  sobre  o  mesmo.  Na  alegação  sobre  outros  objectos  fortuitos  encontrados  no  local,  importa  dizer  que  a  busca  é  meio  de  obtenção  de  prova  e  não  um  rastreio,  e  mais  pouco  a  dizer:  arts.  174  n.º  5  e  n.º  6  e  249  do  C.P.P  ..  Ora,  função  irrecusável  do  juiz  é  concretizar  direitos  ao  nível  da  quantidade  (  exógena  e  endógena)  por  comando  da  norma  convocada  do  artigo  18  da  C.R.P.,  mesmo  perante  o  silêncio  da  Administração  (Polícia).  Em  suma,  inquina  a  busca  o  facto  de  se  fixar  uma  hora  de  duração  quando  está  em  causa  uma  arma?  A  que  título  reteve  o  M.P.  os  mandados?

Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto não emitiu parecer.

Colhidos os vistos legais e realizada conferência, cumpre apreciar e decidir.


***

         II. Apreciação do Recurso

            Como é sabido o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da correspondente motivação (artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal) sem embargo de questões do conhecimento oficioso.

            Assim, o recurso interposto suscita a questão de saber se a suspeita da detenção de arma proibida na posse do arguido justifica o decretamento do segredo de justiça e a questão de saber se o princípio da proporcionalidade na restrição de direitos impõe que se fixe um limite temporal para a realização de busca.

           

            Apreciando:

            Embora o despacho recorrido pareça ignorar essa realidade e o decretamento do segredo pelo Ministério Público não evidencie devidamente esse fundamento, certo é que os autos revelam indícios de que o arguido é detentor de uma arma proibida e que a publicidade do processo pode colocar em questão a busca a realizar com a finalidade de encontrar tal arma. Parece-nos evidente que, caso o arguido tenha conhecimento deste específico objecto do processo, não ficará a aguardar passivamente pela realização da busca, nem entregará voluntariamente a arma ou armas que detenha fora das condições legais.

            Ora o artigo 86º do Código de Processo Penal preceitua que:

1 - O processo penal é, sob pena de nulidade, público, ressalvadas as excepções previstas na lei.

2 - O juiz de instrução pode, mediante requerimento do arguido, do assistente ou do ofendido e ouvido o Ministério Público, determinar, por despacho irrecorrível, a sujeição do processo, durante a fase de inquérito, a segredo de justiça, quando entenda que a publicidade prejudica os direitos daqueles sujeitos ou participantes processuais.

3 - Sempre que o Ministério Público entender que os interesses da investigação ou os direitos dos sujeitos processuais o justifiquem, pode determinar a aplicação ao processo, durante a fase de inquérito, do segredo de justiça, ficando essa decisão sujeita a validação pelo juiz de instrução no prazo máximo de setenta e duas horas.

4 - No caso de o processo ter sido sujeito, nos termos do número anterior, a segredo de justiça, o Ministério Público, oficiosamente ou mediante requerimento do arguido, do assistente ou do ofendido, pode determinar o seu levantamento em qualquer momento do inquérito.

            Pela razão já mencionada torna-se patente que estamos perante um caso em que os interesses da investigação justificam o decretamento do segredo de justiça e que este se deverá manter pelo menos até à realização da busca, sob pena de se inviabilizar a investigação de eventual crime de detenção de arma proibida.

            E se depois da realização dessa diligência não houver outro motivo que justifique o segredo, nos termos do artigo 86º, nº 4 do Código de Processo Penal pode o Ministério Público levantar o segredo, poder que é, evidentemente, vinculado ao cumprimento da lei que apenas permite o segredo nas situações que prevê e que, portanto, impõe ao Magistrado que dirige o inquérito o dever de ordenar o seu levantamento, sempre que inexista fundamento para o manter.

             

            No que concerne à realização de busca e à necessidade ou não de limitar a sua duração em nome do princípio constitucional da proporcionalidade, a resposta pode encontrar-se no texto da lei processual e na finalidade da diligência.

            Por um lado é inquestionável que a lei processual penal, no seu artigo 177º, nº 1, apenas permite a busca em casa habitada ou numa sua dependência fechada seja efectuada entre as 7 e as 21 horas, não estabelecendo qualquer limite concreto quanto à sua duração senão o que resulta de não se poder realizar em diferente horário.

            Se a busca se destina a encontrar objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova e se encontrem em local reservado, como uma habitação ou anexos dela dependentes, a própria natureza das coisas levará à conclusão de que não é possível determinar com exactidão o tempo necessário para encontrar os objectos que se procuram, dependendo das circunstâncias concretos do espaço que vai ser objecto de busca e que apenas são conhecidos no momento da sua realização.

            O que significa que limitar o tempo de busca pode corresponder à impossibilidade de tornar eficaz diligência, em contradição com a finalidade legal visada com a permissão legal da sua realização.

Considerando que, no dizer de Inocêncio Galvão Teles (Introdução ao Estudo do Direito, vol. I, 11ª ed., pág. 248) a lei, em princípio, deve ser entendida da maneira que melhor corresponda à consecução do resultado que o legislador teve em mira e que a lei estás para a “ratio legis” como o meio para o fim, e quem quer o fim quer o meio, se portanto o legislador quis atingir certo resultado, quis naturalmente, o meio a que esse resultado conduz. É para a realidade que se legisla.

Se limitar o tempo de busca pode em muitos casos corresponder à impossibilidade do resultado que se visou com a sua permissão legal, temos por manifesto que a busca não pode ser sujeita a limite de duração que extravase o que a lei expressamente consigna.

E tal não significará que a entidade que realiza a busca esteja autorizada por força do mandado judicial respectivo a permanecer no local da busca tempo superior ao que seja necessário posto que a sua presença no local apenas está legitimada para a realização da busca e deixará de estar legitimada logo que a mesma se encontre terminada, como decorre da lei.

Pelo que precede merece integral provimento o recurso interposto, devendo os despachos recorridos ser substituídos por outro que valide o segredo de justiça e que determine a realização de busca sem tempo de duração limite, para além do que legalmente  se encontra consignado.

III. Decisão

Pelo exposto acordam em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, revogam os despachos recorridos que devem ser substituídos por despacho que valide o segredo de justiça e que determine a realização da requerida busca, sem o antes imposto limite temporal de permanência da polícia na residência do buscado.

Não há lugar a tributação em razão do recurso.


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Coimbra, 7 de Abril de 2016

(Texto processado e integralmente revisto pela relatora)

(Maria Pilar Pereira de Oliveira - relatora)

(José Eduardo Fernandes Martins - adjunto)