Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
750/15.7T9LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: CONTRAORDENAÇÃO
REINCIDÊNCIA
Data do Acordão: 03/02/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (SECÇÃO CRIMINAL DA INSTÂNCIA LOCAL DE LEIRIA – J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CONTRAORDENACIONAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 143.º DO CÓDIGO DA ESTRADA; ART. 32.º DO DL 433/82, DE 27-10; ART. 75.º DO CP
Sumário: I - Encontrando-se estabelecido no art. 143.º do Código da Estrada um regime de reincidência especificamente previsto para as contra-ordenações estradais, nenhuma lacuna se vislumbra que autorize a aplicação subsidiária do art. 75.º do Código Penal, com base no disposto no art. 32.º do Decreto-Lei n.º 433/82.

II - Com efeito, da análise daquela norma do CE, resulta claramente a ideia de o legislador ter pretendido estabelecer um regime especial de reincidência para o âmbito das contra-ordenações estradais, em termos de, ao nível dos pressupostos, apenas relevar a natureza das infracções praticadas (graves ou muito graves), e já não a forma específica de preenchimento do respectivo tipo-subjectivo (se dolosas ou negligentes) e bem assim a efectividade da execução da sanção.

Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. Por decisão de 2-10-2013da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária foi a arguida A... , portador do BI n.º (...) e do título de condução n.º (...) , residente na Rua (...) Lisboa, condenada pela prática de uma contraordenação p. e p. prevista no art.ºs27º, n.º 1 , n.º 2 , alínea a) , 3º e 146º , do Código da Estrada,  na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 120 dias.

2. Inconformada, a arguido impugnou judicialmente a decisão, concluindo nos termos constantes de fls. 20 a 24, pugnando, então, pela declaração de nulidade da decisão administrativa por falta de fundamentação por não identificar devidamente qual a infracção praticada pela arguida que deu origem à reincidência, e por considerar relevante para esse efeito uma sanção acessória suspensa na sua execução ( extinta),e pugna ainda pela aplicação da atenuação especial da sanção acessória.

3. Recebido o recurso, que correu termos sob o n.º 750/15.7T9LRA pela Comarca de Leiria – Inst. Local – Secção Criminal – J2, perante o assentimento manifestado pela arguida e Ministério Público no sentido de o mesmo ser conhecido mediante despacho, em 12-06-2015 foi proferida a decisão de fls. 45 a 53, a qual julgou totalmente improcedente o recurso, mantendo a decisão administrativa.

4. Uma vez mais inconformada recorreu a arguida, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:

I - A decisão administrativa proferida pela ANSR é nula.

II- Ao não considerar nula a decisão administrativa proferida pela ANSR, o Tribunal “a quo” violou o disposto no art° 58°, n° 1, al. a), do RGCO e, ainda, o disposto no art° 379°, n° 1, al. a) do CPP, aplicável subsidiariamente ao direito contra-ordenacional, dada a inexistência de norma especial, quer no RGCO, quer no Código da Estrada.

III- A decisão administrativa enferma do vício de “falta de fundamentação” ou, pelo menos, de “fundamentação insuficiente”, por não identificar devidamente qual foi a infracção anteriormente praticada pela arguida, que deu origem à alegada reincidência, o que a toma nula e de nenhum efeito.

IV- Não basta a indicação do n° do auto de contra-ordenação anterior, sendo necessário que a decisão administrativa condenatória identifique essa infracção anterior, quais os factos em que a mesma se traduziu, qual a data da ocorrência e se a mesma transitou, ou não, em julgado, e em que data, fundamentando-se, então, a decisão de considerar a arguida reincidente e de elevar para o dobro a sanção acessória aplicada.

V- O Tribunal “a quo” não aplicou bem o direito, ao considerar relevante, para efeitos de reincidência, uma sanção acessória suspensa na sua execução, depois de decorrido o período de suspensão sem que tenha havido lugar à sua revogação, o que equivale a uma sanção extinta. O Tribunal “a quo” violou, assim, o disposto no art° 75°, n° 4, do CP, aplicável subsidiariamente ao processo contra-ordenacional.

VI- O vício da decisão administrativa constitui, também, um dos fundamentos do presente recurso.

VII- Constituem, ainda, fundamentos do recurso, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e o erro notório na apreciação da prova(art° 410°, n° 2, al. a) e c) do CPP).

VIII- Deve, assim, a sentença recorrida ser alterada, nos termos supra expostos, ou, em alternativa, ser a mesma anulada e remetida ao Tribunal recorrido, com todas as legais consequências (art° 75°, n° 2, al. a) e b) do RGCO).

Concedendo-se provimento ao presente recurso, far-se-á a habitual JUSTIÇA.

Pede Deferimento.

Fazendo-se assim a habitual e necessária Justiça.”

5. Por despacho exarado a 7-09-2015 foi o recurso admitido, fixado o respetivo regime de subida e efeito.

6. O Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo:

“(…)
I- Da Nulidade da Decisão da Autoridade Administrativa

A recorrente vem alegar que a decisão da ANSR é nula, sendo que, em nosso entender, não concretizou devidamente os factos pelos quais entende que tal decisão padece de tal vício.

O artigo 58° do RGCO esclarece quais os requisitos a que deve obedecer a decisão condenatória da autoridade administrativa.

Ora, da leitura de tal decisão (fls.9 a 10), resulta claramente que a mesma preenche os requisitos plasmados em tal artigo.

Assim, a decisão da autoridade administrativa fundou-se, entre outros, no auto de notícia elaborado, o qual, desde logo, contém a factualidade suficiente que permite a imputação da contra-ordenação em causa.

Acresce que, na decisão da autoridade administrativa é feita alusão à factualidade referente ao tipo subjectivo do ilícito, constando de tal decisão que a arguida actuou a título de negligência, por ter revelado “desatenção e irreflectida inobservância das normas de direito rodoviário”.

Mais decorre do teor da decisão administrativa, que a recorrente agiu deliberada, livre e conscientemente e que sabia que estava a praticar um ilícito contra-ordenacional.

Por outro lado, cumpre frisar que não se mostra estabelecido na norma do artigo 58° do RGCO, bem como em qualquer outra norma quais as consequências da inobservância dos requisitos previstos em tal artigo.

Neste caso, não tem aqui aplicação o disposto no artigo 379° do Código de Processo Penal, contrariamente ao alegado, uma vez que se o arguido interpuser recurso da decisão condenatória, esta converter-se-á em acusação, nos termos do artigo 62°, n° 1 (neste sentido acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 17.3.1999, Rec.°, n° 11/99, www.trc.pt,in " Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, Sérgio Passos, Editora Almedina, Junho 2004, página 385.
E no mesmo sentido " Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, anotado, 7a edição, António Beça Pereira, Editora Almedina, Julho 207,página 116").

Também não se deve recorrer ao disposto no artigo 283°, n° 3 do Código de Processo Penal, visto que se não for interposto recurso da decisão condenatória, esta não chega a assumir a natureza de acusação.

Acresce que, o artigo 118°, n° 1 do Código de Processo Penal estabelece o princípio que só são nulidades as que estejam expressamente previstas, pelo que a inobservância dos requisitos do artigo 58° do RGCO conduzirá a uma mera irregularidade, nos termos do artigo 123° do Código de Processo Penal (neste sentido Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, anotado, 7a edição, António Beca Pereira, Editora Almedina, Julho 207,página 116).

Em suma, concluímos que não se verifica qualquer nulidade da decisão da autoridade administrativa, por omissão de factos.
II- Da falta de fundamentação da decisão administrativa

Nesta matéria, alega a recorrente que a decisão administrativa enferma do vício de " falta de fundamentação", por não identificar devidamente qual a infracção praticada pela arguida, que deu origem à alegada reincidência, uma vez que não basta a mera indicação do número do auto de contra-ordenação anterior.

Ora, do teor da decisão administrativa decorre que a arguida foi considerada como reincidente (em virtude de ter praticado uma infracção grave nos últimos cincos anos que procederam a tomada de decisão) e é feita uma menção ao auto respectivo (cfr. fls. 9, parte final) e, sem necessidade de mais delongas, entendemos que tal é suficiente para justificar a punição da recorrente como reincidente, tanto mais que o dever de fundamentação da decisão administrativa obedece a regras de celeridade e simplicidade que assumem uma dimensão muito menor daquela que é exigida numa sentença judicial.
III- Da violação do artigo 75°, n° 4 do Código Penal

Conforme alega a recorrente, o tribunal a quo não aplicou bem o direito, ao considerar relevante para efeitos de reincidência uma sanção acessória suspensa na execução.

Entendemos que não assiste razão à recorrente, sendo que remetemos, nesta parte, para os fundamentos aduzidos na sentença proferida.
EM SÍNTESE E EM CONCLUSÃO

A sentença subjudice não violou qualquer disposição legal, pelo que deve ser mantida na íntegra.

V. Exas farão a acostumada JUSTIÇA!”.

*

7. Remetidos os autos à Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer pronunciando-se no sentido da confirmação da decisão recorrida.

8. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, a recorrente não respondeu.

9. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram ou autos à conferência.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões, sem prejuízo das questões que importe conhecer oficiosamente ainda que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.

No caso em apreço, cumpre decidir se:

- a decisão administrativa é nula por falta de fundamentação por omissão da completa descrição da infracção anteriormente praticada, pressuposto da reincidência;

- e por considerar relevante a contra-ordenação anteriormente praticada pela arguida, em 23/04/2001, cuja sanção acessória ficou suspensa na sua execução;

- deveria a sanção acessória, aplicada à arguida/recorrente, ter sido especialmente atenuada.

2. A decisão recorrida

Ficou a constar do despacho recorrido [transcrição parcial]:

Nulidade por falta de fundamentação da decisão administrativa.

Refere a recorrente que a decisão é nula por falta de fundamentação de facto e de direito em relação à mesma, e com especial destaque para a falta de factos que levam a considerar a arguida como reincidente.

Consta da decisão administrativa que a arguida no dia 2013-03-24, pelas 15h 54 no local A1, no Km 134, sentido Norte /Sul, Boa Vista na área da comarca de Leiria , conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matricula (...) MR e circulava, pelo menos à velocidade de 185 km/h, correspondendo à velocidade de 195 km/h deduzido o valor de erro máximo admissível, sendo a velocidade máxima permitida de 120 km/h ;

A arguida ao actuar do modo descrito actuou de modo irreflectido e desatento;

A arguida tem averbado no seu registo de condutor uma contraordenação grave , conforme auto de contra-ordenação n.º 907090095 , praticada e sancionada nos últimos cinco anos , o que torna a arguida reincidente, nos termos do artº 143º do Código da Estrada implicando que o limite mínimo da sanção acessória aplicável seja elevada para o dobro.

Em sede de fundamentação das decisões administrativas cumpre referir que o cumprimento de tal dever de fundamentação uma vez que é proferida no domínio de uma fase administrativa sujeita às características de celeridade e simplicidade, deve assumir uma dimensão menos intensa em relação a uma sentença. O que é essencial para o arguido são as razões de facto e de direito que levaram à sua condenação possibilitando um juízo de oportunidade sobre a conveniência da impugnação judicial e já em sede desta ao tribunal conhecer o processo lógico da formação da decisão administrativa – cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 4-6-2003, Col. Jurisp., 2003, Tomo III, p. 40.

Em todo o caso mesmo na fundamentação da sentença, na situação vertente na decisão administrativa imputa-se à arguida uma conduta inscrita nas circunstâncias de tempo, espaço e modo, e que integra os elementos objectivos e subjectivos da contraordenação em causa, que seja a de efectuar uma condução descuidada por circular em velocidade excessiva. Já em relação aos factos que a levam a considerar como reincidente, embora não se descreva a concreta infracção para além da mesma ser qualificada como grave.

No caso, acresce que a fundamentação de facto da reincidência é feita por remissão para um documento concreto, o registo individual de condutor, onde encontra expressamente a fls. 9, que a arguida no dia 23-04-2011 conduziu automóvel ligeiro de passageiros fora da localidade com excesso de velocidade ao permitido , + de 30 km/h até 60 km/h . Tal fundamentação é válida já que permite conhecer à arguida os concretos factos que lhe são imputados – cfr. neste sentido de que a fundamentação pode ser efectuada para documentos de factos descritos na acusação o Acórdão do STJ de 6-12-2002 , in CJ, Acs do STJ, XI, 3 , 238 .

Aliás, comprovadamente a arguida inteirou-se do teor do RIC como fundamento da sua defesa ao pugnar pela irrelevância da infracção por força da suspensão da inibição de 30 dias, pelo período de 180 dias, como consta do referido RIC.

Pelo exposto, indefere-se a invocada nulidade.

*

Com relevância para a decisão consideram-se provados os seguintes factos:

- A arguida no dia 2013-03-24, pelas 15h 54 no local A1, no Km 134, sentido Norte /Sul, Boa Vista na área da comarca de Leiria, conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula (...) MR e circulava, pelo menos à velocidade de 185 km/h, correspondendo à velocidade de 195 km/h deduzido o valor de erro máximo admissível, sendo a velocidade máxima permitida de 120 km/h;

-A arguida ao actuar do modo descrito actuou de modo irreflectido e desatento;

-A arguida tem averbado no seu registo de condutor uma contraordenação grave, por decisão já transitada, praticada em 23-04-2011, por ter conduzido veículo automóvel ligeiro fora da localidade, a velocidade superior ao permitido entre 30 km/h até 60 km/h, decisão que lhe foi notificada em 21-10-2011, com a inibição de conduzir por trinta dias suspensa na sua execução pelo período de 180 dias;

- A arguida procedeu ao pagamento da coima que lhe foi aplicada;

Mais nenhum facto se provou com relevância para a decisão da causa.

*

Para prova dos referidos factos teve-se em conta os elementos juntos aos autos:

- auto de contra-ordenação de fls. 2 que faz fé em juízo em relação aos elementos presenciados pelo agente autuante em conjugação com o resultado do radar fotográfico multanova MUVR-6FD, conforme prova fotográfica de fls. 2 e certificado de verificação de fls. 3 ;

- O registo de individual de condutor da arguida de fls. 31;

*

Comprova-se a imputação à recorrente da contra-ordenação que lhe foi aplicada, e que a mesmo aceita, tendo já paga a respectiva coima.

O objecto do litígio reporta-se tão só à sanção acessória de inibição de conduzir, quanto à sua eventual suspensão, mesmo se condicionada à aplicação da caução de boa conduta.

Preceitua o art.º 1º da Lei n.º 422/82, de 27 de Outubro que constitui contra-ordenação todo o facto ilícito e censurável que preenche um tipo legal no qual se comina uma coima. E o principio da legalidade consagra que só pode ser punido como contra-ordenação o facto descrito e declarado passível de coima por lei anterior ao momento da sua prática.

Como sucede com o crime, também a contra-ordenação é constituída por três elementos que se analisam na existência de um facto típico - elemento material - culpabilidade – elemento moral - e punibilidade , elemento sancionatório - cfr. Oliveira Mendes e Santos Cabral, Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas , Almedina , p. 27 .

Concorda-se com o Prof. Figueiredo Dias, “ O movimento da descriminalização e o ilícito de mera ordenação social “, Revista de Direito e Economia , 1983 , p. 51 “ quando refere que no que tange à culpabilidade : “(…) não se trata aqui de uma culpa, como a jurídico-penal, baseada numa censura ética , dirigida à pessoa do agente e à sua atitude interna, mas apenas uma imputação do facto à responsabilidade social do seu autor ; dito de outra forma, da adscrição social de uma responsabilidade que se reconhece exercer ainda uma função positiva e adjuvante das finalidades admonitórias da coima “.

A arguida praticou uma contra-ordenação muito grave prevista no art.ºs27º, n.º 1 , n.º 2 , alínea a) , 3º do Código da Estrada.

Com relevância para a decisão dos autos dispõem os seguintes artigos do Código da Estrada:

Artigo 138.º

Sanção acessória

“1 - As contraordenações graves e muito graves são sancionáveis com coima e com sanção acessória.

2 - Quem praticar qualquer ato estando inibido de o fazer por força de sanção acessória aplicada em sentença criminal transitada em julgado, por prática de contraordenação rodoviária, é punido por crime de violação de imposições, proibições ou interdições, nos termos do artigo 353.º do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro.

3 - Quem praticar qualquer ato estando inibido de o fazer por força de sanção acessória aplicada em decisão administrativa definitiva, por prática de contraordenação rodoviária, é punido por crime de desobediência qualificada, nos termos do n.º 2 do artigo 348.º do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro.

4 - A duração mínima e máxima das sanções acessórias aplicáveis a outras contraordenações rodoviárias é fixada nos diplomas que as preveem.

5 - As sanções acessórias são cumpridas em dias seguidos.”

Artigo 139.º

Determinação da medida da sanção

“1 - A medida e o regime de execução da sanção determinam-se em função da gravidade da contraordenação e da culpa, tendo ainda em conta os antecedentes do infrator relativamente ao diploma legal infringido ou aos seus regulamentos.

2 - Quanto à fixação do montante da coima, seu pagamento em prestações e fixação da caução de boa conduta, além das circunstâncias referidas no número anterior deve ainda ser tida em conta a situação económica do infrator, quando for conhecida.

3 - Quando a contraordenação for praticada no exercício da condução, além dos critérios referidos no número anterior, deve atender-se, como circunstância agravante, aos especiais deveres de cuidado que recaem sobre o condutor, designadamente quando este conduza veículos de socorro ou de serviço urgente, de transporte coletivo de crianças, táxis, pesados de passageiros ou de mercadorias, ou de transporte de mercadorias perigosas.”


Artigo 140.º

Atenuação especial da sanção acessória

Os limites mínimo e máximo da sanção acessória cominada para as contraordenações muito graves podem ser reduzidos para metade tendo em conta as circunstâncias da infração, se o infrator não tiver praticado, nos últimos cinco anos, qualquer contraordenação grave ou muito grave ou facto sancionado com proibição ou inibição de conduzir e na condição de se encontrar paga a coima.


Artigo 141.º

Suspensão da execução da sanção acessória

1 - Pode ser suspensa a execução da sanção acessória aplicada a contraordenações graves no caso de se verificarem os pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução das penas, desde que se encontre paga a coima, nas condições previstas nos números seguintes.

2 - Se o infrator não tiver sido condenado, nos últimos cinco anos, pela prática de crime rodoviário ou de qualquer contraordenação grave ou muito grave, a suspensão pode ser determinada pelo período de seis meses a um ano.

3 - A suspensão pode ainda ser determinada, pelo período de um a dois anos, se o infrator, nos últimos cinco anos, tiver praticado apenas uma contraordenação grave, devendo, neste caso, ser condicionada, singular ou cumulativamente:

a) À prestação de caução de boa conduta;

b) Ao cumprimento do dever de frequência de ações de formação, quando se trate de sanção acessória de inibição de conduzir;

c) Ao cumprimento de deveres específicos previstos noutros diplomas legais.

4 - A caução de boa conduta é fixada entre (euro) 500 e (euro) 5000, tendo em conta a duração da sanção acessória aplicada e a situação económica do infrator.

5 - Os encargos decorrentes da frequência de ações de formação são suportados pelo infrator.

6 - A imposição do dever de frequência de ação de formação deve ter em conta a personalidade e as aptidões profissionais do infrator, não podendo prejudicar o exercício normal da sua atividade profissional nem representar obrigações cujo cumprimento não lhe seja razoavelmente exigível.


Artigo 143.º

Reincidência


1 - É sancionado como reincidente o infrator que cometa contraordenação cominada com sanção acessória, depois de ter sido condenado por outra contraordenação ao mesmo diploma legal ou seus regulamentos, praticada há menos de cinco anos e também sancionada com sanção acessória.

2 - No prazo previsto no número anterior não é contado o tempo durante o qual o infrator cumpriu a sanção acessória ou a proibição de conduzir, ou foi sujeito à interdição de concessão de título de condução.

3 - No caso de reincidência, os limites mínimos de duração da sanção acessória previstos para a respetiva contraordenação são elevados para o dobro.


Artigo 147.º

Inibição de conduzir


1 - A sanção acessória aplicável aos condutores pela prática de contraordenações graves ou muito graves previstas no Código da Estrada e legislação complementar consiste na inibição de conduzir.

2 - A sanção de inibição de conduzir tem a duração mínima de um mês e máxima de um ano, ou mínima de dois meses e máxima de dois anos, consoante seja aplicável às contraordenações graves ou muito graves, respetivamente, e refere-se a todos os veículos a motor.

3 - Se a responsabilidade for imputada a pessoa singular não habilitada com título de condução ou a pessoa coletiva, a sanção de inibição de conduzir é substituída por apreensão do veículo por período idêntico de tempo que àquela caberia.

No caso concreto imputa-se à arguida uma contra-ordenação muito grave como é classificada pelo art.º 146º, alínea i) do Código da Estrada, e encontra-se afastada a possibilidade de suspensão da execução da sanção acessória da inibição de conduzir.

Neste sentido, vai a interpretação dos tribunais superiores que com a autoridade que lhe é reconhecida como o douto Acórdão da Relação de Coimbra de 12-12-2012 relatado pelo Exmº Juiz desembargador Drº Eduardo Martins, acessível in www.dgsi.pt :

«O disposto no art.º 141º, n.º 1, do C. da Estrada, não admite a suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir, no caso de uma contra-ordenação muito grave, não se reconhecendo tratar-se de qualquer omissão ou lacuna legislativa, neste dispositivo legal, no que a tal respeita.»

Em relação à atenuação especial pretendida cumpre referir que como a arguida praticou uma infracção muito grave há menos de cinco anos da primeira contra-ordenação grave não pode beneficiar da atenuação especial, e o limite mínimo de 60 dias é elevado para o dobro, ou seja 120 dias.”

3. Apreciação

I Fundamentação da sentença
Dispõe o art. 58º do RGCOC, na parte em que agora releva:
1 – A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter:
a) A identificação dos arguidos;
b) A descrição dos factos imputados, com a indicação das provas obtidas;
c) A indicação das normas segundo as quais de pune e a fundamentação da decisão;
d) A coima e as sanções acessórias.
Não definindo a lei o âmbito do dever de fundamentação, tendo em conta a natureza do direito contra-ordenacional, por contraposição ao direito criminal, afastada está desde logo exigência de uma fundamentação com o rigor e exigência que se impõem no art.º 374 n.º 2 do CPP.
Note-se que a decisão administrativa, quando impugnada, converte-se em acusação, passando o processo a assumir uma natureza judicial (art.º 62 n.º 1 do DL 433/82, de 27.10).

Entendemos assim, que basta a justificação das razões pelas quais – atentos os factos descritos, as provas obtidas e as normas violadas (art.º 58 n.º 1 al.ª s b) e c)) – é aplicada determinada sanção ao arguido, em termos tais que a simples leitura da decisão permita que o arguido se aperceba do que lhe é imputado e possa, com base nessa percepção, defender-se em termos adequados - cfr arestos citados in AcRel de Coimbra, de 6-02-2013, relator Des Jorge Dias.
Neste sentido, acórdão da Relação de Évora, de 15/6/04, relator Des.
Alberto Borges, “Não faz, assim, qualquer sentido que a decisão administrativa – que em caso de impugnação se converte em acusação – tenha que obedecer aos requisitos da sentença penal, como se tal acusação tivesse que obedecer a um rigor de fundamentação igual ao da sentença penal; por outro lado, seria incongruente e destituído de sentido que a fundamentação estabelecida no art.º 58 n.º 1 al.ª c) do DL 433/82 tivesse a amplitude prevista no art.º 374 n.º 2 do CPP no que à fundamentação da sentença respeita, quando naquele se estabelecem outros elementos que deve conter a decisão administrativa - essa exigência não faria sentido se ao dever de fundamentar que aí se prevê se atribuísse o alcance que resulta do art.º 374 n.º 2 do CPP, retirando sentido à exigência contida nas al.ªs b) e c) (primeira parte) daquele art.º 58.”

No caso em apreço, constam da decisão administrativa todos os elementos que o art.º 58 n.º 1 do DL 433/82, de 27.10, impõe e, ainda, as razões pelas quais a entidade administrativa sancionou a arguida, ou seja, todos os elementos necessários para que pudesse exercer, como exerceu, o seu direito de defesa.
No que respeita à infracção anteriormente cometida, consta da decisão administrativa “ … ponderados os elementos determinantes da medida da sanção constantes no art 139º do Código da Estrada (nomeadamente o facto de ter averbado no seu registo de condutor uma contraordenação grave, conforme o auto de contra-ordenação nº 907090095,) praticada e sancionada nos últimos cinco anos, o que torna a arguida reincidente, nos termos do art 134º do Código da Estrada…”
Manifestamente existe fundamentação suficiente, feita por remissão para o registo individual de condutor (RIC), junto a fls8 dos autos.
É inquestionável que consta do registo individual do condutor de fls. 8, ter aí a recorrente registada a prática de uma contra-ordenação, em 23-04-2011, por condução com excesso de velocidade, sancionada com 30 dias de inibição de conduzir, suspensa na respectiva execução, cujo período de cumprimento decorreu entre 21 de Maio de 2012 e 17 de Novembro de 2012.
Como resulta da transcrição acima efectuada, o facto relevado na decisão administrativa, exclusivamente para a determinação da medida abstracta da sanção acessória, foi o da existência no registo de condutor, da prática de contra-ordenação grave, nos últimos cinco anos. Trata-se, como é evidente, de um facto, não carecendo de mais precisa concretização, na medida em que se destinou apenas a reincidência da recorrente.

A referida fundamentação é pois válida porque permite à arguida conhecer os concretos factos que lhe são imputados – cfr. Acórdão do STJ de 6-12-2002, in CJ, Acs do STJ, XI, 3 , 238, cit na decisão impugnada.

Aliás, comprovadamente a arguida inteirou-se do teor do RIC como fundamento da sua defesa ao pugnar pela irrelevância da infracção por força da suspensão da inibição de 30 dias, pelo período de 180 dias, como consta do referido RIC.
Em conclusão, não padece a decisão administrativa de insuficiência de fundamentação, causadora da sua nulidade, já que a sua leitura permite, sem dificuldade de relevo, ao cidadão médio, entender os factos nela imputados ao recorrente, a sua qualificação jurídica e as sanções aplicadas, desta forma facultando o pleno direito de defesa.
Consequentemente, a decisão judicial impugnada não merece censura.

Pelo exposto, indefere-se a invocada nulidade.

2 - Da relevância da suspensão da execução da sanção acessória
Conforme dispõe artigo 143.º do Código da Estrada, sob epigrafe reincidência:
1 - É sancionado como reincidente o infrator que cometa contraordenação cominada com sanção acessória, depois de ter sido condenado por outra contraordenação ao mesmo diploma legal ou seus regulamentos, praticada há menos de cinco anos e também sancionada com sanção acessória.
2 - No prazo previsto no número anterior não é contado o tempo durante o qual o infrator cumpriu a sanção acessória ou a proibição de conduzir, ou foi sujeito à interdição de concessão de título de condução.
3 - No caso de reincidência, os limites mínimos de duração da sanção acessória previstos para a respetivacontraordenação são elevados para o dobro.
No caso dos autos entre a prática das duas contraordenações consideradas no despacho recorrido e na motivação de recurso decorreram menos de 5 anos.

A base da pretensão da recorrente reside na aplicação subsidiária do art 75º, nº 4, do CP ao processo contraordenacional.

Contudo, encontrando-se estabelecido no art. 143.º do Código da Estrada um regime de reincidência especificamente previsto para as contra-ordenações estradais, nenhuma lacuna se vislumbra que autorize a aplicação subsidiária do art. 75.º do Código Penal com base no disposto no art.º 32.º do Decreto-Lei n.º 433/82.

Acresce que a estrutura do nosso ordenamento jurídico tem na sua base o princípio da especialidade, segundo o qual a lei especial derroga a lei geral.

O que impede o intérprete de avocar os pressupostos da reincidência plasmados no direito criminal, nomeadamente a efectividade da pena de prisão, por crime doloso.

Não foi esta a finalidade do legislador. Com efeito, da análise do art. 143.º, do Código da Estrada, resulta claramente a ideia de que o legislador pretendeu estabelecer um regime especial de reincidência para o âmbito das contra-ordenações estradais em que, ao nível dos pressupostos, apenas releva a natureza das contra-ordenações praticadas pelo arguido (graves ou muito graves) e já não a forma específica de preenchimento do respectivo tipo-subjectivo (se dolosas ou negligentes) e bem assim a efectividade da execução da sanção.

Ora, face ao exposto, e porque também não subsistem quaisquer dúvidas, atentos aos factos provados, que não se encontram verificados os pressupostos do art. 143.º, n.º 1 do CE, tem de concluir-se, efectivamente, que a arguida deve ser condenada como reincidente.

3 - Da atenuação especial da pena acessória
Pretende a recorrente que a sanção acessória deveria ter sido objeto de atenuação especial, tal como previsto no artigo 140.º do Código da Estrada para as contraordenações muito graves, como é o caso.

Nos termos do citado preceito «Os limites mínimo e máximo da sanção acessória cominada para as contraordenações muito graves podem ser reduzidos para metade tendo em conta as circunstâncias da infração, se o infrator não tiver praticado, nos últimos cinco anos, qualquer contraordenação grave ou muito grave ou facto sancionado com proibição ou inibição de conduzir e na condição de se encontrar paga a coima».

O despacho recorrido afastou esta pretensão da recorrente, na perspectiva de que a reincidência constitui obstáculo à atenuação especial.

E bem, desde já se adianta.

Conforme Paulo Pinto de Albuquerque [cf. Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Regime Geral das Contraordenações”, p. 86], já no âmbito do Código da Estrada, …, não deixou o legislador de identificar os requisitos de que depende a atenuação (especial), a saber:

 1 - as circunstâncias da infracção;

2 - não haver o infractor praticado, nos últimos cinco anos, qualquer contraordenação, grave ou muito grave ou facto sancionado com proibição ou inibição de conduzir;

3 -mostrar-se paga a coima.

Significa, pois, que o Código da Estrada contém específica e clara regulamentação sobre a matéria.

Neste sentido acórdão do TRC de 13.06.2007, proferido no processo n.º 346/06.4TBGVA.C1, onde se mostra consignado: «Espelho desta tenção legislativa é o facto de o ordenamento estradal estabelecer uma única possibilidade de atenuação da sanção acessória nos casos em que a infracção cometida haja sido qualificada de muito grave. Encontra-se prevista no artigo 140.º do Código da Estrada, e estabelece que, em caso em que a infracção a punir seja taxada de muito grave, a sanção acessória pode ser especialmente atenuada para metade: 1º - atendendo às circunstâncias em que a infracção foi cometida, v.g. se não foi causal de acidente de viação, se não colocou em perigo outros utentes, tendo em conta as circunstâncias concretas em que a circulação se efectuava, etc.; 2º - se o infractor não tiver praticado nos últimos cinco anos qualquer contraordenação grave ou muito grave ou ainda, nesse período não tiver cometido facto sancionado com proibição ou inibição de conduzir, vale dizer se não praticou nenhum crime de que possa decorrer a aplicação de pena acessória prevista no artigo 69º do Código Penal; 3º - que a coima correspondente à contraordenação praticada se encontre paga» - [negrito nosso].

No caso concreto, vistos os factos provados e a manifesta reincidência, nenhuma dúvida subsiste quanto à ausência do pressuposto identificados supra em (2).

Conclui-se, assim, que não se mostram reunidos os pressupostos da atenuação especial da sanção acessória.

Improcede também neste segmento o recurso interposto.

III. Dispositivo

Pelos fundamentos expostos acordam os Juízes desta Relação, em negar provimento ao recurso e consequentemente confirmar integralmente a decisão recorrida.

 Fixa-se a taxa de justiça devida pelo recorrente em três UCs.

Coimbra, 02/03/2016

(Certifica-se que o acórdão foi elaborado e revisto pela relatora, nos termos do art. 94.º, n.º 2 do C.P.P.).

(Isabel Valongo - relatora)



 (Jorge França - adjunta)