Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1361/02.2TACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS RAMOS
Descritores: PENA DE PRISÃO SUBSTITUÍDA POR MULTA
MULTA NÃO PAGA
CUMPRIMENTO DA PENA DE PRISÃO
Data do Acordão: 06/15/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1º JUÍZO CRIMINAL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 43º Nº 2, 44º Nº 2 E 49º Nº 3 CP
Sumário: 1.- Se o condenado não pagar a multa substitutiva da pena de prisão, terá que cumprir a pena de prisão fixada a título principal, a não ser que prove que o não pagamento lhe não é imputável, situação em que a pena de prisão pode ser suspensa.

2.- Decidido, com trânsito em julgado, o cumprimento da pena de prisão aplicada na sentença, por falta de pagamento da multa aplicada em substituição da prisão, fica impedido o condenado de pagar a multa para desse modo evitar a prisão.

Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

Por sentença de 4 de Março de 2004, transitada em 3 de Setembro de 2007, foi o arguido LM... foi condenado em 5 (cinco) meses de prisão, substituídos por igual tempo de multa à taxa de € 5,00, pela prática de um crime de desobediência previsto e punido pelos artºs 16º, nº 2, do Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro e 348º, nº 1 do Código Penal; foi ainda advertido de que se não pagasse a multa cumpriria a pena de prisão aplicada.

O arguido não procedeu ao pagamento voluntário da multa e, na sequência, por despacho de 2 de Setembro de 2008, transitado a 8 de Outubro do mesmo ano, o tribunal determinou o cumprimento da pena de prisão.

Foram passados os respectivos mandados nos quais, para além do mais, se ordenava que “findo o cumprimento da pena, deverá ser restituído à liberdade sem necessidade de outros mandados”.

Em 28 de Dezembro de 2009, o arguido foi detido mas, tal como se encontra certificado, foi nesse mesmo dia “restituído à liberdade, após ter efectuado o respectivo pagamento integral da quantia de 750 €

Em 26 de Janeiro de 2010 foi proferido despacho ordenando a devolução dos “mandados de detenção à autoridade policial competente para integral cumprimento, uma vez que praticou um acto (de libertação do arguido) em total desrespeito aos mandados que lhe foram enviados”, porquanto “não constava dos mandados que o arguido podia pagar a multa”, nem que “o pagamento da multa permitia a libertação imediata do arguido”.

Em 27 de Dezembro de 2010 veio o arguido requerer que a pena de prisão ficasse suspensa na sua execução.

Sobre tal pretensão, o tribunal proferiu despacho com o seguinte teor:

“LM... foi, por sentença de fls. 44 e segs., condenado, pela autoria material de um crime de desobediência simples, p. e p. pelos art.ºs 16.º, 2, do DL 54/75, de 12.02, e 348.º, 1 b), do Cód. Penal, na pena de 5 meses de prisão, substituídos por igual período de multa, à razão de € 5 dia, num total de € 750; e ainda, caso não efectuasse o pagamento da multa, cumpriria a pena de prisão fixada.
A sentença transitou em julgado e o arguido não pagou a multa.
Por despacho de fls. 155/6 foi determinado o cumprimento da prisão fixada e ordenada a oportuna emissão de mandados de captura do arguido para cumprimento daquela.
Este despacho transitou em julgado (cfr. fls. 158 e 159 e 160) e foram emitidos mandados de detenção do arguido, para cumprimento da pena de prisão.
A entidade que cumpriu os mandados, por lapso libertou o arguido após receber o valor da multa (pena de substituição), desrespeitando o teor dos mandados, pelo que foram emitidos novos mandados de detenção para cumprimento da pena de prisão, o que até ao presente não se conseguiu porque o arguido se encontra em paradeiro desconhecido.
Vem agora, a fls. 217 e segs., com data de 27.12.2010 requerer a suspensão da execução da pena de prisão, subordinada ao cumprimento de deveres de conduta que o tribunal considerar adequados, alegando que dificuldades económicas tornaram impossível o pagamento da multa (pena de substituição) atempadamente, nos termos do art.º 49.º, 3, ex vi art.º 43.º, 2, ambos do Cód. Penal.
O art.º 43.º, 2, do Cód. Penal estipula que "Se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença. É correspondentemente aplicável o disposto no nº 3 do artº 49º."
"Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa .. ." (n.º 3 do art.º 49.º do Cód. Penal).
Como já referidos supra, por despacho de fls. 155/6, e por falta de pagamento da multa, foi determinado o cumprimento da prisão fixada e ordenada a oportuna emissão de mandados de captura do arguido, tendo tal decisão transitado em julgado.
Qual o prazo legal que o arguido dispõe para alegar e provar que a razão do não pagamento da multa (pena de substituição) lhe não é imputável?
Importa desde logo dizer que para a hipótese de pena de multa, pena de substituição (como é o caso dos autos), não estabelece o legislador o prazo legal.
Inquestionável é que não é o mesmo do prazo de pagamento da multa, fixada como pena principal, porquanto se neste caso o arguido pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente a execução da pena subsidiária, pagando no todo ou em parte, a pena de multa (art.º 49.º, 2, do CP), já no nosso caso, transitado que seja o despacho que fixa a pena principal por falta de pagamento da pena de substituição, ao arguido não resta outra solução senão cumprir a pena principal.
Tal conclusão resulta da interpretação do n.º 2 do art.º 43.º do Cód. Penal, que apenas considera correspondentemente aplicável no caso de a multa, aplicada como pena de substituição, o disposto no n.º 3 do art.º 49.º, e já não no n.º 2 do mesmo preceito legal citado.
Assim, o prazo de alegação e prova da falta de culpa do arguido na falta de pagamento da multa, aplicada como pena de substituição, não pode ser outro senão o prazo que decorre até ao trânsito em julgado do despacho que ordena o cumprimento da pena principal, por força do não pagamento da pena de substituição.
Como, in casu, o referido despacho transitou em julgado, só agora tendo o arguido alegado as dificuldade económicas como causa do incumprimento/pagamento, o seu requerimento é extemporâneo, precludindo o direito de praticar o acto, porque de prazo peremptório se trata (art.º 145.º, 3, do Cód. Proc. Civil) [ neste sentido, vd Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, in CJ, XXIX, /, 299/300,' e Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 23.05.2007, Rec. Nº 24/03.6TACBR.C1 (197), que confirmou decisão idêntica por nós proferida].”

Inconformado com o decidido, o arguido interpôs recurso no qual apresentou as seguintes conclusões (transcrição):
“1º O despacho recorrido apreciou o requerimento do recorrente, em que este pede a suspensão da execução da pena de prisão, á luz de normas não aplicadas ao caso em concreto, quando o mesmo deveria ser enquadrado única e exclusivamente no artigo 49. o n° 3 do C.Penal e apenas nesta norma.
2º O despacho recorrido não se pronunciou sobre a questão suscitada pelo cumprimento indevido do mandatos por parte da entidade policial e suas consequências, nomedamente o recebimento da multa e posterior libertação do ora recorrente.
3º O Código Penal bem como o Código de Processo Penal não estatuem directa ou indirectamente prazo peremptório algum para requerer a suspensão da excução da pena de prisão, pelo que o despacho ora recorrido ao invocar a extemporaneadade violou o artigo 49. ° n° 3 do Código Penal aplicável ex vi do artigo 43/2 do Código Penal, bem como viola o principio constitucional do direito á liberdade, consagrado n° n° 1 do artigo 27 da Constituição da República Portuguesa, bem como aos artigos 18, 28/2 e artigo 272. ° /2 e 3 também da C.R.P .
Nestes termos e nos melhores de direito, invocando o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve o douto despacho de indeferimento do pedido de suspensão da execução da pena de prisão, ser revogado e em sua substituição outro que permita a suspensão da pena de prisão a que o Arguido e ora recorrente foi condenado.”

Respondeu o Ministério Público defendendo a manutenção da decisão recorrida.

O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo.

Nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela improcedência do recurso.

No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal o arguido nada disse.

Os autos tiveram os legais vistos após o que se realizou a conferência.

Cumpre conhecer do recurso

Constitui entendimento pacífico que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto e o âmbito dos mesmos, excepto quanto àqueles casos que sejam de conhecimento oficioso.

É dentro de tal âmbito que o tribunal deve resolver as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras).

Cumpre ainda referir que é também entendimento pacífico que o termo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.

Questão a decidir: momento até quando pode ser requerida a suspensão da execução da pena de prisão nos casos de não pagamento da multa subsidiária.

Pelas razões que expõe, entende o recorrente que “o Código Penal bem como o Código de Processo Penal não estatuem directa ou indirectamente prazo peremptório algum para requerer a suspensão da excução da pena de prisão, pelo que o despacho ora recorrido ao invocar a extemporaneadade violou o artigo 49. ° n° 3 do Código Penal aplicável ex vi do artigo 43/2 do Código Penal, bem como viola o principio constitucional do direito á liberdade, consagrado n° n° 1 do artigo 27 da Constituição da República Portuguesa, bem como aos artigos 18, 28/2 e artigo 272. ° /2 e 3 também da C.R.P .

Diga-se desde já que a sua pretensão não pode proceder.

Explicando:

O recorrente foi condenado em 5 (cinco) meses de prisão que, nos termos do disposto no artº 43º, nº 1, do Código Penal[[1]], foi substituída por igual tempo de multa, ou seja, a execução da pena principal (prisão) foi substituída por multa.

Ora, a pena de multa que substitui a pena de prisão nos termos daquele artigo é uma pena de substituição, por contraposição à pena principal de multa de que tratam os artigos 47º a 49º, o que justifica a diversidade de consequências político-jurídicas, nomeadamente no que respeita ao seu incumprimento[[2]].

Por isso, enquanto o incumprimento da pena de multa aplicada a título principal segue o regime fixado nos artºs 48º e 49º, o incumprimento da multa como pena de substituição determina, nos termos do artº 43º, nº 2 (anterior 44º, nº 2), o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sendo porém aplicável o disposto no artº 49º, nº 3.

Parece-nos que da parte final do artº 43º, nº 2, resulta claro que no caso de não pagamento da multa de substituição apenas se aplica o nº 3, do artº 49º e não qualquer dos restantes números.

Aliás, tal distinção perdura desde a revisão do Código Penal efectuada pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março.

A este respeito, escreve-se no Acórdão da Relação de Lisboa de 15 de Março de 2007[[3]]:

«Como se pode ver da acta n.º 41, de 22.10.90, da Comissão de Revisão (Código Penal, Actas e Projecto da Comissão de Revisão, pag. 466), o texto do n.º2 do art. 44.º do Código Penal resulta do acolhimento da proposta feita pelo Prof. Figueiredo Dias, que manifestou o entendimento de que se a pena de substituição não é cumprida deve aplicar-se a pena de prisão fixada na sentença, argumentando que “só conferindo efectividade à ameaça da prisão é que verdadeiramente se está a potenciar a aplicação da pena de substituição”.

A única conclusão lógica que se impõe, perante o elemento histórico e tendo em consideração os demais elementos interpretativos das normas jurídicas (art. 9.º do C. Civil) — o elemento sistemático, o teológico, o literal, etc. — é a de que o legislador quis manifestamente excluir a aplicação do referido n.º 2 do art. 49.º.

Mas outras razões há que nos fazem pender para a mesma solução da inaplicabilidade da norma em causa.

Sendo a multa, no presente caso, uma pena de substituição, o seu incumprimento culposo conduz, como acontece em outras penas de substituição, à sua “revogação”, implicando o “renascimento” da pena de prisão directamente imposta e que aquela veio a substituir. É o que resulta expressamente do n.º 2 do art. 44.º: «se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença».

A partir do momento em que o tribunal — reconhecendo o incumprimento culposo do arguido, quando este não paga no prazo de que dispunha, nem apresenta qualquer justificação, quando notificado para o efeito — ordena a execução da prisão directamente imposta, a multa de substituição desaparece, pura e simplesmente. Deixa aquela multa de existir. Não há em simultâneo duas penas — prisão e multa — que o arguido possa cumprir, em alternativa, segundo a sua livre opção.

Passa, então, a existir apenas uma única pena: a de prisão — cuja execução o tribunal ordena de imediato, salvo se for de optar pela suspensão da mesma, nos termos do n.º 3 do art. 49.º —, pressupondo esta solução que o não pagamento não é imputável ao arguido».

O entendimento aqui expressado constitui jurisprudência esmagadoramente maioritária[[4]] e não vislumbramos a mínima razão para a não seguir.

Aliás, entendimento diverso depara-se com inultrapassáveis dificuldades resultantes, não só da letra da lei, como também da mens legislatoris.

No caso “sub judice”, por não ter pago a multa, nem comprovado que a falta de pagamento não lhe era imputável, o tribunal proferiu despacho decidindo que o arguido teria que cumprir a pena de prisão aplicada na sentença.

O facto de haver pago o montante da multa substitutiva quando foi detido na sequência da emissão de mandados de detenção, em nada altera a situação uma vez que tal pagamento foi indevidamente efectuado. Daí que apenas tenha direito à restituição do que pagou.

Ora, não sendo aplicável ao caso dos autos — multa de substituição — o disposto no artº 49º, nº 2 e sendo certo que o momento para provar as razões que levariam à suspensão da pena de prisão ocorreu na sequência da notificação que foi feita ao recorrente para vir aos autos explicar as razões do não pagamento da multa, ou seja, antes de ser proferido o despacho que determinou o cumprimento da pena de prisão, bem andou o tribunal a quo ao proferir o despacho sob recurso.

Em resumo:

De acordo com as disposições conjugadas dos artºs 43º, nº 2 (cuja redacção é a mesma do anterior artº 44º, nº 2) e 49º, nº 3, se o condenado não pagar a multa substitutiva da pena de prisão, terá que cumprir a pena de prisão fixada a título principal, a não ser que prove que o não pagamento lhe não é imputável, situação em que a pena de prisão pode ser suspensa.

Quer isto dizer que, caso não prove que o não pagamento lhe não é imputável, terá que cumprir a pena de prisão.

Assim sendo, uma vez que o nº 2, do artº 49º não é aplicável aos casos em que está em causa multa como pena substitutiva, decidido que seja o cumprimento da pena principal, não resta outra alternativa ao condenado que não seja a de cumprir a pena de prisão em que foi condenado. 

Por isso, em conformidade com o que acima ficou exposto, há que concluir que, tendo transitado o despacho que determinou o cumprimento da pena principal, qualquer requerimento em que seja requerida a suspensão da execução da pena de prisão é extemporâneo.

Nesta conformidade, bem andou o tribunal a quo ao indeferir o requerido pelo arguido.

*

Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso.

*

Custas pelo recorrente, fixando-se em 5 UC a taxa de justiça.

*


LuÍs Ramos (Relator)
Calvário Antunes


[1] Diploma a que pertencerão, doravante, todos os normativos sem indicação da sua origem
[2] Neste sentido, Figueiredo Dias, na RLJ, ano 125, págs. 163 a 165
[3] In www.dgsi.pt, tal como todos os demais cuja acessibilidade não esteja indicada
[4] V.g., Acórdãos da Relação de Lisboa de 15 de Março de 2007, de 6 de Outubro de 2009, do Porto de 13 de Abril de 2011, de 15 de Junho de 2005 e de 29 de Abril de 2009, de Coimbra, de 13 de Novembro de 2007, de 3 de Fevereiro de 2010 e de 3 de Março de 2010, de Guimarães de 13 de Outubro de 2008, de 14 de Setembro de 2009, de 8 de Fevereiro de 2010 e de 15 de Novembro de 2010 e de Évora, de 16 de Outubro de 2007 (todos em www.dgsi.pt)