Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
71/18.3GAMMV-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELENA BOLIEIRO
Descritores: CERTIFICADO DE REGISTO CRIMINAL
TRANSCRIÇÃO
Data do Acordão: 05/06/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE MONTEMOR-O-VELHO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. º 13.º, N.ºS 1 E 3 DA LEI N.º 37/2015, DE 5 DE MAIO
Sumário: I – Prescrevendo o artigo 13.º, n.º 1 da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio, que os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade e aquela não tenha sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza, podem determinar na sentença ou em despacho posterior a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se referem os n.os 5 e 6 do artigo 10.º, sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, tal significa que o tribunal não poderá esperar para ver se o arguido cometeu algum crime no decurso da suspensão da execução da pena aplicada, quando a norma apenas manda apreciar se as circunstâncias que acompanharam o crime podem induzir o perigo de que o arguido venha a praticar novos crimes.

II – Este requisito material reporta-se às circunstâncias que acompanharam o crime, bastando estas para a realização do juízo pretendido. O poder determinar a não transcrição em despacho posterior à sentença não significa que o tribunal esteja legitimado a exigir a verificação de pressupostos adicionais e que os requisitos instituídos na norma se transformem em elementos de aferição de bom comportamento, só alcançável com o cumprimento integral da pena.

III – De resto, os riscos de tal juízo, que é de prognose, resultam sempre acautelados com o mecanismo do artigo 13.º, n.º 3, em que a autorizada não transcrição é revogada automaticamente, ou então não produz efeitos, se o interessado incorrer, ou já houver incorrido, em nova condenação por crime doloso posterior à decisão condenatória proferida nos autos.

Decisão Texto Integral:
             

Acordam, em conferência, na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório 

1. No Processo Comum Singular n.º 71/18.3GAMMV, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Juízo de Competência Genérica de Montemor-o-Velho, a 1.ª instância proferiu despacho em que determinou que só após o decurso do prazo de suspensão da execução da pena que foi aplicada ao arguido LS, com os demais sinais dos autos, é que estará em condições de verificar os pressupostos e formular os juízos necessários para deferir o requerimento que aquele apresentou, no sentido de que a sentença condenatória não seja transcrita no seu certificado de registo criminal, nos termos do artigo 13.º, n.º 1 da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio.

2. Inconformado com a decisão, dela recorreu o arguido, que finalizou a motivação formulando as seguintes conclusões (transcrição):

“1ª) Foi o recorrente condenado no âmbito dos presentes autos, numa pena de 2 anos e 3 meses de prisão suspensa na sua execução, decisão que aceitou, não tendo interposto recurso da mesma.

2ª) Se o recorrente requereu nos termos em que o fez, tendo o cuidado de fundamentar devidamente, e até de uma forma, perdoe-se-nos, exaustiva, o seu requerimento, tal realidade só ocorreu face à premência sentida pelo mesmo em poder exercer o seu oficio.

3ª) O recorrente no exercício da sua atividade profissional necessita de apresentar múltiplas vezes os seus registos criminais junto de Entidades Administrativas, pelo que, para que o mesmo possa continuar a exercer as suas funções, mostra-se imprescindível a não transcrição da sentença em mérito.

4ª) Na realidade, ao requerer como requereu, almejava tão somente poder voltar a ser autosuficiente em relação ao seu sustento e estar à altura das responsabilidades no que tange às despesas relacionadas com o seu filho menor de idade.

5ª) Com a transcrição da sentença em causa o recorrente fica gravemente prejudicado no exercício da sua atividade profissional, colocando-se em risco a sua continuidade e assim a sua sobrevivência.

6ª) Ao fazê-lo e nos moldes já referidos, possuía a legitima expectativa de obter uma resposta favorável em relação à sua legitima pretensão.

7ª) O que sucedeu foi algo assaz diverso do expectável.

8ª) Em detrimento de uma decisão, por despacho datado de 22 de Novembro, notificado em 12 de Dezembro último obteve, como resulta do teor do despacho ora recorrido, uma não decisão ou, no rigor dos termos, uma promessa de decisão para um momento muito distante no tempo em relação à data do requerimento por si apresentado.

9ª) Com efeito, o despacho ora recorrido, que adere, sem qualquer fundamento legal, à promoção feita pela Senhora Procuradora Adjunta, não encontra estribo algum na lei.

10ª) Parecendo até resultar de uma "confusão" entre aquilo que é requerido ao abrigo do art. 13º da lei 37/2015 de 5 de Maio, e uma outra figura distinta, prevista no art. 12º da Lei 37/2015 de 5 de Maio, referente ao "cancelamento provisório", pedido esse que é apreciado pelo Tribunal de Execução das Penas, e em que se exige, aí sim, que "já tenham sido extintas as penas aplicadas" (alínea a).

11ª) A situação jurídica sub iudice é simples: o arguido, segurança de profissão não tem antecedentes criminais pela prática do ilícito por que foi condenado nos autos referidos, e a forma como se consubstanciou o crime de violência doméstica não extravasou o mero uso de um telemóvel, como forma de exteriorizar considerandos menos próprios, boçalidade e um requentado mau perder em relação a uma relação conjugal há muito fracassada.

12ª) A manter-se a decisão proferida, o arguido não pode exercer a sua actividade profissional, por não cumprir o requisito previsto na alínea d) do n.º 1 do art. 8º, por remissão do n.º 2 do mesmo art. do Dec. Lei 35/2004 de 21 de Fevereiro, actual alínea d) do n.º 1 e 2 do art. 22º da Lei 34/2013 de 16 de Maio, alterada e republicada no Anexo da Lei 46/2019 de 8 de Julho.

13ª) Sem poder exercer a sua profissão, a sua subsistência será posta em causa, tornando impossível continuar a cumprir com todas as suas obrigações, como é seu timbre, inclusive as relativas ao seu filho menor.

Termos em que deve o despacho em crise ser revogado no sentido de ser deferida a não transcrição da sentença dos autos nos certificados de registo criminal, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 13.º n.º 1 da Lei 37/2015, de 05 de maio – Lei da Identificação Criminal, fazendo Vossas Excelências inteira e sã J U S T I Ç A!”.   

3. Admitido o recurso, a Digna Magistrada do Ministério Público veio responder, pugnando pela sua improcedência e formulando as seguintes conclusões (transcrição):

“1. O Tribunal relegou a decisão de não transcrição da sentença proferida nestes autos para momento posterior ao termo do período da suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado.

2. Não impondo o artigo 13.º n.º 1 da Lei 37/2015, de 5/5 o momento em que o Tribunal poderá decidir a não transcrição da sentença, o Tribunal não está impedido de relegar a apreciação da pretensão do arguido para momento em que estejam reunidos todos os elementos necessários a uma avaliação correta da situação.

3. Tendo o arguido um antecedente criminal pela prática de um crime de ameaça agravada, crime da mesma natureza do crime em que foi condenado nestes autos, veja-se para tanto os factos pelos quais o arguido foi condenado nestes autos, designadamente os factos dados como provados no ponto 2.1.23 da sentença,

4. Neste momento, em nosso entender, os elementos existentes nos autos conduziriam a uma decisão de indeferimento da pretensão de não transcrição da sentença requerida pelo arguido.

5. Na verdade, em nossa opinião, a decisão de relegar a não transcrição da sentença para momento posterior apenas teve em consideração o comportamento atual do arguido, que a manter-se, poderá, eventualmente, caso o registo criminal atual seja, entretanto, cancelado, determinar a não transcrição da sentença proferida nestes autos.

6. Pelo que, entendemos que a decisão recorrida não merece reparo”.

4. Após, o tribunal a quo proferiu despacho de sustentação da decisão recorrida.

5. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.º do Código de Processo Penal (doravante CPP), emitiu parecer em que pugna no sentido de que deve ser dado parcial provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se que o tribunal a quo conheça já o requerimento do arguido, proferindo decisão.

6. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, não foi apresentada qualquer resposta.

7. Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre agora decidir.

                                                         *

II – Fundamentação 

1. Dispõe o artigo 412.º, n.º 1 do CPP que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões formuladas na motivação, as quais delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar[1], sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso[2].

Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem as razões de divergência do recorrente com a decisão impugnada, no presente recurso cumpre apreciar se deve ser proferido despacho a apreciar o requerimento de não transcrição da sentença dos autos nos certificados de registo criminal, apresentado pelo arguido, e se o requerimento deve ser deferido.

                                                       *

2. O despacho recorrido e outros elementos dos autos.

2.1. O despacho recorrido tem o seguinte teor (transcrição):

“Requerimento de não transcrição da condenação no CRC:

Concorda-se com a douta promoção do Ministério Público no sentido de que só após o decurso do período de suspensão da execução da pena estará o Tribunal em condições de verificar os pressupostos e formular os juízos necessários ao deferimento da pretensão do arguido.

Assim sendo, aguardem os autos nos termos promovidos”.

                                                             *
2.2. Com relevo para a decisão do presente recurso, resulta ainda dos autos que:

2.2.1. Por sentença proferida nos autos em 29-11-2018, transitada em julgado em 03-01-2019, foi o arguido LS, ora recorrente, condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.os 1, alíneas a) e c), 2 e 4 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão, suspensa na execução pelo período de 2 (dois) anos e 3 (três) meses, sujeita a regime de prova assente num plano de reinserção social a incidir nas vertentes mais convenientes para a sua ressocialização, incluindo a frequência de cursos e programas relativos à violência doméstica, nomeadamente o “Programa para Agressores de Violência Doméstica – PAVD” e o cumprimento dos seguintes deveres e regras de conduta: proibição de contactos, por qualquer meio, com a assistente CS, inclusive SMS, correio electrónico e telefone (artigos 52.º, n.os 2 e 4, artigo 51.º, n.os 3 e 4 e 34.º-B da Lei 112/2009 de 16 de Setembro), e obrigação do arguido se submeter as consultas de psicologia e sujeitar-se ao acompanhamento/tratamento psicológico que lhe seja eventualmente prescrito ou qualquer outro que se revele necessário, nos termos do artigo 52.º, n.º 1 do Código Penal, com o apoio e fiscalização da Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (artigos 52.º, n.os 1, alíneas b) e c), 3 e 4 e 51.º, n.º 4 do Código Penal).

Na sentença o tribunal decidiu ainda não aplicar a pena acessória de proibição de contacto com a vítima, prevista no artigo 152.º, n.os 4 e 5 do Código Penal.

2.2.2. O requerimento do arguido, sobre o qual versou o despacho recorrido, tem o seguinte teor (transcrição):

“LS, arguido melhor identificado nos autos à margem referenciados, vem expor e requerer a V. Ex.ª o seguinte:

1 – Foi o arguido, ora requerente, condenado nos presentes autos, na pena de dois anos e três meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pela prática, em autoria material e na forma consumada do crime de violência doméstica, p.p., no art. 152.º, n.º 1, al. a) do Código Penal.

2 – Estabelece o n.º 1 do art. 13.º da Lei 37/2015 que “Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os n.os 5 e 6 do artigo 10.º.”

3 – Ao arguido, ora requerente foi aplicada pena não privativa da liberdade.

4 – Em seu benefício e quanto à sua personalidade e condições pessoais, sociais e económicas, ficou provado, no douto acórdão a seguinte factualidade:

"2.1.60 A Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, no âmbito das diligências que encetou para a elaboração do relatório social, concluiu, após uma resenha sobre a vida do arguido (que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais), que “O percurso de vida de LS decorreu sem problemas significativos, tendo-se desenvolvido num ambiente normativo. Frequentou a escola na idade própria e abandonou os estudos aos 18 anos de idade. Profissionalmente após uma curta experiência nos CTT, ingressou como técnico de saúde na empresa “GASIN”, onde permaneceu cerca de 13 anos e, que abandonou por questões de saúde. Presentemente encontra-se a trabalhar como segurança. LS dispõe de enquadramento estruturado e suporte familiar importante, ocupação profissional e boa integração social. Este não é o primeiro confronto do arguido com o sistema de Justiça. Caso o arguido venha a ser condenado, somos de opinião que se lhe for aplicada uma medida de execução na comunidade, esta deve ter a supervisão da DGRSP, com uma intervenção directamente dirigida para interiorização dos valores sociais postos em causa no presente processo.

[Outros factos relevantes]

2.1.61 No âmbito dos presentes autos o arguido encontra-se sujeito à medida de coacção de proibição de contactos desde 25/07/2018.

2.1.62 O arguido tem vindo a cumprir as regras inerentes à medida de coacção que lhe foi imposta no âmbito deste processo.

2.1.63 O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos de que vem acusado.

2.1.64 O arguido aceitou frequentar consultas de psicologia e receber tratamento psicológico

2.1.65 Demonstrou arrependimento, tendo pedido desculpas à assistente na audiência".

5 – Do supra exposto resulta que o arguido se encontra a trabalhar por conta de outrem na área da segurança privada, função para a qual está habilitado com diversas formações na área e funções que sempre desempenhou e desempenha com o maior empenho, educação e respeito pelas regras vigentes.

6 – A transcrição da sentença proferida nos autos, no registo criminal do arguido, torna inviável a continuidade do exercício da sua actividade profissional de segurança privado e põe em crise a sua estabilidade familiar e económica, visto ser esta a actividade de onde provém o dinheiro necessário para o arguido fazer face aos seus encargos familiares, com o encargo acrescido de ter um filho menor.

7 – Pelo que se entende que estão reunidos todos os pressupostos estabelecidos no supra referido art. 13.º da Lei 37/2015, para a não transcrição da douta Sentença no registo criminal do arguido, para efeitos civis e profissionais.

8 – O ora requerido encontra total respaldo, entre outros, no douto acórdão proferido pelo TRL, de 21.03.2019, no âmbito do Proc. n.º 1857/11.5PBSNT.L2-9 (disponível dgsi.pt).

São termos, em que requer a V. Ex.ª, a não transcrição da sentença proferida nos presentes autos, no certificado de registo criminal do Arguido, nos termos do art. 13.º, da Lei 37/2015

P.E.D.”.

2.2.3. A promoção do Ministério Público que versou sobre o requerimento do arguido e a que se refere o despacho recorrido, apresenta o seguinte teor (transcrição):

“Requerimento que antecede:

Apreciaremos a pretensão requerida após o termo do período da pena e da junção aos autos do relatório final de acompanhamento da execução da pena a realizar pela DGRSP, o que se promove”.

2.2.4. Seguidamente, o tribunal a quo proferiu o despacho recorrido, transcrito supra em 2.1.

2.2.5. Admitido o recurso interposto pelo arguido, o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho de sustentação da decisão recorrida (transcrição):

“Considerando as normas de conduta a que o arguido está sujeito, mormente a proibição de contactos, por qualquer meio, com a assistente e a obrigação de se submeter a consultas de psicologia e sujeitar-se ao acompanhamento ou tratamento psicológico que lhe seja eventualmente prescrito em consequência delas, não é possível ainda, seja compreender cabalmente as circunstâncias psicológicas em que o arguido agiu, seja aquilatar se as mesmas se encontram já debeladas ou se ainda se verificam e se, nesse caso, delas se pode ainda induzir a existência de perigo de prática de novos crimes.

Tal juízo poderá já ser formulado, num ou noutro sentido, de modo sustentado, quando a DGRSP informar do sucesso ou insucesso do PIRS em execução.

Entendemos por isso, respeitosamente, ser de sustentar a nossa posição de relegar a apreciação do requerimento de não transcrição para o final do período de acompanhamento da suspensão da pena”.

                                                        *

3. Apreciando.

3.1. Segundo preceitua o artigo 13.º, n.º 1 da Lei da Identificação Criminal (Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio, doravante também Lei n.º 37/2015):

1 - Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de Setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se referem os n.os 5 e 6 do artigo 10.º

Por sua vez, o artigo 10.º, n.os 5 e 6 do mesmo diploma, estabelece que:

5 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para fins de emprego, público ou privado, ou para o exercício de profissão ou actividade em Portugal, devem conter apenas:

a) As decisões de tribunais portugueses que decretem a demissão da função pública, proíbam o exercício de função pública, profissão ou actividade ou interditem esse exercício;

b) As decisões que sejam consequência, complemento ou execução das indicadas na alínea anterior e não tenham como efeito o cancelamento do registo;

c) As decisões com o conteúdo aludido nas alíneas a) e b) proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, comunicadas pelas respectivas autoridades centrais, sem as reservas legalmente admissíveis.

6 - Os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para o exercício de qualquer profissão ou actividade para cujo exercício seja legalmente exigida a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais ou a avaliação da idoneidade da pessoa, ou que sejam requeridos para qualquer outra finalidade, contêm todas as decisões de tribunais portugueses vigentes, com excepção das decisões canceladas provisoriamente nos termos do artigo 12.º ou que não devam ser transcritas nos termos do artigo 13.º, bem como a revogação, a anulação ou a extinção da decisão de cancelamento, e ainda as decisões proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, nas mesmas condições, devendo o requerente especificar a profissão ou actividade a exercer ou a outra finalidade para que o certificado é requerido.

 Conforme resulta das disposições legais acima indicadas, a pretensão deduzida pelo recorrente, que esteve na origem da prolação do despacho recorrido, tem em vista a não transcrição da condenação em certificados do registo criminal requeridos para fins de emprego, público ou privado, para o exercício de qualquer profissão ou actividade para cujo exercício seja legalmente exigida a ausência de antecedentes criminais, ou para qualquer outra finalidade.

Como a condenação decretada não envolve qualquer das penas previstas nas alíneas a), b) e c) do citado artigo 10.º, n.º 5, a não transcrição reclamada reflecte-se nos certificados a que se refere o n.º 6, ou seja, os certificados destinados ao exercício de qualquer profissão ou actividade, para o qual seja legalmente exigida a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais ou a avaliação da idoneidade da pessoa, e nos que sejam requeridos para qualquer outra finalidade. Isto posto que não se trate do exercício de profissões, empregos, funções ou actividades que envolvam contacto regular com menores, aos quais se aplicam as restrições e exigências previstas na Lei n.º 113/2009, de 17 de Setembro, que o artigo 13.º, n.º 1 da Lei da Identificação Criminal expressamente prevê.

A limitação ao acesso à informação, assegurada pela não transcrição prevista no referido artigo 13.º, dá corpo às exigências de concordância prática entre a socialização do condenado e os fins de defesa da comunidade, no âmbito do que a satisfação destes fins se deve cingir ao estritamente indispensável, de modo a que a informação disponibilizada não se transforme num factor de estigmatização e contrarie, assim, a desejada inserção social.[3]

A não transcrição da condenação, prevista no n.º 1 da citada norma, depende da verificação de requisitos de ordem formal e material.

São requisitos formais a condenação em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade e a ausência de condenação anterior por crime da mesma natureza.

Por seu turno, o requisito de ordem material resultará preenchido sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime, não se puder induzir perigo de prática de novos crimes.

Como resulta da norma em análise, os requisitos formais reportam-se, quer ao momento da decisão condenatória (que aplicou pena de prisão até 1 ano ou pena não privativa da liberdade, como é o caso da suspensão da execução da pena de prisão[4]), quer a momento que antecede a mesma (ausência de condenação anterior por crime da mesma natureza).

Já o requisito material tem por referência as circunstâncias que acompanharam o crime, procurando-se com elas aferir se não resulta um juízo de prognose desfavorável e é possível dar resposta negativa à questão de saber se, de tais circunstâncias, se induz o perigo de prática de novos crimes.

Como se vê, o requisito material não exige nem supõe que o cumprimento da pena sob registo se tenha ainda iniciado e, muito menos, que se tenha completado e a pena atinja as condições de ser declarada extinta.

A avaliação que subjaz ao referido requisito reporta-se às circunstâncias que acompanharam o crime, bastando estas para a realização do juízo pretendido, tanto mais que a decisão de não transcrição pode ser logo tomada na própria sentença, ou seja, antes de qualquer início do cumprimento de pena e da ocorrência de elementos que permitam aferir o comportamento do arguido após a condenação.

A circunstância de poder determinar a não transcrição em despacho posterior à sentença não significa que o tribunal esteja legitimado a exigir a verificação de pressupostos adicionais aos requisitos acima indicados e que, para a realização do  referido juízo que é de prognose e, como tal, se reporta a um perigo referenciado aos elementos fornecidos pelas circunstâncias que acompanharam o crime, permita que os requisitos instituídos na norma em análise se transformem em elementos de aferição de bom comportamento só alcançável com o cumprimento integral da pena.

De resto, os riscos de tal juízo prognóstico que são isso mesmo – riscos, não certezas –, resultam sempre acautelados com o mecanismo do artigo 13.º, n.º 3 do referido diploma, nos termos do qual a autorizada não transcrição é revogada automaticamente, ou então não produz efeitos, se o interessado incorrer, ou já houver incorrido, em nova condenação por crime doloso posterior à decisão condenatória proferida nos autos.

Assim, como bem refere o Exmo. Magistrado do Ministério Público junto desta  Relação, se o artigo 13.º, n.º 1 da Lei n.º 37/2015 diz que os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade, podem determinar na sentença ou em despacho posterior a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se referem os n.os 5 e 6 do artigo 10.º, caso o arguido não tenha sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, tal significa que o tribunal a quo não poderá esperar para ver se o arguido cometeu algum crime no decurso do período da suspensão da pena, quando a norma apenas manda apreciar se as circunstâncias que acompanharam o crime podem induzir o perigo de que o arguido venha a praticar novos crimes.

Daí que o tribunal a quo deveria ter apreciado o requerimento e decidido logo a questão, uma vez que carece de fundamento legal o protelamento da apreciação do requerimento do recorrente para depois do decurso do prazo de suspensão da execução da pena, uma vez que as circunstâncias que acompanharam o crime constam da sentença e delas pode o tribunal induzir se existe perigo, ou não, da prática de novos crimes. Para além de poder atender a todos os elementos relevantes que constem já no processo, nomeadamente relatórios intercalares de acompanhamento da suspensão da execução da pena que, entretanto, tenham sido juntos, o que naturalmente não é o mesmo que ficar a aguardar até ao termo do prazo da suspensão, sobrestando na decisão a tomar quanto à peticionada não transcrição.

Termos em que deve ser dado parcial provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se que a 1.ª instância conheça já do requerimento do arguido, proferindo decisão sobre o mérito da pretensão formulada.

                                                        *

III – Decisão

Por todo o exposto, acordam as juízas deste Tribunal da Relação em conceder provimento parcial ao recurso e, em consequência, revogam o despacho recorrido e determinam que a 1.ª instância o substitua por outro que conheça já do requerimento de não transcrição formulado pelo arguido LS.

Recurso sem tributação, face à sua parcial procedência (artigo 513.º, n.º 1, a contrario, do CPP).

                                   

Coimbra, 6 de Maio de 2020

(Acórdão elaborado pela primeira signatária, revisto e assinado electronicamente por ambas as signatárias – artigo 94.º, n.os 2 e 3 do CPP)

Helena Bolieiro (relatora)

Rosa Pinto (adjunta)


[1] Na doutrina, cf. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág.335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., 2011, pág.113. Na jurisprudência, cf., entre muitos, os Acórdãos do STJ de 25-06-1998, in BMJ 478, pág.242; de 03-02-1999, in BMJ 484, pág.271; de 28-04-1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, pág.193.
[2] Cf. Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 7/95, de 19-10-1995, publicado no Diário da República, Série I-A, de 28-12-1995.
              
              
[3] Assim, cf. Acórdão da Relação de Évora de 26-06-2018, proferido no processo n.º 1646/14.5GBABF.E1 e disponível na Internet em <http://www.dgsi.pt>.
[4] Cf. Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 13/2016, de 07-07-2016, publicado no Diário da República, 1.ª Série, n.º 193, de 07-10-2016: “A condenação em pena de prisão suspensa na sua execução integra o conceito de pena não privativa da liberdade referido no n.º 1 do artigo 17.º da Lei
n.º 57/98, de 18 de Agosto, com a redacção dada pela Lei n.º 114/2009, de 22 de Setembro”.