Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2467/11.2TBACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA INÊS MOURA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
BANCO
DEPÓSITO
CHEQUE
CULPA
Data do Acordão: 03/21/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ALCOBAÇA 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.799 CC, 35 LUCH, DL Nº 454/91 DE 28/12, DL Nº 298/92 DE 31/12
Sumário: 1. No caso de depósito bancário de cheque, há a entrega de um título para que o Banco proceda à sua cobrança; a creditação do seu valor na conta do cliente é feita sob reserva, condicionado à sua boa cobrança, não assumindo o Banco por esse facto o risco da sua não cobrança.

2. Tratando-se de uma prática bancária, não pode dizer-se que o Banco cria no depositante a convicção de que o pagamento do cheque está feito, ou que viola as suas legítimas expectativas quando debita tal valor, por o cheque não ter obtido pagamento.

3. Não podendo falar-se de incumprimento de uma obrigação por parte do Banco, não faz sentido o recurso à presunção de culpa prevista no artº 799 nº 1do C.Civil.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

O Banco Comercial Português, S.A., Sociedade Aberta, vem intentar a presente acção declarativa de condenação, com a forma de processo sumário contra A (…) e M (…), pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 7.000,00.

Alega, em síntese, para fundamentar o seu pedido, ter celebrado com os RR. um contrato de abertura de conta na qual os RR. procederam ao depósito de um cheque no montante de 7.000,00€ montante este que foi creditado naquela conta. Os RR. efectuaram duas operações de transferência tendo, no entanto, a 26/01/2009, aquando do pagamento do mencionado cheque, a A. verificado que o mesmo havia sido emitido sem provisão. Na sequência disso contactou os RR. comunicando tal situação e procedeu ao débito na mencionada conta do montante de 7.000,00€ tendo a mesma ficado a descoberto. Refere que apesar de diversas vezes interpelados nesse sentido, os RR. não restituíram aquela quantia, pelo que teriam indevidamente disposto da mesma, tendo enriquecido à custa do empobrecimento da A. naquele montante.

Os RR. contestam e deduzem pedido reconvencional. Alegam que o montante depositado ficou disponível, tendo apenas sido surpreendidos a 5 de Fevereiro de 2009 relativamente à falta de provisão do cheque e constatado que no dia 4 de Fevereiro havia sido retirado da mencionada conta um montante sem qualquer aviso, o que originou o saldo negativo no valor de 6.740,29€, em virtude de àquela data ter o saldo positivo no valor de 323,91€. Mais invocam que nos dias anteriores a A. nada lhes transmitiu relativamente ao cheque, invocando a responsabilidade da A. por ter creditado um valor sem ter antes verificado da existência de provisão. Deduzem pedido reconvencional, peticionando a condenação da A. no pagamento do montante de 323,91€ a qual teria sido retirada indevidamente e sem qualquer aviso a 04/02/2009 da conta referida, tendo originado o descoberto na conta.

O A. vem responder referindo o que havia já invocado na petição inicial, acrescentando o facto de que a quantia disponível naquela conta a 04/02/2009 ser de 234,71€.

Foi proferido despacho saneador tendo sido seleccionada a matéria de facto assente e controvertida.

Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, que decorreu em obediência a todos os formalismos legais e o tribunal decidiu a matéria de facto, sem que tenha havido reclamações.

Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando os RR. a pagarem ao A. a quantia de € 6.765,29 e absolvendo o mesmo do pedido reconvencional contra ele formulado.

Não se conformando com a sentença proferida vêm os RR. interpor recurso de apelação de tal decisão, apresentando as seguintes conclusões, após correcção a convite do tribunal:

 (…)

            O Banco A. veio apresentar contra-alegações pugnado pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida, formulando as seguintes conclusões:

(…)

II. Questões a decidir

Tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelo recorrente nas suas conclusões (artº 684 nº 3 e 685 A nº 1 do C.P.C.), salvo questões de conhecimento oficioso- artº 660 nº 2 in fine.

- da falta de fundamentação da sentença proferida;

- da responsabilidade do Banco R. pelo pagamento do valor do cheque, atento o incumprimento dos seus deveres para com o A., presumindo-se a sua culpa e não tendo demonstrado que a falsificação do cheque é imputada ao cliente ou que cumpriu os deveres de vigilância e cuidado que lhe são exigidos.

III. Fundamentos de Facto

Tendo em conta o disposto no artº 713 nº 6 do C.P.C. e não tendo sido impugnada a matéria de facto, nem havendo lugar a qualquer alteração, remete-se para os termos da decisão da 1ª instância, que considerou provados os seguintes factos:

1. A. e RR., em 17/12/1987, celebraram um “contrato de abertura de conta” n.º 140 800 365 89, que deu origem à conta de depósitos à ordem n.º 140 800 365 89.

2. Em 19/01/2009, os RR. depositaram o cheque n.º 12606, no montante de 7.000,00€ (sete mil euros), na conta à ordem referida em 1.

3. Em 23/01/2009, em virtude do depósito do cheque mencionado em 2, a A. creditou a quantia de 6.987,00€ (seis mil, novecentos e oitenta e sete euros) na conta dos RR.

4. A 26/01/2009 a A. verificou que o cheque referido em 2 não obteve pagamento com o esclarecimento que tal se devia ao facto de ser forjado.

5. No dia 03/02/2009 os RR. fizeram uma transferência para a Western Union, no montante de 5.203,00€ (cinco mil, duzentos e três euros).

6. No dia 04/02/2009 os RR. transferiram para a Western Union o montante de 1.200,00€ (mil e duzentos euros).

7. O A. veio a debitar na conta à ordem da titularidade dos RR. a quantia de 7.000,00€ (sete mil euros).

8. No dia 04/02/2009 os RR. tinham na respectiva conta a quantia de 323,91€ (trezentos e vinte e três euros e noventa e um cêntimos) e nessa mesma data ficou com um saldo negativo de 6.765,29€  (seis mil, setecentos e sessenta e cinco euros e vinte e nove cêntimos).

9. Tendo a conta ficado a descoberto.

10. A A. retirou o montante de 7.000,00€ da conta dos RR. sem qualquer aviso além do que havia sido feito aquando do depósito do cheque.

11. A A. contactou os RR. e comunicou-lhes o referido em 4.

12. Tendo pedido, por diversas vezes, aos RR. para restituírem a quantia de 6.887,12€ (seis mil oitocentos e oitenta e sete euros e doze cêntimos).

IV. Razões de Direito

- da falta de fundamentação da sentença proferida.

Começam os Recorrentes por invocar a que o tribunal “a quo” não refere legislação para fundamentar a condenação dos RR.

O artº 668 nº 1 b) do C.P.C. estabelece que a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

A previsão desta norma reporta-se apenas àquelas situações em que há uma ausência total ou absoluta dos fundamentos de facto ou de direito que justificam a decisão- vd. neste sentido, Luis Filipe Brites Lameiras, in. Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, pág. 36.

O dever de fundamentar a decisão impõe-se ao juiz e vem desde logo expresso no artº 205 nº 1 da CRP e concretizado no artº 158 do C.P.C. que, no seu nº 1 estabelece que as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. O nº 2 deste artigo esclarece que a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição.

Ora, a sentença sob recurso não enferma desta nulidade, na medida em que não ocorre a aludida falta de fundamentação de direito. A mesma invoca na aplicação do direito as normas jurídicas constantes do Código Comercial que consagram as operações bancárias consistentes na concessão de crédito, na forma de mútuo bancário, de abertura de crédito, de antecipação bancária, de desconto bancário ou de descoberto em conta, referindo ainda em abono da posição que defende, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que aí identifica.

Verifica-se aliás que o próprio Recorrente incorre contradição quando invoca a falta de fundamentação da sentença proferida, para, de seguida, reconhecer que dela consta a invocação do regime legal aplicável, onde refere: “como resulta de toda a estrutura do sistema bancário e respectivo regime legal aplicável, uma das operações caracteristicamente bancárias consiste na concessão de crédito, podendo esta operação tomar a forma, entre outros, de mútuo bancário (artigos 394.º a 396.º do Cód. Com.), de abertura de crédito (art.º 362.º do Cód. Com.) de antecipação bancária, de desconto bancário (art.º 362.º do Cód. Com.) ou ainda de descoberto em conta», fazendo menção também ao acórdão ali citado.

Pode o Recorrente não concordar com a fundamentação apresentada na sentença proferida, mas não tem razão de ser concluir que a mesma não está fundamentada, quando aliás menciona aquela fundamentação.

- da responsabilidade do Banco R. pelo pagamento do valor do cheque, atento o incumprimento dos seus deveres para com o A., presumindo-se a sua culpa e não tendo demonstrado que a falsificação do cheque é imputada ao cliente ou que cumpriu os deveres de vigilância e cuidado que lhe são exigidos.

A questão central posta pelo Recorrente refere-se à invocada responsabilidade do Banco que, no seu entender, agiu com culpa, por não ter cumprido o dever de fiscalização e verificação sobre o cheque que foi apresentado a pagamento e assim não ter cumprido os deveres de diligência que lhe eram exigíveis. Alega que a questão da culpa não foi averiguada na sentença sob recurso.

Conforme se refere na decisão recorrida, a operação de abertura de conta traduz-se num acto nuclear, o qual dá origem a uma relação tendencialmente duradoura entre a entidade bancária e o cliente e que assume a função e servir de base para outros diversos actos bancários praticados no âmbito da mesma conta.

Fala-se por vezes de uma relação bancária complexa, que visa exprimir sequências de actos e negócios jurídicos celebrados entre o banqueiro e o seu cliente, mas que não dispensa o estudo do seu conteúdo de forma individualizada. Apenas em concreto se poderá dizer se determinada relação bancária compreende uma ou várias obrigações e qual o seu teor- vd. neste sentido, Menezes Cordeiro, in. Banca, Bolsa e Crédito, Estudos de Direito Comercial e de Direito da Economia, I Vol., pág. 50.

A actividade bancária e as suas características impõem a necessidade de um conjunto de regras de conduta, não só por razões de política económica e salvaguarda do sistema, mas também por razões de tutela dos direitos e dos interesses dos clientes. É neste âmbito que surge o RGIC- Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, que integra um conjunto de normas relativas às regras de conduta do banqueiro.

No que se refere, em particular às relações com o cliente, destaca-se o artº 74 do RGIC que dispõe sobre o dever de adopção por parte da instituição bancária, de deveres de diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhe estão confiados; o artº 76 que aponta para o modelo do banqueiro criterioso e ordenado; o artº 77 que dispõe sobre o dever de informação e assistência.

Estas especificações acabam por mais não ser do que uma decorrência do princípio geral da boa fé que deve estar sempre presente quer na negociação e formação dos contratos, nos termos do artº 227 nº 1 do C.Civil, quer na sua execução, conforme dispõe o artº 762 nº 2 do C.Civil, sendo que a relação bancária tem origem contratual e assenta numa relação de confiança entre as partes. Daqui decorre, desde logo, um dever geral de informação.

Feita esta introdução genérica, relativamente aos deveres do banqueiro perante o cliente, importa agora avaliar em abstracto a questão das consequências do depósito de um cheque pelo cliente, na sua conta bancária, antes de se passar à análise do caso concreto, no sentido de averiguar se, no caso, tais deveres foram ou não cumpridos pelo Banco,

Nas funções do Banco e com a abertura de conta bancária pelo cliente, integra-se a obrigação de receber os valores depositados pelo cliente ou em seu nome e a sua creditação na conta deste. No caso de depósito bancário de cheque, há a entrega de um título para que o Banco proceda à sua cobrança; é assim natural que a sua creditação na conta do cliente seja feita sob reserva, condicionado à sua boa cobrança. É que, há sempre um risco de o cheque depositado pelo cliente poder não vir a ser cobrado (porque não tem provisão, porque foi forjado, porque dele alguém de apropriou indevidamente, etc.). Ao creditar o valor do cheque, o Banco não assume o risco da sua não cobrança; não se verificando a condição de boa cobrança, a inscrição a crédito na conta do cliente é anulada ou compensada pela inscrição, a débito da mesma conta.

Tal como refere o Acórdão do S.T.J. de 18/11/2008, in. www.dgsi.pt a creditação do cheque na conta do cliente constitui uso ou prática bancária, traduzindo um verdadeiro financiamento ao cliente, por antecipação de fundos, sujeito à condição de boa cobrança. Se esta não se efectiva, o banco lança a respectiva importância a débito.

Vejamos agora se, no caso concreto, podemos dizer que o Banco violou os deveres a que estava obrigado para com o A., nomeadamente o dever de informação a que está adstrito.

Os factos revelam-nos que:

- em 19/01/2009 os RR. depositaram o cheque, no montante de € 7.000,00 na sua conta à ordem;

- em 23/01/2009 o A creditou a quantia de € 6.987,00 na conta dos RR.;

- em 26/01//2009 o A verificou que o cheque não obteve pagamento, o que se devia ao facto de ser forjado;

- no dia 03/02/2009 e 04/02/2009 os RR. fizeram duas transferências, respectivamente no valor de € 5.203,00 e € 1.200,00;

- o A. veio a debitar na conta dos RR. o valor de € 7.000,00 em 04/02/2009, tendo a conta ficado a descoberto, sem qualquer aviso, além do que havia sido feito aquando do depósito do cheque;

- o A. contactou os RR. comunicando-lhes o referido em 4. (que o cheque não obteve pagamento o que se devia ao facto de ser forjado), tendo-lhes pedido a restituição da quantia de € 6.887,12.

Ora, da análise destes factos podemos concluir que não houve qualquer culpa do Banco A. que permita imputar-lhe a responsabilidade pretendida pelos RR.

Conforme se referiu, os RR. não podiam deixar de saber que o crédito efectuado na sua conta bancária, por conta do valor do cheque por si depositado, estaria condicionado ao bom pagamento do mesmo. Os depósitos constituídos por documentos só se tornam efectivos após boa cobrança dos mesmos.

O Banco A. efectuou o débito do valor do cheque na sua conta, sem aviso prévio, mas provando-se também que contactou os RR. a comunicar-lhes que o cheque não havia obtido pagamento pelo facto de ter sido forjado.

É certo que os Recorrentes alegam que não tiveram conhecimento desse facto na altura; contudo, o tribunal de 1ª instância deu como provado que o cheque não obteve pagamento pelo facto de ser forjado e que o Banco A. contactou os RR. comunicando-lhes isso, sendo certo que os RR. não recorreram da matéria de facto. De qualquer modo, no caso em presença, o que importa é que o cheque não obteve pagamento, sendo irrelevante, para os efeitos pretendidos pelo A., a razão do seu não pagamento (não ter provisão ou ser forjado).

O Banco cumpriu, no essencial, o seu dever de informação perante os RR., actuando de forma diligente ao contactar os RR, dando-lhes conta do não pagamento do cheque; também não pode dizer-se que violou o princípio da tutela da confiança- ao creditar na conta dos RR. o valor do cheque, na medida em que esse facto, decorre dos usos e prática da actividade bancária, não sendo tal apto a fazer crer aos RR. que o cheque já havia obtido provisão e que tal crédito era definitivo. É preciso também ter-se em conta que está em causa um cheque de um banco estrangeiro, o que, como é do conhecimento público e comum, leva mais tempo a cobrar, sendo um procedimento por natureza demorado.

O Banco agiu com os cuidados a que estava obrigado, não se vislumbrando, através dos factos provados a violação de qualquer outro dever que, em concreto, também não é invocado, nem que o mesmo não tenha agido com boa fé.

O Banco A. creditou o valor do cheque na conta dos RR., o que fez provisoriamente e não assumindo o risco pela sua não cobrança, contrariamente ao que pretendem os RR., pelos que estes deveriam contar sempre com essa possibilidade, no sentido em que, se a cobrança do cheque não se revelasse possível, o crédito seria anulado ou compensado pela inscrição a débito na mesma conta. Não pode imputar-se ao Banco a criação nos RR. da convicção de que o crédito na sua conta era definitivo, não obstante não se ponha em causa que os RR. estivessem de boa fé quando depositaram o cheque, como os mesmos alegam.

A jurisprudência invocada pelos Recorrentes a propósito da alegada responsabilidade e culpa do Banco no pagamento de um cheque falsificado, reporta-se a situações em que o Banco faz o pagamento de um cheque falso com referência a uma conta de um seu cliente e não a um caso, como o dos autos, em que o Banco é “mandatado” para fazer a cobrança de cheque que é depositado. O Banco tem o dever de fiscalizar o cheque, mas isto é quando são cheques sacados sobre as contas dos seus clientes e antes de efectuar o seu pagamento, na defesa do interesse destes; não numa situação como a presente em que está em causa um cheque depositado na conta pelo cliente, sacado sobre um banco estrangeiro- neste caso, foi este que exerceu o seu dever de fiscalização, precisamente não pagando o cheque por ser forjado.

Não podemos por isso dizer que o Banco não cumpriu com os seus deveres para com os RR., não tendo sido ele a criar nos mesmos, com a sua actuação a convicção de que o pagamento do cheque estava feito; os factos revelam que os cumpriu, sendo que também nenhuma responsabilidade lhe pode ser assacada pelo não pagamento do título, no cumprimento do seu mandato para cobrança do mesmo.

Não podendo falar-se de incumprimento de uma obrigação por parte do Banco, já se vê que não faz sentido o recurso à presunção de culpa prevista no artº 799 nº 1do C.Civil, que impõe, em primeira linha, a falta de cumprimento de um dever que não resulta demonstrado nos autos.

Uma última questão importa considerar e tem a ver com o facto dos RR. responsabilizarem o Banco por terem ficado impedidos de o accionar o cheque perante a entidade que o passou, por o Banco não ter procedido à sua devolução, nos termos do Decreto Lei 454/91 de 28 de Dezembro.

Este facto, contudo, não resulta apurado nos autos. Na verdade, não consta dos factos provados nem que o original do cheque foi devolvido aos RR., nem que não foi.

De qualquer forma, mesmo que não tenha sido, tal não assume a relevância pretendida pelos RR., na medida em que nunca poderiam acionar tal cheque, com vista ao pagamento do seu valor. É que, tratando-se de um cheque forjado, os RR. nunca o poderiam acionar como título executivo, por não ter validade enquanto título de crédito.

Por outro lado, resulta dos factos provados que o Banco deu conhecimento aos RR. de que o cheque não obteve pagamento pelo facto de ser forjado, o que, naturalmente, permite aos RR. fazerem valer os seus direitos perante o credor, no âmbito da relação subjacente ao título.

Em face do que fica exposto, conclui-se que as questões invocadas pelos Recorrentes não têm a virtualidade de obstar à sua obrigação de entregar ao Banco a quantia que por este foi posta ao seu dispor e utilizada, não podendo determinar a alteração da decisão proferida na sentença sob recurso.

V. Sumário:

            1. No caso de depósito bancário de cheque, há a entrega de um título para que o Banco proceda à sua cobrança; a creditação do seu valor na conta do cliente é feita sob reserva, condicionado à sua boa cobrança, não assumindo o Banco por esse facto o risco da sua não cobrança.

            2. Tratando-se de uma prática bancária, não pode dizer-se que o Banco cria no depositante a convicção de que o pagamento do cheque está feito, ou que viola as suas legítimas expectativas quando debita tal valor, por o cheque não ter obtido pagamento.

3. Não podendo falar-se de incumprimento de uma obrigação por parte do Banco, não faz sentido o recurso à presunção de culpa prevista no artº 799 nº 1do C.Civil, que impõe, em primeira linha, a falta de cumprimento de um dever que não resulta demonstrado nos autos.

VI. Decisão:

Em face do exposto, julga-se improcedente o recurso intentado pelos RR., confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pelos Recorrentes.

Notifique.

                                                           *

                                  

                                               Maria Inês Moura (relatora)

                                               Luís Cravo (1º adjunto)

                                               Maria José Guerra (2º adjunto)