Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
39/09.0TBAVZ-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS GIL
Descritores: EXECUÇÃO
JUROS
PENHORA
REGISTO
Data do Acordão: 11/02/2011
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: ALVAIÁZERE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.805, 871 CPC, 817, 822 CC, 2, 91, 95, 96 CRP
Sumário: 1. Tanto beneficiam da garantia da penhora os juros e o capital vencidos aquando da propositura da acção, como os juros que na pendência da causa se forem vencendo, pois a preferência da penhora beneficia o titular do crédito que instaurou a acção executiva na qual se veio a efectivar a penhora, sem mais exigências legais (artigo 822º, nº 1, do Código Civil).

2. Não obstante apenas constar do registo da penhora a menção da quantia exequenda liquidada no requerimento executivo, a penhora também confere preferência no pagamento do crédito por ela garantido relativamente aos juros vencidos após a propositura da acção executiva.

Decisão Texto Integral: ***
A espécie, o efeito e o modo de subida do recurso são os próprios, as conclusões das alegações não carecem de ser corrigidas, não se verifica qualquer circunstância que obste ao conhecimento do recurso e, em nosso entender, as questões a decidir são simples, pelo que estão reunidos os requisitos legais para julgamento sumário do recurso (artigo 705º, do Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos)[1], o que se passa a fazer de seguida.

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            1. Relatório

            A 01 de Março de 2011, no Tribunal Judicial da Comarca de Alvaiázere, por apenso à acção executiva sob forma comum nº 39/09.0TBAVZ, em que é exequente B (…), SA e são executados P (…) e I (…), B (…), SA, invocando o disposto no artigo 871º do Código de Processo Civil, veio reclamar o seu crédito sobre os executados, no montante global de € 23.609,92, sendo € 5.711,49 de capital, € 17.210,02 de juros vencidos até 01 de Março de 2011 e imposto de selo sobre os juros vencidos no montante global de € 688,41, instruindo a sua petição com certidão extraída do processo nº 1937-A/2001, do sexto juízo cível de Lisboa, terceira secção.

            Em síntese, o reclamante alega que instaurou acção executiva contra os executados que veio a ser distribuída ao sexto juízo cível de Lisboa, terceira secção, sob o nº 1937-A/2001, na qual peticionou o pagamento dos montantes então em dívida e correspondentes aos exigidos na presente reclamação, sendo nesses autos penhorado um imóvel que se achava prioritariamente penhorado na acção executiva de que estes autos são dependência.

            Admitida liminarmente a reclamação de créditos, nenhuma oposição foi deduzida.

            A 05 de Maio de 2011 foi proferida sentença que graduou em primeiro lugar o crédito exequendo, pelo montante de € 39.769,61, e em segundo lugar o crédito reclamado pelo B (…), SA, apenas pelo valor de € 8.599,97, indeferindo a reclamação apresentada no que respeita à diferença entre o valor reclamado e o valor alegadamente garantido, ou seja, no que tange o montante de € 15.009,95.

B (…) SA, inconformado com a decisão que indeferiu parcialmente a reclamação de créditos por si deduzida interpôs recurso de apelação no qual formulou a seguinte conclusão:

Em conclusão, portanto, por violação dos citados preceito dos artigos 806º do Código Civil e 871º do Código de Processo Civil, deve o presente recurso ser julgado procedente e provado e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida e substituir-se a mesma por acórdão que reconheça, mantendo evidentemente a respectiva graduação em segundo lugar, o crédito reclamado pelo ora recorrente no montante de € 23.609,22, desta forma se interpretando e aplicando correctamente a lei, e se fazendo Justiça”.

                Não foram oferecidas contra-alegações.

            A 19 de Setembro de 2011, o recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

            2. Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 684º, nº 3 e 685º-A nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil

A única questão a decidir é a de saber se a penhora de bem imóvel[2] apenas garante o pagamento da quantia exequenda indicada aquando da efectivação do seu registo ou se também abarca os montantes que entretanto se forem vencendo até à efectiva e integral satisfação do crédito garantido por tal penhora.

3. Fundamentos de facto resultantes do processo físico de folhas 1 a 20


3.1

            A 08 de Novembro de 2002, B (…), SA instaurou acção executiva por apenso ao processo nº 1937/2001, na terceira secção, do sexto juízo cível de Lisboa em que peticionou o pagamento da quantia global de € 8.599,97, sendo € 5.711,49, de capital, € 2.777,38 de juros até então vencidos e € 111,10 de imposto de selo contados sobre os juros vencidos.

3.2

            Os juros vencidos até 01 de Março de 2011 e após a propositura da acção executiva totalizavam € 14.432,64, sendo de € 577,31 o imposto de selo contado sobre estes juros.

3.3

            Pela apresentação nº 3443, de 14 de Julho de 2010, efectivou-se registo de penhora ocorrida a 18 de Junho de 2010, sobre o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Alvaiázere sob o nº 1612/19980721, indicando-se aquando da efectivação do referido registo que a quantia exequenda era no montante de € 8.599,97, sendo o sujeito activo da mesma o B (…), SA e sujeitos passivos I (…) e P (…), respeitando a aludida penhora ao processo nº 1937-A/2001, da 3ª secção, do 6º juízo cível de Lisboa.

3.4

            Pela apresentação nº 3443, de 14 de Julho de 2010, efectivou-se registo de penhora ocorrida a 18 de Junho de 2010, sobre o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Alvaiázere sob o nº 1564/19980130, indicando-se aquando da efectivação do referido registo que a quantia exequenda era no montante de € 8.599,97, sendo o sujeito activo da mesma o B (…) SA e sujeitos passivos I (…) e P (…), respeitando a aludida penhora ao processo nº 1937-A/2001, da 3ª secção, do 6º juízo cível de Lisboa.

            4. Fundamentos de direito

4.1 Dos valores garantidos pela penhora de bem imóvel

O titular de um direito de crédito incumprido tem o direito a exigir o cumprimento coercivo da obrigação incumprida (artigo 817º, 1ª parte do Código Civil). Quando esse direito de crédito consiste numa obrigação pecuniária ou se pode converter numa obrigação pecuniária, a lei confere ao credor insatisfeito o direito de executar o património do devedor (artigo 817º, 2ª parte do Código Civil). Estando munido de título executivo (artigos 45º e 46º do Código de Processo Civil), o credor insatisfeito instaurará acção executiva em ordem a executar o património do devedor ou de terceiro responsável pela obrigação incumprida. A afectação do património do devedor inadimplente ou do terceiro garante à satisfação do crédito exequendo opera-se mediante a penhora (artigo 821º do Código de Processo Civil).

Nos termos do disposto no nº 1, do artigo 822º do Código Civil, “Salvo nos casos especialmente previstos na lei, o exequente adquire pela penhora o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior.”

O disposto no artigo 140º, nº 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas constitui uma excepção prevista na lei à regra da preferência conferida pela penhora.

De acordo com o previsto no artigo 1º, do Código do Registo Predial, “O registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário.

A penhora está sujeita a registo (artigo 2º, nº 1, alínea n), do Código do Registo Predial), registo que se efectiva mediante inscrição (artigo 91º, nº 1, do Código do Registo Predial), devendo o extracto de inscrição conter a identificação do processo, a data da penhora e a quantia exequenda (artigo 95º, nº 1, alínea l), do Código do Registo Predial).

Ao invés, no que respeita a inscrição hipotecária, para observância do disposto no artigo 693º do Código Civil, o extracto da inscrição deve conter o fundamento da hipoteca, o crédito e os seus acessórios e o montante máximo assegurado (artigo 96º, nº 1, alínea a), do Código do Registo Predial).

A quantia exequenda, como é sabido, corresponde ao produto da liquidação que o exequente efectua no requerimento inicial executivo (artigo 805º, nº 1, do Código de Processo Civil), sendo que a liquidação definitiva da pretensão executiva é feita, a final, nos termos previstos no nº 2, do artigo 805º, do Código de Processo Civil. Assim, quando a pretensão executiva se traduz na realização coerciva de obrigação pecuniária, a quantia exequenda engloba, por via de regra, além do capital devido, juros de mora contados às taxas resultantes do título exequendo, sendo que os juros de mora vencidos na pendência da acção executiva só se apurarão na totalidade aquando da realização da liquidação final (vejam-se os artigos 917º e 919º, ambos do Código de Processo Civil).

A preferência no pagamento conferida pela penhora diz respeito a uma concreta pretensão executiva, em confronto com outras pretensões executivas ou outras garantias reais, servindo a indicação da quantia exequenda aquando do registo da penhora apenas para identificar de modo mais preciso a pretensão executiva a que respeita mas não significando, ao invés do que sucede com a inscrição hipotecária, que apenas o valor inscrito no registo goza daquela preferência. Tanto beneficiam da garantia da penhora os juros e o capital vencidos aquando da propositura da acção, como os juros que na pendência da causa se forem vencendo pois a preferência da penhora beneficia o titular do crédito que instaurou a acção executiva na qual se veio a efectivar a penhora, sem mais exigências legais (artigo 822º, nº 1, do Código Civil).

O entendimento seguido na decisão sob censura levaria à necessidade de multiplicação ad infinitum de sucessivas penhoras para garantia do pagamento coercivo dos juros que se vencessem na pendência da acção executiva, bastando o absurdo desta consequência da interpretação sob censura para demonstrar a sua insustentabilidade.

Por outro lado, visando o mecanismo do artigo 871º do Código de Processo Civil apenas que a satisfação de créditos exequendos, no caso de pluralidade de exequentes sem cumulação ou coligação de execuções (artigos 53º e 58º, ambos do Código de Processo Civil), opere no processo em que se verificou a penhora temporalmente prioritária dos mesmos bens, nenhuma razão se divisa para que o reclamante veja a sua posição jurídica diminuída face àquela que tinha na acção executiva sustada por força da existência de penhora temporalmente prioritária.

Assim, por tudo quanto precede, conclui-se que a decisão sob censura deve ser revogada, devendo ser substituída por outra que julgue verificado o crédito do B (…), SA no montante de € 23.609,92, sendo € 5.711,49 de capital, € 17.210,02 de juros vencidos até 01 de Março de 2011 e imposto de selo sobre os juros vencidos no montante global de € 688,41, crédito que se gradua em segundo lugar, para ser pago a seguir ao crédito exequendo, nos termos que ficaram definidos na sentença sob censura[3] e que não foram objecto de qualquer impugnação por quem tinha legitimidade para tanto, saindo em todo o caso precípuas as custas da acção executiva.

5. Dispositivo

Pelo exposto, julga-se procedente o recurso de apelação interposto por B (…), SA e, em consequência, revoga-se a sentença proferida nestes autos a 05 de Maio de 2011, no segmento impugnado, que se substitui por decisão que julga verificado o crédito do B (…), SA no montante de € 23.609,92, sendo € 5.711,49 de capital, € 17.210,02 de juros vencidos até 01 de Março de 2011 e imposto de selo sobre os juros vencidos no montante global de € 688,41, crédito que se gradua em segundo lugar para ser pago a seguir ao crédito exequendo, nos termos que ficaram definidos na sentença sob censura; custas do recurso a cargo dos reclamados, sendo aplicável a secção B da tabela I anexa ao Regulamento das Custas Processuais.


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Carlos Gil ( Relator )



[1] Atenta a data previsível de instauração da acção executiva transmitida pela numeração do processo, é aplicável ao recurso destes autos o Código de Processo Civil, na redacção introduzida pelo decreto-lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.
[2] Na reclamação de créditos a reclamante refere-se apenas à penhora de bem imóvel, no singular, embora tenha juntado certidão donde resulta que eram dois os bens imóveis penhorados na acção executiva sustada, bens estes ambos também penhorados prioritariamente na acção executiva de que estes autos são dependência. A reclamante não foi instada a esclarecer a propriedade daquela referência a um imóvel, no singular. Na sentença sob censura apenas se procedeu à graduação de créditos relativamente ao imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Alvaiázere sob o nº 1612, não obstante não resultar da reclamação de créditos que era este o imóvel visado pela reclamante ou o outro. Não foi arguida qualquer nulidade da decisão sob censura por omissão de pronúncia, nem foi questionado que era só este o imóvel visado pela reclamante pelo que a mesma se conformou com a interpretação da sua pretensão levada a cabo pelo tribunal a quo, leitura que por isso não integra o objecto deste recurso.
[3] Na decisão recorrida, a preferência no pagamento do crédito exequendo, à semelhança do que foi decidido relativamente ao crédito do recorrente, ficou limitada ao valor que ficou inscrito no registo da penhora, não abarcando os interesses vencidos na pendência da acção executiva. Porém, porque não houve reacção do exequente contra esta decisão e porque os efeitos deste recurso não lhe aproveitam (artigo 683º, nº 1, do Código de Processo Civil), nem o exequente veio aderir ao recurso interposto (artigo 683º, nº 2, do Código de Processo Civil), impõe-se o acatamento daquela decisão judicial.