Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6457/16.0T8VIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: EXECUÇÃO
HIPOTECA
FIANÇA
BENS ONERADOS COM GARANTIA REAL
PENHORA
INSUFICIÊNCIA DE BENS
Data do Acordão: 10/09/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JUÍZO EXECUÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 752 Nº1 CPC
Sumário:
Face ao disposto no n.º 1 do artigo 752.º (Bens onerados com garantia real e bens indivisos) do Código de Processo Civil, a decisão sobre a insuficiência dos bens penhorados para satisfazer os fins da execução pode (e deve) ser tomada antes da respetiva venda.
Decisão Texto Integral:
Recorrente………… L (…).
Recorrida……………C (…)
*
I. Relatório
a) No presente processo é exequente a C (…) e executados a C (…), A (…), A (…) e L (…).
O recurso vem interposto da decisão que julgou os respetivos embargos improcedentes, incidindo estes sobre a questão de saber se existindo hipoteca, a fiança apenas pode ser acionada depois de se comprovar que a venda dos imóveis hipotecados é insuficiente para o pagamento da quantia exequenda.
b) Sobre esta questão foi proferida decisão em sentido negativo e julgados, por isso, como se disse, improcedentes os embargos deduzidos à execução.
c) É desta decisão que vem interposto o recuso, cujas conclusões são as seguintes:
«A) Não pode esquecer-se a norma imperativa do artigo 752.º, n.º 1 do CPC ao referir que “executando-se dívida com garantia real que onere bens pertencentes ao devedor, a penhora inicia-se pelos bens sobre que incida a garantia e só pode recair noutros quando se reconheça a insuficiência deles para conseguir o fim da execução. (sublinhado nosso)
B) Dos autos nada resulta no sentido da insuficiência dos bens do devedor, C (…), para liquidação total da quantia exequenda.
C) Do título executivo resulta que o valor total dos bens do devedor soma a quantia de 290.010,00 euros, suficientes para liquidar a dívida exequenda de 201.873,08 euros.
D) A renúncia ao benefício da excussão prévia não pode ser invocada pela exequente quando existe garantia real, no caso hipoteca incidente sobre os bens do devedor – por imposição do artigo 752.º, n.º 1, b) do CPC.
E) Tem razão de ser a renúncia ao benefício da excussão quando se trate apenas e só de garantia através de fiança porque neste caso, o credor não tem outra solução que o proteja.
F) No caso de concorrência de garantias, a preponderância na eventual graduação de créditos recai sobre as garantias reais conforme artigo citado e os princípios gerais do direito.
Assim, por tudo o alegado e pelo mais que Vossas Excelências não deixarão de suprir, deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando a decisão recorrida e substituindo-a por outra que julgue os embargos totalmente procedentes como é de inteira, JUSTIÇA».
d) Não há contra-alegações.
II. Objeto do recurso
Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o presente recurso coloca apenas esta questão: saber se existindo hipoteca, a fiança apenas pode ser acionada depois de se comprovar que a venda dos imóveis hipotecados é insuficiente para o pagamento da quantia exequenda.
III. Fundamentação
a) Matéria de facto - Factos provados
1 – Serve de base à execução, contrato intitulado de «reestruturação» no qual figura como primeiro contraente a exequente, como segunda contraente C (…), SCRL, como terceiros contraentes A (…), A (…) e L (…), estes como fiadores, nos termos constantes dos documentos de fls. 3 e seguintes dos autos de execução, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
2 – Do ponto 7 do acordo aludido em 1), consta, além do mais que, «O mutuário e os fiadores se obrigam ao seguinte: … c) respeitar as condições das garantias prestadas para segurança dos créditos e não praticar qualquer ato que as possa desvalorizar ou afetar, outrossim reforça-las se a Caixa o exigir (…) g) Cumprir pontualmente as obrigações emergentes deste contrato, declarando estar ciente de que as informações prestadas e a assunção do compromisso de integral cumprimento das condições ora contratadas foram condições decisivas para a Caixa Agrícola aceitar celebrar o presente contrato».
3 – Da cláusula oitava do acordo aludido em 1) consta que «Mantêm-se integralmente em vigor as garantias constituídas a favor da C (…) no âmbito das operações de crédito identificadas na Cláusula Primeira, para assegurar o bom e integral cumprimento das responsabilidades da mutuária, permanecendo as mesmas válidas, exigíveis e exequíveis, pois não se consideram extintas por via da celebração deste contrato».
4 – O contrato aludido em 1) teve por base a reestruturação do crédito concedido por escritura pública outorgada em 29 de dezembro de 2006 no Cartório Notarial de São João da Pesqueira, cuja cópia consta de fls. 12 verso e seguintes dos autos de execução e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
5 – No âmbito do contrato aludido em 4) foi declarado pela Cooperativa que constitui a favor da C (…) hipoteca sobre: a) prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de …, concelho de …, sob o artigo XXX e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º YYY, a que atribuem o valor de sessenta e oito mil, trezentos e oitenta e cinco euros; b) prédio urbano, inscrito na matriz da freguesia de ..., concelho de …, sob o artigo ZZZ e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n º KKK, a que atribuem o valor de oitenta e quatro mil, seiscentos e vinte e cinco euros.
6 – No âmbito da escritura aludida em 4) declararam os segundos outorgantes das alíneas a) e b) (A (…) e A (…)) e os terceiros outorgantes (L (…) e J (…)) que «prestam fiança a favor da C (…), pelo que solidariamente assumem e garantem o bom e integral cumprimento de todas as obrigações da mutuária, () vinculando-se na qualidade de fiadores e principais pagadores () além de que renunciam ao beneficio da excussão e a qualquer outro ou prazo facultado por lei (…)».
7 – Sobre os bens aludidos em 5) incidem, duas penhoras, nas quais figura como credor pessoa diversa da exequente, em virtude das quais a exequente reclamou créditos, nos termos constantes de fls. 11 a 35 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

b) Apreciação da questão objeto do recurso.
Recapitulando, cumpre saber se existindo hipoteca, a fiança apenas pode ser acionada depois de se comprovar que a venda dos imóveis hipotecados é insuficiente para o pagamento da quantia exequenda.
Cumpre salientar, desde já, que os fiadores renunciaram ao benefício de excussão prévia dos bens do devedor.
Os recorrentes invocam o disposto no n.º 1 do artigo 752.º (Bens onerados com garantia real e bens indivisos) do CPC para sustentar uma resposta afirmativa.
Esta norma do CPC tem a seguinte redação:
«Executando-se dívida com garantia real que onere bens pertencentes ao devedor, a penhora inicia-se pelos bens sobre que incida a garantia e só pode recair noutros quando se reconheça a insuficiência deles para conseguir o fim da execução».
A questão que se colca consiste em determinar em que momento temporal se coloca a questão de saber «…quando se reconheça a insuficiência deles…», isto é, se apenas é possível concluir pela insuficiência dos bens penhorados depois da venda dos mesmos, porque só então se sabe efetivamente qual foi o valor da respetiva alienação, ou se é possível em data anterior à venda prognosticar que os bens hipotecados e penhorados são insuficientes para satisfazer os fins da execução.
A resposta a esta questão consiste em afirmar que é viável concluir, antes da venda, pela insuficiência dos bens para alcançar os fins da execução, e estes fins consistem na satisfação do crédito do exequente.
Pelas seguintes razões ( Exigindo a venda dos bens, salvo se a insuficiência for evidente, pode consultar-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25-7-1978 (Aurélio Fernandes), Colectânea de Jurisprudência, Ano III (1978), pág. 1222, onde se ponderou que «Essa insuficiência há-de verificar-se, através da própria execução dos bens, pelo que, em princípio, só depois de executados poderá a execução prosseguir sobre outros bens. Ant5es da execução dos bens onerados com a garantia apenas será admissível a penhora de outros bens, quando a insuficiência daqueles seja evidente, como se extrai do princípio enunciado na citada alínea a) do n.º 2 do art. 836.º do Código de processo Civil (…) se a credora hipotecária aceitou o referido prédio, em caução ou garantia de reembolso do seu crédito, juros e mais despesas, é porque reconheceu que era para isso suficiente e, portanto que o seu valor venal era muito superior ao matricial».
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11-05-2006 (Amaral Ferreira), no processo identificado pelo n.º 0632423, «I - Por força do art. 835.º, do C.P.C., que consagra a regra da subsidiariedade real, (por contraposição à subsidiariedade pessoal) respondem prioritariamente pelo cumprimento da obrigação os bens do devedor onerados com garantia real.
II - Na subsidiariedade real não se exige a prévia excussão dos bens que respondem prioritariamente, mediante a realização das vendas ou adjudicações, para se poderem penhorar os bens que respondem um último lugar. Basta que o exequente demonstre a insuficiência manifesta dos bens que devem responder em primeiro lugar».
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19-05-2016 (Albertina Pedroso), no processo 428/14.0TBCSC-A.
Neste sentido, na doutrina, Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, 2003, Vol. III, pág. 399.):
Em primeiro lugar, o conteúdo significativo ou declarativo da formulação da norma permite interpretá-la no sentido de que a constatação desta «insuficiência» pode ocorrer antes de se realizar a venda.
Esta interpretação é possível porque a realidade permite que se possam fazer prognósticos sobre o futuro, com razoável certeza, em domínios que se sabe terem uma margem de incerteza conhecida ou que permite fazer previsões confiáveis.
Assim, se um bem é avaliado em 10 e a dívida é de 20, é fiável prognosticar que na futura venda o bem não será vendido por 20 e, por isso, é já possível no presente verificar a mencionada «insuficiência» do bem para assegurar as finalidades da execução.
Em segundo lugar, na ponderação entre o interesse do exequente em ver bens penhorados suficientes para garantirem os fins da execução e o interesse do executado em não ver o seu património agredido injustificadamente ( Como refere Marco Carvalho Gonçalves, com a subsidiariedade, «Fundamentalmente, o legislador quis evitar abusos no tocante à agressão do património do executado, individualizando os bens objeto de penhora e otimizando, simultaneamente, os recursos patrimoniais do devedor na satisfação do crédito exequendo» - Lições de Processo Civil Executivo. Almedina, 2016, pág. 286.), a interpretação que permite não esperar pelo momento da venda, realiza de modo mais amplo o equilíbrio entre estes dois interesses antagónicos entre si.
Com efeito, obrigar o exequente a esperar pela venda poderia implicar, nalguns casos, que o executado abrisse mão ou desencaminhasse de bens penhoráveis e frustrasse as finalidades da execução.
Por isso, esta situação indesejável só pode ser evitada permitindo que antes da venda se penhorem bens diversos daqueles que estão onerados com garantia real, se porventura se verificar que estes bens são insuficientes.
Conclui-se, por conseguinte, que a insuficiência pode ser constatada antes da venda dos bens.
Porém, como referem Virgíneo da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, «No que concerne ao pressuposto relacionado com a insuficiência, ainda que se admita que não será preciso esperar pela venda dos bens para concluir que o seu produto não será suficiente para pagamento da dívida, afigura-se-nos que essa conclusão só se tornará segura no momento da fixação, pelo agente de execução, do valor base nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 812.º, sem prejuízo de, em momento anterior, a insuficiência estar já demonstrada através da fixação do valor patrimonial tributário, em avaliação efetuada há menos de seis anos, nos termos da alínea a) do n.º 3 do citado normativo» ( A Ação Executiva Anotada e Comentada. Almedina, 2015, pág. 342.
).
2 – Cumpre, porém, verificar se no caso concreto ocorre esta insuficiência.
A sentença recorrida refere isto: «Acresce que, o artigo 752º do CPC invocado, não foi violado, porquanto a penhora não se iniciou sobre os referidos imóveis em virtude da incidência de penhoras anteriores. Também não resultando do valor indicado na escritura que os mesmos sejam suficientes para garantir a quantia exequenda».
Ou seja, diz que o valor dos bens indicado na escritura não é suficiente para garantir a quantia exequenda.
É esta a questão que se coloca: qual o valor dos bens?
■ Quanto ao prédio do artigo matricial XXX.
Certamente este prédio não foi avaliado pelo solicitador da execução nos presentes autos, pois se o tivesse sido a sentença referi-lo-ia.
Não se sabe qual o valor base atribuído no Processo de Execução Fiscal n.º (..) a correr termos no Serviço de Finanças de …, quanto ao prédio do artigo matricial XXX (ficha YYY na CRP de …) aí penhorado.
Resulta dos autos, dos documentos juntos com a contestação, que na execução fiscal mencionada foi penhorado o prédio urbano do artigo matricial XXX e que a exequente reclamou aí o crédito que aqui quer cobrar, de 191.000,000 euros e juros.
Consta desse processo fiscal a informação, datada de 15 de fevereiro de 2017, que a venda do referido prédio foi marcada para 30 de agosto de 2011, mas foi sendo adiada e quando foi retomada vários proponentes pediram a anulação das propostas dado os anos decorridos desde que as formularam, pretensão que foi atendida.
Sabe-se que o valor venal que consta do registo predial relativo a este prédio é de EUR 53.000,00.
Temos, porém, o valor que consta da escritura pública relativo ao contrato de mútuo, com hipoteca, celebrada em 29 de dezembro de 2006, que ao prédio do artigo matricial XXX as partes atribuíram o valor de 68.385,00 euros.
■ Quanto ao prédio do artigo matricial ZZZ.
Certamente este prédio não foi avaliado pelo solicitador da execução nos presentes autos, pois se o tivesse sido a sentença referi-lo-ia.
Não se sabe qual o valor base atribuído ao prédio do artigo matricial ZZZ, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º (…) penhorado no processo judicial n.(…) (Execução. Comum), também referido nos documentos juntos com a contestação.
No registo predial consta o valor de EUR 5.000,00.
Desconhece-se se existiu ou não venda e qual o valor base proposto relativamente ao prédio.
Mas sabemos que consta da escritura pública relativo ao contrato de mútuo, com hipoteca, celebrada em 29 de dezembro de 2006 que ao prédio do artigo matricial ZZZ as partes atribuíram o valor de 84.625,00 euros.
Somando os valores encontramos o montante total de 152.010,00 euros.
Trata-se de um valor inferior, em mais de 40.000,00 euros ao da dívida que se executa.
Esta constatação leva à conclusão de que se encontra justificada a penhora de bens do fiador.
Aliás, esta conclusão não deve constituir surpresa para os embargantes, pois a fiança prestada na mesma escritura pública onde foi formalizada a hipoteca, mostra que o valor dos bens hipotecados foi considerado insuficiente para garantir o empréstimo.
Conclui-se, por conseguinte, no sentido de manter a sentença recolhida porque o valor dos bens penhorados se mostra insuficiente para garantir o reembolso da quantia exequenda.
IV. Decisão
Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e mantém-se a decisão recorrida.
Custas pelos Embargantes
*
Coimbra, 10 de Outubro de 2018

Alberto Ruço ( Relator )
Vítor Amaral
Luís Cravo