Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
144/12.6TBFIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARVALHO MARTINS
Descritores: PESSOA COLECTIVA
EXTINÇÃO
CITAÇÃO
PERSONALIDADE JUDICIÁRIA
INDEFERIMENTO LIMINAR
Data do Acordão: 01/29/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.160, 162, 163, 164 CSC, 5, 195, 234-A, 237, 288, 493 CPC
Sumário: 1.- Extinta uma sociedade cooperativa pelo registo do encerramento da liquidação ( art.160 nº2 CSC ), verifica-se a falta de citação ( art.195 nº1 d) CPC) se esta foi efectuada na pessoa de um membro da direcção, já depois da extinção da sociedade, visto não possuir personalidade jurídica e judiciária.

2.- As situações de existência de activo ou passivo que se venham a constatar em momento superveniente ao da extinção da pessoa colectiva foram expressamente ressalvadas pelo legislador nos artigos 163º e 164º do Código das Sociedades Comerciais, sem que tal implique o “renascer” da pessoa colectiva.

3.- O indeferimento liminar de petição inicial só deve ter lugar quando for manifesto que a pretensão formulada não pode mesmo proceder (art. 234.°-A, do CPC), como é o caso em que existe falta de personalidade judiciária da demandada.

Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

L (…) instaurou acção declarativa com processo ordinário contra a “Cooperativa O (…), Crl”, alegando, em síntese, que foi admitido como cooperante da ré desde a sua constituição e que no dia 26 de Novembro de 2011 realizou-se Assembleia Geral Extraordinária, para a qual não foi regularmente convocado, nem nela tendo estado presente, como tal desconhecendo quais as deliberações tomadas.

Alegou ainda que alguns dias depois, recepcionou duas convocatórias para a Assembleia Geral Extraordinária a realizar no dia 17 de Dezembro de 2011, para a qual também não foi regularmente convocado e nem esteve presente.

O autor alegou ainda que em finais de Dezembro, recepcionou uma carta contendo a acta nº 71 e um cheque no valor de € 8.548,22, resultando de tal acta que atentas as deliberações tomadas em assembleia gerai do dia 27 de Novembro, nomeadamente a venda da embarcação e do imóvel detidos pela Cooperativa, ficava esta sem poder cumprir com o objectivo para que tinha sido criada, não se justificando a sua continuidade pelo que se propunha a sua dissolução.

Mais alegou que, por não se considerar convocado para nenhuma das Assembleias realizadas, não sabendo a que corresponde o montante de € 8.548,22, remeteu no dia 6 de Janeiro de 2011, missiva a devolver o mesmo, entendendo que as deliberações tomadas são nulas.

Em conformidade com o alegado, o autor peticionou que seja declarada a nulidade das deliberações tomadas nas Assembleias Gerais Extraordinárias do dia 26 de Novembro e 17 de Dezembro de 2011 e anteriores a estas datas, sendo por conseguinte, ordenado o cancelamento dos factos registados na Conservatória do Registo Comercial em sua execução.

A (…), pessoa na qual foi efectivada a citação da ré apresentou contestação, alegando, desde logo, que apenas por mera casualidade foi abordado pelo carteiro e assinou a carta.

Sendo que nessa altura a ré encontrava-se já dissolvida e efectuado o registo da respectiva dissolução e liquidação da pessoa colectiva em causa.

Pelo que a citação foi efectivada em pessoa que não tinha poderes de representação.

Por outro lado, alegou que a acção não foi intentada nos 30 dias após as deliberações anulandas, como preceitua o artigo 59º nº 2 do Código das Sociedades Comerciais, na medida em que a acção deu entrada em Tribunal em 23.01.2012, quando as deliberações anulandas são de 26.11.2011 e de 17.12.2011.

O autor pronunciou-se quanto à alegada falta de citação alegando que, quando accionou não tinha conhecimento que a ré se tinha extinguido, por dissolução no dia 28.12.2011.

A dissolução e liquidação da Cooperativa, teria de ter preenchido os requisitos dos artigos 77º a 79º do Código Cooperativo, desconhecendo o autor os fundamentos da dissolução e muito menos quem foi eleito para a Comissão Liquidatária, pois não foram cumpridas todas as formalidades elencadas no Código Cooperativo e respectivo Estatuto.

A dissolução da Cooperativa marca o momento em que se reconhece que ela esgotou a sua função, mas não traduz desde logo a sua extinção, pois torna-se necessário ainda proceder à cobrança dos créditos, pagamentos das dívidas e partilhas do activo.

O autor recepcionou a acta nº 71 e cheque no dia 23.12.2011 e cinco dias depois, a ré prosseguiu com o registo da respectiva dissolução e liquidação da pessoa colectiva, não deixando decorrer os prazos para as acções competentes.

O autor alegou ainda que a ré não se pode considerar dissolvida, pois com a presente acção, pretende-se ver anulada as deliberações tomas nas Assembleias Gerais, incluindo a dissolução da Cooperativa.

Entendendo que a ré foi devidamente citada.

O autor alegou ainda que, mesmo que se considere dissolvida a ré não se poderá considerar liquidada de personalidade jurídica, nem de personalidade judiciária, por força do disposto no nº 2 do artigo 5º do Código de Processo Civil, porque não deixa de ter capacidade jurídica, na medida em que continua a poder exercitar os direitos relativos à liquidação e partilha do seu património, tendo por isso, em consequência, também capacidade judiciária, nos termos do artigo 9º nº 1 e 2 do Código de Processo Civil.

Até porque na data do registo da dissolução, ainda existia activo, pelo menos o montante de € 8.548,22 do cheque enviado ao autor que o devolveu.

E mesmo após o registo da extinção da Cooperativa por dissolução, a mesma continua a praticar actos de liquidação, conforme Declaração de Rendimentos respeitantes ao ano 2011, assinada pelo Sr. (…) e (…).

Devendo a sua intervenção nos autos ser feita através do liquidatário ou liquidatários nomeados no procedimento de liquidação, que actuarão como seus “representantes”.

*

Oportunamente, foi proferida a seguinte decisão:

“(…) a descrita falta de personalidade judiciária consubstancia uma excepção dilatória típica de conhecimento oficioso, que obsta ao conhecimento do mérito e determina a absolvição da instância da ré, tendo presente o disposto nos artigos 5º, 288º nº 1 alínea c), 493º nº 2 e 494º alínea c) do Código de Processo Civil.

É verdade que a ré ainda não foi citada.

Todavia, sustentamos que para além das situações expressamente previstas no artigo 234º-A do Código de Processo Civil, será igualmente possível ao juiz indeferir liminarmente a petição em casos em que ocorram de forma flagrante vícios manifestos que obstem ao conhecimento da causa, quando tenha oportunidade para tal, por ponderação dos princípios que nortearam a revisão do Código de Processo Civil de 1995, entre eles, o princípio da economia processual.

Nas palavras de A. ABRANTES GERALDES (Temas da Reforma do Processo Civil, 1º Vol. 2ª ed., Coimbra, 1999, p. 255), “esta solução lateral no que respeita à norma geral do art. 234°-A, n° 1, deve ficar reservada, no entanto, apenas para as situações em que o especial circunstancialismo verificado impeça outra solução: Inequivocidade do vício verificado e das respectivas consequências, necessariamente traduzida numa decisão final totalmente desfavorável ao autor; Insusceptibilidade de suprimento pela natural evolução do processo; Verificação da situação em momento anterior ao da citação do réu”.

Tal é o caso vertente, sendo manifesto que a ré estando extinta, não poderá ser parte nesta acção e nem sequer citada no âmbito destes autos.

Por último, caberá considerar que o autor será responsável pelo pagamento das custas da acção por a elas ter dado causa (artigo 446º do Código de Processo Civil).

*

Pelo exposto, indefiro liminarmente a petição inicial.

Custas pelo autor, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe venha a ser atribuído.

Valor da acção: € 30.000,01 (artigo 315º do Código de Processo Civil).

*

L (…), Autor no processo à margem epigrafado, que moveu contra a Ré Cooperativa O (…) CRL, não podendo conformar-se com a Sentença proferida nestes autos, dela veio interpor recurso de Apelação, alegando e concluindo que:

“(…)

31.º

Assim,  e  à  laia  de  conclusão,  podemos  afirmar  que:

 - se  é  certo  que  a Ré  se mostra  extinta,  por  ter  sido  dissolvida,  estando  já  os  factos  respetivos  levados  ao registo  comercial,

 -  também  o  não  é  menos  que,  estando  pendente  ação  contra  a Cooperativa,  a  extinção  da mesma  não  determina  a  absolvição  da  instância  nem  é necessária  qualquer  habilitação,

 - prosseguindo  a  mesma  com  a  substituição  da Cooperativa  pela  generalidade  dos  seus  Cooperantes,  representados  pelos liquidatários.

Não foram produzidas contra-alegações.

II. Os Fundamentos:

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

Matéria de Facto assente na 1ª Instância e que consta da decisão recorrida:

- A ré foi citada por carta registada com aviso de recepção na sua sede (como se reconhece na oposição);

- tendo o aviso de recepção sido assinado por A (…), que à data da dissolução era membro da direcção.

- resulta da certidão de registo comercial junta aos autos que, em 28/12/2011, foi registada a dissolução e liquidação da ré na competente conservatória de registo comercial e cancelada a respectiva matricula.

Tendo a presente acção dado entrada em juízo em 23/01/2012.

Nos termos do art. 684°, n°3, e 690°,n°1, do CPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n°2, do art. 660º, do mesmo Código.

Das conclusões, emergem as seguintes questões:

1.

 Foram respeitadas as formalidades da citação?

Apreciando, diga-se que de acordo com o disposto no art.  237.° CPC (Impossibilidade de citação pelo correio da pessoa colectiva ou sociedade), “não podendo efectuar-se a citação por via postal registada na sede da pessoa colectiva ou sociedade, ou no local onde funciona normalmente a administração, por aí não se encontrar nem o legal representante, nem qualquer empregado ao seu serviço, procede-se à citação do representante, mediante carta registada com aviso de recepção, remetida para a sua residência ou local de trabalho, nos termos do disposto no artigo 236.°”. Ou seja, “em qualquer lugar onde se encontre”.

Tendo ocorrido a situação de impossibilidade de citação da pessoa colectiva por via postal, por ausência de representante legal e empregados, é promovida a citação do primeiro como se de pessoa singular se tratasse, podendo a nova carta registada ser recebida por terceiro, nos termos dos nºs 2 e 3 do art. 236 e com o valor fixado no art. 238 (José Lebre de Freitas-João Redinha-Rui Pinto, CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume 1.°, 2.ª EDIÇÃO, 2008, pp. 439-440).

Sendo que (art. 238º CPC - data e valor da citação por via postal) só a entrega da carta ao citando, permitindo o inteiro conhecimento dos elementos que a citação lhe visa transmitir, equivale ao conhecimento efectivo a que se refere o mesmo art. 233-4, pelo que a ilidibilidade da presunção estabelecida é uma exigência do direito de defesa (LEBRE DE FREITAS, Em torno da revisão cit., p. 12, e Revisão cit., p. 427). Provado que não é imputável ao citando o conhecimento tardio (sê-lo-á, por exemplo, se tiver recebido a carta de advertência do art. 241 e não tiver logo pedido ao terceiro a entrega), o prazo da contestação inicia-se na data em que a entrega efectiva tenha tido lugar, sem prejuízo da arguição da falta de citação, quando a entrega tenha lugar depois de decorrido o prazo para a defesa iniciado no termo da dilação (art. 195-1-e) (José Lebre de Freitas-João Redinha-Rui Pinto, CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume 1.°, 2.ª EDIÇÃO, 2008, pp. 443).

Circunstancialmente, por constatação, na singularidade dos Autos, verifica-se que - como, de resto, vem assinalado em decisório -, a citação foi efectivada na pessoa de A (…), que, à data da dissolução, era membro da direcção e considerando o disposto no artigo 237º do Código de Processo Civil.

A este respeito, em termos estritamente temporais de vinculação ao Calendário Gregoriano, tornados obsidiantes em termos resolutivos, decorre da certidão de registo comercial junta aos autos, o que se configura como inultrapassável, que, em 28/12/2011, foi registada a dissolução e liquidação da ré na competente conservatória de registo comercial e cancelada a respectiva matricula, tendo a presente acção dado entrada em juízo em 23/01/2012.

Consequentemente, na ausência de disposição especial expressa, à semelhança das sociedades comerciais, a cooperativa há-de considerar-se extinta, pelo registo do encerramento da liquidação (artigo 160º nº 2 do Código das Sociedades Comerciais, a pretexto de a ré ser uma cooperativa que se rege pelas regras previstas no Código Cooperativo, aprovado pela Lei nº 51/96 de 7 de Setembro e subsidiariamente pelo Código das Sociedades Comerciais, em função do artigo 9º do referido diploma legal.

Tal significa, inelutavelmente - tal como observado -, que, à data da instauração da acção, a ré encontrava-se já extinta, daí decorrendo que não possuía personalidade jurídica e consequentemente personalidade judiciária (160º do Código das Sociedades Comerciais e artigo 5º do Código de Processo Civil).

Perante tal realidade, em decorrência do disposto no art. 195º nº 1 alínea d) do Código de Processo Civil, há falta de citação quando se mostre que a mesma foi efectuada, tratando-se de pessoa colectiva, após a sua extinção. Uma vez que, em tais termos, há falta de citação, exactamente, (d) “quando se mostre que foi efectuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste, tratando-se de pessoa colectiva ou sociedade”.

O que acarreta, necessariamente, não se poder considerar que a ré haja sido regularmente citada.

Resultando, ainda, incontroverso - diga-se já aqui - que a (referenciada) falta de personalidade judiciária consubstancia uma excepção dilatória típica de conhecimento oficioso, que obsta ao conhecimento do mérito e determina a absolvição da instância da ré, tendo presente o disposto nos artigos 5º, 288º nº 1 alínea c), 493º nº 2 e 494º alínea c) do Código de Processo Civil.

 Configurando como negativa a resposta à questão em 1.

2.

A ressalva prevista no art. 160º nº 2 do Código das Sociedades Comerciais, designadamente por remissão para o disposto no artigo 162º do mesmo código, possibilita, no caso, que a ré fosse substituída na acção pela generalidade dos cooperantes representados estes pela comissão liquidatária?

A resposta é dada, directamente, por normativo em questão, a saber: art. 162.° (acções pendentes) - (1) as acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163º, n.ºs 2, 4 e 5, e 164º n.°s 2 e 5; (2) a instância não se suspende nem é necessária habilitação.

O elemento literal ínsito a tal normativo é perfeitamente explícito (acções pendentes), de novo e sempre em função de uma específica temporalidade, a pressupor uma acção já encetada. O que não acontece no caso presente, na sucessão temporal revelada em probatório e escalpelizada em texto de alegações iniciais, também, a esse pretexto, na inadequação circunstancial do invocado Ac. da Relação do Porto de 06.07.2009, disponível em www.dgsi.pt.. Exactamente porque a dissolução e encerramento da liquidação Cooperativa demandada como Ré, foi registada antes da propositura da presente ação.

Acresce dizer, como elemento de sustentação - como faz Baptista Machado (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1987, págs. 182 e 189), o texto ou letra da lei é o ponto de partida da interpretação e, como tal, cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei. A letra, o enunciado linguístico, é, assim, um ponto de partida. Mas não só, pois exerce também a função de um limite, nos termos do art. 9º n.° 2 CC: não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) «que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso». Com efeito, o que se pretende com a interpretação jurídica não é compreender, conhecer a norma em si, mas sim obter dela ou através dela o critério exigido pela problemática e adequada decisão justificativa do caso. O que significa que é o caso e não a norma o prius problemático - intencional e metódico» (do Assento STJ, 27-9-1995: DR, IA, de 14-12-95, pág. 7878). No mesmo sentido, Oliveira Ascensão escreve: a letra é não só o ponto de partida, mas também um elemento irremovível de toda a interpretação, funcionando também o texto como limite da busca do espírito (O Direito, 6.ª ed., 1991, pág. 368).

O que atribui resposta negativa à questão em 2.

3.

Na data do registo da dissolução, ainda existia activo, pelo menos o montante de € 8.548,22 do cheque enviado ao autor que o devolveu?

A resposta configura-se, também como tabelar e normativa na decorrência do inciso do art. 163º (passivo superveniente) CSC, pois que (1) encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada. Sendo que (2) as acções necessárias para os fins referidos no número anterior podem ser propostas contra a generalidade dos sócios, na pessoa dos liquidatários, que são considerados representantes legais daqueles para este efeito, incluindo a citação; com qualquer dos sócios a poder intervir como assistente (…).

Do mesmo modo, em função do disposto no art. 164.° (activo superveniente), (1) verificando-se, depois de encerrada a liquidação e extinta a sociedade, a existência de bens não partilhados, compete aos liquidatários propor a partilha adicional pelos antigos sócios, reduzindo os bens a dinheiro, se não for acordada unanimemente a partilha em espécie. Com (2) as acções para cobrança de créditos da sociedade abrangidos pelo disposto no número anterior podem ser propostas pelos liquidatários, que, para o efeito, a serem considerados representantes legais da generalidade dos sócios; qualquer destes pode, contudo, propor acção limitada ao seu interesse. A tal pretexto, (3) a sentença proferida relativamente à generalidade dos sócios constitui caso julgado para cada um deles e pode ser individualmente executada, na medida dos respectivos interesses.

O que acoberta legalmente a consideração decisória segunda a qual:

“Na medida em que as situações de existência de activo ou passivo que se venham a constatar em momento superveniente ao da extinção da pessoa colectiva foram expressamente ressalvadas pelo legislador nos artigos 163º e 164º do Código das Sociedades Comerciais, sem que tal implique o “renascer” da pessoa colectiva.

Certo é que à data em que o fez, o autor não poderia ter instaurado a acção contra a ré, que já não tinha personalidade jurídica, devendo tê-lo feito, isso sim, contra a generalidade dos cooperantes e na ausência da comissão liquidatária prevista no artigo 78º do Código Cooperativo, representados estes (e não a sociedade) pelos membros da administração nomeada à data da dissolução, atendendo ao disposto no artigo 151º nº 1 e 8 e 163º nº 2 do Código das Sociedades Comerciais (este último passível de ser aplicado por analogia ao caso)”.

No mais, mesmo levando em consideração, na sequência do que se observou, que a Ré ainda não foi (validamente) citada, certo é que, em função do alcance do art. 234°-A (casos em que é admissível indeferimento liminar), (1) nos casos referidos nas alíneas a) a e) do número 4 do artigo anterior, pode o juiz, em vez de ordenar a citação, indeferir liminarmente a petição, quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no artigo 476.°.

Assim pois que o indeferimento liminar de petição apresentada em juízo, independentemente da natureza e forma do processo, só deve ter lugar quando for manifesto que a pretensão formulada não pode mesmo proceder (art. 234.°-A, do CPC) (Ac. STA — 2.° Sec., de 24.5.2000: Acórd. Doutrin., 484.°-503).

Tal como nos Autos em que, tudo visto, a descrita falta de personalidade judiciária consubstancia uma excepção dilatória típica de conhecimento oficioso, que obsta ao conhecimento do mérito e determina a absolvição da instância da ré, em função dos artigos 5º, 288º nº 1 alínea c), 493º nº 2 e 494º alínea c) do Código de Processo Civil.

Isto porque a personalidade jurídica consiste na possibilidade de requerer ou de contra si ser requerida, em próprio nome, qualquer das providências de tutela jurisdicional reconhecida na lei (A. Varela, Manual 101). O critério geral, fixado no n.° 2, do art. 5º CPC, para se saber quem tem personalidade judiciária é o da correspondência (coincidência ou equiparação) entre a personalidade jurídica (ou capacidade de gozo de direitos) e a personalidade jurídica. Assim, «todos os indivíduos, quer sejam maiores ou menores, quer sejam capazes, interditos ou inabilitados, quer nacionais ou estrangeiros (art. 14.° do Cód. Civil), gozam de personalidade judiciária, podem ser partes em juízo, visto que todos eles podem ser sujeitos, em princípio, de quaisquer relações jurídicas (art. 67.° do Cód. Civil).

E o corolário aplicável às pessoas singulares estende-se de igual modo, quer às pessoas colectivas (associações ou fundações) quer às sociedades a que seja reconhecida personalidade jurídica. Também as pessoas colectivas e as sociedades, embora agindo necessariamente em juízo por meio dos seus representantes estatutários, são as verdadeiras partes da acção, sempre que esta seja proposta em nome delas ou contra elas» (A. Varela, Manual, 103 e 104). E muito embora o CPC aceite, excepcionalmente, a existência de personalidade judiciária sem personalidade jurídica (arts. 6.°, 7.° e 8.°), não há hipótese nenhuma em que à extinção desta não corresponda a extinção daquela (cf. art. 162.° do Cód. Soc. Com.).

Sempre no horizonte processual (234º-A CPC) de que a lei processual civil permite a apresentação de nova petição inicial em caso de indeferimento liminar da primeira, com fundamento na manifesta improcedência do pedido. Se o primeiro indeferimento se baseou na falta de alegação de determinados factos, não se está perante “situação irremediável”, que justifique a recusa de nova petição, já que o Autor pode alegar nela os elementos factuais que antes não alegara (Ac. RP, de 11.7.2005:JTRP00038314.dgsi.Net).

Sendo esta a resposta à questão em 3.

Podendo, assim, concluir-se, sumariando, que:

1.

Tendo ocorrido a situação de impossibilidade de citação da pessoa colectiva por via postal, por ausência de representante legal e empregados, é promovida a citação do primeiro como se de pessoa singular se tratasse, podendo a nova carta registada ser recebida por terceiro, nos termos dos nºs 2 e 3 do art. 236 e com o valor fixado no art. 238.

2.

À data da instauração da acção, a ré encontrava-se já extinta, daí decorrendo que não possuía personalidade jurídica e consequentemente personalidade judiciária (160º do Código das Sociedades Comerciais e artigo 5º do Código de Processo Civil). Perante tal realidade, em decorrência do disposto no art. 195º nº 1 alínea d) do Código de Processo Civil, há falta de citação quando se mostre que a mesma foi efectuada, tratando-se de pessoa colectiva, após a sua extinção.

3.

O elemento literal ínsito ao art. 162.° CSC é perfeitamente explícito (acções pendentes), de novo e sempre em função de uma específica temporalidade, a pressupor uma acção já encetada. O que não acontece no caso presente, na sucessão temporal revelada em probatório, exactamente porque a dissolução e encerramento da liquidação Cooperativa demandada como Ré, foi registada antes da propositura da presente acção.

4.

As situações de existência de activo ou passivo que se venham a constatar em momento superveniente ao da extinção da pessoa colectiva foram expressamente ressalvadas pelo legislador nos artigos 163º e 164º do Código das Sociedades Comerciais, sem que tal implique o “renascer” da pessoa colectiva.

5.

À data em que o fez, o autor não poderia ter instaurado a acção contra a ré, que já não tinha personalidade jurídica, devendo tê-lo feito, isso sim, contra a generalidade dos cooperantes e na ausência da comissão liquidatária prevista no artigo 78º do Código Cooperativo, representados estes (e não a sociedade) pelos membros da administração nomeada à data da dissolução, atendendo ao disposto no artigo 151º nº 1 e 8 e 163º nº 2 do Código das Sociedades Comerciais (este último passível de ser aplicado por analogia ao caso)”.

6.

O indeferimento liminar de petição apresentada em juízo, independentemente da natureza e forma do processo, só deve ter lugar quando for manifesto que a pretensão formulada não pode mesmo proceder (art. 234.°-A, do CPC). Tal como nos Autos em que, tudo visto, a descrita falta de personalidade judiciária consubstancia uma excepção dilatória típica de conhecimento oficioso, que obsta ao conhecimento do mérito e determina a absolvição da instância da ré, em função dos artigos 5º, 288º nº 1 alínea c), 493º nº 2 e 494º alínea c) do Código de Processo Civil.

7.

Sempre no horizonte processual (234º-A CPC) de que a lei processual civil permite a apresentação de nova petição inicial em caso de indeferimento liminar da primeira, com fundamento na manifesta improcedência do pedido. Se o primeiro indeferimento se baseou na falta de alegação de determinados factos, não se está perante “situação irremediável”, que justifique a recusa de nova petição, já que o Autor pode alegar nela os elementos factuais que antes não alegara.

III. A Decisão:

Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC, relevando, muito embora, o benefício do Apoio Judiciário atribuído.

*                     

António Carvalho Martins ( Relator )

Carlos Moreira

Moreira do Carmo