Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4827/17.6T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: CONTRATO PROMESSA
PRESCRIÇÃO
PRAZO
RESOLUÇÃO
Data do Acordão: 01/22/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JL CÍVEL - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 270, 306, 778, 808 CC
Sumário: 1.- Na prescrição, o prazo inicia-se “quando o direito puder ser exercido” no sentido de estar este em condições objetivas de o titular o poder atuar.

2.- Estando a obrigação dos réus dependente do loteamento a realizar e da conclusão das infra-estruturas, sem prazo definido, ou seja, ficando estipulado que a obrigação se cumpria quando o devedor puder, por força do art.306 nº3 CC a prescrição só começa a correr depois da morte deste.

3.-A invocação da prescrição é contraditória com a vontade, sempre manifestada pelos réus, também na contestação, do cumprimento da obrigação.

4.- A resolução do contrato promessa de compra e venda pressupõe o incumprimento definitivo.

Decisão Texto Integral:

            Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

J (…)  e mulher, M (…), intentaram ação contra R (… ) e mulher, T (…) , pedindo:

A declaração da resolução do contrato promessa celebrado entre autores e réus, condenando-se estes a restituir àqueles a quantia recebida a título de sinal, em dobro, no valor de € 50.000,00, acrescida de juros legais, desde a citação;

Ou, subsidiariamente, a condenação dos réus a reconhecerem que o contrato dos autos é nulo e os mesmos obrigados a indemnizar os autores no montante correspondente à quantia entregue a título de sinal e princípio de pagamento, acrescida de juros desde a citação até efectivo e integral pagamento;

Ou ainda, subsidiariamente, serem os réus condenados, solidariamente, a indemnizar os autores no montante de €25.000,00, a título de enriquecimento sem causa, acrescido de juros desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Os réus contestaram, alegando, além do mais, em síntese, que o direito de crédito a que se reporta a quantia peticionada pelos autores se mostra extinto, por efeito da prescrição, por haver decorrido já o prazo ordinário de 20 anos.

Os autores responderam contra a verificação da prescrição.

No saneador, foi proferida sentença a julgar verificada a prescrição, absolvendo os réus dos pedidos formulados pelos autores.


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            Inconformados, os Autores recorreram e apresentam as seguintes conclusões:

1) (…)

2)- No presente recurso pretende-se ver reapreciada a decisão proferida no que respeita à verificação da excepção da prescrição.

3)- Dos factos alegados pelos AA. quer na sua P.I quer na sua Réplica e, dos factos considerados provados pelo tribunal a quo decorre, sem margem para dúvidas, que o direito dos AA. ainda não se encontra prescrito.

4)- Os AA. entendem que, ao contrário do tribunal a quo, a excepção da prescrição invocada pelos RR. não se verifica no caso ora em litigio por diversas razões, nomeadamente porque:

5)- O prazo de prescrição (no caso em apreço o prazo de prescrição ordinária, 20 anos) deve ser contado a partir do momento em que o direito estiver em condições (objectivas) de o titular poder exercita-lo, isto é, desde que seja possível exigir do devedor o cumprimento da obrigação e não a contar do momento da sua constituição.

6)-Nos termos do artigo 306 n.º1 do C.C.: “O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido……”

7)-Segundo Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, cit., Vol.II, pp.448-449 , Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Cit., Vol.II, P.114, a expressão “quando o direito puder ser exercido” tem de ser interpretada no sentido de a prescrição se iniciar quando o direito estiver em condições (objectivas) de o titular poder exercita-lo, isto é, desde que seja possível exigir do devedor o cumprimento da obrigação.

8)- Não podendo ser assimilada sem mais, ao momento da constituição do direito de crédito, antes ao momento em que aquele direito, entretanto constituído, pode ser efectivado.

9)- Não nos podemos esquecer também que, no presente litígio estamos perante um contrato-promessa de compra e venda de coisa futura pois, os promitentes vendedores nunca estiveram na posse nem nunca foram proprietários do prédio rústico supra identificado no qual iria ser feito o loteamento, conforme consta das cadernetas prediais e das certidões da Conservatória do Registo Predial juntas à P.I.

10)- Portanto, andou mal, o tribunal a quo ao considerar que o prazo de prescrição começa a contar a partir do momento da constituição do direito de crédito.

11)- Em segundo lugar, o prazo para o cumprimento do contrato prometido foi deixado, de certa forma, ao arbítrio do devedor ou seja não foi fixado prazo para a realização da escritura definitiva do contrato de compra e venda.

12)- Ora, o n.º3 do artigo 306 do C.C. diz: “Se for estipulado que o devedor cumprirá quando puder, ou o prazo for deixado ao arbítrio do devedor, a prescrição só começa a correr depois da morte dele”.

13)- Não tendo sido fixado prazo determinado para a escritura definitiva do contrato de compra e venda, mas antes, tendo sido convencionado que o contrato prometido ficaria dependente da conclusão das infra-estruturas, referentes ao loteamento em causa que seriam levadas a cabo pelos RR., na qualidade de promitentes-vendedores,

14)-Significa que a data da escritura estava dependente de trâmites/obras a cargo dos RR., promitentes-vendedores.

15)-Perante o exposto considera-se que o contrato prometido ficou sujeito a uma condição suspensiva, nos termos do artigo 270 do C.C.

16)-Se assim é, enquanto não se verificar a condição, o contrato – promessa está em vigor.

17)-Portanto, também por esta razão a excepção da prescrição não se verifica no caso em apreço.

18)-como diz Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Cit., Vol. II, pp.448-449 “não pode dizer-se que haja negligência da parte do titular de um direito em exercita-lo enquanto ele o não poder fazer valer por causas objectivas….”

19)- Em terceiro lugar, também se verifica no caso ora em litígio, o reconhecimento, embora tácito, do direito dos AA. por parte dos RR.

20)- A demonstrar tal facto está: - a presença dos RR. na reunião na Câmara Municipal de (...) , em 2009, com a Sr.ª vereadora das obras particulares cujo assunto era o loteamento da X (...) .

21)-Esta reunião foi feita a pedido dos AA. e foram estes que convocaram os RR.

22)- E, a reunião realizada entre AA. e RR. , antes de dar entrada da Notificação judicial avulsa, cujo objectivo era tentar resolver amigavelmente o litigio ora em apreço.

23)- Se os RR. não se considerassem vinculados pelo contrato e, não reconhecessem o direito de crédito dos AA, obviamente que não compareciam nas reuniões supra referidas, cujos assuntos eram numa saber o ponto de situação do loteamento, noutra a resolução amigável do litigio.

24)- Como diz Rodrigues Bastos, in “Notas ao Código Civil”, volume II, pág. 92, citando Azzariti e Scarpello : “Para fins da interrupção é irrelevante o modo como o reconhecimento se manifesta, quer este consista numa declaração explícita, quer num acto que, à luz do entendimento comum, implique a admissão da existência do direito”.

25)-Situação que foi reforçada pelos RR. na sua contestação isto é os RR. admitem que compareceram nas aludidas reuniões.

26)-Daí que, no nosso modesto entendimento, devesse o Mm.º Juiz a quo ter considerado interrompido o prazo prescricional em virtude do reconhecimento, tácito, pelos RR, do direito dos AA ora recorrentes.

27)- Por último, os AA. entendem que, salvo Douta opinião, no caso ora em litigio, não se verifica a invocada excepção da prescrição pelo facto da conduta dos RR., ao longo destes anos, ter sido pautada contra a boa fé e consubstanciar uma situação de abuso de direito.

28)- Ao longo destes anos e no seu próprio articulado (contestação), os RR. sempre disseram e continuam a dizer aos AA. que vão cumprir o contrato isto é, os RR. tiveram e têm atitudes que induziram os AA. a não exercerem o respectivo direito.

29)- Atitudes estas que, levaram os AA. a confiaram plenamente nos RR

30)- Ora, esta confiança tem de ser protegida pelo direito.

31)- É o caso de Suppressio.

32)- Menezes Cordeiro, tratado de Direito Civil, Cit., I,T.IV, P.323: “ A suppressio configura, uma forma de tutela da confiança do beneficiário, perante a inacção do titular do direito.”

33)- Pelo que, andou mal o tribunal a quo, ao considerar procedente a excepção da prescrição e consequentemente concluir pela improcedência da acção.

34)-De facto, uma vez interrompida a prescrição, novo prazo se inicia a partir de então, como melhor decorre dos artigos 325.º n.º2 e 326.º do C.C.

35)-Razão pela qual os AA, ora recorrentes, propuseram a presente acção em devido tempo.


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            Não foram apresentadas contra-alegações.

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            A questão a decidir é a da prescrição do direito acionado pelos autores.

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            Factos considerados provados pelo tribunal recorrido:

1. No dia 10.11.1995 foi celebrado entre os autores e os réus um acordo, denominado contrato promessa de compra e venda no qual os réus prometeram vender e os autores prometeram comprar um lote de terreno para moradia com o número 00(...) A cuja área é de 560 metros quadrados, sito no loteamento a levar a efeito na X (...) ou também conhecida por X X(...) , com o artigo rústico 5.100, cujo projecto de loteamento se encontra a correr seus trâmites na Câmara Municipal de (...) .

2. Ficou acordado que o preço era de 6.000.000$00 (seis milhões de escudos), que seriam pagos do seguinte modo: no acto da assinatura deste contrato a quantia de 5.000.000$00 (cinco milhões de escudos) e o restante, 1.000.000$00 (um milhão de escudos), seriam liquidados no acto da escritura.

3. No dia 10.11.1995 os autores entregaram aos réus a quantia de 5.000.000$00.

4. A escritura supra referida no ponto 2 seria realizada assim que os réus, na qualidade de promitentes vendedores, tivessem concluído as infra-estruturas, referentes ao loteamento em causa (urbanização).

5. Até à presente data ainda não foi realizada qualquer escritura.

6. Os autores solicitaram junto da Câmara Municipal de (...) , juntamente com os réus, uma reunião com a vereadora das obras particulares, à data a Sr.ª Engenheira I (...) , reunião realizada em 2009, a fim de tomarem conhecimento do ponto de situação do loteamento supra referido no ponto 1.

7. O processo de loteamento foi apresentado na Câmara Municipal de (...) em 01.09.1997, por A (…), na qualidade de procurador da Província Portuguesa da Congregação dos Irmãos X (...) (processo n.º..../97).

8. Em 19.02.2003, por despacho do Sr. Vereador, foi decidido o arquivamento do processo, atendendo a que o plano de pormenor da X X(...) não foi ratificado.

9. Em 07.10.2003 a Sociedade “E (…), Lda.” apresentou na Câmara Municipal de (...) , novo pedido de aprovação do projecto de loteamento (Processo n.º.../03) e, por despacho do Sr. Vereador, de 08.06.2004, foi decidido que o processo deveria aguardar a aprovação do estudo conjunto.

10. Foi realizada uma reunião com o autor e o réu com o objectivo de se resolver amigavelmente a situação dos autos, o que resultou infrutífero.

11. Na ficha de descrição predial n.º 11 (...) /19871229 da freguesia de (...) , na 2.ª Conservatória do registo Predial de (...) , consta registada a propriedade, com respeito ao prédio supra referido em 1, a favor de E (…), Lda., através da ap. n.º 22 (...) de 05.08.2003.

12. Na ficha de descrição predial n.º 11 (...) /19871229 da freguesia de (...) , na 2.ª Conservatória do registo Predial de (...) , consta registada a propriedade, com respeito ao prédio supra referido em 1, a favor de M (…), na proporção de ¼ indiviso, através da ap. n.º 33 (...) de 05.08.2004.

13. Na ficha de descrição predial n.º 11 (...) /19871229 da freguesia de (...) , na 2.ª Conservatória do registo Predial de (...) , consta registada a propriedade, com respeito ao prédio supra referido em 1, a favor de E (…), Lda., na proporção de ¼ indiviso, através da ap. n.º 44 (...) de 07.11.2013.

14. Na ficha de descrição predial n.º 11 (...) /19871229 da freguesia de (...) , na 2.ª Conservatória do registo Predial de (...) , consta registada a propriedade, com respeito ao prédio supra referido em 1, a favor de E (…) Lda., na proporção de ¼ indiviso, através da ap. n.º 55 (...) de 07.11.2014.

15. No dia 03.03.2017 os autores interpelaram os réus através de Notificação Judicial Avulsa, para estes marcarem a escritura no prazo de 30 dias, constando do texto da notificação que “(...) os requerentes pretendem que a escritura de compra e venda se realize no prazo máximo de 30 dias, em virtude da sua filha pretender construir uma casa no referido lote” (art. 5º) e “Com a presente notificação pretendem os requerentes fixar o prazo de 30 dias para a outorga da escritura pública definitiva, devendo os requeridos proceder, após notificação, à marcação daquela e indicar a data, hora e o Cartório para a referida outorga dentro do supracitado prazo” (art. 6º).

16. Em 01.09.1997 foi entregue na Câmara o pedido de projecto de loteamento, como sequência do Plano de Pormenor entregue.

17. No decorrer do processo de loteamento, em 2002, o Plano de Pormenor não foi ratificado pela então Secretária de Estado do Ordenamento do Território.

18. Face a esta posição da Secretaria de Estado, em 19.02.2003 o Vereador manda arquivar o processo por não ratificação do Plano de Pormenor.

19. A sociedade E (…), Lda., cuja gerência de facto pertence efectivamente ao réu marido, mandou proceder a novo pedido de loteamento, o que veio a acontecer em 07.10.2003.

20. Em 08.06.2004, por despacho do Vereador do Planeamento e Gestão Urbanística da CM (...) , foi decidido que o projecto de loteamento ficaria a aguardar a aprovação do estudo de conjunto.

21. Em 2012, ainda no âmbito do processo de loteamento solicitado em 2003, face a solicitação dos réus, através da empresa E (…)., a CM (...) informa dos constantes contratempos a que o processo tem sido sujeito e ainda que não se prevê data para a conclusão do mesmo.

22. Em 2014 os réus, em fase de discussão pública do PDM, apresentam as suas sugestões por forma a viabilizar o projecto de loteamento sub judice.

23. A proposta final da revisão do PDM foi publicada em DR em 15.08.2015 e a delimitação da REN do Município de (...) foi publicada, no Diário da República, I série - Número 31, a 15 de Fevereiro.

24. Consta da cláusula segunda do escrito supra referido no ponto 1 que a “(...) o restante 1.000.000$00 (um milhão de escudos) serão liquidados no acto da escritura que será realizada assim que os promitentes vendedores tenham concluído as infra-estruturas referentes ao loteamento em causa (Urbanização) (...)”.

25. A presente acção – considerando a data em que a petição inicial deu entrada em juízo – foi proposta a 07.12.2017.

26. Os réus foram citados para contestar os termos da presente acção a 03.01.2018.


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O Tribunal recorrido entendeu que a prescrição invocada pelos réus ocorreu porque decorreram mais de 20 anos contados desde a celebração do contrato em 10.11.1995.

A prescrição exprime a relevância do tempo (do seu decurso sobre as relações jurídicas), visando a certeza e a segurança do tráfego jurídico, tendo como fundamento a consideração de que não merece a protecção do ordenamento jurídico quem descura o exercício dos direitos que lhes assistem, porque a paz social não se compadece com a inércia, para lá de limites temporais impostos pelo legislador.

A prescrição é conferida no interesse do devedor.

Como no acórdão do STJ, de 22.9.2016 (proc. 125/06, em www.dgsi.pt), “nesta matéria, o art.º 306º, n.º 1, do Cod. Civil, adoptou o sistema objectivo, que, como atrás se salientou, dispensa qualquer conhecimento, por parte do credor, dos elementos essenciais referentes ao seu direito, iniciando-se o decurso do prazo de prescrição «quando o direito puder ser exercido», sendo que a injustiça a que tal sistema possa dar lugar é temperada pelas regras atinentes à suspensão e interrupção da prescrição (art.ºs 318º a 327º, do Cód. Civil). A expressão constante daquela disposição (art.º 306º, n.º 1, do Cod. Civil), “quando o direito puder ser exercido”, deve ser interpretada no sentido de o prazo de prescrição se iniciar quando o direito estiver em condições (objectivas) de o titular o poder actuar, portanto desde que seja possível exigir do devedor o cumprimento da obrigação, isto é, ocorre a partir do momento em que o credor tem a possibilidade de exigir do devedor que realize a prestação devida e, uma vez iniciado o prazo de prescrição de qualquer direito, a respectiva contagem prossegue a menos que ocorra qualquer suspensão ou interrupção (art.ºs 318º e ss do Cód Civil), não relevando sequer a sua transmissão (art.º 308º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Civil).”

No caso dos autos, no que respeita à celebração do contrato prometido, a obrigação dos réus estava dependente do loteamento a realizar e da conclusão das infra-estruturas, obrigação também a cargo destes réus.

A sua obrigação não tinha prazo e ficava dependente da sua possibilidade em concretizar o dito loteamento e infra-estruturas, ou seja, a escritura seria marcada quando fosse possível e realizado o loteamento e, subsequentemente, a conclusão das infra-estruturas (art.º 778º, n.º 1, do Código Civil – prazo dependente da possibilidade do devedor).

De acordo com o art.306º, nº 3, deste código, sendo a obrigação estipulada nestes termos, a prescrição só começa a correr depois da morte do devedor.

Não tendo esta ocorrido, não se verifica aquela.

Sem prejuízo disso, é pertinente ponderar o caso numa outra perspetiva:

Os autores pretendem a resolução do contrato promessa e a restituição do sinal em dobro.

Esta opção pressupõe o incumprimento definitivo da promessa.

Só com este aquela possibilidade ocorre.

Quando ocorreu o incumprimento definitivo ?

Se bem compreendemos a petição, os autores entendem que o tempo decorrido, com as dificuldades de legalização do loteamento, a par com a demais postura dos réus e a passagem do último prazo concedido, conduziu a uma situação que deverá, na sua perspetiva, ser entendida como uma sua perda de interesse no negócio ou uma recusa dos réus em cumprir, o que legitima a resolução.

Estando em causa este direito (resolução com a sanção relativa ao sinal), o mesmo só podia ser exercido quando ocorre a perda (objetiva) do interesse ou a recusa em cumprir (art.808º do Código Civil).

Sendo assim, o pretenso direito dos autores só estava em condições objetivas de ser exercido quando se confere aquela perda ou aquele incumprimento.

Ora, estes só terão ocorrido depois da notificação para cumprir, em 2017, só daí se contando o prazo da prescrição.

Os autores não exercem antes aquele direito porque ele pressupunha um atraso objetivado, uma interpelação, a continuação da não realização da prestação e uma perda (objetiva) do interesse, factos que só estarão preenchidos em 2017.

Durante muito tempo, para ambas as partes, o atraso no loteamento é aparentemente aceite com base nas dificuldades de legalização. Para os autores, só a partir de 2009 é que começam a ter a perceção de uma legalização impossível ou tão demorada que já não se lhes impõe.

Se contarmos o prazo a partir de 2009, a pior hipótese para os autores, ele ainda decorre.

Pensando ainda sob outra perspetiva:

Os réus não reconhecem o direito de resolução mas reconhecem a possibilidade de cumprimento da promessa. Isso resulta do teor da contestação, quando os réus dizem que o contrato é válido e eficaz, querem cumprir (art.43º) e que só há atraso porque razões alheias à sua vontade os têm impedido de cumprir.

Os autores afirmam nos arts. 22º e 23º da petição que, confrontando os réus com certas dificuldades, estes lhes disseram que tudo se ia resolver. (Existe a dúvida se esta afirmação ocorre em 2009 ou em 2016.)

Este facto, impugnado pelos réus, não foi julgado e poderá consubstanciar um reconhecimento expresso destes, em 2009, reafirmando a sua vontade de cumprir, o que interrompe a prescrição nos termos do art.325º, nº 1, do Código Civil, especialmente quando o Tribunal recorrido assenta o seu raciocínio no tempo do cumprimento da promessa  e não no tempo da resolução do contrato.

Mais, se estivesse em causa o (tempo de) cumprimento da promessa, como parece resultar da posição do Tribunal recorrido, parece inaceitável que, aceitando os réus a obrigação de cumprir, ao longo dos anos e agora (disso é expressão a contestação), viessem afinal invocar a prescrição dessa obrigação.

O conjunto dos factos, parte dos quais por julgar, é expressão da confiança criada e manifestada pelos réus, pelo cumprimento da obrigação, contraditória com a invocação da prescrição. (Com interesse, ver acórdão do STJ, de 01.07.2014, no proc. 6193/06, em www.dgsi.pt.)

Se o devedor tem a vontade de cumprir, o titular do direito confia na posição manifestada por aquele, não tendo, por isso, que o demandar. Não ocorre a inércia do credor que justifica a prescrição.

Tudo considerando e, por fim, que as razões apresentadas pelos réus, para a demora, não foram julgadas de facto, impõe-se o prosseguimento dos autos. O julgamento do direito de resolução depende também do apuramento da justificação apresentada pelos réus.


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Decisão.

Julga-se o recurso procedente, revoga-se a decisão recorrida, porque se entende que a prescrição não se verifica, e ordena-se o prosseguimento dos autos.

            Custas do recurso pelos recorridos, vencidos na questão da prescrição.

Coimbra, 2019-01-22

Fernando Monteiro ( Relator )

Carvalho Martins

Carlos Moreira