Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
356/12.2SAGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: PROVA TESTEMUNHAL
CONVERSAS INFORMAIS
AGENTE DA AUTORIDADE
CONSTITUIÇÃO DE ARGUIDO
ARGUIDO
Data do Acordão: 06/18/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1º JUÍZO, DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA.
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 127º, 128º Nº 1, 129º E 356º Nº 7 CPP
Sumário: 1.- Os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações, cuja leitura não for permitida, ou quaisquer pessoas que, a qualquer título, tenham participado na sua recolha, não podem ser inquiridas sobre o conteúdo daquelas;

2.- Porém, já assim não é quando os agentes da autoridade obtêm conhecimento dos factos por modo diferente das declarações do arguido reduzidas a auto;

3.- Assim, uma testemunha - agente da PSP - que em audiência de julgamento depõe relatando o que lhe foi transmitido pelo “futuro” arguido, não profere um depoimento indireto, antes sendo algo que aquele ouviu diretamente da sua boca, de viva voz;

4.- E um tal depoimento constitui prova que é legalmente admissível, sendo valorado dentro da livre apreciação pelo Tribunal, nos termos do art. 127 CPP.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal:

No processo supra identificado foi proferida sentença que, julgou procedente a acusação deduzida pelo Magistrado do Mº Pº contra os arguidos:

A..., casado, taxista, nascido a 14.05.1957, natural de (...) – Guarda, filho de (...) e (...), residente na Rua (...), Vilar Formoso;

B..., casado, taxista, nascido a 3.08.1952, natural de (...)- Guarda, filho de (...) e (...), residente na Rua (...) Gonçalo

Sendo decidido:

1. Condenar o arguido A...:

- pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143º, nº 1 do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros), o que perfaz o montante de € 840,00 (oitocentos e quarenta euros);

2. Condenar o arguido B...:

- pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143º, nº 1 do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros), o que perfaz o montante de € 840,00 (oitocentos e quarenta euros);

3. Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização cível formulado pelo ofendido A... e em consequência:

Condenar o arguido B... a pagar ao demandante A... o montante de € 800,00 (oitocentos euros) acrescido de juros de mora civis a contar da presente decisão;

4. Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização cível formulado pelo ofendido B... e em consequência:

Condenar o arguido A... a pagar ao demandante o montante de € 886,66 (oitocentos e oitenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos);

5. Julgar os pedidos improcedentes quanto ao mais, em conformidade se absolvendo os demandados.

6. Julgar totalmente procedente o pedido de indemnização cível formulado pela Unidade Local de Saúde da Guarda, E.P.E., contra o arguido A..., e em consequência:

Condenar arguido A... a pagar a esta Unidade Local o montante € 108,00, acrescidos de juros de mora à taxa legal de 4% a contar da data da notificação do requerimento do pedido de indemnização civil ao demandado (artigos 566º, nº 2; 805° nº 3; 806º; 559º, todos do Código Civil e Portaria nº 291/03 de 8 de Abril).

***

Desta sentença interpôs recurso o arguido B..., formulando as seguintes conclusões na motivação do mesmo, e que delimitam o objeto:

1- O recorrente foi condenado pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143, nº 1 do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros), o que perfaz o montante de € 840,00 (oitocentos e quarenta euros).

2- Salvaguardando melhor e mais avisada opinião, o douto Tribunal a quo julgou incorretamente os factos provados, porquanto, motivou a decisão em prova de validade duvidosa.

3- A douta sentença proferida fundou-se, para a condenação do arguido B..., nas declarações prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento, em depoimento indireto ou depoimento de entidade policial, na "inquirição da testemunha C..., agente da PSP, a prestar serviços nesta cidade ... ".

4- Ora, concordando-se inteiramente se trate de pessoa séria e fiável, reconheceu-se na douta sentença que "Pese embora a convicção do Tribunal não tenha assentado exclusivamente no referido por esta testemunha, certo é que a mesma foi a única testemunha que nos mereceu total credibilidade ..."

5- O depoimento desta testemunha foi, pois, o elemento decisivo no conjunto das provas produzidas, onde se motivou a decisão.

6- E perguntamos nós: será admissível e poderá ser valorado o depoimento de um agente policial que reproduz o que ouviu dizer a um suspeito/vítima de um crime, no momento em que chegou ao local para tomar conta da ocorrência?

7- É axiomático que nada impede um inspetor da Polícia Judiciária, um agente da PSP, um soldado da GNR, etc., de depor sobre factos de que tomou conhecimento direto.

8- Mas, no caso em apreço, a questão coloca-se em relação às declarações não formalizadas em auto prestadas perante um órgão de polícia criminal, será admissível e poderá ser valorado o depoimento de um agente da polícia que reproduz o que ouviu dizer à pessoa que depois vem a ser constituída arguida? Como se enuncia na douta sentença "Este cenário foi imediatamente afastado pelo Tribunal na sequência da inquirição da testemunha C..., agente da P.S.P, a prestar serviços nesta cidade, que relatou de forma séria, isenta e, por isso credível, a forma como foi chamado ao local e tudo o que aí verifico quando chegou." "Mais referiu que ambos os arguidos lhe relataram, imediatamente, o sucedido ...".

9- São fecundas as decisões judiciais sobre este tema e, em particular, sobre a questão da admissibilidade dos depoimentos dos órgãos de polícia criminal, e pode dizer-se que não existe unanimidade entre a jurisprudência (quer dos tribunais comuns, quer do Tribunal Constitucional) e a doutrina portuguesa sobre esta matéria.

10- Nesta senda, afigura-se-nos que o Tribunal a quo valorizou contra a lei depoimentos indiretos, ou depoimentos de entidade policial.

11- O douto Tribunal, salvo o devido respeito, preocupou-se em assegurar a descoberta da verdade material, mas ignorou as garantias de defesa do arguido (v.g de modo a garantir o seu direito à não autoincriminação), direitos antagónicos ambos com tutela constitucional, mas que importa harmonizar.

12 - Sendo certo que a busca da verdade material é, no processo penal, um dever ético e jurídico não se pretende que seja conseguida a qualquer preço. No âmbito da audiência, a produção probatória encontra-se sujeita aos limites impostos, nomeadamente, pelo art. 129, do C.P.P. e pelo art. 32 da C.R.P.

13- Sempre que se verifique a existência de uma tensão entre princípios e interesses fundamentais potencialmente conflituantes, há que procurar a sua harmonização.

14-Ainda entenderiamos que, para o esclarecimento dos crimes de maior gravidade em que se reconhecem as necessidades irrenunciáveis de uma ação penal eficaz, porque se acentua o interesse público numa investigação da verdade, o mais completa possível, poderá prevalecer o princípio da descoberta da verdade material.

15- A contrario sensu, nos crimes de menor gravidade, como o aqui em apreço, o princípio da descoberta da verdade material deverá ceder perante os interesses e direitos da defesa, nomeadamente o direito à não auto incriminação, valores com tutela constitucional consagrados no art. 32, nº 1 e 5 da CRP.

16- Assim sendo, ressalvado o devido respeito, a douta sentença, optou, unilateral e exclusivamente, pela descoberta da verdade material, em total prejuízo das garantias de defesa, valor com tutela constitucional.

17- Em suma, no caso vertente, o depoimento do agente não poderia ter sido valorado, não pode ser considerado válido o depoimento indireto prestado pelo agente da P.S.P., ao sê-lo o Tribunal a quo serviu-se de prova proibida pelos arts. 125 e 129, nº 1 do C.P.P., para fundamentar a decisão que condenou o arguido B..., ao arrepio do que o legislador pretendeu acautelar.

18- Não sendo válida a prova agora em causa, na falta de testemunhas presenciais, não é possível dar como provado que o arguido B... praticou os factos a ele imputados, daí sendo de excluir a respetiva consequência legal.

19- Sem prescindir do supra referido, a douta sentença exarada, salvo o devido respeito, determinou de forma desajustada a medida da pena de multa e o quantitativo diário da pena, correspondente ao crime, marcando-a por uma nota de severidade que a tornou excessiva, violando o disposto nos artigos 40, 47 e 71 do Código Penal.

20- O douto Tribunal, em nosso entender e sempre salvo o devido respeito por opinião contrária, não ponderou de forma criteriosa quer a culpa, quer as exigências de reprovação e de prevenção presentes no art. 40, n.º 1 e 2 bem como as demais exigências do art. 71, todos, do Código Penal.

21- Quanto á a fixação do quantitativo correspondente a cada dia de multa, de acordo com o disposto no art. 47, nº 2, do C.P., deve ser efetuada em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.

22- Afastadas aqui reflexões de prevenção geral e especial, bem como o grau de culpa do arguido, (essenciais à determinação da medida da pena) a única averiguação necessária versa sobre a situação económica e financeira do condenado, bem como os seus encargos pessoais.

23- Assim sendo, com relevância para a definição dessa situação, atentos os factos provados sob os nºs 17 a 23, o quantitativo diário da pena de multa fixado pelo Tribunal a quo e considera-se que peca por excesso, revelando-se desadequado e desproporcionado aos rendimentos auferidos pelo arguido.

24- Atenta não só a situação económica do arguido B..., bem como a crise que assola o nosso país, não é despicienda a diferença que vai dos €5,00 para os €7,00 diários. Diferença que poderá por em causa a subsistência do arguido e pessoas que dele dependem.

25- Cremos que o tribunal a quo, no caso em apreço, não tomou em consideração a situação profissional e pessoal do arguido, já que a multa fixada acarreta necessário prejuízo para a subsistência do seu agregado familiar e impõe-lhe um sacrifício financeiro que o impede de satisfazer as necessidades básicas essenciais, aferidas diariamente.

26- Perante as concretas circunstâncias já expostas, ponderando a situação económica do arguido e seu agregado familiar, afigura-se proporcional a pena de 80 dias de multa devendo o quantitativo diário situar-se no mínimo legal, €5,00, montante que, se nos revela, adequado e suficiente à realização das finalidades da punição.

27- Sempre se dirá, ainda assim, que em caso de manutenção da condenação, o que se repudia, tal medida da pena continuará a causar ao recorrente um sacrifício económico palpável e que, a irá sentir, como uma verdadeira punição.

28- Acresce que, tal como consta dos autos, ao ora Recorrente foi deferido apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, ora como sabemos, a "proteção jurídica é um direito das pessoas singulares e coletivas sem fins lucrativos, que não tenham condições económicas de acederem ao direito e aos tribunais", o que vem reforçar a ideia de que é precária a sua condição económica.

Termos em que, concedendo-se provimento ao presente recurso, se requer seja o arguido absolvido da prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143, nº 1 do Código Penal e do pedido de indemnização do demandante A... na sua totalidade tudo sob os legais efeitos e consequências.

Caso, V. Exas., assim o não entendam, deverá ser modificada a medida da pena de multa e o respetivo quantitativo diário aplicados pelo douto tribunal "a quo", fixando-se em montante não superior a 80 dias de multa, à razão diária, de €5,00.

Foi apresentada resposta pelo Magistrado do Mº Pº, que conclui:

1-Acompanhamos de perto a decisão ora posta em crise quer quanto aos factos quer ao ius aplicado, a qual nos parece adequada e justa em face do que foi apurado em sede de discussão e julgamento.

2- Não se está, no caso vertente, perante um depoimento indireto do agente da PSP, porquanto arguido pôde, da forma que muito bem quis, contradizer o seu depoimento;

3- O que se pretende evitar, com o depoimento indireto previsto no art. 129 é que seja vedado ao arguido não poder defender-se de um depoimento de terceiro que não depôs em audiência de julgamento, o que não sucedeu no caso presente;

4- A decisão ora posta em crise explanou de forma eloquente porque razão afastou, "in casu", a problemática do "depoimento indireto", justificação que merece o nosso aplauso;

5- Mostra-se adequado quer às condições económico-financeiras, quer aos encargos pessoais do recorrente, quer o quantum da pena de multa quer o quantitativo diário em que este foi condenado, como tudo bem resulta da matéria de facto dada como assente pelo Mmº Juiz 'a quo'.

6- Pois que a multa deve traduzir-se num encargo sensível, deve ser sentida pelo arguido, sob pena de perder todo o efeito prático que lhe está subjacente, enquanto sanção penal.

7- Mostrando-se a pena de multa aplicada ao recorrente adequada e justa quer em face da sua culpa quer em face das exigências de prevenção especial e geral do caso concreto quer das suas condições económico financeiras.

Deve ser mantida “in totum” a decisão em recurso.

Responde o arguido/ofendido A..., concluindo:

1.Pelo bom fundamento quer de facto quer de direito da Douta Sentença recorrida, deverá a mesma manter-se integralmente, até porque;

2.O Tribunal" a quo" não se limitou a formar a sua convicção somente com base no depoimento do Agente da P.S.P C..., mas sim “no conjunto da prova produzida, nomeadamente nas declarações dos arguidos, nos depoimentos das testemunhas e nos documentos juntos aos autos, tudo conjugado com juízos de experiência comum", como se afirma na própria sentença, onde se explana e fundamenta a convicção livre, que não arbitrária, do Julgador, conforme decorre dos ditames do Art. 127 do C.P.P

3.Inexistiu qualquer produção e valoração de qualquer depoimento indireto que o Tribunal "a quo" estivesse impedido de produzir ou valorar nos termos do disposto nos art0127, 128 e 129 do C.P.P, não tendo, de forma alguma, o mesmo violado o disposto no Art. 125 do mesmo dispositivo;

4.De qualquer forma, a ter existido tal irregularidade, que se não admite, encontrar-se-ia sanada como se dispõe no Art. 123 do C.P.P;

5.Quer a pena quer a sua medida foram devidamente ponderadas e "tabeladas" de acordo com os critérios legais dos Arts. 40, 47 e 71 do C.P, pelo que são as corretas e adequadas ao caso e Arguidos;

6- Inexiste ainda, qualquer contradição ou oposição de princípios constitucionais a necessitar de harmonizar ínsitos no Art. 32°da CRP, ou que tenham sido violados;

7-De qualquer forma, as penas aplicadas foram conformes aos princípios legais e constitucionais da adequação de proporcionalidade, plasmados nos supra citados artigos;

8- A não se entender assim, e por uma questão de igualdade e Justiça relativas, deverão manter-se iguais quer as penas aplicadas ou a aplicar quer a sua medida.

Nesta Relação, o Ex.mº PGA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

Cumprido o art. 417 do CPP, não foi apresentada qualquer resposta.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir:

***

São os seguintes os factos que o Tribunal recorrido deu como apurados e fundamentação dos mesmos:

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

Factos Provados:

Da audiência de discussão e julgamento e no que respeita aos factos:

- Constantes do despacho de acusação pública resultou provado que:

1. No dia 09.08.2012, pelas 22h25m, os arguidos B... e A..., ambos motoristas de táxi, encontravam-se em serviço, junto da clínica privada de hemodiálise denominada “NephroCare”, sita na Estrada do Alvendre, E.M 577, área e concelho desta comarca.

2. Tempos antes, o arguido B... havia denunciado o arguido A..., junto daqueles serviços, por factos relacionados com o transporte de doentes para aquela unidade, em veículos particulares e cobrando o serviço, como transporte de táxi.

3. De forma não concretamente apurada, os arguidos envolveram-se numa contenda física que terminou com a queda dos dois no solo, durante a qual se agarraram mutuamente e desferiram pancadas no corpo um do outro.

4. Em resultado do referido em 3. o arguido B... sofreu as lesões descritas no Relatório Médico-legal de folhas 17 a 18 dos autos, nomeadamente; “membro superior direito: cicatrizes nacaradas nos cotovelos e joelhos, medindo a maior 2cm de diâmetro” e a 09.08.2012, e na documentação clínica do Hospital da Guarda: “traumatismo craniano leve, EG 15, algumas escoriações dispersas, sem outras queixas”.

5. O relatório pericial atestou que tais lesões determinaram um período de doença fixável em 6 dias para a cura, com 4 dias de afetação da capacidade para o trabalho geral e 4 dias para o trabalho profissional.

6. Em resultado do referido em 3. o arguido A... sofreu escoriações, inchações e inflamações na cabeça, face, membros superiores, inferiores, tórax e costas.

7. O arguido A..., agiu deliberada, livre e conscientemente, com o intuito concretizado de causar lesões corporais ao arguido B..., molestando-o no seu corpo e na sua saúde.

8. O arguido B..., agiu deliberada, livre e conscientemente, com o intuito concretizado de causar lesões corporais ao arguido A..., molestando-o no seu corpo e na sua saúde.

9. Sabiam ambos serem as suas descritas condutas criminalmente punível pela lei penal.

- Constantes do pedido de indemnização cível deduzido pelo ofendido A..., para além dos factos comuns e provados constantes do despacho de acusação pública, resultou provado que:

10. O arguido A... teve que se deslocar junto das autoridades várias vezes, quer para formalizar a queixa, prestar declarações, vir a julgamento e também junto de advogado.

11. O arguido A... sofreu durante vários dias dores na cabeça, face, braços, pernas, nuca e costas.

- Constantes do pedido de indemnização cível deduzido pelo ofendido B..., para além dos factos comuns e provados constantes da acusação pública, resultou provado que:

12. As lesões referidas em 4. e 5. causaram ao arguido B... mal-estar físico e dores.

13. Em consequência das lesões, o arguido despendeu em medicamentos a quantia de € 11,66.

14. Em consequência das lesões o arguido B... teve cefaleias, instabilidade do equilíbrio, alterações das funções cognitivas ligeiras com dificuldade de concentração, tendo tido necessidade de recorrer a médico especialista para tratamento, tendo pago despesa com consulta no valor de € 75,00.

- Constantes do pedido de indemnização cível deduzido pela U.L.S., resultou provado que:

15. No âmbito da sua atividade de prestação de cuidados de saúde, e na sequência das lesões apresentadas pelo arguido B..., a U.L.S. prestou-lhe cuidados de saúde no valor de € 108,00.

- Quanto aos antecedentes criminais dos arguidos provou-se que:

16. Os arguidos não têm registo de antecedentes criminais.

- Quanto à situação económica, familiar, social e profissional dos arguidos provou-se que:

17. O arguido B... é casado e vive com a esposa, em casa própria, encontrando-se aquela reformada, por incapacidade, auferindo uma pensão no valor mensal de € 370,00.

18. O arguido exerce a profissão de taxista, por conta própria, na cidade da Guarda sendo incerto o rendimento mensal que aufere no âmbito dessa sua atividade.

19. O arguido tem três filhos, todos maiores e independentes financeiramente.

20. O arguido paga uma prestação global mensal de cerca de € 580,00 para amortização de créditos bancários, nomeadamente para aquisição da sua habitação e da sua viatura automóvel – táxi.

21. Neste momento é o genro do arguido conduz o táxi, pagando-lhe o arguido cerca de € 500,00 mensais.

22. O arguido conta com a ajuda do sogro para fazer face às despesas extraordinárias.

23. O arguido completou o 4º ano de escolaridade.

24. O arguido A... é casado e vive com a esposa e o seu filho mais novo, com 14 anos, em casa própria.

25. O arguido tem outro filho, com 22 anos, de anterior casamento, o qual se encontra a residir com a mãe.

26. A esposa do arguido encontra-se desempregada e recebe cerca de € 400,00 de subsídio de desemprego.

27. O arguido exerce a profissão de taxista, por conta própria, em Vilar Formoso, sendo incerto o rendimento mensal que aufere no âmbito dessa sua atividade.

28. O arguido paga uma prestação global mensal de cerca de € 674,00 para amortização de créditos bancários, nomeadamente para aquisição da sua habitação e da sua viatura automóvel – táxi.

29. A esposa tem carro próprio, o qual adquiriu com dinheiro emprestado da sua mãe.

30. O arguido conta com a ajuda dos sogros para fazer face às suas despesas correntes e em face da impossibilidade de cumprimento da prestação bancária está equacionar transmitir a propriedade da sua casa à instituição bancária.

31. O arguido completou o 7º ano de escolaridade.

Nada mais se provou no que concerne à restante matéria constante dos articulados onde foram deduzidos os pedidos de indemnização cível, por se tratar de juízos conclusivos, de valor ou de direito não pôde sobre a mesma recair qualquer juízo probatório.

Factos não provados:

Não se provou que:

a) Nas circunstâncias de tempo e lugar referias em 1. o arguido A..., aproveitando a presença do arguido B... junto da porta de entrada do referido estabelecimento de saúde, dirigiu-se ao mesmo nos seguintes termos; “ porque motivo te metes na minha vida”, e de seguida desferiu-lhe vários murros na face.

b) Por sua vez, o arguido B..., empurrou o arguido A..., e desferiu-lhe murros.

c) O arguido B... atingiu o arguido A... com vários murros na cabeça e face.

d) O arguido B... empurrou o arguido A... derrubando-o e fazendo-o cair ao solo.

e) As lesões sofridas pelo arguido A... impossibilitaram-no de trabalhar pelo menos quatro dias, sendo que as dores perduraram durante pelo menos sete dias, tempo que demandaram para curar.

f) O arguido passou a andar deprimido, enervado, desgastado e preocupado, com receio pela sua integridade física.

g) O arguido sentiu uma profunda angústia e vergonha de ter sido vexado e sovado publicamente.

h) O arguido anda diária e constantemente nervoso, muito ansioso, não dorme convenientemente e sente com frequência dores de cabeça.

i) Também tem algum receio de andar pela rua, sobretudo quando se desloca à Guarda, o que faz frequentemente, com medo de que possa novamente vir a ser agredido pelo arguido B..., numa clara limitação da sua liberdade de movimentos e de autodeterminação.

j) As lesões referidas em 4. e 5. causaram ao arguido B... muito sofrimento.

k) O arguido sentiu tristeza, angústia e muita mágoa por ter sido violentamente agredido pelo arguido A....

l) O arguido é pessoa de boa formação moral e social, sendo respeitado por todos no meio em que socialmente se relaciona, sendo contrário a desacatos e de um modo geral a qualquer tipo de conflitos.

m) O arguido é bom profissional, honesto e rigoroso, desempenhando a sua atividade com respeito pelas leis e regulamentos.

n) O arguido tenha despendido qualquer outra quantia em medicamentos para além da referida em 13..

o) Para além do referido em 14. as despesas suportadas pelo arguido em consultas tenham sido consequência das lesões.

p) O arguido A..., em consequência da sua atuação tenha danificado os óculos graduados que o arguido B... trazia postos, tendo ficado com as lentes e aros partidos, tendo tido necessidade de adquirir uns óculos novos (conjunto de armação e lentes) que lhe custaram a quantia de € 550,00.

q) Nos 4 fixados como de incapacidade para o trabalho o arguido não tenha, efetivamente, realizado o seu trabalho de taxista, tendo tido um prejuízo diário de € 125,00.

III. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO:

Nos termos e para os efeitos dos artigos 97 e 374 nº 2, ambos do Código de Processo Penal, para a formação da sua convicção o Tribunal procedeu ao exame do conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, através de uma ponderação criteriosa à luz das regras da experiência.

Assim, fundou o Tribunal a sua convicção no conjunto da prova produzida, nomeadamente nas declarações dos arguidos, nos depoimentos das testemunhas e nos documentos juntos aos autos, tudo conjugado com juízos de experiência comum.

Nesta produção testemunhal sobrelevaram-se o conhecimento pessoal e direto dos factos perguntados, a postura denotada pelas testemunhas, bem como a convicção e transparência dos depoimentos.

Relativamente a ambos os arguidos, impõe-se começar por referir que o Tribunal não atribuiu total credibilidade a nenhum deles, tendo resultado evidente e manifesto que ambos tentaram nesta sede rejeitar qualquer tipo de responsabilidade criminal.

Depois de terem confirmado a sua presença no local no dia e hora referido em 1., os arguidos imputaram um ao outro o início das agressões, tendo o arguido A... referido que o arguido B... se atirou a si quando este ia para o cumprimentar, sem que nada o fizesse prever, atirando-o ao chão, o que sucedeu por diversas vezes, pois que sempre que se levantava este voltava a agredi-lo.

Mais referiu que para além do arguido, e já depois de estar a ser agredido por este, apareceu o genro daquele que começou também a agredi-lo com pontapés, vendo-se na contingência de fugir dos mesmos, tendo os agressores corrido atrás dele pelas imediações do local, acabando por se refugiar num vestiário da clínica, local onde os agressores ainda tentaram apanhá-lo.

O arguido referiu não ter qualquer dúvida de que os seus agressores tinham planeado a sua atuação.

O arguido prestou declarações a dois tempos, o primeiro em que entra numa série de hesitações ao descrever o início das agressões e a forma como o arguido B... o derruba ao chão, o que aliás se nos afigura pouco plausível em fase da compleição física de ambos e de onde se destaca uma superioridade do alegado ofendido relativamente ao seu agressor.

Caracterizamos o segundo tempo das declarações do arguido como revestidas de maior credibilidade, porque transmitidas de forma totalmente diferente, mais sentida e emotiva, não obstante alguns momentos de notório exagero.

Referimo-nos aqui às lesões que disse ter sofrido e à presença do genro do arguido no local em momento anterior àquele que o próprio refere.

Este arguido, ainda que de forma dissimulada, o que acabou por se perceber em face das consequências que a situação poderia acarretar para si, alegou a existência de um conflito com o arguido B... decorrente da tentativa que este levava a cabo para o aproximar de uma senhora que o arguido A... caracterizou como muito perigosa, situação que apesar de não cabalmente esclarecida, consideramos ter um fundo de verdade.

Veja-se que o arguido B... não a rebateu de qualquer forma.

Passando às declarações deste arguido, importa referir que as mesmas, apesar de terem sido transmitidas de forma mais tranquila e escorreita, não nos mereceram qualquer credibilidade, sobretudo quando conjugadas com a demais prova produzida, tendo o Tribunal ficado convencido de que, de facto, o arguido construiu uma versão dos factos que tentou fazer valer em Tribunal sem correspondência com a realidade, uma vez que foram detetadas no seu relato uma série de incongruências e inverdades que acabaram por inquinar toda a eventual valia probatória das suas declarações.

Este arguido começou por transmitir o seu início do conflito nos exatos termos constantes do libelo acusatório, dizendo, de seguida, que após ter sido agredido pelo arguido A... rebolou pelo chão, tendo ficado dentro de uma valeta, preso, sem qualquer possibilidade de se defender, tendo sido agredido por aquele arguido até ficar completamente sem reação.

Mais referiu que foi uma das funcionárias da clínica que o ajudou a levantar-se quando deu por ele ali caído, tendo sido socorrido, de seguida, pelo INEM que o transportou ao Hospital, tendo tido alta ainda nessa noite.

Explicou, ainda, que pediu a um colega, que não identificou, para ligar para a sua esposa dando-lhe conta do ocorrido e solicitando-lhe que ligasse ao seu genro para vir buscar os clientes que ficara de transportar para suas casas.

O arguido descreveu um cenário de grande violência e brutalidade da agressão de que disse vítima e um estado de extrema gravidade em consequência daquela.

Este cenário foi imediatamente afastado pelo Tribunal na sequência da inquirição da testemunha C..., agente da P.S.P., a prestar serviços nesta cidade, que relatou de forma totalmente descomprometida, séria, isenta e, por isso credível, a forma como foi chamado ao local dos factos e tudo o que aí verificou quando chegou.

Começou, então, por referir que ambos os arguidos, ainda que com mazelas típicas de agressões, se encontravam em perfeitas condições de saúde, colaborantes tendo-lhe inclusivamente relatado o sucedido, confirmando que o arguido A... tinha marcas evidentes na face e a roupa rasgadas, com salpicos de sangue.

Mais referiu que ambos os arguidos lhe relataram, imediatamente, o sucedido, da mesmíssima forma, ou seja, de que se tinham envolvido reciprocamente em agressões, com murros e pontapés, divergindo, apenas, quanto ao primeiro a agredir, uma vez que cada um imputou essa circunstância ao outro.

A testemunha referiu, ainda, que o arguido A..., logo naquele momento, referiu ter sido também agredido pelo genro do arguido B... e que teve que se refugiar dentro de um compartimento da clínica a fim de evitar continuar a ser agredido por aqueles.

Quanto ao arguido B... a testemunha não teve qualquer hesitação em afirmar que aparentemente aquele arguido estava em perfeitas condições de correr atrás de quem quer que fosse, tendo entrada para dentro da ambulância pelo seu próprio pé, não dando mostras de qualquer confusão ou perturbação, conforme por si transmitido ao Tribunal.

Pese embora a convicção do Tribunal não tenha assentado exclusivamente no referido por esta testemunha, certo é que a mesma foi a única testemunha que nos mereceu total credibilidade, sendo o seu relato o único que foi totalmente consentâneo com a demais prova produzida e que infra melhor explicitaremos.

Do exposto resulta que perfilhamos o entendimento doutrinal (cfr. neste sentido Carlos Adérito Teixeira in Depoimento Indireto e Arguido: Admissibilidade e Livre Valoração versus Proibição de Prova, revista do CEJ, 1º semestre, 2005, nº 2, pág. 158 e ss.), e jurisprudencial (cfr., entre outros, Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 12.11.2003, referente ao processo nº 2050/03, de 09.07.2008, referente ao processo nº 601/07.6GBCNT.C1, e do S.T.J. de 15.02.2007, referente ao processo nº 06P4593, todos disponíveis in www.dgsi.pt) que entende dever ser valorado em audiência de julgamento o depoimento de um agente da autoridade que, no exercício das suas funções, ao tomar conta de uma ocorrência, é informado pelos presentes da forma como os factos ocorreram.

Entendemos, assim, que uma testemunha – nomeadamente agente de autoridade – que em audiência de julgamento depõe relatando o que lhe foi transmitido pelo arguido, não profere um depoimento indireto, antes sendo algo que aquele ouviu diretamente da “sua boca, de viva voz”.

E um tal depoimento constitui prova que é legalmente admissível, sendo valorado dentro da livre apreciação pelo Tribunal, nos termos do art. 127 do C.P.P.. Trata-se de um meio legal de obtenção de prova.

Refere o art. 356 nº 7 do C.P.P. que os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, ou quaisquer pessoas que, a qualquer título, tenham participado na sua recolha, não podem ser inquiridas sobre o conteúdo daquelas.

Porém, já assim não é quando os agentes da autoridade obtêm conhecimento dos factos por modo diferente das declarações do arguido reduzidas a auto.

A prova apresentada pelo órgão de polícia criminal foi recolhida antes de haver processo e de o “futuro” arguido ser sequer suspeito.

Citando o último dos supra referidos arestos, admitimos que tem sido muito discutida a questão do alcance da proibição do testemunho de “ouvir dizer” que o C.P.P. consagra no art. 129. “A jurisprudência não tem sido uniforme. Mas podemos considerar adquirido, para o que agora importa, por um lado, que os agentes policiais não estão impedidos de depor sobre factos por eles detetados e constatados durante a investigação e, por outro lado, que são irrelevantes as provas extraídas de “conversas informais” mantidas entre esses mesmos agentes e os arguidos, ou seja, declarações obtidas à margem das formalidades e das garantias que a lei processual impõe.

Pretenderá, assim, a lei impedir, com a proibição destas “conversas”, que se frustre o direito do arguido ao silêncio, silêncio esse que seria “colmatado” ilegitimamente através da “confissão por ouvir dizer” relatada pelas testemunhas.

Pressuposto desse direito ao silêncio é, no entanto, a existência de um inquérito e a condição de arguido. A partir da constituição do arguido enquanto tal, ele assume um estatuto próprio, com deveres e direitos, entre os quais, o de não se autoincriminar. A partir de então, as suas declarações só podem ser recolhidas e valoradas nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas ou quaisquer outras provas recolhidas informalmente.

Contudo, de forma diferente se passam as coisas quando se está no plano da recolha de indícios de uma infração de que a autoridade policial acaba de ter notícia. Compete então às autoridades, nos termos do art. 249 do C.P.P., praticar “os atos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, entre os quais, “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime”. Estas “providências cautelares” são fundamentais para investigar a infração, para que essa investigação tenha sucesso. E daí que a autoridade policial devam praticá-las mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária para investigar (art. 249, nº 1)”, o que sucedeu no caso dos autos.

“Nessa fase não há ainda inquérito instaurado, não há ainda arguidos constituídos. É uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto. As informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. Ainda que provenham de eventual suspeito, essas informações não são declarações em sentido processual, precisamente porque não há ainda processo (pode até não vir a haver, como por exemplo se o crime for semipúblico e não for apresentada queixa).”

Conclui, assim, o citado aresto que “Completamente diferente é o que se passa com as ditas “conversas informais” ocorridas já durante o inquérito, quando há arguido constituído, e se pretende “suprir” o seu silêncio, mantido em auto de declarações, por depoimentos de agentes policiais testemunhando a “confissão” informal ou qualquer outro tipo de declaração prestada pelo arguido à margem dos formalismos impostos pela lei processual para os atos a realizar no inquérito.

O que o art. 129 do C.P.P. proíbe são estes testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o art. 249º do C.P.P..”

Destarte, entendemos que aquele contributo probatório não sendo proibido, pode ser livremente valorado no confronto com as demais provas, norteando-se, para o efeito, o Tribunal pelo princípio da livre apreciação da prova (cfr. art. 127 do Código de Processo Penal), julgando-se os factos segundo a consciência que formou, convicção essa que é formada não em obediência a regras preestabelecidas, a quadros, critérios ou ditames impostos por lei, mas sim através da influência que as provas produzidas exerceram no espírito do julgador, após as ter apreciado e avaliado segundo critérios de valoração racional e lógica, segundo a sua experiência, sendo que, neste particular aspeto, não pode deixar de dar-se a devida relevância à perceção direta que a imediação e a oralidade conferem ao julgador.

Por este motivo, foi o seu depoimento valorado desta forma pelo Tribunal.

Em total oposição com a seriedade das declarações desta testemunha, que nenhum interesse denotou no desfecho do processo, produziu-se o depoimento da testemunha D..., taxista de profissão e genro do arguido B..., que deu corpo uma atuação processual altamente comprometida, hesitante, nervosa e desprovida de qualquer espontaneidade.

Confirmou, na globalidade, o mesmo cenário já transmitido pelo arguido B..., nomeadamente no que respeita ao facto de ter encontrado o mesmo preso numa valeta que se encontra nas imediações da clínica, valeta esta que a funcionária daquela clínica negou existir no local, nos termos que analisaremos de seguida.

Começou, depois, por dizer que quando chegou ao local o arguido A... estava dentro da clínica, tendo-o visto entrar, dizendo depois que o mesmo vinha do Parque da Mercedes (situado nas imediações do local) e que por esse motivo logo pensou ser aquele o agressor do seu sogro.

Momentos depois de ter afirmado isto, e em total contradição, acaba por dizer ter sido o seu sogro que lhe identificou o arguido A... dizendo-lhe “foi aquele que ali vai”.

Depois, em total contradição com o referido pelo agente da PSP refere que a polícia só chegou ao local depois do INEM já ter saído com o arguido B..., que se encontrava muito mal, tendo ficado o tempo todo caído na aludida valeta e inconsciente.

Questionado mais em pormenor acerca desta inconsciência acaba por dizer que afinal só estava “baralhado”, não dizendo “coisa com coisa”.

Depois de todas as contradições a que deu corpo, as quais não conseguiu explicar, a testemunha acaba por dizer ter ficado com a sensação que ambos os arguidos desferiram e receberam agressões, facto que depois tentou também negar de seguida.

Em face de tudo quanto supra referimos e da sua prestação em audiência, o Tribunal para além de a ter desacreditado por completo ficou, ainda, com a convicção de que a testemunha se envolveu, efetivamente, nas agressões objeto deste processo.

De forma menos evidente, a testemunha E..., filha do arguido e esposa desta última testemunha, depôs de forma pouco espontânea, comprometida e notoriamente exagerada.

Referiu ter visto o pai todo desfigurado, traçando ao Tribunal um cenário de gravidade totalmente incompatível com o que foi desenhado pelo supra referido agente da PSP, com o facto de o arguido ter tido alta clínica ainda nessa noite e com o relatório pericial junto aos autos.

O depoimento da testemunha F..., auxiliar da ação médica na clínica onde ocorreram os factos assumiu relativa valia probatória, na medida em que o Tribunal ficou a nítida perceção de que a mesma, por se encontrar a trabalhar apenas com outra colega e com a clínica cheia de doentes àquela hora da noite, acabou por não prestar grande atenção ao sucedido.

Para além de ter negado a existência de qualquer valeta no local, nomeadamente no sítio onde alegou ter encontrado o arguido B..., a testemunha referiu que o arguido estava perfeitamente consciente, colaborante, tendo-lhe apenas relatado ter sido agredido por um taxista de Vilar Formoso, o qual não viu logo ali no local, tendo-o visto mais tarde mas não tendo atentado bem no seu estado.

A testemunha referiu não ter assistido a nenhuma agressão nem tão pouco presenciado a atuação da Polícia e do INEM.

Questionada sobre se o arguido lhe pediu ou se assistiu ao arguido a ligar para a esposa a pedir a presença do genro no local, a testemunha referiu que tal não sucedeu.

Este relato, conjugado com todo o mais, leva-nos a concluir que, de facto, o genro do arguido já poderia estar no local, pois que não se percebe então como ali chegou, nomeadamente junto do outro arguido, o qual a testemunha também não viu naquele momento.

Importa não esquecer que a testemunha disse não se encontrar mais ninguém nas imediações, nomeadamente o alegado taxista a quem o arguido disse ter pedido para ligar para a esposa, para chamar o genro.

G..., amigo do arguido A... e paciente da clínica de hemodiálise, disse estar a fazer tratamento no dia em causa e ter visto quatro pessoas a correr, não obstante não ter assistido a quaisquer agressões, garantindo que uma dessas pessoas era uma mulher, duas das outras os arguidos B... e A... e um outro que não conhece.

O Tribunal não atribuiu qualquer valia probatória ao depoimento desta testemunha, desde logo porque também a desacreditou, em primeiro lugar porque introduz um elemento do sexo feminino que até aí ninguém referira, nem mesmo o próprio arguido A..., depois porque não é minimamente verosímil, contrariando as regras da experiência comum e do normal acontecer que tendo-se apercebido de que uma pessoa que considera amiga anda a correr com três pessoas atrás dele, não tente perceber o que se passa.

Por fim, a testemunha H..., também taxista de profissão, que começou por admitir ter tido já problemas com o arguido B... em Tribunal, numa situação em todo idêntica à dos autos, e que não obstante este facto, mereceu acreditação por parte do Tribunal.

A testemunha não podia ter sido mais frontal a responder ao que lhe foi perguntado acerca da sua relação com o arguido e opinião que tem acerca dele, garantido, de forma muito perentória, séria firme e sincera ter visto o arguido B... a trabalhar nos dias imediatamente seguintes ao dos factos, tendo sabido por outros colegas da confusão ocorrida na noite anterior na clínica de hemodialise.

Mais referiu que o arguido apresentava na cara marcas desse mesmo confronto físico.

Para além da prova testemunhal valorou o Tribunal o teor dos seguintes documentos:

- declaração clínica de fls. 243;

- recibos de fls. 244; 245; 246; 248; 250 e 251;

- guia tratamento de fls. 247;

- declaração médica de fls. 249;

- fatura de fls. 265.

Valorou-se, ainda, o teor dos relatórios periciais de fls. 10-11 e 17-18, que apenas permitiram dar como provados os factos referidos em 4. e 5., uma vez que resultou demonstrado que não obstante a eventual afetação da capacidade do arguido B... para o trabalho o mesmo foi trabalhar nos dias seguintes ao episódio de agressões, daí a não prova da factualidade constante da alínea q).

Como resulta evidente da análise crítica da prova supra efetuada, no que concerne à factualidade com relevância criminal apenas se demonstraram os factos provados em 1. a 6., tendo a demais factualidade constante do libelo acusatório resultado não demonstrada.

Relativamente aos elementos subjetivos provados cumpre citar as palavras de Malatesta, quando refere que “o homem, ser racional, não obra sem dirigir as suas ações a um fim. Ora quando um meio só corresponde a um dado fim criminoso, o agente não pode tê-lo empregado senão para alcançar aquele fim.” [A Lógica das provas em matéria Criminal, p. 172 ss; (cfr. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23 de Fevereiro de 2993, in BMJ nº 324, pág. 620] e, ainda, que sublinhar o recurso às regras de presunção natural, uma vez que os factos objetivos dados como provados permitem concluir pela sua efetiva verificação.

Com efeito, no que concerne aos factos atinentes à intenção e motivação dos arguidos, convém recordar a lição de Cavaleiro Ferreira (Curso de Processo Penal, vol. L 1981, pág. 292), quando refere que existem elementos do crime que, no caso da falta de confissão, só são suscetíveis de prova indireta como são todos os elementos de estrutura psicológica, aos quais apenas se poderá aceder através de prova indireta (presunções naturais não jurídicas), a extrair de factos materiais comuns e objetivos dados como provados, o que sucedeu in casu (cfr., a propósito, Malatesta “A Lógica das provas em matéria Criminal”, pág. 172 e ss.).

No que concerne à matéria dos pedidos de indemnização cível apenas se provaram os factos elencados sob os números 10. a 14., quer por recurso ao supra referido, quer por recurso às regras da experiência comum e do normal acontecer no que respeita às dores provocadas pelas lesões que ambos os arguidos apresentavam.

Não foi feita qualquer prova acerca dos factos referidos nas alíneas e) a m), sendo que quanto às quantias despendidas pelo arguido na sequência do episódio das agressões, em face do seu teor e das datas das consultas médicas, apenas foi possível contabilizar a consulta do médico privado a que recorreu logo a seguir àquele evento, não se tendo demonstrado de qualquer forma que necessitou de continuar em tratamento por mais tempo, o mesmo relativamente às despesas medicamentosas.

Por fim, importa referir que não se provou de qualquer forma que o arguido tenha danificado os óculos que exibiu ao Tribunal (os quais aparentavam ter já muito tempo) na noite em questão, tendo antes ficado provado, nomeadamente pelo referido pela testemunha que o viu trabalhar no dia seguinte, que o arguido usava óculos nesse dia.

Sobre esta questão, o arguido avançou como explicação o facto de ter outros óculos lá em casa, o que, em face de tudo quanto referimos acerca da sua credibilidade, não nos mereceu qualquer segurança.

No mais, para além dos seus CRCs, valorou o Tribunal quanto à atual situação dos arguidos o por si referido que não foi contrariado por qualquer elemento noutro sentido.

***

Conhecendo:

O âmbito dos recursos é determinado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação.

Refere a este propósito o Prof. Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, III, 2ª ed., pág. 350. “ As conclusões da motivação são extraordinariamente importantes, exigindo muito cuidado. Para além da rejeição do recurso quando faltarem as conclusões de direito e as especificações sobre a matéria de facto (Artº 412º, nºs 2 e 3), são as conclusões que delimitam o âmbito do recurso”.

-Assim da sua análise resulta que a divergência do recorrente se situa ao nível da matéria de facto, por entender que o depoimento prestado pela testemunha C..., agente da PSP, não deve ser valorado porquanto, na sua perspetiva se trata de depoimento indireto.

-Questiona também o recorrente a medida da pena. Quer no que concerne aos dias de multa, quer quanto à taxa diária.

***

Depoimento indireto:

Diremos, desde já, que concordamos inteiramente com a valoração do depoimento desta testemunha, subscrevendo toda a justificação enunciada.

E, não está somente em causa o “ouvir”, Na fundamentação da matéria de facto se diz que esta testemunha:

- Relatou de forma totalmente descomprometida, séria, isenta e, por isso credível, a forma como foi chamado ao local dos factos e tudo o que aí verificou quando chegou.

- Começou, então, por referir que ambos os arguidos [foram] colaborantes tendo-lhe inclusivamente relatado o sucedido.

- Mais referiu que ambos os arguidos lhe relataram, imediatamente, o sucedido, da mesmíssima forma.

- Pese embora a convicção do Tribunal não tenha assentado exclusivamente no referido por esta testemunha, certo é que a mesma foi a única testemunha que nos mereceu total credibilidade, sendo o seu relato o único que foi totalmente consentâneo com a demais prova produzida. (sublinhados nossos).

Donde resulta que o depoimento resultou também de tudo o que a testemunha se apercebeu quando chegou ao local, sem ser só o relatado.

Resultando que os dois arguidos relataram da mesma maneira, pelo que se pode concluir que a testemunha também ouviu sem ser da boca do arguido recorrente, mas também da boca do arguido A..., mas enquanto ofendido.

Que o depoimento desta testemunha é consentâneo com a demais prova produzida e convincente.

Mas para além disso, mesmo em relação ao recorrente, a testemunha ouviu da pessoa que posteriormente veio a ser constituído arguido.

Ou seja, declarações da pessoa que na altura teria sido, apenas, interveniente em contenda ou zaragata.

Esta matéria vem sendo reapreciada com frequência pela jurisprudência, mesmo a nível do STJ, e nem sempre com posições coincidentes.

O depoimento prestado em audiência pelo agente da autoridade resultou, também, do que ouviu a B..., sendo certo que este, posteriormente, veio a ser constituído arguido nos autos.

Na altura, o agente da autoridade apenas tentava averiguar o que se teria passado, ou seja, o motivo pelo qual haviam chamado a autoridade.

Esta parece-nos que será a abordagem normal dos agentes da autoridade quando se querem inteirar do sucedido, sendo que os intervenientes na contenda relataram o sucedido de forma coincidente.

Isto impede de posteriormente, e face a tais contendores virem a ser constituídos arguidos, que o agente da autoridade não o possa referir em audiência? A resposta só pode ser negativa.

Estão em causa as chamadas “conversas informais”, “depoimento indireto”.

Uma testemunha - agente da PSP - que em audiência de julgamento depõe relatando o que lhe foi transmitido pelo “futuro” arguido, não profere um depoimento indireto, antes sendo algo que aquele ouviu diretamente da sua boca, de viva voz.

E um tal depoimento constitui prova que é legalmente admissível, sendo valorado dentro da livre apreciação pelo Tribunal, nos termos do art. 127 CPP.

Trata-se de um meio legal de obtenção de prova.

Refere o art. 356 nº 7 do Cód. Proc. Penal que, os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações, cuja leitura não for permitida, ou quaisquer pessoas que, a qualquer título, tenham participado na sua recolha, não podem ser inquiridas sobre o conteúdo daquelas.

Porém, já assim não é quando os agentes da autoridade obtêm conhecimento dos factos por modo diferente das declarações do arguido reduzidas a auto.

O Ac. STJ, de 11-12-96, in BMJ 462-299, considerou, como consta do sumário "II- Os agentes da Polícia Judiciária não ficam impedidos de depor sobre factos de que tiveram conhecimento direto por meios diferentes das declarações do arguido no decurso do processo. III- Os agentes da Polícia Judiciária que procederam à reconstituição do crime podem depor como testemunhas sobre o que se terá passado nessa reconstituição, por esta situação não estar abrangida pelo nº 7 do art. 356 do Código de Processo Penal."

Podem as testemunhas, órgãos de polícia criminal, depor sobre factos de que possuam conhecimento direto obtido por meios diferentes das declarações que receberam do arguido no decurso do processo- Cfr. Ac. do STJ, de 24-02-93, citado.

- Os agentes policiais não estão impedidos de depor sobre os factos de que tenham conhecimento direto por meio diverso das declarações ou depoimentos reduzidos a auto, designadamente sobre o relato de conversas informais que tenham tido com o arguido. Proc. n.º 201/99 - 3.ª Secção, decidiu ACSTJ de 13-05-1999.

A prova apresentada pelo órgão de polícia criminal foi recolhida antes de haver processo e de o “futuro” arguido ser sequer suspeito.

A jurisprudência vem considerando irrelevantes as provas extraídas de “conversas informais” mantidas entre os agentes e os arguidos, ou seja, declarações obtidas à margem das formalidades e das garantias que a lei processual impõe. “Pretenderá, assim, a lei impedir, com a proibição destas “conversas”, que se frustre o direito do arguido ao silêncio, silêncio esse que seria “colmatado” ilegitimamente através da “confissão por ouvir dizer” relatada pelas testemunhas” –cfr. ACSTJ de 15-02-2007.

Mas o mesmo Ac. acrescenta:

“Pressuposto desse direito ao silêncio é, no entanto, a existência de um inquérito e a condição de arguido: a partir de então, as suas declarações só podem ser recolhidas e valoradas nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas ou quaisquer outras provas recolhidas informalmente.

IV - De forma diferente se passam as coisas quando se está no plano da recolha de indícios de uma infração de que a autoridade policial acaba de ter notícia: compete-lhe praticar “os actos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, entre os quais, “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime” (art. 249 do CPP).

V - Esta é uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto; as informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. Ainda que provenham de eventual suspeito, essas informações não são declarações em sentido processual, precisamente porque não há ainda processo.

VI - Completamente diferente é o que se passa com as ditas “conversas informais” ocorridas já durante o inquérito, quando já há arguido constituído, e se pretende “suprir” o seu silêncio, mantido em auto de declarações, por depoimentos de agentes policiais testemunhando a “confissão” informal ou qualquer outro tipo de declaração prestada pelo arguido à margem dos formalismos impostos pela lei processual para os atos a realizar no inquérito.

VII - O que o art. 129 do CPP proíbe são estes testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o art. 249 do CPP”.

Assim, essa prova teria de ser valorada, como o foi, para a fundamentação da matéria de facto, devendo o Tribunal considerá-la como prova válida para determinar da autoria dos factos. É prova válida e atendível.

O conhecimento dos agentes da autoridade não foi obtido em cumprimento de determinações judiciais ou judiciárias, mas antes na missão policial que lhes competia efetuar.

Entendemos pois, que, in casu, bem andou o tribunal ao ter valorado o depoimento daquele agente da autoridade.

Dispõe o artº 128, nº 1 CPP, que a testemunha é inquirida "sobre factos de que possua conhecimento direto e que constituam objeto da prova".

Por sua vez o artº 129 nº 1 CPP, estabelece que: "Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas".

Os nºs 2 e 3 deste artigo não estão aqui em causa, uma vez que o depoimento não resulta da leitura de qualquer documento, nem há recusa ou impossibilidade de indicar a pessoa ou a fonte através da qual se tomou conhecimento dos factos.

E, neste caso o arguido estava em tribunal e, poderia ter contrariado o teor do depoimento.

Com efeito o que se pretende através da proibição do depoimento indireto é que o tribunal não acolha como prova um depoimento que se limita a reproduzir o que se ouvir dizer a outra pessoa (Artº 129 nº 1 CPP).

Para que seja valorado, exige-se a confirmação, com a consequente audição das pessoas de quem se ouviu dizer.

Como referem Simas Santos e Leal Henriques “Esta confirmação tem em vista a própria validade e eficácia do depoimento, pois o mérito de uma qualquer testemunha tem muito a ver com a razão de ciência da própria testemunha.

Por isso, o depoimento “por ouvir dizer” só após confirmação será eficaz como meio de prova”.

Excetuam-se os casos de a inquirição das pessoas indicadas não ser possível, por morte, anomalia psíquica superveniente, ou impossibilidade de serem encontradas.

Não é prova proibida e, como qualquer outra, deve ser apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do Tribunal –art. 127 do CPP.

O art. 129 do CPP admite o testemunho de ouvir dizer, somente impõe que as pessoas referenciadas no depoimento, sejam chamadas a depor (ressalvando as exceções aí previstas e já referidas). In casu ou o arguido estava presente e não fez uso do seu direito ao silêncio.

Assim, como salienta o Ac. do T.C. nº 440/99 de 8-7, aqueles depoimentos de ouvir dizer devem ser valorados como meio de prova, “desde logo, porque não há diferença substancial entre a situação do arguido que não pode ser encontrado e a daquele que, chamado à audiência, invoca o seu direito ao silêncio para não depor”.

Nesse Ac. se tirou a seguinte conclusão:” Há, assim, que concluir que o artigo 129, n° 1 (conjugado com o artigo 128, n° 1) do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que o tribunal pode valorar livremente os depoimentos indiretos de testemunhas, que relatem conversas tidas com um coarguido que, chamado a depor, se recusa a fazê-lo no exercício do seu direito ao silêncio, não atinge, de forma intolerável, desproporcionada ou manifestamente opressiva, o direito de defesa do arguido”.

Também o STJ tem aceite tais depoimentos de ouvir dizer, valorando-os como meio de prova, nomeadamente no Ac. de 30-09-1998, in BMJ 479-414, aí se têm como válidas as declarações da queixosa/demandante civil sobre matéria que lhe foi oralmente transmitida pelo arguido, o qual se negou a prestar declarações em audiência de julgamento.

“Não estamos, contudo, perante depoimento indireto proibido. A queixosa/demandante civil prestou declarações dizendo o que ouviu diretamente da boca do arguido e fê-lo na presença deste, que estava assistido pelo respetivo defensor”.

“Por conseguinte, a posição assumida in casu pelo arguido –no uso de direito que não se põe em causa - de optar pelo silêncio-, de forma alguma pode obstar à admissão e valoração das declarações da queixosa/demandante civil”.

Isto para salvaguardar a eventual situação de o arguido estar presente em audiência e se remeter ao silêncio.

No sentido exposto se pronunciou o Ac. desta Relação de 26-11-2008, no proc. nº 27/05.6GDFND.C1, referindo: “I. - A lei não proíbe de forma absoluta a produção de depoimentos indiretos.

II. – A proibição da valoração só ocorrerá se o juiz não chamar a depor a pessoa indicada pela testemunha como fonte da ciência transmitida a tribunal, podendo, no entanto, o tribunal valorar o depoimento indireto sempre que a inquirição da fonte não seja possível, por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de ser encontrada.

III. – Tendo o juiz chamado a depor a fonte, o depoimento indireto pode ser valorado, mesmo nos casos em que aquela se recusa, lícita ou ilicitamente, a prestar depoimento ou, por exemplo, diz de nada se recordar, porquanto nestes casos é possível o exercício do contraditório, na audiência de julgamento, através do interrogatório e do contrainterrogatório, quer da testemunha de ouvir dizer, quer da testemunha fonte.

IV. – Não fixando a lei as regras de valoração do depoimento indireto, quando tal valoração é admissível, terá de entender-se, em ordem ao princípio-base da livre apreciação da prova, estabelecido no art. 127, do C. Processo Penal, que o depoimento deve ser avaliado conjuntamente com a demais prova produzida, incluindo o correspondente depoimento direto, quando tenha sido prestado, tudo conforme a livre apreciação e as regras da experiência comum portanto, sem qualquer hierarquia de valoração entre um e outro.

V. - Tendo deposto a pessoa a quem se ouviu dizer, desaparece a proibição de prova de valoração do depoimento de ouvir dizer, pelo que nenhum impedimento se forma para que o tribunal valore o “depoimento indireto” no processo de formação da sua convicção” (sublinhado nosso).

Assim, que se julga improcedente o recurso neste segmento.

Medida da pena de multa:

Na sentença recorrida foi tido em conta:

“Feita a opção pela pena de multa, importa agora determinar a pena concreta a aplicar.

O Código Penal consagrou o sistema do dia-multa, devendo este ser fixado dentro dos limites legais estabelecidos no nº 1 do artigo 47 do Código Penal, sendo o limite mínimo de 10 dias e o máximo de 360.

Para a sua determinação, recorre-se ao critério global previsto no nº 1 do artigo 71 do Código Penal, que dispõe que a determinação da medida da pena se fará em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes, atendendo o tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, nomeadamente as previstas nas diversas alíneas do nº 2 do mesmo preceito legal.

Assim sendo, na determinação da exata medida da pena, ter-se-á que atender à fórmula básica interpretativa destes normativos, segundo a temos de partir da sua moldura abstratamente prevista, funcionando a culpa do agente como o limite máximo e inultrapassável da pena aplicável, representando esta um juízo de censura à conduta desvaliosa do agente manifestada no facto praticado.

As necessidades de prevenção geral de integração, fornecem-nos, por sua vez, uma sub-moldura, a qual tem por limite máximo a medida ótima de tutela dos bens jurídico-penais violados e por limite mínimo a pena abaixo da qual as expectativas comunitárias na validade do direito sofrem abalo, limite mínimo esse “constituído pelo ponto comunitariamente suportável da medida da tutela dos bens jurídicos” (neste sentido Figueiredo Dias, in «Direito Penal II - Parte Geral», lições ao 5º ano da FDUC, pág. 279 e ss.).

Por último, as exigências de prevenção especial de socialização dão-nos, dentro desta sub-moldura, a medida exata da pena concreta aplicável ao agente.

Nesta medida, não se vislumbram quaisquer motivos para diferenciar as condutas dos arguidos, uma vez que são homogéneas as suas condutas, pois que não foi possível aferir quem agrediu primeiros e as próprias consequências das mesmas.

Em face do exposto valora-se:

-O grau de ilicitude médio, atendendo às lesões provocadas, bem como à forma como tais lesões foram produzidas;

- O dolo direto;

- O facto de os arguidos não terem antecedentes criminais e estarem familiar, profissional e socialmente inseridos.

Tendo em conta estes elementos o tribunal decide aplicar aos arguidos a pena de 120 (cento e vinte) dias de multa”.

Tem-se como correto o citério, que seguiu os ditames legais, assim como se tem como ajustada a pena concreta aplicada. Como refere o Cons. Souto Moura in A JURISPRUDÊNCIA DO S.T.J. SOBRE FUNDAMENTAÇÃO E CRITÉRIOS DA ESCOLHA E MEDIDA DA PENA, “sempre que o procedimento adotado se tenha mostrado correto, se tenham eleito os fatores que se deviam ter em conta para quantificar a pena, a ponderação do grau de culpa que o arguido pode suportar tenha sido feita, e a apreciação das necessidades de prevenção reclamadas pelo caso não mereçam reparos, sempre que nada disto seja objeto de crítica, então o “quantum” concreto de pena já escolhido deve manter-se intocado”.

Na aplicação da medida da pena deve ter-se em conta o disposto no art. 71 do C. Penal.

Aí se diz – no seu nº 1 – que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (geral e especial).

Sendo que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa, art. 40 nº 2 do C. Penal.

Extrai-se que a medida concreta da pena tem como parâmetros: a) a culpa, cuja função é a de estabelecer o limite máximo e inultrapassável da pena; b) a prevenção geral (de integração), à qual cabe a função de fornecer uma “moldura de prevenção”, cujo limite máximo é dado pela medida ótima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; c) a prevenção especial, à qual caberá a função de encontrar o quantum exato da pena, dentro da referida “moldura de prevenção”, que melhor sirva as exigências de socialização do delinquente.

Visando-se, com a aplicação das penas, a proteção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, art. 40 nº 1 do Cód. Penal.

No que se refere à prevenção geral, haverá que dizer que esta radica no significado que a "gravidade do facto" assume perante a comunidade, isto é, importa aferir do significado que a violação de determinados bens jurídico penais tem para a comunidade (a integridade física) e satisfazer as exigências de proteção desses bens na medida do necessário para assegurar a estabilização das expectativas na validade do direito (cfr. ANABELA RODRIGUES, A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade, Coimbra, 1995, págs. 371 e 374) ou, por outra forma, a consideração da prevenção geral procura dar "satisfação à necessidade comunitária de punição do caso concreto, tendo-se em conta de igual modo a premência da tutela dos respetivos bens jurídicos" (Ac. STJ de 4-7-1996, CJSTJ, II, p. 225).

Como se extrai do acórdão do STJ de 17-03-1999, Proc. n.º 1135/98 - 3.ª Secção: «Sem prejuízo da prevenção especial positiva e, sempre com o limite imposto pelo princípio da culpa - “nulla poena sine culpa” - a função primordial da pena consiste na proteção de bens jurídicos, ou seja, consiste na prevenção dos comportamentos danosos dos bens jurídicos.

A culpa, salvaguarda da dignidade humana do agente, não sendo o fundamento último da pena, define, em concreto, o seu limite máximo, absolutamente intransponível, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir.

A prevenção especial positiva, porém, subordinada que está à finalidade principal de proteção dos bens jurídicos, já não tem a virtualidade para determinar o limite mínimo. Este, logicamente, não pode ser outro que não o mínimo de pena que, em concreto, ainda realiza eficazmente aquela proteção.

Se, por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e se, por outro, esta nunca pode ultrapassar a medida da culpa, então parece evidente que, dentro da moldura legal, a moldura da pena aplicável ao caso concreto (moldura de prevenção) há de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa consente; entre tais limites, encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da reintegração social».

Decorre, assim, de tais normativos que a culpa e a prevenção constituem os parâmetros que importa ter em apreço na determinação da medida da pena.

A este respeito, ensina o Prof. Figueiredo Dias que culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há de ser determinada a medida concreta da pena. A prevenção reflete a necessidade comunitária da punição do caso concreto enquanto a culpa, dirigida para a pessoa do agente do crime, constitui o limite inultrapassável daquela.

Na determinação concreta da pena, o tribunal atende a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele – art. 71 nº 2 do C. Penal.

Enunciando-se, de forma exemplificativa, no mesmo nº 2 quais as circunstâncias que podem ter tal função.

Tendo em conta estes considerandos, importa referir que as exigências de prevenção neste tipo de situações demandam necessidade de punição.

Há que ter em conta as finalidades da prevenção, quer geral, quer especial, incentivar nos cidadãos a convicção que comportamentos deste jaez são punidos.

A pena só cumpre a sua finalidade enquanto sentida como tal pelo seu destinatário – cfr. Ac. desta Relação de 7-11-1996, in Col. jurisp. tomo V, 47.

Atenta a natureza de uma pena ou sanção, o condenado tem de senti-la sob pena de se poder traduzir em “absolvição encapotada”, e não surtir o efeito pretendido pela lei. As penas têm essa designação, de outro modo não o seriam, nem constituiriam dissuasor necessário para prevenir as infrações, se não forem sentidas como tal, quer pelo agente, quer pela comunidade em geral.

Tendo em conta os vetores apontados, tendo em conta a moldura penal de 10 a 360 dias de multa, temos como nada exagerada, mas antes adequada, justa e bem merecida a pena em concreto aplicada, de 120 dias de multa.

Como refere o Ac. da Rel. de Évora de 27-04-2010, no proc. nº 69/09.2PTEVR.E1 “Uma pena de multa que for fixada em medida que represente, a final, um valor insignificante, ou quase, não tem quaisquer potencialidades para lograr as finalidades da punição”.

Assim que, também nesta parte, se julga improcedente o recurso.

Taxa diária da pena de multa:

Sobre esta questão, também de forma correta se justifica na sentença recorrida:

“Quanto ao quantitativo diário da multa a aplicar, a fixar entre € 5 (cinco euros) e € 500,00 (quinhentos euros), deve atender-se à situação económica e financeira dos arguidos e aos seus encargos pessoais, conforme o disposto no artigo 47, nº 2 do Código Penal, tendo presente, por um lado, a “dignificação da pena de multa enquanto medida punitiva e dissuasora”, e por outro, que aquele quantitativo não deve exceder o montante de que o agente possa dispor, sem prescindir da satisfação das suas necessidades básicas.

Neste conspecto é ponto assente na jurisprudência que “o montante diário da multa deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado sem, no entanto, deixarem de lhe ser asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respetivo agregado familiar” (vide Acórdão do S.T.J. de 02.10.1997 in C.J. (S.T.J.) Ano II, 3º, 183), constituindo o ponto de partida de determinação do montante diário o denominado rendimento líquido, isto é, a diferença entre o rendimento bruto e as despesas que lhe cabe suportar (cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 27.06.1996 in C.J. Ano XXI, t. 3, pág. 56).

Na fixação da taxa diária da multa ter-se-á em conta a situação económica dos arguidos, talqualmente esta acima se deu como provada.

Assim, e considerando os factos supra aludidos, assim como o estabelecido no artigo 47, nº 2 do Código Penal, entende-se como adequado fixar o montante diário em € 7,00 (sete euros), para ambos os arguidos”.

Na fixação da taxa deve ser tido em conta o disposto no art. 47 nº 2 do CP, a situação económica e financeira do condenado e os seus encargos pessoais.

Em relação à quantia de 5€, o mínimo atualmente em vigor, redação da lei 59/07 de 4-09, a jurisprudência há muito tinha fixado tal quantia como patamar mínimo considerando que taxa inferior apenas se justificava para situações extremas.

Sobre a taxa mínima diária se pronunciava o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Junho de 2004, Processo n.º 04P1266, disponível para consulta em http://www.dgsi.pt), no seguinte sentido: “No que concerne à taxa diária de multa, decorre do disposto no artigo 47, n° 2 do Código Penal, na redação em vigor à data da prática dos factos que esta é fixada entre 1,00 euro e 498,80 euros e em função da situação económica e financeira do condenado, bem como dos seus encargos pessoais; sendo que certo que (...) a pena de multa, se não quer ser um andrajoso simulacro de punição, tem de ter como efeito o causar, pelo menos, algum desconforto se não, mesmo, um sacrifício económico palpável", acrescentando que, "Só em situações muito excecionais de fraquíssima capacidade económica (quase absoluta indigência) poderá atualmente justificar-se a fixação de uma taxa diária de multa inferior a cinco euros".

Os rendimentos do recorrente encontram-se espelhados nos pontos 17 a 22 dos provados e relacionados com a atividade de taxista.

Mesmo apesar da crise económica, que se reflete em todas as atividades, o arguido não se encontra em situação económica que justifique a aplicação da taxa mínima. Tendo em conta este critério e a situação económica e financeira do arguido, temos como adequada e nada exagerada a taxa diária aplicada.

A situação económica do arguido ultrapassa, e ainda bem, aquele patamar mínimo e, tem rendimentos que lhe permitem, sem sacrifício exagerado, pagar uma taxa diária de multa de 7,00€.

Sem que se extravase o entendimento expresso no Ac. do S.T.J. (Ac. de 2-10-97, C. J., Tomo 3, 183) de que o montante diário da multa deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado sem, no entanto, deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respetivo agregado familiar (no caso concreto, o arguido e a esposa).

Tal montante (pena de multa) não pode, efetivamente, deixar de constituir um castigo, sob pena de deixar de cumprir a sua finalidade de verdadeira pena.

Não se pode levar terceiros a pensar (prevenção geral) que "o crime compensa".

Há que fazer sentir ao arguido o desvalor social da sua atuação.

E, o arguido tem sempre a possibilidade de lançar mão, formulando requerimento para o efeito, ao disposto no art. 47 nº 3 do CP.

Assim, também nesta parte se julga improcedente o recurso.

Decisão:

Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação e Secção Criminal em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido B... e, em consequência, mantém-se na íntegra a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, com 4 Ucs de taxa de justiça.

Jorge Dias (Relator)

Orlando Gonçalves