Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
792/14.0TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: IMPUGNAÇÃO PAULIANA
PRESSUPOSTOS
CRÉDITO
CONSTITUIÇÃO
VENCIMENTO
LIVRANÇA EM BRANCO
Data do Acordão: 06/28/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA, LEIRIA, INSTÂNCIA CENTRAL – SECÇÃO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 610º E 612º DO C.C.
Sumário: 1. A impugnação pauliana requer a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: existência de um crédito; verificação de uma diminuição da garantia patrimonial do crédito; impossibilidade ou agravamento para a satisfação integral do crédito; e nexo de causalidade entre o acto impugnado e a referida impossibilidade ou agravamento.

2. No que se refere ao requisito da anterioridade do crédito cumpre atender à data da constituição do crédito e não à do seu vencimento. No caso de subscrição de livrança em branco, o crédito cambiário daí resultante nasce com a emissão desse título. Isto porque a livrança aceite ou avalizada, titula o direito nela incorporado nascido da “relação subjacente”, anterior ao preenchimento da livrança que apenas vem a corporizar nesta o anterior crédito que lhe dá origem.

3. Ora, o crédito do autor nasceu com a subscrição da livrança, que foi emitida aquando da celebração do contrato de financiamento, e não com o preenchimento da livrança, anteriormente entregue em branco. Assim, tem de concluir-se que se verifica a anterioridade do crédito relativamente à celebração da escritura de doação.

4. Acresce que, mesmo no caso de o crédito ser posterior ao acto realizado, ainda assim se mantém a possibilidade de impugnação, se este foi realizado com a intenção de impossibilitar ou agravar a impossibilidade de o credor obter a satisfação do seu crédito.

Decisão Texto Integral:

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

BANCO A..., S.A., com sede na Avenida (...) Lisboa, intentou a presente ação de impugnação pauliana, que segue termos sob a forma de processo comum, contra:

1º - B... , residente na Rua (...) , Leiria;

2º - C... , residente na Rua (...) , Leiria;

3º - D... , residente na Rua (...) , Leiria e

4º - E... , com residência indicada na Rua (...) , Leiria.

Pediu que, na sequência da procedência da ação, sejam as doações dos bens imóveis que melhor identificou na sua petição inicial (que integravam o património dos réus pais) declaradas ineficazes, em relação ao autor Banco A... , na medida do que se mostrar necessário para integral satisfação do seu crédito, peticionado no âmbito da execução comum a que se referiu naquele seu articulado.

Para alicerçar essa sua pretensão, em síntese, alegou:

- O Banco F... , S.A., foi, por fusão, incorporado, mediante transferência global do património da sociedade incorporada, “Banco F... , S.A.”, para a sociedade incorporante “Banco A... , S.A.”

- A sociedade autora, Banco A... (ex- F... ), é dona e legítima portadora de uma livrança, no valor de €63.516,81 de capital, subscrita pela firma Construções H..., Lda., e avalizada, pelos 1º e 2ª réus, B... e C... e Outros, a qual, vencida e apresentada a pagamento em 11/03/2011, não foi paga.

- Aquela livrança cauciona/garante um financiamento/empréstimo, que a autora Banco A... concedeu, à firma subscritora Construções H... , Lda., a pedido desta e no exercício da sua atividade bancária, no valor de 10.000.000$00 de capital (€49.879,79 de capital), de harmonia com o “Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente”, (C.006722900251) datado e assinado, por ambas as partes, no dia 24/07/1998.

- O referido financiamento/empréstimo, foi creditado na conta crédito, aberta para o efeito em nome da mutuária/subscritora, a que coube o nº 0067.2290.0251, sediada na agência do A... , em (...) , Leiria e foi utilizado por aquela empresa para apoio de tesouraria.

- A mutuária obrigou-se perante a mutuante a reembolsar o referido financiamento/empréstimo, por débito da conta D.O. nº 0067.2290.0154, comprometendo-se a manter a mesma devidamente provisionada para aquele efeito.

- Para garantia e segurança do cumprimento das obrigações decorrentes daquele financiamento/empréstimo, a firma mutuária/subscritora, Construções H... , Lda., subscreveu e entregou, ao Banco A... , a livrança caução, acima identificada, avalizada pelos sócios gerentes e cônjuges, B... e C... e outros, que a autora poderia acionar ou descontar, com o seu acordo expresso, em caso de incumprimento do referido contrato.

- A partir de meados do ano 2008, para o reembolso do empréstimo supra mencionado, nomeadamente, do serviço da dívida, composto pelos juros e demais encargos, a mutuária, deixou de manter a referida conta D.O., devidamente aprovisionada, para suportar o respetivo débito, de harmonia com o plano de pagamento convencionado entre as partes, o que teve como consequência o incumprimento do contrato, a partir de 18/05/2008 e, por conta do mesmo e até então, apenas foram pagos os juros e outros encargos, sendo que, por conta do capital, nada ou quase nada foi pago, mostrando-se o mesmo em dívida/incobrado por €48.000,00 de capital, desde a referida data.

- Não obstante, a autora, por diversas vezes, quer antes, quer depois do incumprimento, ter contactado a firma mutuária/subscritora e os seus garantes/avalistas, os aqui 1º e 2ª réus, e outros, quer pessoalmente, quer telefonicamente, quer ainda por escrito, a fim de regularizarem a referida situação, tal nunca aconteceu.

- A autora denunciou, então, o contrato e preencheu a referida livrança, apondo na mesma o valor de €63.516,81, correspondente ao capital em dívida e respetivos juros contratualizados, informando-os desse facto, através de cartas datadas de 18/07/2008 e 15/02/2011.

- Para além do capital, consubstanciado naquela livrança, devem, também, os 1º e 2ª réus à autora os juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 4% ao ano e respetivo imposto, os quais contados desde o vencimento da mencionada livrança, até 20/02/2014, somam a quantia de €7.796,59.

- Esgotadas todas as hipóteses de recuperar aquele crédito, pela via extrajudicial, a autora acionou a referida livrança, em processo de execução comum, que corre termos, no 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Leiria, sob o nº 1894/11.0TBLRA, onde nada recebeu, nem vai receber, na medida em que os ali executados são os aqui réus B... e C... e outros, os quais não possuem qualquer património.

- A firma mutuária/subscritora Construções H... , Lda., foi declarada insolvente, por sentença proferida no dia 18/10/2010, no âmbito do processo que corre termos no 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Leiria, sob o nº 4876/10.5TBLRA.

- No âmbito do processo de insolvência da firma mutuária/subscritora, foi deliberado, no dia 13/12/2010, pela Assembleia de Credores, o encerramento da empresa e a liquidação do escasso ativo da insolvente, o qual, se resumia a um imóvel, hipotecado à K...., o qual já foi adjudicado à mesma, pelo valor de €180.000,00 e, a um conjunto de bens móveis, que foram alienados por €24.000,00, sendo certo que o passivo da insolvente soma a quantia de €948.501,92, dos quais, €679.775,21, respeitam a créditos comuns, onde se insere o Banco A... , que ali reclamou créditos no valor de €87.256,75, €260.069,17, a créditos garantidos ( K..../Hipoteca) e, €8.657,54 a créditos privilegiados (Fazenda Nacional e Segurança Social), sendo que o A... , enquanto credor comum, nada recebeu, nem irá receber, na medida em que os credores garantidos e privilegiados preferem no pagamento.

- Quanto aos garantes/avalistas da referida livrança I... e J... , o património que lhes é conhecido é constituído por prédios rústicos e direitos sobre prédios rústicos, os quais se encontram extremamente onerados, com penhoras de valores muito avultados, registadas a favor de credores diversos da sociedade aqui autora.

- Quanto aos garantes/avalistas B... e C... apenas foram apurados, pela autora, os seguintes bens:

- Direito de usufruto, sob o prédio misto descrito na 2ª CRP de Leiria sob o nº 899, sito na freguesia de (...) , concelho de Leiria, com o valor patrimonial de €30.250,00; e

- ½ (metade) de um prédio rústico, sito na freguesia de (...) , concelho de Leiria, descrito na 2ª CRP de Leiria, sob o nº 901, com o valor patrimonial de €70,00.

- Os 1º e 2ª réus/pais, no dia 16/03/2009, por escritura pública, doaram aos 3º e 4º réus/filhos, por conta da quota disponível, os diversos bens imóveis e direitos, que integravam o seu património, que a autora melhor descreveu na sua petição inicial.

- O 4º réu/filho doou aos 1º e 2ª réus/pais, o usufruto, simultâneo e sucessivo, do prédio misto por aqueles doado.

- Os réus lograram desfazer-se, gratuitamente, por doações, aos seus filhos, de todos os bens imóveis que integravam o seu património, capazes de garantir o pagamento do crédito da autora, tendo visado colocá-la numa situação de impossibilidade absoluta de reaver o seu crédito.

- Os 1º e 2ª réus/pais bem sabiam que, ao desfazerem-se de todo o seu património, se colocavam numa situação de impossibilidade de pagar/honrar a dívida, que garantiram quando prestaram aval na livrança subscrita pela firma mutuária Construções H... , Lda.

Em sede de fundamentação de direito, chamou à colação o estatuído nos artigos 610º e seguintes do Código Civil e defendeu estarem verificados os pressupostos de procedência da impugnação pauliana.

Os 1º, 2ª e 3º réus foram devidamente citados.

Foi verificado o falecimento do réu E... , tendo os seus pais, aqui primeiro réu e segunda ré, sido habilitados em representação deste.

Os réus apresentaram contestação, na qual, muito em síntese:

- Impugnaram parte dos factos alegados pela autora.

- Defenderam que o crédito da autora se constituiu em momento posterior ao dos atos impugnados, pois, em relação aos devedores aqui réus, a obrigação é aquela que emerge do aval, que respeita exclusivamente ao título de crédito, sendo que, in casu, a data de vencimento da livrança é posterior à data das doações impugnadas.

- Alegaram que os 1º e 2ª réus têm património.

Terminaram pugnando pela procedência das exceções perentórias e pela sua consequente absolvição do pedido ou, caso assim não se entenda, pela improcedência da ação, tendo também como consequência a sua absolvição do pedido.

A autora exerceu o contraditório acerca da matéria de exceção, tendo defendido a improcedência da contestação dos réus.

***

AA... S.A., com sede na Avenida (...) , em Lisboa, veio invocar a cisão da sociedade aqui autora e requerer que os autos passassem a prosseguir a seu impulso, o que foi deferido, tendo aquela sociedade ocupado, desde então, o lugar de autora.

No prosseguimento do processo, foi proferido despacho saneador, no qual se afirmaram todos os pressupostos de validade e regularidade da instância e em que se conheceu de parte da matéria de exceção alegada pelos réus (no que se refere à extinção da acção no que respeita aos bens doados a E... ).

Consignaram-se os factos assentes e foram enunciados o objeto do litígio e os temas de prova.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais, com recurso à gravação dos depoimentos prestados, após o que foi proferida a sentença de fl.s 424 a 447, na qual, se fixou a matéria de facto tida como provada e não provada e respectiva fundamentação e a final, se decidiu o seguinte:

“Na decorrência de todo o exposto e ao abrigo dos normativos legais citados, julga-se a presente ação procedente e, na medida do seu êxito, considera-se procedente a impugnação das doações descritas sob o número 9. dos factos provados (que aqui se dão por reproduzidas), podendo os bens e direitos delas objeto ser executados, pela autora, no património dos primeiro réu e segunda ré, para pagamento do crédito acima referido, condenando-se os demais réus a não se oporem a que a autora os execute, na património daqueles, na medida do necessário para o pagamento do mesmo crédito.

***

Custas da ação pelos réus.”.

 Inconformados com a mesma, dela interpuseram recurso os réus, B... , C... e D... , recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo – (cf. despacho de fl.s 550), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

1. Reportam as presentes Alegações à, aliás, Douta Sentença proferida pela Secção Cível – Unidade 4 da Instância Central de Leiria, na parte em que julgou “Na decorrência de todo o exposto e ao abrigo dos normativos legais citados, julga-se a presente ação procedente e, na medida do seu êxito, considera-se procedente a impugnação das doações descritas sob o número 9. dos factos provados (que aqui se dão por reproduzidas), podendo os bens e direitos delas objeto ser executados, pela autora, no património dos primeiro réu e segunda ré, para pagamento do crédito acima referido, condenando-se os demais réus a não se oporem a que a autora os execute, na património daqueles, na medida do necessário para o pagamento do mesmo crédito.”

2. Como se procurará demonstrar, a sentença do Tribunal “a quo” proferida pelo Mmo. Juiz (cuja pessoa nunca fica em causa nas presentes Alegações, mas apenas e tão-somente a decisão) para além de padecer de nulidade, por, no entendimento dos Recorrentes, condenar em quantidade superior ao pedido, errou na fixação da matéria de facto dada como provada por erradamente considerar como provados factos que, como tal, não deveriam ser dado como provados, errou no enquadramento de Direito efectuado no caso concreto e, na sequência da alteração – que no entendimento dos recorrentes se impõe, errou na aplicação do Direito aos factos.

3. A Recorrente entende que, ao proferir a Decisão ora em crise, o Douto Tribunal a quo violou os art.ºs 610.º e 611.º todos do CC, 609.º n.º 1 e 615.º n.º 1 al. d) 2.ª parte e e), ambos do (N)CPC e 10.º, 32.º, 75.º, 76.º e 77.º da LULL, razão pela qual, nos termos que infra se exporão, se impõe seja proferida decisão diversa.

4. O recorrido no seu pedido pede que as doações que identifica no art.º 29.º da PI (erradamente identificado como art.º 31.º e veio a ser corrigido na Acta da audiência de 01.07.2015) – 3 transmissões efectuadas a D... (a que respeitam as alíneas a), b) e f) do facto provado 9.) e 5 transmissões ao falecido E... (a que respeitam as alíneas c), d), e), g) e h) do facto provado 9.) – sejam declaradas ineficazes em relação a si, sendo que as doações efectuadas respeitam a 21 imóveis, todos eles descritos em 22.º da PI.

5. O tribunal deu como provadas em 9. dos factos provados todas as transmissões elencadas nesse art.º 22.º e condenou os ora recorrentes quanto à totalidade desses imóveis aí descritos, ignorando o que havia sido pedido pelo recorrido e condenando em excesso, em violação do n.º 1 do art.º 609.º e als. d) e e) do n.º 1 do art.º 615.º, ambos do (N)CPC.

6. Atendendo ao previsto no n.º 4 do art.º 615.º do (N)CPC a presente instância recursiva é a adequada para que seja suscitada a nulidade da sentença.

7. Termos em que, porque da decisão resulta uma condenação superior ao pedido, padece a sentença de nulidade, a qual, expressamente se invoca e se impõe seja reconhecida e, consequentemente, deverá ser proferido Acórdão que, reconhecendo a nulidade, revogue a decisão na parte em que excede o pedido produzido.

8. Relativamente à Matéria de Facto dada como provada, para este concreto ponto, a que releva para a presente questão aqui em discussão, é aquela que se encontra vertida nos pontos 13. e 14. Da factualidade dada como provada.

9. Salvo melhor e Douta Opinião, no entendimento dos recorrentes, a forma como o Tribunal a quo conciliou a matéria controvertida e assente com a demais matéria alegada e a prova que sobre a mesma incidiu resultou da excessiva limitação e/ou condicionamento da produção da prova testemunhal impedindo o seu devido enquadramento, como exposto nos articulados, impossibilitando dessa forma uma suficiente e conveniente contextualização da matéria, que, face à questão em apreço, se impunha.

10. Por outro lado, essa limitação na produção de prova – que no caso concreto se verificou – acaba por condicionar as respostas da prova testemunhal, tornando-as mais vagas e confirmativas ou negativas do que lhes é perguntado, impedindo que as testemunhas exponham convenientemente, por sua própria iniciativa, a sua razão de ciência.

11. Possibilitando que, dessa forma, em sede de exame crítico da prova, se possa argumentar que os depoimentos são vagos, imprecisos e/ou não reveladores de conhecimento directo dos factos e, inclusive, que não mereceram credibilidade por se manifestarem (no que respeita à prova testemunhal dos RR.) “a ânsia das testemunhas afirmaram a versão dos factos dos réus, mesmo antes de lhes ser formulada – ou integralmente formulada – a questão respectiva …”.

12. Salvo melhor e Douta Opinião, a apreciação da prova somente se opera após o encerramento da discussão em sede de audiência de discussão e julgamento e não durante essa fase, designadamente durante a inquirição de testemunhas, sob pena de se estar, em momento/fase menos oportuno, a antecipar uma decisão ou, pelo menos, a antecipar um enquadramento jurídico da matéria.

13. A percepção do ora referido, somente se poderá alcançar da análise/audição integral dos depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento, razão pela qual, para esse concreto propósito, deverão ser tidos em consideração os depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento, de todas as testemunhas e depoimento de parte do R. B... - Gravação digital no sistema Habilus Media Studio – Actas de Audiência de Discussão e Julgamento de 18.06.2015 e 01.07.2015.

14. Quanto ao facto provado 13., a razão da divergência dos recorrentes relativamente à sua fixação, somente advém do entendimento de que poderá do mesmo advir quanto ao conhecimento por parte dos RR., mormente do 1.º R. e ora recorrente, do teor desse aludido documento. Já que, tal como se extrai da análise do mesmo, tal comunicação foi dirigida à sociedade com conhecimento aos 1.º e 2.º RR., sem que, contudo, no entendimento dos recorrentes, tivesse de alguma forma resultado como provado que estes últimos efectivamente receberam tal comunicação.

15. Até porque os RR., nas suas contestações, expressamente impugnaram tal comunicação, bem como que alguma vez tenham sido contactados pelo A. e ora recorrido. (cfr. art.º 105.º da Contestação).

16. Veja-se então o depoimento prestado pela Testemunha do A. e recorrido N... , quer a instâncias da MM. Juiz, do Ilustre Mandatário do Recorrido quer do Mandatário dos Recorrentes, gravado em CD conforme acta de Audiência de Discussão e Julgamento do dia 18.06.2015, Gravação digital no sistema Habilus Media Studio, com início às 10:03:08 horas e fim às 10:15:58 horas, concretamente depoimento de minutos 00.50m a 01.24m, depoimento de minutos 02.20m a 10.00m e depoimento de minutos 10.40m a 12.39m, cuja súmula se encontra efectuada em sede alegatória e para a qual se remete por razões de economia processual.

17. Salvo melhor e Douta Opinião, não se vislumbra, contrariamente ao que consta vertido na parte da sentença referente ao exame crítico da prova, qual o seu contributo para o facto vertido em 13. Ser dado como provado, tanto mais que, os documentos em que concretamente teve intervenção são os docs. 6 e 7 juntos com a PI e o documento a que se refere o facto provado 13. É o doc. n.º 5 da PI e, tal como a MM.ª Juiz confirmou, esse mesmo depoente não teve qualquer intervenção nas fases anteriores, designadamente de recuperação de crédito, nem sequer teve qualquer contacto com os recorrentes.

18. Sequer quanto ao vertido em 14. se pode sequer alcançar qualquer contributo que advenha do depoimento aqui em crise, pois que o depoente não falou de qualquer doação que tenha sido efectuada, sendo que a sua intervenção ocorreu em momento muito posterior a tal acto.

19. Já do depoimento prestado pela Testemunha do A. e recorrido M... , quer a instâncias da MM. Juiz, do Ilustre Mandatário do Recorrido quer do Mandatário dos Recorrentes, gravado em CD conforme acta de Audiência de Discussão e Julgamento do dia 18.06.2015, Gravação digital no sistema Habilus Media Studio, com início às 10:17:03 horas e fim às 10:40:29 horas, resultou, concretamente depoimento minutos 01.35m a 02.05m, depoimento minutos 03.10m a 03.30m, depoimento minutos 04.55m a 05.30m, depoimento minutos 05.35m a 06.05m, depoimento minutos 08.15m a 08.53m, depoimento minutos 10.40m a 12.29m), depoimento de 12.50m a 14.40m), depoimento minutos 17.15m a 22.00m e depoimento minutos 22.05m a 23.15m o constante da súmula supra efectuada em sede alegatória para a qual se remete por razões de economia processual.

20. Salvo melhor e Douta Opinião, a exemplo do que sucede com a testemunha N... , não se vislumbra, contrariamente ao que consta vertido na parte da sentença referente ao exame crítico da prova, qual o contributo desta testemunha M... para o facto vertido em 13. Ser dado como provado, tanto mais que, não teve qualquer intervenção nem na elaboração nem no envio de nenhum dos documentos a que fez alusão no seu depoimento (docs. 5 a 7 da PI) sendo inclusive esclarecedor quanto o facto de ter deixado a agência onde se encontrava sedeado o contrato em 31.12.2006.

21. Sequer quanto ao vertido em 14. se pode sequer alcançar qualquer contributo que advenha do depoimento aqui em crise, pois que o depoente não teve intervenção directa nas buscas efectuadas relativamente à localização de bens ou da escritura de doação, não passou por si a decisão de preencher a livrança somente decorridos 3 anos após o incumprimento e, quanto ao propósito da doação, mais não fez do que transmitir a sua opinião pessoal (enquanto funcionário do A.) beseada nos elementos a que teve acesso, como – e bem – fez notar a MM.ª Juiz.

22. Atente-se no depoimento prestado pela Testemunha do A. e recorrido L... , quer a instâncias da MM. Juiz, do Ilustre Mandatário do Recorrido quer do Mandatário dos Recorrentes, gravado em CD conforme acta de Audiência de Discussão e Julgamento do dia 18.06.2015, Gravação digital no sistema Habilus Media Studio, com início às 10:41:36 horas e fim às 11:01:36 horas, concretamente depoimento minutos 01.10m a 01.47m, depoimento minutos 02.05m a 05.10m, depoimento minutos 05.45m a 07.40m, depoimento minutos 12.25m a 12.45m, depoimento minutos 13.35m a 13.54m, depoimento minutos 14.30m a 18.00m e depoimento minutos 18.06m a 19.54m cuja súmula se encontra efectuada em sede alegatória e para a qual se remete por razões de economia processual.

23. Mais uma vez, no que concretamente respeita ao facto provado 13., não se percebe qual o contributo do depoimento da testemunha em causa, já que a mesma foi clara a dizer que a comunicação que consta de Doc. n.º 5 junto com a PI, era enviada registada com AR, sendo que dos autos não constam tais documentos comprovativos de que efectivamente foram enviadas e recebidas, designadamente pelos 1.ª e 2.ª Ré e aqui nesta sede recorrentes.

24. Logo, da redacção conferida ao facto provado 13., nunca se poderá extrair, como parece resultar da fundamentação da Douta Decisão, que os 1.º e 2.ª Ré tinham conhecimento da denúncia do contrato que inequivocamente é do que trata – e somente disso – a comunicação a que respeita o doc. n.º 5 junto com a PI.

25. Já no que concretamente respeita ao vertido em 14., igualmente se não pode sequer alcançar qualquer contributo que advenha do depoimento aqui em crise, pois que a depoente não teve intervenção directa nas buscas efectuadas relativamente à localização de bens ou da escritura de doação e, quanto ao propósito da doação, mais não fez do que transmitir a sua opinião pessoal (enquanto funcionária do A.) beseada nos elementos a que teve acesso, como – e bem – fez notar a MM.ª Juiz.

26. O que, igualmente, da conjugação da prova documental constante dos autos, igualmente não será possível de alcançar, tanto mais que se não demonstrou que os 1.º e 2.ª Ré tivessem tido conhecimento da denúncia do contrato nem sequer qual os teores – sem conceder – das conversas que alegadamente o 1.º Réu e Recorrente manteve com o gerente da Agência.

27. Além do mais, a prova testemunhal produzida pelas testemunhas dos Recorrentes, apesar de à mesma não ter sido conferida credibilidade, aponta, inclusive, em sentido contrário, ao demonstrar que o 1.º Recorrente não tinha conhecimento dos “negócios”/giro da firma pois o mesmo era trabalhador e encontra-se sempre nas obras.

28. Por outro lado, da comunicação a que respeita o doc. n.º 5 junto com a PI, não consta qualquer referência ao montante em dívida, razão pela qual não se demonstra sequer que os 1.º e 2.ª R., mesmo a admitir-se – sem conceder – que receberam essa comunicação, tinham conhecimento de qual o concreto valor da dívida. Esse valor somente pelos docs. 6 e 7 juntos com a PI lhes foram transmitidos, aquando do aviso de preenchimento da Livrança, em momento posterior à concretização da Escritura de doação.

29. Mais se diga ainda, quanto a este facto provado 14., que o mesmo, salvo melhor e Douta opinião, é conclusivo e encerra matéria de direito. Este facto provado 14.º encontra-se formulado de forma conclusiva e contém matéria de direito, razão pela qual se impõe não seja conhecido.

30. Ora, face ao vertido em sede de alteração da matéria de facto, não é possível concluir que os recorrentes actuaram como dolo, pois, como se disse, da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, conciliada com a prova documental dos autos, não é permitido concluir que os recorrentes tinham conhecimento do incumprimento ou, sequer, do seu montante, em momento anterior à outorga da Escritura de Doação. Impondo-se nesta sede analisar o entendimento do Tribunal quanto ao nascimento da obrigação se operar no momento da concessão do crédito e não no momento do vencimento da livrança, como os recorrentes defendem.

31. Conforme se extrai da alínea a) do art.º 610.º do CC, para que a impugnação pauliana possa proceder, o crédito terá de ser anterior ao acto impugnado ou, se posterior, ter sido o mesmo realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor.

32. Conforme refere o recorrido, o mesmo é dono e legítimo portador de 1 livrança, no valor de € 63.516,81 subscrita pela firma Construções H... , Lda. e avalizada pelos 1.º e 2.ª Réus e recorrentes, B... e C... , a qual, vencida e apresentada a pagamento em 11.03.2011, não foi paga. Igualmente do depoimento prestado pela Testemunha M... , conforme supra referido em sede de matéria de facto, resulta que a Livrança foi preenchida em 15.02.2011.

33. Tal livrança foi entregue pela supra referida sociedade para garantia e segurança do cumprimento das obrigações decorrentes de financiamento/empréstimo que o A. concedeu àquela no valor de 10.000.000$00, cujo contrato foi outorgado em 27.07.1998, tendo os recorrentes somente subscrito o mesmo em virtude da garantia prestada (cláusula 13) já que somente figurou como cliente a sociedade da qual o 1.º recorrente era sócio gerente (cfr. doc. n.º 2 junto com a PI)

34. Assim, a questão a que, nesta sede se impõe dar resposta, passa por saber se o crédito se constituiu em 24.07.1998 ou, pelo contrário, em 15.02.2011 data do preenchimento ou em 11.03.2011, data do vencimento e apresentação da livrança a pagamento e, nestes últimos dois casos, em momento posterior à escritura de doação.

35. Encontramo-nos pois no domínio da prestação de garantia através de aval, o qual, é um acto jurídico cuja função é a de garantir o pagamento do crédito cambiário, tendo como finalidade essencial reforçar a segurança do tomador na definitiva satisfação do crédito inscrito no título em que o aval é prestado.

36. Poder-se-á, assim, definir o aval como o negócio cambiário típico, por força do qual se oferece aos tomadores do título cambiário a garantia de uma pessoa, o avalista, formalmente dependente da de outro obrigado no título, o avalizado, mas configurada num plano substancial com carácter autónomo.

37. A garantia oferecida pelo avalista constitui-se ao mesmo tempo acessória e autónoma. Acessória porque se apoia, pelo menos formalmente, em outra obrigação cambiária, a do avalizado, autónoma porque é válida ainda que a obrigação garantida resulte nula por qualquer causa que não seja vício de forma e porque o avalista não poderá opor excepções pessoais ao beneficiário do aval. [ Cfr. Por todos o recente acórdão do Supremo Tribunal e Justiça de 13-04-2011, proc. n.º 2093/04.2TBSTB-A L1.S1., in www.dgsi.pt

38. O aval é, pois, uma garantia dada pelo avalista à obrigação cambiária e não à relação extracartular, ou seja, ao negócio ou relação subjacente, tanto mais que nessa concreta relação subjacente, não obstante a intervenção dos recorrentes na assinatura do contrato (por via da garantia prestada) a mesma somente se constitui entre Banco Credor e Cliente (sociedade).

39. O aval é uma garantia autónoma (não é uma fiança): a obrigação do avalista é, por um lado, subsidiária ou acessória de outra obrigação cambiária ou da obrigação de outro signatário; no entanto, o aval é também um verdadeiro negócio cambiário, origem de uma obrigação autónoma; o dador de aval não se limita a responsabilizar-se pela pessoa por quem dá o aval, mas assume a responsabilidade do pagamento da letra.

40. O avalista não detém uma posição acessória em relação à obrigação garantida, tanto assim é que a sua vinculação como garante se mantém ainda que seja nula a obrigação garantida – art. 32º da LULL – por qualquer motivo que não seja um vício de forma, mais uma vez denotativo de que mantém “independência” em relação ao negócio subjacente à sua prestação.

41. A posição doutrinal mais recente, bem como a jurisprudência, tem vindo a afirmar a natureza autónoma e independente do aval relativamente à obrigação avalizada, ainda que formalmente dependente. [ Cfr. neste sentido o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 01-07-2003 (Conselheiro Azevedo Ramos), in www.stj.pt

42. O aval dá-se em função de uma obrigação garantida, circunstância que haverá de ter, em princípio, um reflexo formal no título cambiário (o aval deverá indicar quem avaliza) e que se traduz numa consequência fundamental: o avalista responde tão só ante os tomadores do título ou seja, perante aqueles a quem responde o avalizado.

43. O aval é considerado como valorizador da assinatura do sacado, endossantes ou aceitantes, aos quais brindou com uma confiança tal que valoriza a sua exteriorização cambiária objectiva, com um acto de pura garantia. Encerra, pois, objectivos peculiares, privativos e imanentes ao seu carácter de obrigação cambiária, qual seja a celeridade pela rápida circulação do documento e segurança.

44. Tratando-se de uma garantia pessoal, o aval, insere-se dentro das garantias pessoais de coordenação, em oposição às chamadas garantias pessoais de subordinação. A doutrina soe ubicar nesta segunda categoria as garantias acessórias, onde a subordinação provoca a acessoriedade jurídica da obrigação da garantia relativamente à obrigação garantida, de que é exemplo clássico afiança. Já na primeira categoria se enquadram as que se relacionam com as necessidades do crédito e a mostra mais recente são as garantias bancárias, as quais se tornam consubstanciais ao endosso e ao aval. A própria lei cambiária considera os obrigados, em via de regresso, garantes no sentido de que contraem uma responsabilidade cambiária reflexa pela sua intervenção no documento cambiário, sem desconhecer que a dívida principal compete a outro sujeito participante na relação cartular.

45. O aval surge-nos, assim, como um acto pelo qual uma pessoa que não está obrigada por qualquer razão a pagar uma letra (ou outro título de crédito, no caso concreto uma livrança) aceita fazê-lo para garantir a responsabilidade de um dos obrigados, sacador, subscritor ou endossante. Parece, por outro lado, acertado conceber esta figura como um acto unilateral (de vontade não receptício) conferido por escrito na letra, ou em folha anexa a ela, vinculado a uma obrigação cartular formalmente válida, que converte quem a outorga, em responsável cambiário no pagamento do documento.

46. O aval tem um regime próprio e diferente da fiança e como todo o giro cambiário – baseado no princípio da literalidade – deve constar do título (directamente ou porque a lei se encarrega de integrar ou presumir certas menções). Ao tratar-se de um acto cambiário a obrigação que nasce do aval é abstracta, isto é, prescinde da causa na sua relação circulatória. A qualificação da garantia pessoal fundamenta-se na adição (aglutinação) de um novo sujeito a uma ligação objectiva prévia e não ao nexo pessoal entre o avalista e o avalizado.

47. Efectivamente, o aval, qual garantia objectiva não se vincula com a pessoa nem com a obrigação avalizada, mas tão só porque, singelamente, é uma garantia de pagamento de uma obrigação que objectivamente emerge do título. De modo que a abstracção do aval é idêntica às demais obrigações cambiárias posto que esta dá vida justamente a uma relação cartular dessa qualidade, independente e diferente. É um acto jurídico que deve revestir uma forma e deve ser escrito como meio de exteriorização. Toda a obrigação cambiária reveste a forma escrita pelo que também o aval deve assumir forma escrita.

48. Como a lei requer que o aval esteja referido a uma obrigação formalmente existente tendem para que isso signifique uma acessoriedade formal que nada comunica, nos seus efeitos, à materialidade da obrigação que se torna cambiária e por fim independente.

49. Trata-se de uma garantia cambiária típica, dado que a obrigação do avalista se encontra desligada do avalizado; a obrigação deste torna-se abstracta e literal como direito autónomo para o portador do documento, se bem que existindo uma obrigação formal com o acto avalizado se considere como um nexo de posição, sem que se requeira uma substancial posição entre ambas as obrigações cambiárias.

50. Em virtude disso, o avalista assume uma obrigação directa e pessoal, não com o do seu avalizado, e portanto responde, directa e pessoalmente, perante o credor cambiário, pelo pagamento do título e não pelo cumprimento deste. O avalista não assegura que o avalizado pagará, mas sim que o título será pago; não participa da obrigação de outros, mas, ao invés, fá-la própria (non alienae obligationi accedit sed alienam facit propriam); a designação da pessoa a favor a quem se presta o aval tem tão só a finalidade de fazer assumir ao avalista uma responsabilidade cambiária de igual grau que a do avalizado.

51. Conforme já referido, os recorrentes (1.º e 2.ª) somente intervieram no contrato efeitos de subscrever pacto de preenchimento, essencial para efeitos de entrega de título de crédito (livrança) em branco (cfr. art.º 10.º ex vi art.º 77.º, ambos da LULL), até porque – e isso é pacífico – uma livrança incompleta, conforme resulta do disposto no art.º 76.º da LULL, salvo as excepções nele taxativamente elencadas, não produzirá efeitos com Livrança,

52. Dois dos requisitos essenciais para que a Livrança produza efeitos como tal – adianta-se como título de crédito e, consequentemente, para que seja o aval nela prestado eficaz – quando entregue em Branco, será a data de vencimento (caso contrário será paga à vista) e o montante (cfr. art.º 75.º da LULL). Logo, a eficácia do aval está sempre sujeita à completude do título, pois que, encontrando-se o mesmo incompleto – sem designadamente os requisitos a que se alude no referido art.º 75.º da LULL – por não haver título de crédito e/ou relação cartular, inexiste aval.

53. A grande distinção da livrança em relação à letra, é que a primeira corporiza uma promessa de pagamento a determinada pessoa ou à sua ordem e a segunda constitui uma ordem de pagamento, daí que nela tenha de constar a expressão “pagarei”, enquanto na letra deve figurar o dizer “pagará” que exprimem, respectivamente, as referidas promessa e ordem de pagamento e do próprio documento junto pelo recorrido sob o n.º 1 (Fotocópia Certificada da Livrança) consta, nela aposta, a seguinte expressão “No seu vencimento pagarei/emos por esta única via de livrança ao Banco F... , ou à sua ordem, a quantia de ….”

54. Serve o exposto para referir, por muito contraditório que possa parecer, que o que nos presentes autos está em discussão – para o que concretamente interessa para efeitos de procedência da Impugnação pauliana) é o crédito constante de uma Livrança entregue em branco em 1998 (somente assinada no verso pelos avalistas) e por ela titulado, livrança essa preenchida a 15.02.2011 e vencida a 11.03.2011 e não um crédito concedido sob a modalidade de conta corrente a uma sociedade em 1998, 55. Veja-se a discussão jurisprudencial, em torno das situações em que as empresas em PER que vêm a aprovar um plano de recuperação, a qual tem vindo a entender que, no caso de avais prestados por terceiros a tais entidades, tal (plano) não afecta os avalistas, precisamente com o argumento da autonomia e independência do mesmo em relação ao avalizado.

56. Tudo para dizer que o crédito do portador da Livrança, no que concretamente respeita aos avalistas, somente se constitui após a data de vencimento aposta na Livrança sem que a mesma tenha sido liquidada pelo subscritor da mesma. Connosco, destacamos a Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto, Ac. de 21.01.2013, proc. n.º 3057/11.5TBGDM-A.P1, in www.dgsi.pt

57. Transpondo este entendimento do Venerando Tribunal da Relação do Porto, veja-se que o Cliente somente é a sociedade, tendo somente esta assinado no campo Cliente (estando inclusivamente devidamente identificada como tal) e, das cláusulas 8.ª e 9.ª do Contrato, resulta inequivocamente que a obrigação de reembolso e pagamento era do cliente e não dos aqui recorrentes.

58. Razão pela qual se entende que não se verifica a anterioridade do crédito como defendido na Douta Decisão aqui em crise mas, pelo contrário, resulta inequivocamente demonstrado que o mesmo foi constituído em momento anterior à outorga da escritura de doação.

59. No pressuposto da alteração da matéria de facto supra defendida bem como a interpretação de direito no que concerne à não anterioridade do crédito, outra decisão se impunha proferir.

60. Ora, mesmo aceitando-se preenchido o requisito a que se alude na al. b) deste supra transcrito dispositivo legal, já se não encontra preenchido o vertido na al. a) 2.ª parte, já que é pacífico que se tratam de requisitos cumulativos.

61. Não se tendo demonstrado a existência de dolo na outorga da escritura de doação e, sendo o crédito posterior ao acto impugnado, inexiste fundamento, por inverificação destes concretos requisitos, para a procedência da acção.

62. Razão pela qual se impõe seja proferido Acórdão que revogue a Douta Decisão e a substitua por outra que julgue a acção improcedente, por não provada, atendendo ao facto de que o crédito é posterior e não se encontra demonstrado que os recorrentes actuaram com dolo.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, sem prejuízo da nulidade invocada e das consequências legais da mesma, deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogar-se a Douta Sentença

e, consequentemente, ser a Douta Decisão substituída por outra que julgue a acção improcedente, por não provada, atendendo ao facto de que o crédito é posterior e não se encontra demonstrado que os recorrentes actuaram com dolo.

Por essa forma fazendo VV. Exas. COSTUMADA JUSTIÇA!

Contra-alegando, o autor, pugna pela manutenção da decisão recorrida, com o fundamento em a prova ter sido correctamente apreciada, sendo, por isso, de manter a factualidade nela dada por provada e não provada e aplicada a lei em conformidade, com a consequente condenação dos réus nos moldes exarados na sentença em reapreciação.

Na sequência do que os recorrentes alegaram, acerca das nulidades de que, na sua óptica, padecia a sentença recorrida, veio a ser proferida a decisão de fl.s 542 e 543, na qual, reconhecendo-se a procedência de tal pretensão, se reformou a sentença, na sua parte decisória, nos moldes que se passam a transcrever:

«Na decorrência de todo o exposto e ao abrigo dos normativos legais citados, julga-se a presente ação procedente e, na medida do seu êxito, considera-se procedente a impugnação das doações descritas sob as alíneas a), b) e f) de I. e sob as alíneas c), d), e), g) e h) de II. do número 9. dos factos provados (que aqui se dão por reproduzidas), podendo os bens e direitos delas objeto ser executados, pela autora, no património dos primeiro réu e segunda ré, para pagamento do crédito acima referido, condenando-se os demais réus a não se oporem a que a autora os execute, na património daqueles, na medida do necessário para o pagamento do mesmo crédito.»

O presente despacho passa a constituir complemento e parte integrante da sentença.

Registe, notifique e introduza, no local próprio, a menção desta correção.”.

No seguimento do que, os réus, cf. requerimento de fl.s 545, vieram informar que restringem o âmbito do recurso por eles interposto a “todas as matérias neles constantes que não a suscitada nulidade”.

E o autor, cf. requerimento de fl.s 548, veio manter o teor as contra-alegações anteriormente apresentadas, “com excepção da matéria que diz respeito à nulidade”.

Assim, como resulta do ora exposto, deixa de constituir objecto do recurso, a questão das invocadas nulidades, em face do que, deixa de ter interesse o que os recorrentes referem nas conclusões 2.ª (no que se refere a tais nulidades) e 3.ª a 7.ª.

Colhidos os vistos legais, há que decidir.    

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do NCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

A. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, devendo passar a considerar-se como não provados os factos constantes dos itens 13.º e 14.º dos factos dados como provados e;

B. Se se verificam ou não, os pressupostos da impugnação pauliana.

É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

1. - A autora é dona e legítima portadora da livrança subscrita pela firma Construções H... , Lda. e avalizada pelos 1º e 2ª réus, B... e C... e outros, a qual, vencida e apresentada a pagamento em 11/03/2011, não foi paga.

2. - Essa livrança está preenchida com o valor de €63.516,81 de capital, data de vencimento de 11/03/2011 e data de emissão de 24/07/1988.

3. – Aquela livrança destinou-se a caucionar / garantir o pagamento de um financiamento que Banco A... concedeu à firma subscritora Construções H... , Lda., a pedido desta e no exercício da sua atividade bancária, no valor de 10.000.000$00 de capital (€49.879,79 de capital), de harmonia com o “Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente”, (C.006722900251) datado e assinado, por ambas as partes, no dia 24/07/1998.

4. - O referido financiamento foi creditado na conta crédito, aberta para o efeito em nome da mutuária/subscritora, a que coube o nº 0067.2290.0251, sediada na agência do A... , em (...) e destinava-se a ser utilizado por aquela para apoio de tesouraria.

5. - A identificada sociedade obrigou-se perante a autora a reembolsar o referido financiamento, por débito da conta D.O. nº 0067.2290.0154, comprometendo-se a manter a mesma devidamente provisionada para aquele efeito.

6. – A aqui autora instaurou execução tendo como título a referida livrança, não tendo aí obtido pagamento.

7. - Construções H... , Lda. foi declarada insolvente, por sentença proferida no dia 18/10/2010, no âmbito do processo que corre termos no 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Leiria, sob o nº 4876/10.5TBLRA. No âmbito desse processo, foi deliberado, no dia 13/12/2010, pela Assembleia de Credores, o encerramento da empresa e a liquidação do ativo/património da insolvente, o qual, se resumia a um imóvel, hipotecado à K...., o qual já foi adjudicado à mesma, pelo valor de €180.000,00 e, a um conjunto de bens móveis, que foram alienados por €24.000,00.

8. - O passivo da insolvente soma a quantia de €948.501,92, dos quais, €679.775,21 respeitam a créditos comuns, onde se insere o Banco A... , que ali reclamou créditos no valor de €87.256,75, €260.069,17, a créditos garantidos ( K..../Hipoteca) e, €8.657,54 a créditos privilegiados (Fazenda Nacional e Segurança Social), sendo que o A... , enquanto credor comum, nada recebeu.

9. - Os 1º e 2ª Réus, no dia 16/03/2009, por escritura pública, lavrada no Cartório Notarial de Leiria, a cargo do notário S... , doaram aos 3º e 4º Réus, seus filhos, por conta da quota disponível, os seguintes bens imóveis, que integravam o seu património:

Ø I. Ao 3º R./filho D... :

a) Terra de cultura, sita em (...) , freguesia de (...) , concelho de Leiria, inscrita na matriz predial rústica sob o artigo 477, descrita na 2ª Conservatória do Registo Predial de Leiria, sob o nº 1590 – com valor patrimonial de €10,43 (Docs.16 e 17);

b) Pinhal, sita em (...) , ou (...) , da freguesia de (...) , inscrita na matriz predial sob o artigo 605, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Leiria, sob o nº 2610 – com valor patrimonial de €10,94 (Docs.18 e 19);

c)Terra de mato e pinhal, sita em (...) ou (...) , da freguesia de (...) , inscrita na matriz predial sob o artigo 606, descrita na 2ª Conservatória do Registo Predial de Leiria, sob o nº 2611 – com valor patrimonial de €2,14 (Docs.20 e 21);

d) Terra de mato e pinhal, sita em (...) , da freguesia de (...) , inscrita na matriz predial sob o artigo 1809, descrita na 2ª Conservatória do Registo Predial de Leiria, sob o nº 440 – com valor patrimonial de €2,14 (Docs.22 e 23);

e) Terreno de mato e pinhal, sito em (...) , da freguesia de (...) , inscrito na matriz predial sob o artigo 1810, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Leiria, sob o nº 2614 – com valor patrimonial de €1,89 (Docs.24 e 25);

f) Terra de semeadura, sita em (...) , da freguesia de (...) , inscrita na matriz predial sob o artigo 4767, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Leiria, sob o nº 2617 – com valor patrimonial de €39,90 (Docs.26 e 27);

g) 1/3 (um terço) indiviso de uma terra de cultura, sita em (...) , freguesia de (...) , concelho de Leiria, inscrita na matriz predial sob o artigo 1703, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Leiria, sob o nº 3588 – com valor patrimonial de €6,41, sendo apenas 1/3, pelo que tem o valor patrimonial de €2,14 (Docs.28 e 29);

h) 1/3 (um terço) indiviso de um terreno com mato, sito em (...) , da freguesia de (...) , inscrito na matriz predial sob o artigo 1802, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Leiria, sob o nº 3589 – com valor patrimonial de €1,26, sendo apenas 1/3, pelo que tem o valor patrimonial de €0,42 (Docs.30 e 31);

i) 1/2 (metade) do prédio rústico, sito em (...) , da freguesia de (...) , composto de vinha, inscrito na matriz predial sob o artigo 4628, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Leiria, sob o nº 3004 – com valor patrimonial de €146,19, sendo apenas ½ (metade) indivisa, pelo que tem o valor patrimonial de €73,09 (Docs.32 e 33);

j) 1/2 (metade) de uma terra de vinha e cultura, sita em (...) , da freguesia de (...) , inscrita na matriz predial sob o artigo 1249, descrita na 2ª Conservatória do Registo Predial de Leiria, sob o nº 902 – com valor patrimonial de €44,62, sendo apenas ½ indivisa, pelo que tem o valor patrimonial de €22,31 (Docs.34 e 35);

Ø II. Ao 4º R./filho E... :

a) 1/2 (metade) de uma terra de cultura, sita em (...) , da freguesia de (...) , inscrita na matriz predial sob o artigo 480, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Leiria, sob o nº 3190 – com valor patrimonial de €19,36, sendo apenas ½ indivisa, pelo que tem o valor patrimonial de €9,68 (Docs.36 e 37);

b) Terreno de mato e pinhal, sito em (...) , sita em (...) , da freguesia de (...) , inscrita na matriz predial sob o artigo 1813, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Leiria, sob o nº 2332 – com valor patrimonial de €1,89 (Docs.38 e 39);

c) Moradia de rés-do-chão, dependências e logradouro, sita em (...) , da freguesia de (...) , atualmente inscrita na matriz predial urbana, sob o artigo 1596 (antigo 455 – urbano), descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Leiria, sob o nº 2609 – com valor patrimonial de €44.166,38 (Docs.40 e 41);

d)Terra de cultura, mato e pinhal, sito em (...) , da freguesia de (...) , inscrita na matriz predial sob o artigo 611, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Leiria, sob o nº 2612 – com valor patrimonial de €8,55 (Docs.42 e 43);

e) Terra de cultura, sita em (...) , da freguesia de (...) , inscrita na matriz predial sob o artigo 1494, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Leiria, sob o nº 2613 – com valor patrimonial de €20,37 (Docs.44 e 45);

f) Terreno de mato e pinhal, sito em (...) , da freguesia de (...) , inscrito na matriz predial sob o artigo 1811, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Leiria, sob o nº 2615 – com valor patrimonial de €1,89 (Docs.46 e 47);

g) Terra de semeadura, sita em (...) , da freguesia de (...) , inscrita na matriz predial sob o artigo 4766, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Leiria, sob o nº 2616 – com valor patrimonial de €34,92 (Docs.48 e 49);

h) Prédio misto, composto de casa de habitação de rés-do-chão, dependências e terreno anexo, sito em (...) , da freguesia de (...) , inscrito na matriz predial urbana, sob o artigo 779 e na matriz predial rústica sob o nº 481, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Leiria, sob o nº 899 – com valor patrimonial de €31.403,86 (Docs.50 e 51);

i) 1/2 (metade) de uma terra de cultura, sita em (...) , da freguesia de (...) , inscrita na matriz predial sob o artigo 439, descrita na 2ª Conservatória do Registo Predial de Leiria, sob o nº 900 – com valor patrimonial de €32,94, sendo apenas ½ indivisa, pelo que tem o valor patrimonial de €16,47 (Docs.52 e 53);

j) 1/2 (metade) de uma terra de semeadura, sita em (...) , da freguesia de (...) , inscrita na matriz predial sob o artigo 1542, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Leiria, sob o nº 903 – com valor patrimonial de €24,89, sendo apenas ½ indivisa, pelo que tem o valor patrimonial de €12,45 (Docs.54 e 55);

k) Terra de cultura, sita em (...) , da freguesia de (...) , concelho de Leiria, inscrita na matriz predial sob o artigo 3399, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Leiria, sob o  nº 1226 – com valor patrimonial de €9,56 (Docs.56 e 57).

10. - As doações dos bens imóveis supra identificados foram efetuadas pelos 1º e 2ª Réus/pais aos 3º e 4º Réus/filhos por conta da quota disponível, tendo o 4º Réu/filho, doado, aos 1º e 2ª Réus/pais, o usufruto, simultâneo e sucessivo, do prédio misto identificado no ponto 18 do artigo anterior.

11. – O Réu E... faleceu no dia 23/10/2009, deixando como únicos herdeiros os seus pais, aqui réus.

12. À data de vencimento da livrança referida em 1. e 2., o valor de capital em dívida à aqui autora ascendia ao valor nela aposto (€63.515,81).

13. Os pagamentos devidos à autora em cumprimento do contrato referido em 3. deixaram de ser feitos a partir de 18/05/2008, tendo aquela enviado a Construções H... , Lda., com conhecimentos aos aqui 1º e 2ª réus, a comunicação da denúncia daquele contrato, datada de 18/07/2008, aí sendo dito que tal denúncia produziria os seus efeitos a partir de 28/11/2008 (conforme documento nº5 junto com a petição inicial).

14. Os atos de doações referidas em 9. visaram (nomeadamente) colocar a aqui autora (enquanto credora) em situação de impossibilidade de reaver o seu crédito através do património dos aqui 1º réu e 2ª ré, sendo que aqueles réus bem sabiam que, ao desfazerem-se de todo o seu património, se colocavam numa situação de incapacidade de pagar / honrar a dívida que garantiram quando prestaram aval na livrança mencionada em 1. e 2.

***

Com relevância direta para a decisão da causa, não resultaram provados quaisquer outros factos, nomeadamente, que:

a) Existam bens no património do 1º réu e da 2ª ré suficientes para pagamento da dívida da autora.

A. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, devendo passar a considerar-se como não provados os factos constantes dos itens 13.º e 14.º dos factos dados como provados.

Alegam os réus que o Tribunal incorreu em erro de julgamento ao dar tais factos como provados, devendo, na sua óptica, os mesmos serem considerados como não provados, com fundamento em a respectiva demonstração não se poder colher dos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pelo autor, N... ; M... e L... .

E, ao mesmo tempo, invocando que “no caso concreto, se verificou uma limitação na produção da prova, que condicionou as respostas da prova testemunhal, tornando-as mais vagas e confirmativas ou negativas do que lhe é perguntado, impedindo que as testemunhas exponham convenientemente, por sua própria iniciativa, a sua razão de ciência” (cf. conclusão 10.ª), em face do que, cf. conclusão 13.ª, opinam que deverão ser tidos em consideração os depoimentos de todas as testemunhas arroladas pelos ora recorrentes e declarações de parte do réu B... .

Compulsada a acta da audiência de julgamento, não se vislumbra da mesma que tenha sido suscitado qualquer incidente ou objecção acerca do modo como a mesma estava a decorrer, designadamente, quanto à forma como foi feita a inquirição das pessoas ouvidas.

Assim sendo, para além da análise que faremos quanto a tais meios probatórios nada mais se nos afigura necessário acrescentar ou esclarecer, tanto mais que não estivemos presentes na audiência de julgamento realizada no Tribunal recorrido, apenas podendo formar a nossa convicção com base nos elementos de que dispomos.

No entanto, pode acrescentar-se que, ouvidas as gravações dos depoimentos em causa, nada se nos afigurou que corrobore o referido pelos recorrentes.

Os Ex.mos Mandatários formularam as questões que quiseram, tendo-se a Ex.ma Juiz que procedeu ao julgamento limitado, algumas vezes, a referir para que as perguntas colocadas às testemunhas dissessem respeito à matéria controvertida e não à já considerada como assente, o que reputamos como boa prática, o que, saliente-se, hoje em dia, pelo que nos é dado a perceber, quando reapreciamos a matéria de facto, nem sempre acontece.

Não indicam os réus as passagens da gravação em que se fundam, relativamente aos depoimentos das testemunhas por si arroladas, nem quanto ao referido depoimento/declarações de parte, o que lhes incumbia, nos termos legais, cf. artigo 640.º, n.º 1, al. b) e 2, al. a), do NCPC.

Atento a que o recurso interposto, na vertente da reapreciação da matéria de facto, com base nos depoimentos das testemunhas arroladas pelo autor, obedece aos ditames legais e a fim de apreciar a prova no seu conjunto, damos cobertura à pretensão dos réus, e consideraremos, também, os depoimentos das testemunhas arroladas pelos recorrentes e depoimento do réu B... .

Posto isto, e em tese geral, convém, desde já, deixar algumas notas acerca da produção da prova e definir os contornos em que a mesma deve ser apreciada em 2.ª instância.

Toda e qualquer decisão judicial em matéria de facto, como operação de reconstituição de factos ou acontecimento delituoso imputado a uma pessoa ou entidade, esta através dos seus representantes, dependente está, da prova que em audiência pública, sob os princípios da investigação oficiosa (nos limites e termos em que esta é permitida ao julgador) e da verdade material, se processa e produz, bem como do juízo apreciativo que sobre a mesma recai por parte do julgador, nos moldes definidos nos artigos 653, n.º 2 e 655, n.º 1, CPC – as já supra mencionadas regras da experiência e o princípio da livre convicção.

Submetidas ao crivo do contraditório, as provas são pois elemento determinante da decisão de facto.

Ora, o valor da prova, isto é, a sua relevância enquanto elemento reconstituinte dos factos em apreço, depende fundamentalmente da sua credibilidade, ou seja, da sua idoneidade e autenticidade.

Por outro lado, certo é que o juízo de credibilidade da prova por declarações, depende essencialmente do carácter e probidade moral de quem as presta, sendo que tais atributos e qualidades, como regra, não são apreensíveis mediante o exame e análise das peças ou textos processuais onde as mesmas se encontram documentadas, mas sim através do contacto directo com as pessoas, razão pela qual o tribunal de recurso, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido.

Quanto à apreciação da prova, actividade que se processa segundo as regras da experiência comum e o princípio da livre convicção, certo é que em matéria de prova testemunhal (em sentido amplo) quer directa quer indirecta, tendo em vista a carga subjectiva inerente, a mesma não dispensa um tratamento a nível cognitivo por parte do julgador, mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal como a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode e deve ser objecto de formulação de deduções e induções, as quais partindo da inteligência, hão-de basear-se na correcção de raciocínio, mediante a utilização das regras de experiência e conhecimentos científicos, tudo se englobando na expressão legal “regras de experiência”.

Estando em discussão a matéria de facto nas duas instâncias, nada impede que o tribunal superior, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, conclua de forma diversa do tribunal recorrido, mas para o fazer terá de ter bases sólidas e objectivas.

Não se pode olvidar que existe uma incomensurável diferença entre a apreciação da prova em primeira instância e a efectuada em tribunal de recurso, ainda que com base nas transcrições dos depoimentos prestados, a qual, como é óbvio, decorre de que só quem o observa se pode aperceber da forma como o testemunho é produzido, cuja sensibilidade se fundamenta no conhecimento das reacções humanas e observação directa dos comportamentos objectivados no momento em que tal depoimento é prestado, o que tudo só se logra obter através do princípio da imediação considerado este como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes de modo a que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da decisão.

As consequências concretas da aceitação de tal princípio definem o núcleo essencial do acto de julgar em que emerge o senso; a maturidade e a própria cultura daquele sobre quem recai tal responsabilidade. Estamos em crer que quando a opção do julgador se centre em elementos directamente interligados com o princípio da imediação (v. g. quando o julgador refere não foram (ou foram) convincentes num determinado sentido) o tribunal de recurso não tem grandes possibilidades de sindicar a aplicação concreta de tal princípio.

Na verdade, o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, reacções imediatas, o contexto em que é prestado o depoimento e o ambiente gerado em torno de quem o presta, não sendo, ainda, despiciendo, o próprio modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo isso contribuindo para a convicção do julgador.

A comunicação vai muito para além das palavras e mesmo estas devem ser valoradas no contexto da mensagem em que se inserem, pois como informa Lair Ribeiro, as pesquisas neurolinguísticas numa situação de comunicação apenas 7% da capacidade de influência é exercida através da palavra sendo que o tom de voz e a fisiologia, que é a postura corporal dos interlocutores, representam, respectivamente, 38% e 55% desse poder - “Comunicação Global, Lisboa, 1998, pág. 14.

Já Enriço Altavilla, in Psicologia Judiciaria, vol. II, Coimbra, 3.ª edição, pág. 12, refere que “o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras”.

Então, perguntar-se-á, qual o papel do tribunal de recurso no controle da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento?

Este tribunal poderá sempre controlar a convicção do julgador na primeira instância quando se mostre ser contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos. Para além disso, admitido que é o duplo grau de jurisdição em termos de matéria de facto, o tribunal de recurso poderá sempre sindicar a formação da convicção do juiz ou seja o processo lógico. Porém, o tribunal de recurso encontra-se impedido de controlar tal processo lógico no segmento em que a prova produzida na primeira instância escapa ao seu controle porquanto foi relevante o funcionamento do princípio da imediação.

Tudo isto, sem prejuízo, como acima já referido, de o Tribunal de recurso, adquirir diferente (e própria) convicção (sendo este o papel do Tribunal da Relação, ao reapreciar a matéria de facto e não apenas o de um mero controle formal da motivação efectuada em 1.ª instância – cf. Acórdão do STJ, de 22 de Fevereiro de 2011, in CJ, STJ, ano XIX, tomo I/2011, a pág. 76 e seg.s e de 30/05/2013, Processo 253/05.7.TBBRG.G1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj.

Tendo por base tais asserções, dado que se procedeu à gravação da prova produzida, passemos, então, à reapreciação da matéria de facto em causa, a fim de averiguar se a mesma é de manter ou de alterar, em conformidade com o disposto no artigo 662, do NCPC., pelo que, nos termos expostos, nos compete apurar da razoabilidade da convicção probatória do tribunal de 1.ª instância, face aos elementos de prova considerados (sem prejuízo, como acima referido de, com base neles, formarmos a nossa própria convicção).

Vejamos, então, a supra referida factualidade posta em causa pela ora recorrente, nas respectivas alegações de recurso.

Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, devendo passar a considerar-se como não provados os factos constantes dos itens 13.º e 14.º dos factos dados como provados.

A factualidade em causa tem o seguinte teor:

“13. Os pagamentos devidos à autora em cumprimento do contrato referido em 3. deixaram de ser feitos a partir de 18/05/2008, tendo aquela enviado a Construções H... , Lda., com conhecimentos aos aqui 1º e 2ª réus, a comunicação da denúncia daquele contrato, datada de 18/07/2008, aí sendo dito que tal denúncia produziria os seus efeitos a partir de 28/11/2008 (conforme documento nº5 junto com a petição inicial).

14. Os atos de doações referidas em 9. visaram (nomeadamente) colocar a aqui autora (enquanto credora) em situação de impossibilidade de reaver o seu crédito através do património dos aqui 1º réu e 2ª ré, sendo que aqueles réus bem sabiam que, ao desfazerem-se de todo o seu património, se colocavam numa situação de incapacidade de pagar / honrar a dívida que garantiram quando prestaram aval na livrança mencionada em 1. e 2.”.

É a seguinte a respectiva motivação (cf. fl.s 434 a 439):

“Os factos provados vertidos sob os números 1. a 11. já constavam dos factos julgados assentes em sede de saneamento dos autos, decorrendo a respetiva prova dos inerentes documentos oportunamente juntos ao processo e da posição (acordo), quanto a eles, das partes.

No mais, quanto aos factos que permaneciam controvertidos no início da audiência de julgamento – inseridos nos temas de prova -, foi produzida nos autos prova documental, testemunhal e por declarações de parte.

No âmbito da prova testemunhal, começou-se por ouvir três funcionários da autora, mais precisamente:

1. N... , que referiu nunca ter contactado pessoalmente com os réus e descreveu o modo como o processo interno da autora decorreu, após a verificação do incumprimento e frustração das tentativas de acordo com os devedores, e a forma como foi calculado o valor em dívida aquando da data de vencimento aposta na livrança.

Prestou o seu depoimento de forma coerente, esclarecedora e credível, pelo que, na parte em que se referiu a factos que eram do seu conhecimento direto, foi considerado (a par de outros meios de prova) para confirmação dos factos 12. e 13.

2. M... , que esclareceu ter sido quem negociou o contrato respeitante ao financiamento mencionado nos autos e se referiu, ainda, aos trâmites subsequentes ao incumprimento daquele contrato, pese embora, nesta parte, haja decorrido do seu depoimento um escasso conhecimento pessoal e direto dos factos, uma vez que, entretanto, passara a prestar o seu serviço numa outra agência da sociedade autora.

Esse depoimento foi atendido e valorado nos exatos moldes do depoimento da anterior testemunha.

3. L... , que afirmou trabalhar na agência da autora em que estava sediado o contrato mencionado no processo quando ocorreu o respetivo incumprimento.

Com conhecimento pessoal e direto, referiu-se, com particular interesse, à tramitação que foi dada ao processo interno da autora após aquele incumprimento e, nomeadamente, foi perentória em afirmar que estabeleceu contactos com ambos os sócios e gerentes da empresa a que foi facultado o financiamento, nomeadamente, com o aqui réu B... .

Também este depoimento foi prestado de forma coerente e credível, não se havendo percecionado qualquer concreto motivo para, fundamentadamente, o pôr em crise, pelo que foi atendido na formação da convicção acima vertida, na parte em que a testemunha revelou ter um conhecimento direto de factos controvertidos.

De seguida, prestaram os seus depoimentos as testemunhas arroladas pelos réus:

4. P... , que disse ter trabalhado, como pedreiro, para a sociedade Construções H... , Lda., entre 2004 e 31.01.2008, veio relatar que o aqui réu B... apenas trabalhava nas obras, a par dos demais trabalhadores da empresa, e que era o sócio e gerente I... quem geria “a papelada” e realizava os pagamentos; afirmou que o identificado réu nada sabia acerca “de pagamentos”, sem que se haja conseguido perceber a fonte desse seu conhecimento, uma vez que revelou nada saber quanto ao que se passava no escritório da empresa.

5. O... , que afirmou ser vizinho e amigo do aqui réu B... e logo referiu que o cunhado daquele, de nome I... , é que estava “mais à frente” dos papéis e do escritório da sociedade de ambos, sendo que o mencionado B... estava à frente das obras, praticamente como se fosse um operário. Acabou por admitir nada de concreto saber acerca da vida interna da sociedade em causa, sendo que o seu amigo B... não falava de assuntos da empresa.

Mais referiu que, a dado momento, o réu seu amigo lhe confidenciou que andava a pensar em “passar” os seus bens todos para o nome dos filhos e afirmou que, a partir de certa idade, é hábito na terra as pessoas passarem as coisas para o nome dos filhos.

6. G... , que disse ser primo do réu B... e amigo dele desde a infância, veio – tal como as anteriores testemunhas – afirmar que era o sócio e gerente I... quem mandava na empresa e que o seu amigo apenas orientava o pessoal nas obras. Mais se referiu ao que o réu B... (alegadamente) lhe disse acerca da sua intenção de doar bens aos filhos (porque já tinha feito uma doação ao filho mais velho e, para igualar os filhos, pretendia fazer outra doação ao filho mais novo).

7. Q... , de cujo depoimento veio a decorrer ser cunhado do aqui réu B... e do sócio deste I... , dando-se bem com o primeiro e estando de relações cortadas com o segundo, veio reiterar as ideias das anteriores testemunhas, nomeadamente, tendo afirmado que o I... era o “administrador exclusivo da empresa”, sem que haja revelado qualquer conhecimento direto acerca da vida interna da mesma empresa, e havendo-se referido ao que o primeiro réu (alegadamente) lhe contou acerca das doações a seus filhos.

8. R..., que referiu ter tido ligações profissionais à empresa Construções H... , Lda., prontamente afirmou, sem sequer aguardar pela formulação da correspondente pergunta, que “o B... andava nas obras” e o “ I... era o gerente de facto”.

Mais afirmou que, em 2008 ou 2009, quer o I... quer o B... lhe falaram acerca de uma dívida ao A... e que este lhe referiu, ainda, em ocasião temporal que não soube precisar, que ia “fazer os bens” em vida aos filhos.

O réu B... foi ouvido, a seu pedido, em declarações de parte e, sem surpresa, veio defender que as doações dos bens a seus filhos não tiveram por escopo subtrai-los aos credores, tanto mais que nada sabia acerca da vida financeira da empresa, só em 2010 ou finais de 2009 havendo tido dela a perceção.

A versão dos factos trazida a julgamento por este réu e pelas testemunhas por si arroladas não logrou convencer o tribunal acerca dos dois pontos essenciais que, coincidentemente, todos vieram afirmar ou procurar fazer crer, a saber:

- A total ignorância do primeiro réu acerca da situação financeira da sua empresa e das respetivas dívidas, nomeadamente, à data das doações impugnadas, e o absoluto domínio de toda a respetiva gerência pelo outro sócio, seu cunhado;

- A circunstância de as doações impugnadas não terem tido como principal escopo subtrair os bens pessoais dos primeiros réus ao pagamento, nomeadamente, da dívida perante a aqui autora.

A falta de credibilidade que mereceram esses depoimentos e declarações de parte decorreu da seguinte ordem de considerações:

- Foi transversal a todos os depoimentos a ânsia das testemunhas afirmaram a versão dos factos dos réus, mesmo antes de lhes ser formulada – ou integralmente formulada – a questão respetiva, pelo que, atenta a forma como prestaram os respetivos depoimentos, se ficou com a clara impressão que todas as testemunhas arroladas pelos réus se dispuseram a vir a tribunal prestar um favor a um amigo que, incontrovertidamente, têm como pessoa de bem, que estimam e respeitam.

- Não é minimamente credível que um homem de 60 anos (veja-se a certidão do assento de nascimento que consta do processo), escassos meses antes de a sua empresa ser declarada insolvente, decida doar todo o seu património a seus filhos apenas porque, 20 anos antes, doara um terreno a um dos filhos e porque é hábito na terra dispor dos bens em vida.

Isto porque, por um lado, as regras da experiência comum (o conhecimento que se tem do que é usual na nossa sociedade, nomeadamente – e usando a terminologia do Ilustre Mandatário da autora – aqui na província) nos dizem que ainda vai sendo habitual, em muitas zonas do nosso País, fazer uma espécie de partilha antecipada, em vida, sob a forma de doação a filhos (e por vezes a netos), mas que tal sucede quando as pessoas têm já idade avançada e, normalmente, escassa vida ativa, e não aos 60 anos de idade.

Por outro lado, porque temos como factos incontrovertidos e objetivos que os primeiros réus formalizaram doação de praticamente todo o património a seus filhos em 16/03/2009 e a empresa do primeiro réu foi declarada insolvente sete meses depois. E foi-o com um passivo de €948.501,00 – que não se pode dizer ser um valor irrisório, quando estamos a falar de uma pequena empresa de construção civil, com dois sócios, um dos quais laborava nas obras a par com os trabalhadores -, cujos créditos eram maioritariamente detidos por instituições bancárias, fazenda nacional e segurança social.

Ora, as regras da experiência comum também nos dizem que, por muito que um sócio esteja desligada da vida diária de empresa de que também é gerente, é quase impossível que, poucos meses antes de a situação ter atingido a gravidade necessária para culminar na declaração da insolvência, não saiba dos problemas financeiras que a sua sociedade atravessa e não haja, nomeadamente, sido pessoalmente abordado pelos credores para tentarem obter / acordar um meio de pagamento – aqui com especial relevo para os competentes serviços fiscais e da segurança social, atenta a forma como atuam e a responsabilidade penal em que incorrem pessoalmente os gerentes.

Em suma, quer atendendo ao modo como prestaram os respetivos depoimentos, quer sopesado o teor desses depoimentos a par do depoimento da testemunha 3. e dos demais factos conhecidos, tudo valorado sob o enfoque das regras da experiência comum, concluiu-se que a versão dos factos trazida ao processo pelos réus e a julgamento pelas testemunhas por eles arroladas não logrou - nos moldes que supra se tentaram melhor explicitar - convencer o tribunal.

Antes da valoração conjunta dos factos conhecidos, a par com os documentos juntos ao processo, nomeadamente, com a petição inicial sob os números 5 a 7 e com os depoimentos das primeiras três testemunhas – com especial relevo para o da testemunha 3. – se ficou com a certeza bastante acerca dos factos narrados sob 14.

Dos depoimentos prestados pelas três primeiras testemunhas, conjugados e complementados pelos documentos juntos com a petição inicial, decorreu a prova dos factos insertos sob 12. e 13.”.

Vejamos, então, se dos depoimentos prestados pelo réu B... , a título de parte e pelas testemunhas inquiridas e sem olvidar as considerações prévias, quanto a tal, já acima explanadas, existem motivos para que a matéria em causa seja modificada/alterada no sentido propugnado pelos recorrentes.

N... , funcionário administrativo do autor, há cerca de 20 anos, referiu que “conhece a questão através dos papéis”, não conhecendo pessoalmente os réus.

Mais disse que a livrança foi preenchida de acordo com o contratado: capital em dívida mais juros.

Quando se verificou o incumprimento da livrança, foram enviadas “cartas de preenchimento da livrança para todos os interessados no contrato, explicando o preenchimento” e que os clientes foram contactados, várias vezes, para pagar a dívida, sem sucesso.

M... , funcionário do autor, desde 1996, disse que conhece pessoalmente os réus, tendo sido ele quem negociou o empréstimo concedido à sociedade, em 1998, tendo sido denunciado o contrato de conta caucionada em 2008, por incumprimento, tendo sido esta testemunha que escreveu a carta junta como doc. 5, com a p.i., datada de 18 de Julho de 2008, devido a incumprimento do empréstimo.

Referiu, ainda, que houve diligências com os réus, no sentido de “resolver a questão do incumprimento”, que se verificou em 18 de Maio de 2008.

Quando foi feito o contrato, os réus tinham património e “depois não encontraram bens em nome dos réus. Foram doados aos filhos”. “Não há património para pagar as dívidas ao banco”.

Acrescentou que foram ambos os sócios que negociaram, com ele próprio, as condições e termos do empréstimo concedido à sociedade e que a livrança foi preenchida em 15/02/2011, não o tendo sido antes por “pensar que se conseguia obter o cumprimento/cobrança da dívida”.

L... , funcionária do autor, na agência de (...) , desde 2006, referiu que conhece os réus profissionalmente e situou o incumprimento do contrato em 18 de Maio de 2008.

Falou com os dois sócios da empresa, no sentido de ser regularizado o empréstimo ou ser regularizada a situação e eles diziam que “era uma situação pontual, que tinha que ver com a actividade, mas que a queriam regularizar” mas nunca o fizeram, em face do que foi enviada a carta junta como doc. 5, junto com a p.i. (fl.s 31) e mais tarde, as de fl.s 32 e 33.

Reiterou que o “banco não conseguiu recuperar nada” e que os sócios da empresa “a partir de certa altura deixaram de atender os telefonemas do banco e de contactar o balcão”.

Quando foi feito o empréstimo, as pessoas tinham património mas “depois os clientes deixaram de ter bens, que doaram aos filhos, não podendo o banco recuperar o crédito”.

Realçou que “os sócios chegaram a ir juntos à agência, falar com o gerente e também houve vários contactos telefónicos com eles, depois de verificado o incumprimento”, com vista a resolver a situação.

P... . , que trabalhou como pedreiro na empresa dos réus, desde Janeiro de 2004 a Janeiro de 2008, disse que, “o B... só trabalhava nas obras e o I... é que tratava da papelada e fazia os pagamentos” e que “o B... nem sabia quando havia atrasos nos pagamentos”.

Saiu da empresa por causa da “falta de pagamentos”.

O... , vizinho e amigo do B... , referiu que “o I... é que estava mais na parte dos papéis, escritório e negócios e que o B... era um operário-patrão, só estava nas obras”.

Uma vez, nos princípios de 2008, em conversa que teve com o B... disse-lhe que tinha comprado um terreno e este disse-lhe “eu ando a passar os meus para nome dos meus filhos” e mais tarde, disse-lhe que era porque há 18/20 anos atrás “tinha passado um terreno para nome do outro filho e estava a passar para o E... ” e que é tradição na terra, a partir de certa idade, as pessoas passarem os bens para os filhos.

G... , primo do B... e seu amigo, disse que “o I... é que tratava da gerência e o B... orientava o pessoal nas obras, onde permanecia”.

Relativamente aos terrenos do B... , este, em conversa, referiu-lhe que doou o terreno onde o filho mais velho tinha a casa e lhe disse que também queria fazer uma doação ao mais novo e que ia “fazer a doação de todos os bens existentes” e nunca lhe falou de empréstimos ou dívidas que tivessem ou da empresa de que era sócio, juntamente, com o I... .

Q... , cunhado do B... e do I... , andando de mal com este, disse que “o B... andava nas obras e o I... era administrador exclusivo da empresa”.

Quanto aos terrenos do B... , referiu que este, há 20 anos, tinha dado um terreno ao D... para fazer a casa e que há 7/8 anos deu um terreno ao outro filho para fazer a casa e disse-lhe, uma vez, que “ia aproveitar para fazer a doação de tudo”.

R... , electricista/canalizador que, nessa qualidade, fez trabalhos para a empresa dos réus, referiu que “o B... andava nas obras e o I... fazia a parte de escrita e bancária” e que “tratava das relações comerciais e pagamentos com o I... ”.

Com o B... “não falava nada em contas”.

Relativamente à dívida ao A... , uma vez o I... disse-lhe que “ia resolver o problema e o B... também lhe disse isso mais tarde (situando essa conversa, em 2008/2009)”.

Quanto ao património do B... , referiu que este deu um terreno ao D... e depois como o E... também queria fazer uma casa, também lhe queria dar um terreno e referiu-lhe que ia “aproveitar para fazer os bens ao E... e ao D... , porque também me fizeram isso a mim. Aproveitava e fazia tudo na mesma altura”.

Referiu, ainda, que o I... lhe disse “que tinha feito um acordo com o banco para a dívida ser paga”.

Em declarações de parte, o réu B... , disse que “não sabia que existia a dívida ao A... , não sabia nada de dívidas e que o sócio é que geria a empresa e passou os bens da empresa não sabe para nome de quem”. Assinou a livrança há muito tempo e “pensava que a dívida estava paga. Só andava nas obras”.

Doou os bens aos filhos, porque há 20 anos tinha doado um terreno a um filho e depois quis doar ao outro.

Nunca foi ao banco por causa desta dívida, “foi o cunhado que trouxe a livrança e tratou de tudo” e que só em 2009/2010 é que começou a ouvir falar que “a empresa tinha problemas” e que nunca se “responsabilizou por qualquer outra dívida da empresa”.

Ora, analisados estes depoimentos e teor das cartas acima referidas, no que se refere a estas questões, na nossa opinião, tem de se concluir que os mesmos não são de molde a postergar a conclusão a que se chegou na 1.ª instância e vertida na decisão ora em reapreciação.

Efectivamente, como referido na fundamentação da matéria de facto questionada explanada na sentença em recurso, a mesma, prende-se com o incumprimento das obrigações assumidas pelos avalistas da livrança subscrita pela empresa beneficiária do financiamento mencionado nos autos, para com o autor e desconhecimento do réu B... de tal situação e das condições económicas da empresa de que era sócio e fins/motivos que presidiram à intenção de serem outorgadas, como o foram, as doações relatadas nos autos e retratadas na matéria de facto provada.

Concorda-se com o expendido de fl.s 437 a 439, acima transcrito.

Não é crível que estando a empresa de que o B... e o I... eram sócios na iminência de falir, como o veio a ser declarado sete meses depois da outorga das doações em causa e com um passivo de mais de 948.000 €, não soubessem os sócios de tal situação, atenta a dimensão/grandeza do passivo, que ora se referiu.

Era uma empresa de pequena dimensão, localizada num meio pequeno e como referiu a testemunha P... , este, até saiu da mesma porque não lhe pagavam.

Diz a lógica das coisas e a experiência da vida que um trabalhador não sai de uma empresa, por falta de pagamento e que não tente que lhe paguem o que é seu por direito, principalmente se e quando se trata de salários em atraso, pelo que o normal e lógico é que o mesmo falasse nisso aos patrões, tanto a um como a outro e até, por maior facilidade com o B... , que andava nas obras.

Mutatis mutandis, relativamente às dívidas da empresa.

Não se concebe que dívidas de tamanha dimensão não sejam conhecidas no meio onde se localiza a sede e âmbito de actuação da empresa, tanto mais que não se trata de uma “grande metrópole” onde as pessoas não se conhecem.

E quem era credor da empresa, de certeza que protestava contra tal situação e tudo faria para reaver os seus créditos e, o comum seria que, para tal, contactassem os sócios da empresa em causa.

Concretamente, também, relativamente ao aqui autor, havia, com toda a certeza, da parte deste, o maior interesse em cobrar a dívida existente, regularizar a situação e que isso fosse feito ou tentado, junto dos sócios da empresa que eram os contactados, em primeira linha, com vista a tal finalidade.

Daí a normalidade de se considerar que, quando se verificou o incumprimento do contratado, o banco contactou com os sócios, por várias vezes, por carta, pessoal e telefonicamente, com vista a que se regularizasse a situação, não sendo, ainda, crível, que os referidos contactos fossem apenas estabelecidos com um dos sócios e não com os dois, aceitando o banco que a negociação se processasse apenas com um deles, assim, reduzindo o leque de possibilidades de resolução da questão, que responsabilizava, em igual medida, ambos os sócios e não apenas um deles.

Do mesmo modo, não se concebe que um sócio de uma empresa negoceie empréstimos com a banca, assinando uma livrança e depois “desligue” desse empréstimo, desconhecendo a sua existência e se foi ou não pago e em que condições.

E é neste contexto que têm de ser entendidas as doações efectuadas pelo B... e esposa a seus filhos.

Atenta a proximidade temporal entre a outorga das mesmas e a declaração de insolvência da empresa, aliado ao elevado passivo desta, acima referido, outra não pode ter sido a sua intenção, ao outorgar as referidas doações, que não a de tentar salvaguardar o seu património, passando-o para nome dos filhos, assim, dificultando ou impossibilitando que os créditos de que eram devedores pudessem vir a ser satisfeitos/cumpridos pelos respectivos credores.

Se se tratasse da doação de um único terreno ao filho a quem ainda não havia sido doado qualquer bem, para este construir a casa, ainda se poderia considerar que se tratava de “equilibrar a partilha dos bens”, colocando ambos na mesma situação, objectivo que foi o referido pela generalidade das testemunhas dos réus.

Mas não se trata disso. Foram doados todos os bens dos réus B... e mulher, “aproveitando” tal situação/finalidade, o que não se compreende à luz de critérios de normalidade, lógica e realidade da vida.

Se é certo, como se diz, que numa certa altura da vida, se procede à transmissão dos bens para os sucessores, menos certo não é de que se costuma a fazer isso quando os anos já pesam e não quando se tem 60 anos (como é o caso) em que ainda se tem expectativa de vida por mais uns anos.

Aliás, são diversos e muito citados, os ditados populares que versam o caso em que, prematuramente, os pais se desfazem dos seus bens e possíveis consequências que daí advêm, que aqui nos dispensamos de reproduzir.

Assim, em face do circunstancialismo do caso, não temos dúvidas em concluir, tal como em 1.ª instância, que as doações em causa, tiveram como finalidade que os bens delas objecto não respondam pelas dívidas dos doadores, que a intenção que lhes presidiu foi a ocultar património, pelo que se mantém como provada a matéria de facto que consta dos itens em causa.

Efectivamente, tais doações são feitas pouco tempo antes da declaração de insolvência da empresa de que era sócio o doador, que teria de conhecer a situação altamente deficitária em que esta se encontrava e a iminência de tal declaração e abrangeram todo o seu património imobiliário, pelo que outra não pode ter sido a intenção, que não a já anteriormente referida, ou seja, impedir que respondessem para pagamento das suas dívidas, nomeadamente, as do aqui autor.

Pelo que, nesta parte, improcede, em conformidade com o que ora se deixou dito, o recurso em apreço, mantendo-se a matéria de facto dada como provada e não provada, em 1.ª instância.

B. Se se verificam ou não, os pressupostos da impugnação pauliana.

Alegam os recorrentes que em face da alteração da matéria de facto matéria de facto que propugnavam, se tem de concluir que não se verificam os pressupostos exigidos nos artigos 610.º a 612.º do Código Civil, para a denominada impugnação pauliana, designadamente, que o autor não demonstrou a anterioridade do seu crédito relativamente às doações efectuadas pelos 1.os réus aos demais réus; nem que tenham os réus agido dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor, o ora autor.

Na sentença recorrida, ao invés, considerou-se que tais requisitos se têm por verificados e, em consequência, julgou-se a acção como procedente.

Em face da factualidade dada como provada, tem, fatalmente, a presente acção de proceder, por estarem preenchidos os requisitos da impugnação pauliana, como se refere na sentença recorrida e para cujos termos se poderia remeter, conforme artigo 663.º, n.º 6, do NCPC.

No que a esta questão respeita, passamos a seguir, de perto, o que por este Colectivo, entre outras e por último, já foi decidido na Apelação n.º 1381/12.9TBGRD, de 03/03/2015.

Efectivamente, este meio de tutela (impugnação pauliana) encontra-se regulado nos artigos 610º a 618º do C.C., sendo os seus efeitos os previstos no artigo 616º do C.C.: há um sacrifício do acto de alienação celebrado, mas apenas na medida do interesse do credor reclamante, uma vez que o acto mantém a sua plena validade, dado não estar afectado por qualquer vício intrínseco. É esta a razão pela qual os Autores falam no carácter vincadamente pessoal da acção pauliana – cfr. Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, 4ª edição, volume II, pág. 444; Vaz Serra, in R.L.J. ano 100º, pág.s 207-208; Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 4ª edição, pág. 599; Henrique Mesquita, in R.L.J. ano 128º, pág. 220 e ss. No mesmo sentido, ver os Acórdãos do S.T.J. de 13/2/2001, processo 00A3684, e da Relação de Coimbra de 14/3/2006, processo 307/06, in www.dgsi.pt.

Seguindo o Acórdão da Relação de Coimbra de 17/1/95, in C.J. ano XX, tomo 1, p. 29, «Nas relações entre credor e adquirente, procedendo a impugnação tem o primeiro direito à restituição dos bens na medida do seu interesse e o segundo a obrigação de os restituir, suportando a execução respectiva no seu património...», e mais adiante, «os bens só devem sair do património do adquirente, por forma compulsiva, em consequência da execução. O remanescente, se o houver, continuará a pertencer ao adquirente.».

Assim, em rigor, o pedido a formular neste tipo de acção deverá ser o da declaração de impugnação do acto contra o qual se reage e o reconhecimento ao impugnante do direito de executar, no património do adquirente, os bens validamente vendidos na medida necessária à satisfação do crédito do credor.

De qualquer modo, mesmo que o pedido formulado não corresponda ao acabado de assinalar, tal não obsta à procedência da acção: a Jurisprudência nº 3/2001 do S.T.J. de 23 de Janeiro de 2001 estabeleceu que «Tendo o A., em acção de impugnação pauliana, pedido a declaração de nulidade ou a anulação do acto jurídico impugnado, tratando-se de erro na qualificação jurídica do efeito pretendido, que é a ineficácia do acto em relação ao A. (nº 1 do artigo 616º do C.C.), o juiz deve corrigir oficiosamente tal erro e declarar tal ineficácia, como permitido pelo artigo 664º do C.P.C.».

O artigo 610º do C.C. dispõe que «Os actos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor, se concorrerem as circunstâncias seguintes:

a) Ser o crédito anterior ao acto ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor;

b) Resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade.

Por sua vez, o artigo 612º estipula que:

“1. O acto oneroso só está sujeito à impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má fé; se o acto for gratuito, a impugnação procede, ainda que um e outro agissem de boa fé. 2. Entende-se por má fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor”.

Assim, a impugnação pauliana requer a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:

- Existência de um crédito;

- Verificação de uma diminuição da garantia patrimonial do crédito;

- Impossibilidade ou agravamento para a satisfação integral do crédito;

- Nexo de causalidade entre o acto impugnado e a referida impossibilidade ou agravamento.

Relativamente ao primeiro pressuposto referido, o artigo 610º do C.C. impõe que o autor da acção de impugnação pauliana seja titular de um direito de crédito, o qual pode constar já de um título executivo, ou não.

A diminuição da garantia patrimonial pode verificar-se, ou por uma redução do activo do devedor, ou pelo aumento do seu passivo.

Quanto à impossibilidade ou agravamento para a satisfação integral do crédito, tendo por causa o acto impugnado, temos que estes requisitos não coincidem, necessariamente, com a situação de insolvência, na medida em que o agravamento da impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação do seu crédito pode consistir na substituição dos bens do devedor por outros facilmente deterioráveis ou consumíveis, como acontece com o dinheiro. Neste sentido, ver o Acórdão da Relação de Évora de 27/6/96, in C.J. ano XXI, tomo 3, p. 283 e Jurisprudência aí citada.

Como observa Vaz Serra, in R.L.J. ano 102º, pág. 4 e ss, “a venda, substituindo à coisa vendida o preço, causa um prejuízo aos credores, o qual consiste na diminuição ou inutilização prática do seu direito de execução”

Conforme consta do Acórdão do S.T.J. de 19/10/2004, processo 04B049, in www.dgsi.pt, “sendo o dinheiro um bem facilmente mobilizável e sonegável à acção dos credores, não é o mero facto do ingresso, no património do devedor, do preço da coisa por este alienada mercê da compra e venda objecto da pauliana que pode excluir a verificação do requisito”

Segundo entendimento pacífico, deve atender-se ao momento do acto de alienação para averiguar se se verifica o requisito da insuficiência do património do devedor.

Dada a normal dificuldade prática, para o credor, da prova de que o seu devedor não dispõe de bens penhoráveis, impõe o legislador, no artigo 611º do C.C., que o credor prove o montante das dívidas, mas que seja o devedor (ou o terceiro adquirente, igualmente demandado) que prove a existência de bens penhoráveis de igual ou maior valor.

A prova que incumbe ao devedor possui incidência impeditiva do direito do autor nos termos do artigo 342º, nº 2 do C.C. (cfr. Antunes Varela, in Revista Decana, 116º, 341). A existência desses bens penhoráveis de igual ou maior valor há-de ser provada em relação ao momento do acto impugnado e não em relação a momento posterior, consoante o disposto no artigo 610º, al. b) do C.C.; se nessa data o devedor possuía bens suficientes, mas depois deixou de os ter, a impugnação improcede (cfr. Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, 4ª edição, volume II, p. 437 e 438, e Henrique Mesquita, in Revista Decana, 128º, 252).   

A lei exige ainda, no que aos actos onerosos diz respeito, a existência de má-fé do devedor e do adquirente: o artigo 612º do C.C. dispõe que:

“1. O acto oneroso só está sujeito a impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má fé …

2. Entende-se por má fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor”.

Ou seja, a lei não se bastou com um conceito puramente psicológico, coincidente com o conhecimento da insolvência do devedor ou do seu agravamento, mas também não exige a intenção de prejudicar o credor. Nas palavras de Vaz Serra (citado por Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil anotado, 4ª edição, volume I, p. 629), “normalmente, mesmo, há a intenção, ou pode haver a intenção, de realizar um acto vantajoso, ou a intenção de satisfazer uma necessidade do devedor, sem o intuito de causar um dano”.

Conforme se escreveu no Acórdão da Relação de Évora de 17/6/2004, processo 724/03.3, in www.dgsi.pt, posição que subscrevemos, a má fé consiste na “…actuação, por parte dos intervenientes no acto ou actos, com conhecimento ou consciência do prejuízo que esses actos vão causar ao credor impugnante, não sendo necessário que o transmitente e o transmissário estejam conluiados … para causarem esse prejuízo e não sendo igualmente necessária a existência da intenção de prejudicar o credor … Basta que as partes envolvidas no acto praticado estejam moralmente convencidas do prejuízo que tal acto irá causar ao credor (dolo eventual) ou que se verifique «a representação da possibilidade da produção do resultado danoso» ou seja uma actuação correspondente à chamada negligência consciente. Por outras palavras: é suficiente a convicção de a conduta não ser recta conforme ao direito, ficando afastada somente a negligência inconsciente”.

No mesmo sentido, Acórdãos do STJ de 09/02/12, disponível no respectivo sítio da dgsi e de 10/11/98, in C.J. Acs. do STJ, ano 6º, tomo III, p. 104 ; do S.T.J. de 13/5/2004 e da Relação de Lisboa de 29/9/2005, processo 9549/2004-6, in www.dgsi.pt.

Na doutrina, tal posição é defendida por Almeida Costa, in R.L.J. ano 127º, pág. 274 e ss.

No caso em apreço, os recorrentes defendem que não se acha demonstrado o requisito da anterioridade do crédito (que o mesmo não é anterior à outorga da doação) nem que, na perspectiva de se tratar de crédito posterior ao acto, tenham agido dolosamente com o fim de impedir a satisfação do crédito do futuro credor.

Ora, compulsando a factualidade dada como provada e subsumindo-a ao que ora se deixou dito, é forçoso concluir que se verificam os aludidos requisitos da impugnação pauliana, sem esquecer, como acima já referido que, nos termos do disposto no artigo 611,º do CC, ao credor apenas incumbe a prova do montante das dívidas, e ao devedor ou a terceiro interessado na manutenção do acto a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor.

No que se refere ao requisito da anterioridade do crédito, defendem os recorrentes que tendo a escritura de doação sido outorgada em 16 de Março de 2009 e que a livrança foi emitida em 15 de Fevereiro de 2011, com data de vencimento em 11 de Março de 2011, só com o preenchimento da livrança, anteriormente entregue em branco, nasceu o crédito do autor, ou seja, em data posterior à da celebração da escritura de doação.

Na sentença recorrida considerou-se que se verifica este requisito porquanto o que conta é a data da constituição dos créditos e não do seu vencimento, devendo considerar-se os mesmos constituídos nas datas em que foi aceite a letra ou prestado o aval.

Em primeiro lugar, cumpre referir que o facto de o crédito não estar vencido não obsta ao exercício da impugnação, cf. artigo 614.º, n.º 1, do Código Civil.

Efectivamente, como refere Antunes Varela, Das Obrigações em geral, vol. II, 4.ª edição, Almedina, a pág. 438, nota 1, não é necessário que o crédito já se encontre vencido, para que o credor possa reagir contra os actos de diminuição da garantia patrimonial anteriores ao vencimento, contanto que a constituição do crédito seja anterior ao acto.

O mesmo entendimento manifesta Cura Mariano, in Impugnação Pauliana, Almedina, 2004, a pág.s 151 e seg.s e referindo expressamente que no caso de subscrição de livrança em branco, o crédito cambiário daí resultante nasce com a emissão desse título (cf. ob. cit., pág.s 157 e 158 e nota 330, onde se cita vária jurisprudência neste sentido).

Esta solução é, igualmente, a seguida, entre outros, nos Acórdãos do STJ de 13 de Dezembro de 2007, Processo 07A4034; de 22/06/2004, Processo 04A2056 e, por último, de 12 de Março de 2015, Processo 4023/11.6TCLRS.L1.S2 e no Acórdão desta Relação de 06/07/2010, Processo 337/09.3TBCBR.C1, todos, disponíveis nos respectivos sítios do itij.

Como se refere no Acórdão do STJ, de 22 de Junho de 2004, ora citado, “A livrança incorpora uma promessa de pagamento de uma determinada quantia, pelo seu subscritor a favor do tomador ou do seu detentor legítimo, no vencimento.

Título, portanto. E o que titula? O direito nele incorporado (o chamado direito cartular) cuja origem se encontra numa relação anterior ao seu próprio surgimento (a chamada relação subjacente). Embora goze de autonomia em relação a esta e de um regime próprio, revela a existência desta (…).

O crédito constitui-se, pelo menos (…), no acto da subscrição. É, pelo menos, então que a prestação na relação subjacente é posta à disposição do devedor o que, quando levado à relação cartular, significa que a obrigação cambiariamente nasce e fica constituída e que a responsabilidade do subscritor pelo respectivo pagamento na data do vencimento fica estabelecida com e pelo acto de subscrição da livrança.”.

Ou, como se escreve no Aresto do mesmo Tribunal, de 12 de Março de 2015, acima, também, já citado, depois de se fazer referência a vasta doutrina, acerca da natureza do aval, “Nascendo a obrigação cambiária com o aceite e sendo equiparada a responsabilidade do avalista à do aceitante (…), parece-nos evidente que o crédito se constitui, em relação ao avalista, no momento em que presta o seu aval. A partir de então associa-se à situação cambiária daquele a favor do qual deu o seu aval.”.

Efectivamente, nos termos do disposto no artigo 28.º I, da LULL, o crédito resultante do aceite, constitui-se no momento da subscrição da letra, mediante a qual o sacado se obriga a pagar a letra e a do avalista com a prestação do aval por, como decorre do artigo 30.º da LULL, este assumir, solidariamente, a responsabilidade do pagamento do título avalizado.

Isto porque a letra ou livrança aceite ou avalizada, titula o direito nela incorporado nascido da dita “relação subjacente”, anterior ao preenchimento da letra ou livrança que apenas vem a corporizar nesta o anterior crédito que lhe dá origem.

Ora, como resulta dos factos provados, designadamente, o que consta dos itens 1.º a 5.º e 9.º e 13.º, a escritura de doação foi efectuada em 16 de Março de 2009 e o contrato de concessão de crédito à “Construções H... , L.da” – subscritora da livrança – foi celebrado em 24 de Julho de 1998, data em que, também, foi emitida a livrança, ocorrendo o incumprimento daquele contrato em 18 de Maio de 2008 e denunciado em 18 de Julho de 2008 (cf. item 13.º), vindo a livrança a ser preenchida, com data de vencimento de 11 de Março de 2011.

Assim, relativamente aos créditos do autor, dúvidas inexistem de que o incumprimento é anterior à doação, sem embargo do que se deixou dito no sentido de que o crédito do autor nasceu com a subscrição da livrança, que foi emitida aquando da celebração do contrato de financiamento (cf. itens da matéria de facto dada como provada, acima já referidos).

Por último, de referir que mesmo no caso de o crédito ser posterior ao acto realizado, ainda assim se mantém a possibilidade de impugnação, se este foi realizado com a intenção de impossibilitar ou agravar a impossibilidade de o credor obter a satisfação do seu crédito.

Ora, em face do que consta do item 14.º, é indubitável que assim é, pelo que sempre se teria de ter por verificado este requisito.

Assim, tem de concluir-se que se verifica a anterioridade do crédito relativamente à doação efectuada pelos 1.os réus aos demais.

Relativamente à impossibilidade de o credor obter a realização integral do seu crédito ou o respectivo agravamento, também a mesma é patente.

Tal requisito, como se refere na decisão recorrida, baseia-se numa diminuição dos valores patrimoniais que respondem pela satisfação do crédito.

Com a doação referida, os 1.os réus deixaram de ser donos dos prédios doados (que doaram aos filhos que não eram sujeitos passivos das obrigações contraídas para com o aqui autor).

Por outro lado, a subscritora da livrança foi declarada insolvente, sem que o autor tenha logrado receber fosse o que fosse – cf. itens 7.º e 8.º, dos factos provados.

Incumbia aos devedores provar a existência de bens penhoráveis de igual ou maior valor – cf. artigo 611.º, CC., o que, manifestamente, não foi feito, uma vez que nada foi provado quanto à existência de bens suficientes para pagamento das dívidas para com o autor.

Assim, também este requisito se tem de ter por verificado.

Preenchidos que estão todos os pressupostos da impugnação pauliana, terá esta que proceder, sendo os seus efeitos, como indicado supra, os previstos no artigo 616º do C.C.: dado que a impugnação pauliana é apenas um meio de tutela, de garantia geral das obrigações, a lei consagra que o credor seja restituído dos bens em questão na medida do seu crédito, podendo executá-los mesmo que se encontrem no património de terceiros (cfr. o artigo 818º do Código Civil.).

Consequentemente, também, quanto a esta questão, tem o presente recurso de improceder.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida.

Custas pelos apelantes.

            Coimbra, 28 de Junho de 2016.

Arlindo Oliveira (Relator)
Emidio Francisco Santos
Catarina Gonçalves