Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
61/14.5GBLSA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: ERRO
ERRO DE JULGAMENTO
INIBIÇÃO DA FACULDADE DE CONDUZIR
CUMPRIMENTO
PENA ACESSÓRIA
INÍCIO
APREENSÃO
TÍTULO
LICENÇA DE CONDUÇÃO
Data do Acordão: 07/13/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (INSTÂNCIA LOCAL DA LOUSÃ – SECÇÃO COMP. GEN. – JUIZ 1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 410.º E 412.º DO CPP; ART. 69.º DO CP
Sumário: I - O erro notório na apreciação da prova, enquanto vício da decisão penal, não se confunde com o erro de julgamento em que se traduz a impugnação ampla da matéria de facto, essencialmente regulada no art. 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP, pois ali existe um vício da sentença e aqui ocorre um erro de julgamento da matéria de facto.

II - A posição que melhor se harmoniza com o espírito da lei e unidade do sistema é a de que o cumprimento da pena acessória, em regra, só se inicia com a entrega voluntária do título habilitante ou com a sua apreensão forçada.

III - O título de condução apreendido em processo comum singular não tem validade, enquanto tal, por ter sido emitida a segunda via do mesmo.

IV - Se não existe título de condução válido apreendido, não se vê como possa ter-se iniciado o período de execução da pena acessória, que pressupõe a apreensão à ordem dos autos de título válido.

V - Porque apenas em 19 de Fevereiro de 2014 foi o arguido notificado de que a execução da pena acessória se havia iniciado em 20 de Dezembro de 2013, só na data da notificação se pode considerar eficazmente iniciada, relativamente ao condenado, aquela execução.

VI - Assim, não pode ter o arguido, ao conduzir um veículo automóvel no dia 7 de Fevereiro de 2014, querido violar uma proibição imposta por sentença penal, pela simples e decisiva razão de que tal proibição, ainda não se tornara exequível em relação a si.

Decisão Texto Integral:






Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

 

I. RELATÓRIO

            No Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Lousã – Instância Local – Secção de Competência Genérica – J1, mediante despacho de pronúncia, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, o arguido, A... , com os demais sinais nos autos, a quem foi imputada a prática, em autoria material, de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, p. e p. pelo art. 353º do C. Penal.

 

            Por sentença de 10 de Dezembro de 2015 foi o arguido condenado, pela prática do imputado crime, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de € 5,50, perfazendo a multa global de € 825.


*

            Inconformado com a decisão, recorreu o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            1. Com o presente recurso o recorrente visa impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, bem como a matéria de direito, e é interposto com fundamento nos seguintes pontos:

- erro notório na apreciação da prova, nos termos do art. 410.º, n.º 2 do C.P.P., a qual se traduz em erro de julgamento da matéria de facto, nos termos do art. 412.º, n.º 3 do C.P.P., a impor que se dê como não provada a matéria que consta do ponto n.º 3, 4 e 5 dos factos dados como provados na sentença recorrida;

- o arguido deve ser absolvido do crime de violação de imposições, proibições ou interdições uma vez que este é um crime doloso e o arguido agiu sem culpa, sendo que o erro não lhe é censurável de acordo com o disposto no art. 17.º, n.º 1 do C.P,

2. Na verdade, o Tribunal a quo condenou o recorrente como autor material, sob a forma consumada, de um crime p. e p. pelo art.º 353º, n.º 1 do C. Penal, na pena de 150 dias de multa à razão diária de 5.50 Euros, o que perfaz a pena de multa no valor total de 825,00 € (oitocentos e vinte e cinco euros), a que corresponde 100 dias de prisão subsidiária, considerando como factos provados que:

3. A respetiva carta de condução foi remetida para aquele tribunal pelo IMT na indicada data inicial, tendo sido proferido despacho judicial a 13 de Janeiro de 2014 a determinar que o período de inibição fixado tinha o seu termo a 20/3/2014, despacho este que, pelo menos a 17 de Janeiro desse ano foi do conhecimento do arguido.

            4. O arguido agiu de modo livre voluntário e consciente, sabendo e querendo violar a proibição de conduzir veículos com motor que lhe unha sido imposta por sentença criminal, assim faltando à obediência a ordem legítima, com base legal emanada de autoridade competente, e que lhe fora devidamente notificada.

5. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei como ilícito criminal.

3.No caso em questão, contesta-se a verificação dos elementos objetivos e subjetivos  deste tipo de crime. o que acontece apenas face ao erro notório na apreciação da prova, pois da leitura dos documentos junto aos autos (Processo nº 48/10.2GBNIS) torna-se evidente que:

a) é manifesta a falta de comunicação do despacho de 13/1/2014 ao arguido e ao seu mandatário, como resulta (caso dúvidas existissem) da prova peticionada no âmbito da contestação à acusação pública, ou seja, do pedido de notificação ao Processo nº 48/10.2GBNIS para vir demonstrar se foi efetivamente concretizada a notificação do referido despacho ao arguido e ao seu mandatário, sendo a resposta negativa;

            b) Certo é que se mandatário do arguido no processo nº 48/10.2GBNIS vem efetuar um requerimento a 17 de Janeiro de 22014, o mesmo fá-lo na pretensão de vir apontar a manifesta irregularidade/nulidade do procedimento, por falta de notificação do mandatário e do arguido, requerendo que o despacho seja dado sem efeito, ficando o arguido convencido disso mesmo.

c) Verifique-se que face a esse requerimento o Tribunal de Nisa retifica a situação e notifica o Mandatário e o arguido, em 13/2/2014, despacho do qual o arguido de imediato interpõe recurso penal, ao qual é atribuído efeito suspensivo.

            4. Ora, da prova produzida nunca se poderia dar como provado que:

3. A respetiva carta de condução foi remetida para aquele tribunal pelo IMT na indicada data inicial, tendo sido proferido despacho judicial a 13 de Janeiro de 2014 a determinar que o período de inibição fixado tinha o seu termo a 20/3/2014, despacho este que, pelo menos a 17 de Janeiro desse ano foi do conhecimento do arguido.

Mas sim que:

            3. A respetiva carta de condução foi remetida para aquele tribunal pelo IMT na indicada data inicial, tendo sido proferido despacho judicial a 13 de Janeiro de 2014 a determinar que o período de inibição fixado tinha o seu termo a 20/3/2014, despacho este que, apenas foi remetido para a GNR da Lousã e de que o Mandatário do arguido por mera consulta dos autos veio a ter conhecimento e que por intermédio de requerimento veio apontar da irregularidade dessa atuação pedindo que o mesmo fosse dado sem efeito face à ausência das referidas notificações. ficando o arguido convencido disso mesmo.

5. Quanto à matéria dada como provada em 4 e 5, não poderia o Tribunal a quo dar como provado que:

4. O arguido agiu de modo livre voluntário e consciente, sabendo e querendo violar a proibição de conduzir veículos com motor que lhe unha sido imposta por sentença criminal, assim faltando à obediência a ordem legítima, com base legal emanada de autoridade competente, e que lhe fora devidamente notificada.

5. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei como ilícito criminal.

Mas sim que:

            4 – o arguido atuou convicto da legalidade da sua condução, sem que seja censurável a ignorância ou má representação da realidade, pelo que agiu sem consciência da ilicitude da sua conduta e, por isso, sem culpa (art. 17º nº 1, do Código Penal), na medida em que perante o primeiro despacho de 13-01-2014 foi efetuado um requerimento a solicitar que o mesmo fosse dado sem efeito e do segundo despacho de 13-2-2014 foi efetuado um recurso com efeitos suspensivos.

6. Mesmo que no caso concreto considerássemos que toda a "negligência grosseira" e demora injustificada do Tribunal de Nisa "são coisas que acontecem" certo é que a falta de consciência da ilicitude do arguido não poderá ser censurável.

7. No caso em apreço, o primeiro despacho remetido pelo Tribunal de Nisa em 13-01-2014, mais de dois anos depois da leitura da sentença, foi apenas para a GNR da Lousã esquecendo-se o Tribunal de Nisa que o arguido não poderia nem tinha qualquer obrigação de "adivinhar" que tal ordem seria tida como válida mesmo sem ser notificado da mesma, nem o seu Mandatário, pois sempre considerou que o Tribunal de Nisa deveria ter notificado o arguido pessoalmente, mesmo que tal significasse a reabertura da audiência de leitura de sentença, além de que foi informado ter sido requerido pelo seu Mandatário que o despacho fosse dado sem efeito por esses motivos, ficando disso convencido.

8. E se o tribunal de Nisa vem um mês depois (13-02-2014) efetuar a devida notificação do arguido e do seu mandatário quando a sanção acessória lá estava em curso há dois meses sem conhecimento do arguido, este interpôs de imediato recurso penal com efeitos suspensivos, efeitos confirmados pelo Tribunal Nisa, ficando o arguido convencido de que tal despacho não produziu efeitos imediatos.

9. Em conclusão, não pode aceitar-se que o arguido omitiu qualquer dever de cuidado que sobre o mesmo impendia, nem sequer violou qualquer proibição de forma consciente, razão pela qual o Tribunal a quo andou mal ao considerar que o arguido atuou conscientemente, pois o arguido sempre atuou convencido de que tais despachos ou estavam "feridos" de nulidade ou estavam com os seus efeitos suspensos.

10. Em conclusão, neste caso concreto, o arguido atuou convicto da legalidade da sua condução, sem que seja censurável a ignorância ou má representação da realidade, pelo que agiu sem consciência da ilicitude da sua conduta e, por isso, sem culpa (art 17º nº 1, do Código Penal).

1l. Termos em que se impõe a absolvição do arguido do crime de violação de proibições de que vem acusado.

12. E, pelo que fica dito, entende-se que não existem indícios nos autos dos factos vertidos nos factos dados como provados em 3, 4 e 5, os quais devem ser dados como não provados.

Normas jurídicas violadas: disposto nos arts. 399.º, 400.º a contrario, 401.º, nº 1, alínea b), 410.º, n.º 2, e 412.º, e ainda o art. 411.º, nº 4 do C.P.P., art.º 14.º, 17º e 353º, nº 1 do C. Penal e art. 32º da CRP.

Princípios violados e erroneamente aplicados: maxime legalidade, igualdade, proporcionalidade, subsidiariedade da «nulla poena sine culpa» e do «nullum crimen sine culpa» bem como finalidades inerentes aos fins das penas

Neste termos, e nos demais de Direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá a decisão ser revogada e, substituída por acórdão a julgar improcedente por não provada a acusação, sendo consequentemente o arguido absolvido, pelos invocados fundamentos.

Assim se fazendo, JUSTIÇA.


*

            Respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões

            1. O erro notório na apreciação da prova não se confunde com erro de julgamento da matéria de facto, sendo aquele um vício que decorre do próprio texto da decisão, e este um vício que decorre da valoração da prova produzida em audiência. 

            2. Mas ainda que assim não fosse, no que concerne à matéria de facto provada, cumpre assinalar que a argumentação expendida pelo arguido carece de razoabilidade jurídica e coerência lógica.

3. Vejamos, no dia 13/1/2014, após remessa da carta de condução do arguido ao Tribunal de Nisa, pelo IMTI, foi proferido despacho judicial a determinar que o período de inibição fixado tinha o seu termo a 20/3/2014, despacho esse que pelo menos a 17/1/2014, foi dado a conhecer ao arguido, tendo este sido interceptado a conduzir um veículo automóvel no dia 7/2/2014, desrespeitando de forma grosseira, uma ordem do Tribunal.

4. O arguido tem todo o direito de não concordar com uma decisão judicial, reagindo através dos meios próprios, nomeadamente o recurso, o que fez, ainda que a decisão tenha sido confirmada.

5. Já não pode é agir contra uma decisão, simplesmente por não concordar com ela, entendendo que a razão se encontra do seu lado, pois ao actuar desta forma comete um crime, o que sucedeu.

6. Pelo que, reiterando-se o devido respeito, não se vislumbra qualquer erro de julgamento da matéria de facto susceptível de invalidar os fundamentos da doutra decisão proferida.

7. Por outro lado, dizer que o arguido agiu sem dolo após ter sido notificado de que não poderia conduzir é um argumento intelectualmente inaceitável.

8. Com efeito, a prova documental existente nos autos é clara e mostra de forma inequívoca que o arguido foi devidamente notificado da data prevista para a conclusão do período de inibição de condução, tendo este, ignorado de forma voluntária e intencional, tal data, conduzindo pelo menos um mês antes, quiçá conduzindo desde sempre.

9. E não colhe o argumento que o arguido entendia que o prazo começara a correr após a condenação, pois que o Tribunal de Niza o notificou formalmente, sendo certo que o recurso interposto já depois do referido prazo estar em curso.

10. Concluindo-se que o arguido sabia forçosamente que não poderia conduzir veículos motorizados em 7/2/2014, altura em que decidiu ignorar tal inibição, de forma grosseira, e evidentemente dolosa.

11. Pelo que outra conclusão não poderia o Tribunal a quo tirar que não da prática do crime pelo arguido, de forma voluntária e intencional, inexistindo qualquer falha de valoração, também nesta parte.

Nestes termos, deverá negar-se provimento ao recurso ora interposto, mantendo-se a decisão nos precisos termos em que foi formulada, fazendo, desta forma, o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, a costumada JUSTIÇA.


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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, acompanhando a resposta do Ministério Público e concluiu pelo não provimento do recurso.

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            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

 

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.


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            II. FUNDAMENTAÇÃO

Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo arguido, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:

            - O erro notório na apreciação da prova;

- A incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto;

- A falta de consciência da ilicitude e consequente absolvição.


*

            Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevante consta da sentença. Assim:

           

            A) Nela foram considerados provados os seguintes factos:

            “ (…).

            1. No dia 7 de Fevereiro de 2014, pelas 16:48 horas, o arguido conduzia o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula (...) DO na Rotunda do Freixo, Lousã sem estar munido com a respectiva carta de condução, com o n.º C- (...), pois cumpria, desde 20/12/2013, um período de inibição de três meses, imposto como pena acessória no processo comum singular nº 45/10.2GBNIS do (extinto) Tribunal Judicial da Comarca de Nisa.

            2. Com efeito, o arguido havia sido condenado por sentença transitada em julgado a 11/10/2012, no âmbito do mencionado processo comum, além do mais, numa pena de 60 dias de multa à taxa diária de € 6,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 3 meses, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelos arts. 292º, n.º 1 e 69º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal.

            3. A respectiva carta de condução foi remetida para aquele tribunal pelo IMT na indicada data inicial, tendo sido proferido despacho judicial a 13 de Janeiro de 2014 a determinar que o período de inibição fixado tinha o seu termo a 20/3/2014, despacho este que, pelo menos a 17 de Janeiro desse ano foi do conhecimento do arguido.

            4. O arguido agiu de modo livre voluntário e consciente, sabendo e querendo violar a proibição de conduzir veículos com motor que lhe tinha sido imposta por sentença criminal, assim faltando à obediência a ordem legítima, com base legal emanada de autoridade competente, e que lhe fora devidamente notificada.

            5. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei como ilícito criminal.

[Outros Factos Provados:]

            6. Em termos profissionais o arguido está desempregado desde Março/Abril de 2015, após ter transmitido onerosamente a sua sociedade comercial “B..., Lda”, cujo objecto social está relacionado, entre o mais, com o transporte de mercadorias, tendo até então o arguido exercido a profissão de motorista,

            7. O arguido vive em união de facto com uma actual companheira, num apartamento disponibilizado pelos seus pais, e tem um filho de oito anos de uma anterior relação que vive com a mãe, e ao qual foi fixada a pensão de alimentos de 200 €.

            8. A companheira tem um emprego remunerado de valor não concretamente apurado; e, o arguido conta com a ajuda económica dos pais.

            9. O arguido não se encontra inscrito no centro de Emprego.

            10. O arguido nasceu em 14/06/1984 (31 anos) e como habilitações literárias tem o 12º ano de escolaridade incompleto.

            11. Do certificado do registo criminal do arguido constam averbadas as seguintes condenações transitadas em julgado:

            a. No âmbito do processo colectivo nº 37/05.3NJPRT, por um crime de incumprimento dos deveres de serviço (Crime Militar) praticado em 12-04-2015, foi o arguido condenado pelo acórdão de 19/06/2007, transitado em julgado em 05/07/2007, numa pena de 4 meses de prisão, substituída por 120 dias de multa à taxa diária de € 3, já extinta em 13/09/2007.

            b. No âmbito do processo comum singular nº 45/10.2GBNIS, do Tribunal Judicial de Nisa, foi o arguido condenado pela prática dos crimes de injúria agravada, de ameaça agravada e de condução de veículo em estado de embriaguez, todos praticados em 28/12/2010, por sentença proferida em 12/04/2012, transitada em 11/10/2012, na pena de 150 dias de multa à taxa de € 6 e na pena acessória de 3 meses, já declarada extinta em 12/03/2013.

            (…)”.

            B) Nela foram considerados não provados os seguintes factos:

            “ (…).

Que o arguido não tivesse violado qualquer proibição de forma consciente, pois que sempre actuou convencido de que o período de inibição começou a decorrer a partir do momento em que o tribunal teve conhecimento de que a carta estava apreendida na GNR de Portalegre.

(…)”.

C) E dela consta a seguinte motivação de facto:

“ (…).

            A prova é apreciada de acordo com as regras da experiência e a livre convicção do julgador (art. 127º do C. Processo Penal), liberdade que não pode nem deve significar o arbítrio ou a decisão irracional “puramente impressionista-emocional que se furte, num incondicional subjectivismo, à fundamentação e à comunicação” (Prof. Castanheira Neves, citado por Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, 43).

Pelo contrário, a livre apreciação da prova exige uma apreciação crítica e racional, fundada, é certo, nas regras da experiência, mas também nas da lógica e da ciência, e tudo para que dela resulte uma convicção do julgador objectivável e motivável, únicas características que lhe permitem impor-se a terceiros. Ensina o Prof. Figueiredo Dias (Lições de Direito Processual Penal, 135 e ss.), que no processo de formação da convicção há que ter em conta os seguintes aspectos: - a recolha dos dados objectivos sobre a existência ou não dos factos com interesse para a decisão, ocorre com a produção de prova em audiência, - é sobre estes dados objectivos que recai a livre apreciação do tribunal, como se referiu, motivada e controlável, balizada pelo princípio da busca da verdade material, - a liberdade da convicção anda próxima da intimidade pois que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos conhecimentos não é absoluto, tendo como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, portanto, as regras da experiência humana - assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque para a sua formação concorrem a actividade cognitiva e ainda elementos racionalmente não explicáveis como a própria intuição.

Esta operação intelectual, não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis), e para ela concorrem as regras impostas pela lei, como sejam as da experiência, da percepção da personalidade do depoente – aqui relevando, de forma especialíssima, os princípios da oralidade e da imediação – e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio “in dubio pro reo” (cfr. Ac. do T. Constitucional de 24/03/2003, DR. II, nº 129, de 02/06/2004, 8544 e ss.).

A prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade: o juiz lança-se à procura do «realmente acontecido» conhecendo, por um lado, os limites que o próprio objecto impõe à sua tentativa de o «agarrar» e, por outro, os limites que a ordem jurídica lhe marca - derivados da(s) finalidade(s) do processo (Cristina Líbano Monteiro, “Perigosidade de inimputáveis e «in dubio pro reo»”, Coimbra, 1997, pág. 13).

Sendo certo que a certeza judicial não se confunde com a certeza absoluta, física ou matemática, sendo antes uma certeza empírica, moral, histórica – cfr. Climent Durán, La Prueba Penal, ed. Tirant Blanch, p. 615.

Deste modo, a formação da convicção deste Tribunal, quanto aos factos dados como provados, resultou da conjugação das regras da experiência comum com o teor da prova documental e com o teor das declarações do agente de autoridade C... que, de forma coerente e credível, relatou os factos conforme constam da acusação, confirmando, designadamente, o teor do auto de notícia de fls. 2 e 2 verso e cópia de fls. 3, do pedido de informação ao Tribunal de Nisa de fls. 26 a 31.

Antes de mais, refira-se que o depoimento do agente da GNR não demonstrou qualquer animosidade para com o arguido (do qual, aliás, foi colega no cumprimento do serviço militar, e com quem não teve conflitos) e não foi contrariado por qualquer prova produzida em audiência de julgamento, sendo certo que a forma calma e serena como o agente da GNR depôs, não suscitou ao tribunal a mínima dúvida sobre a veracidade do por si declarado, assentando a sua convicção também neste depoimento, sendo que o arguido não pretendeu prestar declarações.

Também da conjugação da prova testemunhal e documental com os juízos de experiência comum, de normalidade e razoabilidade não é possível extrair outra conclusão que não seja a de que o arguido sabia que no dia dos factos (07/02/2014) não podia conduzir veículos a motor, porquanto se encontrava em cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir.

Com efeito, da concatenação de todos os elementos documentais constantes nos autos, resulta que:

Em 25 de Setembro de 2012 (cfr. fls. 102 e segs.) o arguido apresentou um requerimento no processo comum singular nº 45/10.2GBNIS, do Tribunal Judicial de Nisa, no âmbito do qual informou que a carta de condução foi apreendida pela GNR de Nisa em 28/12/2010 (data da prática dos factos que versava a acusação), em virtude do mesmo não ter procedido ao pagamento voluntário da coima, e, assim, ser-lhe impossível proceder à entrega da carta de condução nos termos do art. 500º, nº2 do CPP; solicitando, ainda, que lhe fosse dado conhecimento do período em que se iniciava o cumprimento da pena acessória.

Por despacho proferido em 19/11/2012 na sequência do anterior requerimento do arguido (cfr. fls. 112), o tribunal de Nisa determinou a notificação do arguido para proceder à entrega da guia de substituição que foi entregue na sequência da apreensão do seu título de condução pela GNR. Esta notificação foi efectuada em 27/12/2012, tanto para o seu ilustre defensor como para o arguido, nos termos que constam a fls. 114 e 114 verso.

Respondeu o arguido em 7/01/2013, aduzindo que a guia de substituição caducou a 22/07/2012 e não foi renovada, juntando nessa altura apenas “cópia” da dita guia de substituição (cfr. termo de cota de fls. 126). Terminou, requerendo que fosse considerado que o cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir se tinha iniciado a 25/09/2012.

O Tribunal de Nisa notificou, então, a GNR (cfr. fls. 139 verso) para remeter ao processo a carta de condução apreendida e a GNR respondeu, a fls. 148, esclarecendo que a carta de condução emitida em 23/10/2006 (titulo de condução este, aliás, que face à segunda via emitida em 28/02/2010 pelo IMTT, a requerimento do arguido alegando “perda da carta” – cfr. fls. 166-, se encontrava formalmente revogada, tendo o MP entendido até requerer extracção para procedimento criminal pelo crime de falsificação de documento - fls.190) tinha sido remetida ao IMTT por ter sido, entretanto, emitida uma segunda via da mesma.

Em 16 de Setembro de 2013, o arguido foi notificado pelo tribunal de Nisa para esclarecer se em 15 de Fevereiro de 2010 requereu uma segunda via da sua carta de condução e qual o destino dessa carta (cfr. fls. 160).

Em 25 de Setembro de 2013 respondeu o arguido que em 15 de Fevereiro de 2010 tinha, efectivamente, requerido uma segunda via da sua carta de condução junto do IMTT, em virtude de ter perdido a primeira, e que quando apareceu a carta de condução, destruiu a segunda via (cfr. fls. 164).

Em 15/11/2013, com insistências em 03/12/2013 e 16/12/2013 (cfr. fls. 169, 175 verso e 175), o tribunal notificou o IMTT para remeter ao processo a carta de condução apreendida.

Conforme se extrai de fls. 176 dos autos foi remetida, a título devolutivo, em 19/12/2013 a carta de condução por parte do IMTT para o processo comum singular nº 45/10.2GBNIS, do Tribunal Judicial de Nisa.

Por requerimento remetido ao referido processo em 17 de Janeiro de 2014 (portanto, antes da prática dos factos nestes autos que ocorreram em 7/2/2014) o arguido admite que teve conhecimento da comunicação enviada para o Comandante do Posto da GNR da Lousã datada de 13/01/2014 dando conhecimento de que o arguido estava nesse momento a cumprir a pena acessória de proibição de conduzir e dizendo que, no seu entender, tal pena acessória já se encontrava cumprida (cfr. fls. 181 a 183).

Por despacho de 13/02/2014 (fls. 192), o Tribunal decidiu que o cumprimento da pena acessória se iniciara a 20/12/2013, data em que o original da carta de condução do condenado foi entregue nesses autos pelo IMTT de Coimbra, e que o seu terminus ocorreria a 20/03/2014 (cfr. fls. 192 verso). O arguido foi regularmente notificado deste despacho (cfr. fls. 193 verso) [Como é sabido as notificações ao arguido a partir do momento em que tem defensor constituído ou defensor nomeado são realizadas através do defensor, salvo no caso do artº 113º nº 10 CPP casos em que além do defensor também o arguido deve ser notificado, sendo que no caso em apreço, não se tratava de nenhuma das situações previstas no art. 113º, nº 10 do CPP].

O arguido interpôs recurso deste despacho (cfr. fls. 197 a 213), o qual foi improcedente, tendo sido confirmado o despacho recorrido pelo Acórdão da Relação de Évora (cfr. fls. 247 a 263).

Portanto, no dia 17/01/2014, quando o arguido remeteu ao processo de Nisa o requerimento supra mencionado, tinha conhecimento de que o entendimento do tribunal de Nisa era o de que nesse momento estava a decorrer o cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir.

Desta feita, não restam dúvidas que no dia 07/02/2014 o arguido sabia que de acordo com o Tribunal de Nisa não podia conduzir, uma vez que este tribunal entendia que se encontrava em cumprimento da pena acessória de conduzir.

Ademais, conjugando as explicações dadas pelo arguido ao agente da GNR e que constam no conteúdo do auto de noticia [“(…) O referido veiculo era conduzido por A... , ao ser-lhe solicitado os documentos pessoais e do veículo, referiu que não tinha em sua posse a carta de condução, a qual, segundo o mesmo se encontrava no Tribunal Judicial de Nisa onde a havia entregue para cumprimento de inibição de conduzir pelo período de 3 meses, imposto por sentença proferida no âmbito dos autos 45/10.2GBNIS, todavia, referiu que o período de inibição já havia terminado, no entanto, ainda não havia levantado a carta por não ter tido disponibilidade de se deslocar a Nisa.”] com a prova documental junta aos autos [v.g. com o facto da carta de condução não ter sido entregue pelo arguido no Tribunal de Nisa, mas sim remetida pelo IMTT, para aquele tribunal, e o ter sido apenas em 19 de Dezembro de 2013 em virtude de se ter detectado que o arguido já em 2010 tinha requerido uma segunda via da carta, e, fazer-se acompanhar da “primeira” carta revogada] e com a posição que o arguido foi assumindo nos seus inúmeros requerimentos e vicissitudes ocorridas no âmbito do PCS nº 45/10.2GBNIS, designadamente, quando pretendeu que o inicio do cumprimento da pena acessória se situasse em sucessivos momentos temporais (v.g. indicando agora em sede de contestação o inicio em 15/01/2013, quando anteriormente tinha proposto o dia 25/09/2012), e vista a premente necessidade da carta de condução para a sua actividade profissional de motorista não se mostrar minimamente congruente com a justificação dada ao agente da GNR C... , de que “ainda não havia levantado a carta por não ter tido disponibilidade de se deslocar a Nisa” (sendo que, a partir-se das suas posições (25/09/2012 e 15/01/2013, o período de proibição de 3 meses teriam terminado em 25/12/2012 e/ou 15/04/2013), ou seja, o termo de tal período de proibição teria ocorrido cerca de um a dois anos antes da operação de fiscalização que deu origem aos presentes autos, não sendo razoável que um “motorista” não tivesse tido disponibilidade para, durante tanto longo hiato temporal, e face à premência da sua necessidade e utilidade, não tivesse procedido ao respectivo levantamento).

A descrição dos factos realizada pelo agente policial C... é, assim, a mais consentânea com a postura do arguido de que naquele circunstancialismo concreto demonstrou implicitamente ter tido conhecimento que a carta tinha sido entregue no tribunal de Nisa para cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 3 meses, imposto por sentença proferida no âmbito dos autos 45/10.2GBNIS, e que a mesma, em 07/02/2014, ainda lá se encontrava apreendida.

Ademais, na nossa perspectiva, acompanhamos Costa Andrade (in Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, pág. 129, citando Kuhl) que “se o arguido exerce o seu direito ao silêncio, ele renuncia (faculdade que lhe é reconhecida), a oferecer o seu ponto de vista sobre a matéria em discussão, nessa medida vinculando o tribunal à valoração exclusiva dos demais meios de prova disponíveis no processo”. Portanto, afastando qualquer valoração negativa do silêncio, afigura-se-nos, todavia, que se do exercício do direito ao silêncio não podem resultar consequências desfavoráveis ao arguido também não pode do seu exercício retirar-se consequências probatórias favoráveis ao arguido – v.g. explicativas, justificativas ou atenuativas que exijam uma atitude proactiva do arguido (cfr. neste sentido, entre muitos outros, citam-se os Acórdãos da Relação de Coimbra 21-04-2010 (Brizida Martins), de 21-03-2012, nº417/10.2JACBR.C1 e de 29-05-2013 (BELMIRO ANDRADE).

Aqui chegados, não restam quaisquer dúvidas que é de acompanhar as conclusões consideradas no despacho de pronúncia, no sentido de que decorre da conjugação de toda a prova produzida que num raciocínio lógico-dedutivo, ancorado nas regras de experiência comum e em juízos de normalidade, o arguido agiu de modo de modo deliberado, livre e consciente, sabendo e querendo violar a proibição de conduzir veículos com motor que lhe tinha sido imposta por sentença judicial, assim faltando à obediência a ordem legitima, com base legal, emanada de autoridade competente e que lhe foi devidamente comunicada.

Quanto às condições pessoais e económicas do arguido, foram por si relatadas ou extraem-se da prova documental e documentos funcionais do Tribunal por também ter presidido à Audiência de Julgamento do PCS nº 48/15.0GBLSA.

No que diz respeito aos antecedentes criminais, o Tribunal atendeu ao teor de fls.379 a 382.

(…)”.


*

            Do erro notório na apreciação da prova

            1. Alega o recorrente – conclusões 1 a 5 – que existe erro notório na apreciação da prova, nos termos do art. 410º, nº 2 do C. Processo Penal, que se traduz em erro de julgamento da matéria de facto, nos termos do art. 412º, nº 3 do mesmo código, impondo que se dê como não provada a matéria dos pontos 3, 4 e 5 dos factos provados da sentença recorrida.

            Salvo o devido respeito, que é muito, o erro notório na apreciação da prova, enquanto vício da decisão penal, não se confunde com o erro de julgamento em que se traduz a impugnação ampla da matéria de facto, essencialmente regulada no art. 412º, nºs 3 e 4 do C. Processo Penal, pois ali existe um vício da sentença e aqui ocorre um erro de julgamento da matéria de facto. Aliás, e como resulta das próprias conclusões, invocando a existência do vício, logo o recorrente diz que ele se traduz num erro de julgamento, afastamento, ao que parece, o primeiro.

Porém, uma vez que é oficioso o conhecimento dos vícios da decisão, conforme jurisprudência fixada pelo Acórdão nº 7/95, de 19 de Outubro (DR, I-A, de 28 de Dezembro de 1995), há que se estão ou não presentes na sentença recorrida.

Tais vícios, elencados no nº 2 do art. 410º do C. Processo Penal, constituem, como é sabido, defeitos estruturais da própria sentença penal, devendo evidenciar-se apenas e só pelo texto desta, conjugado com as regras da experiência comum. Por isso, a sua demonstração não pode ser feita por elementos que não integrem a sentença, ainda que constem do processo respectivo.

Existe erro notório na apreciação da prova quando, de acordo com o texto da sentença, o tribunal a valorou contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, por ser grosseiro, ostensivo, evidente (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª, Edição, 2000, Editorial Verbo, pág. 341). Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, traduzido, basicamente, em dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Edição, 2007, Rei dos Livros, pág. 74) ou dar-se como não provado o que não pode ter deixado de ter acontecido.

Posto isto.

2. No corpo da motivação o recorrente concretiza a alegação, dizendo que não foi notificado do despacho de 13 de Janeiro de 2014 – que apenas foi comunicado ao comandante do posto da GNR da Lousã –, que apenas por despacho de 13 de Fevereiro de 2014, que rectificou a omissão apontada – após intervenção do seu Mandatário – lhe foi comunicado que a execução da pena acessória se havia iniciado em 20 de Dezembro de 2013 e que o seu termo ocorreria a 20 de Março de 2014, despacho do qual interpôs recurso que foi admitido com efeito suspensivo, pelo que, constitui erro notório na apreciação da prova dar-se como provado que actuou com consciência da ilicitude da conduta.

Tal como toda a situação de facto se encontra referida na sentença – quer nos factos provados propriamente ditos, quer na motivação de facto – resulta evidente que vários são os escolhos que se atravessaram no que deveria ter sido um ‘processado normal’, nem todos atribuíveis à acção do Tribunal de Nisa, mas ao próprio recorrente. Mas estes obstáculos, até pela natureza processual que, em parte, revestem, afastam a possibilidade de, a existir erro na apreciação da prova, ele ter a qualidade de erro notório. E como vimos, só o erro que é notório, expresso na sentença, revela no âmbito do vício.

Agora, na outra perspectiva que o vício pode revestir, não vemos, nem o recorrente a identifica, qualquer violação de critério legal de prova que tenha sido efectuada pelo tribunal a quo.

Em suma, a sentença recorrida não padece de vício de erro notório na apreciação da prova e nela também não se evidencia qualquer outro vício da decisão, previsto no nº 2 do art. 410º do C. processo Penal.


*

Da incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto

3. Alega o recorrente que foram incorrectamente considerados provados os factos levados aos pontos 3 a 5 da factualidade provada que consta da sentença recorrida, sustentando, no corpo da motivação, que a prova documental existente nos autos e mencionada na motivação de facto da sentença, impõe distinta decisão de facto, conducente à sua absolvição, pelo não preenchimento do tipo do crime por cuja prática foi condenado.

            Ainda que de forma não modelar, porque a prova especificada pelo recorrente como impondo diversa decisão da recorrida é prova documental, tem-se por observado o ónus de especificação previsto pelo nº 3 do art. 412º do C. Processo Penal.

Assim, nada obsta ao conhecimento da impugnação ampla da matéria de facto, com o objecto e limites que o recorrente lhe fixou.

Vejamos então se lhe assiste ou não razão, considerando que o recorrente impugnou os pontos 3 a 5 dos factos provados que têm a seguinte redacção:

            - [3] A respectiva carta de condução foi remetida para aquele tribunal pelo IMT na indicada data inicial, tendo sido proferido despacho judicial a 13 de Janeiro de 2014 a determinar que o período de inibição fixado tinha o seu termo a 20/3/2014, despacho este que, pelo menos a 17 de Janeiro desse ano foi do conhecimento do arguido;

            - [4] O arguido agiu de modo livre voluntário e consciente, sabendo e querendo violar a proibição de conduzir veículos com motor que lhe tinha sido imposta por sentença criminal, assim faltando à obediência a ordem legítima, com base legal emanada de autoridade competente, e que lhe fora devidamente notificada;

            - [5] O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei como ilícito criminal.

            3.1. A questão de facto suscitada pelo ponto 3 dos factos provados exige um mais vasto enquadramento.

            A este facto pretende o recorrente que seja dada a seguinte redacção:

            - A respectiva carta de condução foi remetida para aquele tribunal pelo IMT na indicada data inicial, tendo sido proferido despacho judicial a 13 de Janeiro de 2014 a determinar que o período de inibição fixado tinha o seu termo a 20/03/2014, despacho este que apenas foi remetido para GNR da Lousa e de que o Mandatário do arguido por mera consulta dos autos veio a ter conhecimento e que por intermédio de requerimento veio apontar da irregularidade/nulidade dessa actuação pedindo que o mesmo fosse dado sem efeito face à ausência das referidas notificações, o que leva a considerar que o arguido ficou convencido disso mesmo.

            i) Tal como consta do ponto 2 dos factos provados, por sentença transitada em julgado em 11 de Outubro de 2012, proferida no processo comum singular nº 45/10.2GBNIS do [já extinto] Tribunal Judicial da comarca de Nisa, foi o arguido condenado, além de outros, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em pena de multa e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, pelo período de três meses. 

           

No Dispositivo da sentença foi determinado, além do mais, o seguinte:

- Para cumprimento da proibição de condução de veículos com motor, determino que o arguido apresente a sua carta de condução na secretaria deste tribunal, no prazo de dez dias, após trânsito, atento o disposto nos artigos 69º, nº 3 do Código Penal e 500º, nº 2 do Código de Processo Penal, sob pena de não o fazendo, incorrer na prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348º, nº 1, b) do Código Penal.

E resulta da certidão de fls. 85 a 237 que:

- A dita sentença foi proferida, crê-se que oralmente, em 12 de Abril de 2012, e foi depositada a 6 de Setembro de 2012, daí que a data do respectivo trânsito seja a de 11 de Outubro de 2012;

- Por requerimento entrado no Tribunal Judicial da comarca de Nisa em 25 de Setembro de 2012 – muito provavelmente, no seguimento de notificação feita, informando o trânsito da sentença – veio o arguido dizer não poder proceder à ordenada entrega do título de condução, por ter o mesmo sido apreendido pela GNR de Nisa e ficado, depois, apreendido no Governo Civil de Portalegre, no seguimento do auto de contra-ordenação levantado em 28 de Dezembro de 2010, data dos factos objecto da acusação proferida no processo comum singular nº 45/10.2GBNIS, e requerer a notificação daquele Governo Civil para proceder à junção do título de condução aos autos e a pronúncia do tribunal sobre a contagem do prazo de execução da pena acessória, já que a não entrega não lhe era imputável;

- Por despacho de 23 de Dezembro de 2012 foi ordenada a notificação do arguido para proceder à entrega da guia de substituição que lhe terá sido entregue na sequência da apreensão do título de condução, e foi ordenada a notificação do Governo Civil de Portalegre a que título e até que data estaria o titulo de condução apreendido;

- Por requerimento entrado no Tribunal Judicial da comarca de Nisa em 4 de Janeiro de 2013, veio o arguido dizer que a guia de substituição, com validade até 22 de Julho de 2012, não foi renovada e requerer, atenta a data da prática da contra-ordenação rodoviária que determinou a apreensão do título de condução – 28 de Dezembro de 2010 – e a consequente prescrição do respectivo procedimento, ocorrida em 28 de Dezembro de 2012, a notificação do Governo Civil de Portalegre para remeter aos autos o título de condução e que o prazo da pena acessória fosse contado desde 25 de Setembro de 2012;

- Em 10 de Janeiro de 2013 a Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna devolveu a documentação enviada ao Governo Civil de Portalegre informando – como seria expectável – que os Governos Civis se encontravam já extintos;

- Por ofício de 10 de Janeiro de 2013 foi solicitado ao Destacamento de Trânsito da GNR de Portalegre informação sobre se o título de condução do arguido aí se encontrava apreendido e, em caso afirmativo, até quando;

- Em 15 de Janeiro de 2013, o Comandante do Destacamento de Trânsito da GNR de Portalegre informou que a carta de condução se encontrava apreendida desde 28 de Dezembro de 2010, por falta de pagamento imediato dos autos de contra-ordenação [desobediência ao sinal de paragem da autoridade], tendo sido passada guia de substituição com validade até 28 de Junho de 2011, e porque o processo em questão já se encontrava arquivado, solicitava informação sobre a possibilidade de devolução do título ao arguido;

- Por despacho de 31 de Julho de 2013 foi determinado que a GNR procedesse à remessa do título de condução para os autos;

- Em 16 de Agosto de 2013, o Comandante do Destacamento de Trânsito da GNR de Portalegre informou que a carta de condução havia sido remetida em 7 de Agosto de 2013 ao IMT, Direcção Regional de Mobilidade e Transportes do Centro, por constar da base de dados que havia sido emitida uma segunda via da mesma em 15 de Fevereiro de 2010, e informou ainda, além do mais, que a guia se substituição não havia sido renovada;

- Por despacho de 12 de Setembro de 2013, foi determinada a notificação da Direcção Regional de Mobilidade e Transportes do Centro para remeter cópia do requerimento da segunda via da carta de condução e a notificação do arguido se havia requerido segunda via da carta de condução e que destino teve essa segunda via;

- Em 25 de Setembro de 2013 o arguido informou que, tendo perdido a carta de condução a 13 ou 14 de Fevereiro de 2010, dada a sua qualidade de gerente de empresa de transportes de mercadorias, requereu a segunda via a 15 de Fevereiro de 2010, e como pouco tempo depois, a carta original foi encontrada e lhe foi entregue, mal aconselhado, procedeu à destruição da segunda via, e passou a usar o título original na condução;

- Em 8 de Outubro de 2013 o IMT juntou cópia do requerimento da segunda via da carta de condução, do qual consta como causa declarada do extravio, «Perdi a carta»; 

- Por despacho de 14 de Outubro de 2013 foi ordenado à Direcção Regional de Mobilidade e Transportes do Centro que procedesse à remessa para os autos da carta de condução do arguido;

- Em 15 de Novembro de 2013, como nada tivesse sido remetido, o Tribunal Judicial da comarca de Nisa insistiu pelo determinado;

- Em 27 de Novembro de 2013 a Direcção Regional de Mobilidade e Transportes do Centro informa que se encontra arquivada nos serviços a carta de condução original, enviada pela GNR de Portalegre em 7 de Agosto de 2013 e que a segunda via deve estar na posse do condutor, e solicita informação sobre se foi extraída certidão para procedimento criminal por falsificação de documento;   

- Por despacho de 2 de Dezembro de 2012 é mais uma vez determinado que a Direcção Regional de Mobilidade e Transportes do Centro proceda à remessa da carta de condução a fim de o arguido cumprir a pena acessória;

- Em 9 de Dezembro de 2013 a Direcção Regional de Mobilidade e Transportes do Centro, em vez de cumprir o já várias vezes determinado, volta a informar que a carta de condução originária não é o último título emitido ao arguido, tendo este na sua posse a segunda via da carta emitida em 15 de Fevereiro de 2010;

- Depois de mais uma insistência efectuada em 16 de Dezembro de 2013, em 23 de Dezembro de 2013, a Direcção Regional de Mobilidade e Transportes do Centro remeteu a carta de condução original, informando que a mesma se encontrava revogada desde 15 de Fevereiro de 2010, dada a emissão do duplicado, tendo por essa razão sido obliterada ou seja, inutilizada, pelos serviços [registo da carta em 20 de Dezembro de 2013];

- Em 9 de Janeiro de 2014 a Digna Magistrada do Ministério Público promoveu que os autos aguardassem o cumprimento da pena acessória;

- Por despacho de 13 de Janeiro de 2014 foi determinado que os autos aguardassem nos termos promovidos, tendo em conta que o termo da pena ocorreria em 20 de Março de 2014;

- Por ofício de 13 de Janeiro de 2014, o Tribunal Judicial da comarca de Nisa, em cumprimento do determinado na sentença condenatória, informou o Comandante do posto da GNR da Lousã que, relativamente ao cumprimento da pena acessória, a carta de condução do arguido havia sido remetida pelo IMT em 20 de Dezembro de 2013, encontrando-se a decorrer o período de proibição;

- Em 17 de Janeiro de 2014 o arguido, por intermédio do seu Ilustre Mandatário [como, aliás, sucedeu, em todas as suas anteriores intervenções] veio dizer que este, por «mero acaso», tomou conhecimento da comunicação do Tribunal para o Comandante do posto da GNR da Lousã, de 13 de Janeiro de 2014, segundo a qual, se encontrava a decorrer o período de proibição de conduzir, comunicação que não lhe [ao arguido] foi feita e que significa que o tribunal lhe impunha um segundo período de cumprimento da pena acessória quando já a tinha cumprido pois que, invocando as disposições conjugadas dos arts. 69º, nºs 2 a 4 do C. Penal e 500º do C. Processo Penal e citando acórdão desta Relação, de 29 de Junho de 2011, estando a carta apreendida à ordem dos autos de contra-ordenação já arquivados na data do trânsito da sentença, a execução da pena acessória iniciou-se com o conhecimento pelo tribunal da referida apreensão, e, em consequência, requereu a rectificação da decisão, ainda não comunicada ao requerente, no que respeita ao início da execução da pena;

- Por despacho de 27 de Janeiro de 2014 foi ordenada a notificação ao requerente da informação remetida em 23 de Dezembro de 2013, pela Direcção Regional de Mobilidade e Transportes do Centro [remessa da carta de condução original com informação da sua revogação a partir de 15 de Fevereiro de 2010, devido à emissão do duplicado e consequente obliteração do título];

- Em 3 de Fevereiro de 2014 o arguido, por intermédio do seu Ilustre Mandatário, manteve o requerimento de 17 de Janeiro de 2014;

- Em 13 de Fevereiro de 2014 o Comandante do posto da GNR da Lousã solicitou ao tribunal informação sobre a data do início da execução da pena acessória, por ter o arguido sido fiscalizado no exercício da condução em 7 de Fevereiro de 2014, tendo dito já ter cumprido a pena;

- Por despacho de 13 de Fevereiro de 2014 foi decidido, além do mais, que «dúvidas não restam que a pena acessória de proibição de conduzir só se executa a partir do momento em que o condenado entrega o título de condução ou o mesmo lhe é apreendido (vide Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15/01/2014, Processo nº 533/12.6TAPBL.C1, Relator Luís Ramos, disponível no sítio da dgsi). Ora, no caso sub judice o original da carta de condução do condenado foi remetido a estes autos pelo IMT de Coimbra a 20/12/2013 (cfr. fls. 251-verso), pelo que o terminus do cumprimento da pena acessória de proibição de veículos com motor ocorrerá a 20/03/2014. Notifique.»

            - O arguido interpôs recurso deste despacho para o Tribunal da Relação de Évora, o qual foi admitido, com efeito suspensivo;

            - Por acórdão de 3 de Junho de 2014, a Relação de Évora [com voto de vencido] considerando que o efeito jurídico pretendido pelo recorrente através do recurso era apenas e só a determinação «do momento em que se deve ter o período da proibição como iniciado, e não saber se ele se iniciou ou não», entendeu, «ficcionando-se como válido o título apreendido», considerar regular a contagem efectuada a partir da apreensão do mesmo à ordem dos autos e, em consequência, com a improcedência do recurso, manteve o despacho recorrido.

            A situação descrita é, no mínimo, anómala mas, seguramente, excepção e não a regra, nos procedimentos determinantes do cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor. Em todo o caso, não são as vicissitudes do processado que estão em causa no presente recurso, mas a sua influência do preenchimento ou não do tipo de crime pelo qual dói o arguido condenado nos autos.

            Dito isto.

            ii) Dispõe o nº 2 do art. 69º C. Penal que, a proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria. E dispõe o nº 3 do mesmo artigo que, no prazo de 10 dias a contar do trânsito da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que remete àquela, o título de condução, se o mesmo não se encontrar já apreendido no processo.

A questão de saber quando se inicia o cumprimento da pena acessória não é nova e não unanimidade de opiniões, como é sabido.

A posição minoritária vai no sentido de que a referência ao trânsito em julgado, feita no nº 2, significa que é a partir dele que a pena acessória se torna eficaz, estando o condenado proibido, a partir de então, da prática da condução de veículo com motor, constituindo o dever de entrega o título no prazo de 10 dias após o trânsito, referido no nº 3, uma mera obrigação acessória, que visa assegurar o cumprimento da proibição (cfr. António João Latas, sub judice, nº 17, Janeiro/Março de 2000, pág. 95 e ss., aliás, subscritor do voto de vencido constante do supra referido acórdão da Relação de Évora, e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, pág. 1278 e ss.).

Para outros, posição que é maioritária na jurisprudência das relações, o cumprimento da pena acessória só se pode considerar iniciado a partir da efectiva entrega ou apreensão do título habilitante da condução, entendendo a referência feita ao trânsito em julgado no citado nº 2 com o significado de exequibilidade da sentença, coisa distinta da sua execução propriamente dita (cfr., entre outros, Acs. da R. de Coimbra de 21 de Janeiro de 2015, proc. nº 42/13.6GCFND.C1, de 19 de Junho de 2013, proc. nº 64/13.7GAILH.C1, de 2 de Novembro de 2011, proc nº 89/10.4GTCTB e de 5 de Dezembro de 2007, proc. nº 178/06.0GTCBR.C1, da R. de Lisboa de 10 de Setembro de 2009, proc. nº 334/07.3PCPDL-AL1-9 e de 24 de Janeiro de 2007, proc. nº 9999/2006-3, da R. do Porto de 16 de Dezembro de 2015, proc. nº 492/09.2PASTS.P1, de 18 de Dezembro de 2013, proc. nº 600/12.6PFPRT.P1, de 17 de Outubro de 2012, proc. nº 55/10.0PAESP.P1 e de 2 de Fevereiro de 2011, proc. nº 136/10.0GCOVR.P1 e da R. de Évora de 30 de Junho de 2015, proc. nº 322/11.5GABNV-A.E1 e de 11 de Março de 2010, proc. nº 97/08.5PTEVR.E1). E no mesmo sentido, alterando a posição inicialmente defendida, se pronunciou Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código de Processo Penal, 4ª edição actualizada, 2011, Universidade Católica Editora, pág. 1258).

Temos para nós que a posição que melhor se harmoniza com o espírito da lei e unidade do sistema adequa é a de que o cumprimento da pena acessória, em regra, só se inicia com a entrega voluntária do título habilitante ou com a sua apreensão forçada portanto, a posição maioritária.

A ressalva feita fica a dever-se à constatação de que situações existem que, pela sua peculiaridade, fogem ao âmbito de aplicação da, digamos assim, ‘regra geral’.

Desde logo, a situação, bem frequente, de o condenado não ser possuidor de habilitação legal, v.g., porque nunca se submeteu ao respectivo exame ou, tendo-o feito, nele não logrou aprovação. Sabido que é que, numa tal situação, se encontrado a conduzir um veículo automóvel sob o efeito de álcool, a respectiva condenação será, também, em pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor (cfr. art. 69º, nº 1, a) do C. Penal), nenhum sentido fará que a proibição de conduzir não se torne exequível logo a partir da data do trânsito da sentença. E o mesmo se diga nas situações em que o título habilitante se encontra já apreendido à ordem do processo onde foi proferida a sentença que decretou a pena acessória a executar, como, aliás, parece pressupor, a parte final do nº 3 do art. 69º do C. Penal.

Aqui chegados.

iii) Como vimos, o arguido não procedeu à entrega da carta de condução.

Não entregou a carta original porque a mesma lhe havia sido apreendida pela GNR, em 28 de Dezembro de 2010. Não entregou a guia de substituição que na mesma data lhe foi emitida, com validade até 28 de Junho de 2011 e que não foi renovada, precisamente porque, com a expiração do prazo, perdeu validade. E também não entregou a segunda via da carta de condução que havia sido por si requerida e emitida em 15 de Fevereiro de 2010, com a justificação de que, tendo aparecido a carta original, destruiu a segunda via, mal aconselhado que foi. Ora, que em determinada altura, o arguido era possuidor da carta original e da segunda via da mesma não restam dúvidas, uma vez que o título original lhe foi apreendido, como referido, em data posterior à da emissão da segunda via.

O que é irrefutável é que o título de condução apreendido no processo comum singular nº 45/10.2GBNIS não tem validade, enquanto tal, por ter sido emitida a segunda via do mesmo. Por isso, como se alertava já no acórdão da Relação de Évora de 3 de Junho de 2014, ali proferido, em bom rigor, não foi feita apreensão relevante para efeitos de contagem da execução da pena acessória, uma vez que se encontra apreendido título revogado e por isso, inválido e objectivamente inutilizado [de tal forma, que não é viável a sua devolução ao arguido]. 

Ora, se não existe título de condução válido apreendido, não se vê como possa ter-se iniciado o período de execução da pena acessória, que pressupõe a apreensão à ordem dos autos de título válido.

iv) Ainda que assim não fosse, outro obstáculo se revela insuperável.

Depois de várias insistências do Tribunal Judicial da comarca de Nisa junto da Direcção Regional de Mobilidade e Transportes do Centro esta entidade remeteu, finalmente, por correio registado de 20 de Dezembro de 2013, a carta de condução original [informando, simultaneamente, que a mesma se encontrava revogada desde 15 de Fevereiro de 2010, dada a emissão do duplicado, tendo por isso sido inutilizada], que deu entrada em juízo a 23 do mesmo mês.   

Em vez de notificar o arguido e o seu Ilustre Mandatário, da colocação do título à ordem dos autos e da data em que considerava iniciar-se a execução da pena acessória, o Tribunal de Nisa limitou-se a determinar que os autos aguardassem o cumprimento daquela, considerando-se para tal efeito, como termo, o dia 20 de Março de 2014. Ora, não tendo sido notificado pelo Tribunal de Nisa, ao menos, sobre a data em que o tribunal entendia ter-se dado a apreensão do título à ordem do processo, não podia o arguido ‘adivinhar’ ter sido entendido que a execução da pena se iniciou a 20 de Março de 2014.  

É verdade que o requerimento de 17 de Janeiro de 2014, subscrito pelo seu Ilustre Mandatário, o subscritor diz ter tomado, por mero acaso, conhecimento da comunicação feita pelo Tribunal de Nisa ao Comandante do posto da GNR da Lousã em 13 de Janeiro de 2014, de que se encontrava a decorrer o período de proibição de conduzir, o que legitima a conclusão de que o arguido, nessa data, teria conhecimento do entendimento perfilhado pelo tribunal. Mas uma coisa, é o simples conhecimento ocasional, que não permite ter-se por certo, para efeitos processuais, o respectivo objecto [o que, exactamente, é conhecido ou não é] e outra coisa, completamente diferente, é o conhecimento oficial, obtido através da competente notificação. Na verdade, tal como foi comunicada ao Comandante do posto da GNR da Lousã a data do início da execução da pena, também o arguido e seu Ilustre Mandatário dela deveriam ter sido notificados, e não foram. A circunstância de o arguido ter tido, por outras vias, conhecimento do entendimento do Tribunal não altera os dados do problema, tanto mais que, no referido requerimento, não só é apontada esta omissão, como o requerente solicitou a rectificação do decidido quanto ao início da execução da pena.

Acresce que, nem perante o requerimento de 17 de Janeiro de 2014, que expressamente referia a omitida notificação, o Tribunal de Nisa entendeu dever supri-la, determinando a sua realização, e só através da notificação do despacho de 13 de Fevereiro de 2014, feita ao seu Ilustre Mandatário em 19 de Fevereiro de 2014, do qual, aliás, interpôs recurso, se tornou o arguido regular e relevantemente conhecedor do entendimento do tribunal de que a pena acessória a que havia sido condenado se encontrava em execução desde 20 de Dezembro de 2013. Porém, nesta data, já o arguido havia sido fiscalizado no exercício da condução, mais precisamente, em 7 de Fevereiro de 2014, fiscalização que deu origem aos presentes autos e à condenação imposta na sentença em crise.

Tudo isto para agora concluir que, porque apenas em 19 de Fevereiro de 2014 foi o arguido notificado de que a execução da pena acessória se havia iniciado em 20 de Dezembro de 2013, só na data da notificação se pode considerar eficazmente iniciada, relativamente ao condenado, aquela execução.

Assim, o ponto 3 dos factos provados passa a ter a seguinte redacção:

- A carta de condução original foi remetida para aquele tribunal pelo IMT, por correio registado de 20 de Dezembro de 2013, com a informação de que o título se encontrava revogado desde 15 de Fevereiro de 2010 e por isso tinha sido obliterado pelos serviços, tendo sido proferido despacho judicial a 13 de Janeiro de 2014 a determinar que o período de proibição de condução fixado, iniciado a 20 de Dezembro de 2013, tinha o seu termo a 20/3/2014, despacho este que não foi notificado nem ao arguido nem ao seu Ilustre Mandatário, e que veio ao conhecimento de ambos, de forma não apurada, em 17 de Janeiro de 2014.

E é aditado o ponto 3-A aos factos provados, com a seguinte redacção:

- Por requerimento de 17 de Janeiro de 2014, subscrito pelo Mandatário do arguido, acusando a falta de notificação da decisão que fixou o início da execução da pena acessória, foi requerido, a final, que se desse sem efeito a comunicação feita ao posto da GNR da Lousã e se rectificasse a data, reportando-a ao momento em que o tribunal teve conhecimento da apreensão do título à ordem de processo arquivado.

3.2. Os pontos 4 e 5 dos factos provados referem-se ao dolo, ao elemento subjectivo do tipo imputado.

Enquanto facto subjectivo, facto interior da vida do agente, o dolo não é directamente apreensível por terceiro, o que significa que a sua evidenciação probatória não pode ser feita por prova por declarações, excepção feita, como é óbvio, à confissão. Assim, a prova do dolo é feita, em regra, por inferência, ela terá que resultar da conjugação da prova de factos objectivos – em especial, dos que integram o tipo objectivo de ilícito – com as regras de normalidade e da experiência comum.

O conhecimento e vontade do arguido em violar a proibição de conduzir veículos com motor, que lhe tinha sido imposta por sentença criminal, assim faltando à obediência a ordem legítima, com base legal emanada de autoridade competente, e que lhe fora devidamente notificada, ciente da censurabilidade penal da conduta, dependia desde logo, da eficaz notificação da ‘ordem’ o que, como vimos, não ocorreu. Por outro lado, não se mostra apreendido à ordem do processo comum singular nº 45/10.2GBNIS título de condução válido.

Assim, não pode ter o arguido, ao conduzir um veículo automóvel no dia 7 de Fevereiro de 2014, querido violar uma proibição imposta por sentença penal, pela simples e decisiva razão de que tal proibição, ainda não se tornara exequível em relação a si.

Assim, o ponto 4 dos factos provados passa a ter a seguinte redacção:

- O arguido, no acto de condução referido no ponto 1, agiu de modo livre voluntário e consciente.

É aditado aos factos não provados o seguinte facto:

- No acto de condução referido em 1 dos factos provado o arguido quis violar a proibição de conduzir veículos com motor que lhe tinha sido imposta por sentença criminal, assim faltando à obediência a ordem legítima, com base legal emanada de autoridade competente, e que lhe fora devidamente notificada.

E o ponto 5 dos factos provado passa a facto não provado, com a mesma redacção.

4. Na decorrência da modificação da decisão proferida sobre a matéria de facto operada nos termos sobreditos, impõe-se agora, sob pena de contradição insanável da fundamentação, superveniente, a modificação do ponto 1 dos factos provados, dele sendo eliminado o seu segmento final, aliás, meramente conclusivo.

Assim, o ponto 1 dos factos provados passa a ter a seguinte redacção:

- No dia 7 de Fevereiro de 2014, pelas 16:48 horas, o arguido conduzia o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula (...) DO na Rotunda do Freixo, Lousã sem estar munido com a respectiva carta de condução, com o n.º C- (...).

E o ponto 2 dos factos provados passa a ter a seguinte redacção:

- Com efeito, o arguido havia sido condenado por sentença transitada em julgado a 11/10/2012, no âmbito do processo comum singular nº 45/10.2GBNIS do (extinto) Tribunal Judicial da Comarca de Nisa, além do mais, numa pena de 60 dias de multa à taxa diária de € 6,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 3 meses, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelos arts. 292º, n.º 1 e 69º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal.


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            Da falta de consciência da ilicitude e consequente absolvição

            4. Como se disse, o arguido foi condenado pela prática de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, p. e p. pelo art. 353º do C. Penal.

            Trata-se de um crime específico e de mera actividade que tutela a autoridade pública do sistema de justiça (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 3ª edição actualizada, 2015, Universidade Católica Editora, pág. 1116) e tem como elementos constitutivos do respectivo tipo, na parte em que agora releva:

            [Tipo objectivo]

            - Que o agente viole proibição determinada por sentença criminal, a título de pena acessória;

            [Tipo subjectivo]

            - O dolo, o conhecimento e vontade de praticar o facto, com consciência da sua censurabilidade, bastando o dolo eventual.

            Considerando a matéria de facto definitivamente fixada, pela via do presente recurso, temos que a apurada conduta do arguido não preenche o tipo, objectivo e subjectivo, do crime em análise.

Impõe-se, portanto, a sua absolvição.


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            III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso. Em consequência, decidem:

A) Revogar a sentença recorrida.

B) Absolver o arguido A... da prática de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, p. e p. pelo art. 353º do C. Penal.


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Recurso sem tributação, atenta a sua procedência (art. 513º, nº 1 do C. Processo Penal).

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Coimbra, 13 de Julho de 2016


(Heitor Vasques Osório – relator)


(Fernando Chaves – adjunto)