Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
131/11.1TBVLF-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: ARRESTO
ARROLAMENTO
CONTA BANCÁRIA
INVENTÁRIO
Data do Acordão: 02/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA - V.N.F.CÔA - JUÍZO C. GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.368, 376, 391, 392, 403, 404, 405, 406 , 408 CPC, 619 CC
Sumário: 1. - O arresto pressupõe uma relação bilateral entre credor e devedor, estando em causa o receio daquele de perda da garantia patrimonial do seu crédito, caso em que pode requerer o arresto de bens (apreensão judicial) do seu devedor, com função de garantia e com o efeito de os atos de disposição dos bens arrestados serem ineficazes em relação ao requerente/credor.

2. - Já o procedimento cautelar de arrolamento depende de um justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, podendo ser requerido por qualquer pessoa que tenha interesse na conservação dos bens, não se exigindo, assim, que se trate de “credor” contra “devedor”.

3. - É adequado a prevenir o risco de dissipação ou ocultação de bens – no caso, depósitos em conta bancária – e acautelar o efeito útil do processo de inventário para partilha o arrolamento e não o arresto.

4. - Nesse caso, havendo receio de que os interessados titulares da conta bancária ocasionem o extravio/dissipação desses depósitos bancários, assim impedindo a sua entrega a quem couberem em partilha, não devem tais interessados ser nomeados depositários, por ocorrer manifesto inconveniente nos termos do art.º 408.º, n.º 1, do NCPCiv., antes se justificando a nomeação da respetiva entidade bancária como depositária, a dever impedir a movimentação da conta a débito, sem o que o procedimento não cumpriria a sua essencial função conservatória.

Decisão Texto Integral:










Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

T (…) com os sinais dos autos,

intentou ([1]), como incidente de autos de inventário ([2]), os presentes autos de procedimento cautelar de arresto contra

1.ª – AC (…),

2.º - AJ (…)

3.ª – EJ (…),

4.ª – FL (…),

5.º - JL (…) e

6.ª – ML (…),

todos também com os sinais dos autos,

pedindo que seja decretado o arresto do saldo da conta bancária n.º 0 (...) , junto do “ W (...) , S. A.”, a dever ficar à ordem do Tribunal, para poder ser movimentada unicamente mediante despacho judicial.

Alegou, para tanto, que:

- a conta aludida pode ser movimentada pelos Requeridos desta providência – por ser titulada por eles –, sendo que o montante ali depositado, a dever constar da descrição de bens do acervo hereditário a partilhar (é pertença da herança), pode desaparecer, por via de levantamento abusivo por aqueles;

- face ao comportamento anterior dos Requeridos (constituição daquela conta e movimentação dos fundos ali depositados), que quiseram sonegar ao inventário o valor efetivo do depósito, a ter, porém, de integrar o acervo hereditário a partilhar, há fundamento sério para o existente justo receio da Requerente quanto ao desaparecimento do valor depositado;

- a poder materializar-se através da movimentação da conta bancária a débito pelos Requeridos, os quais têm movimentado todos os fundos de caixa deste valor hereditário por outras contas bancárias de passagem, no propósito de dificultar o efetivo apuramento do saldo.

Analisado o requerimento inicial dos autos, entendeu o Tribunal a quo convidar a Requerente ao aperfeiçoamento da sua petição, de molde a alegar toda a factualidade integrante dos pressupostos de decretamento da providência.

Respondendo ao despacho de convite, a Requerente alegou ainda:

- ser interessada na cumulação de inventários nos autos principais, onde é cabeça-de-casal ML (..:) (aqui 6.ª Requerida), a qual, em conferência de interessados, uma vez determinada a cumulação, declarou que a relação de bens a apresentar (por força daquela cumulação) era do mesmo teor que a anteriormente apresentada por óbito de M (…);

- não sendo tal declaração verdadeira, foi suscitado incidente de falta de relacionação de bens, após o que a cabeça-de-casal veio declarar não autorizar a entidade bancária a fornecer as informações bancárias que eram essenciais para apuramento dos montantes de créditos bancários da herança cumulada;

- o que ocasionou a necessidade de suprimento da falta de consentimento, para levantamento do sigilo bancário, o que apenas foi conseguido mediante acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra;

- a Requerente veio ainda requerer que fosse aditada ao ativo a partilhar uma verba no montante de € 15.325,00, depositada em conta bancária junto do “ W (...) ”, ficando convencida que a cabeça-de-casal e os demais interessados aqui Requeridos porfiaram em não referir na relação de bens esse ativo;

- certo é que a Requerente, interessada no inventário, tem quota alíquota do crédito a partilhar sobre o montante do depósito aludido, a integrar a descrição de bens, em virtude do seu quinhão hereditário;

- o periculum in mora radica na possibilidade que mantêm os titulares da conta bancária de movimentarem a conta a débito, dissipando o montante em questão e impedindo a sua partilha e entrega à interessada ora Requerente do que lhe couber em partilha;

- o fumus boni juris, por sua vez, radica na conduta apurada de sonegação da cabeça-de-casal, com o fundado receio de lesão a assentar no possível desvio da verba depositada para outro banco ou mesmo o seu levantamento em numerário, ainda que venha a ser arrolada no inventário;

- ao que só a providência de arresto pode obstar, mediante o bloqueio do saldo bancário à ordem do Tribunal.

Seguidamente, foi proferido despacho, com o seguinte dispositivo:

«Atendendo ao exposto, não sendo alegada a factualidade integradora que indicasse a probabilidade da existência de um crédito sobre os requeridos, não se vislumbrando a verificação do primeiro requisito – existência de um crédito na esfera da requerente – fica desde já prejudicado o conhecimento do segundo requisito – justo receio de perda da garantia patrimonial, não se mostrando justificada a urgência no uso do procedimento cautelar, indeferindo-se o presente procedimento cautelar.» (itálico aditado).

Inconformada com o assim decidido, vem a Requerente interpor o presente recurso, para o que apresenta alegação, onde formula as seguintes

Conclusões:

«1

A situação fáctica documentada nos autos integra o pressuposto processual de arresto. Acha-se provado por documentos que indiciam terem os requeridos tentado ocultar fluxos patrimoniais que pertenciam ao acervo de bens das heranças a partilhar, em diversas contas bancárias, obstaculizando mediante a invocação de sigilo bancário só removida pelo Acórdão deste Venerando Tribunal – já citado; e mesmo após a Requerente ter revelado a exactidão do Saldo da conta bancária para o qual o saldo patrimonial no montante de € 15.325,00 havia sido desviado, ainda porfiou a Interessada (…) em pretender induzir em erro a ora Recorrente, requerendo que fosse arrolada tão somente a quantia de € 10.530,32.

2

Não sendo a ora Recorrente uma das titulares da conta bancária do W (...) 0 (...) , teme que qualquer dos outros co-titulares ordene a transferência de saldo para outra conta, voltando a invocar sigilo bancário para que não se descortine em tempo útil o fluxo de caixa, ou emita cheques ou ordens de transferência em favor de terceiros, inviabilizando a garantia patrimonial da existência do invocado valor de € 15.325,00.

3

A providência de arrolamento, não acautela esta eventualidade, porquanto estando a conta bancária arrolada, mas não bloqueada, á ordem do Tribunal, o Arrolamento não acautela a eventualidade do descaminho do seu valor.

4

O direito da Recorrente que carece de ser acautelado, é um direito á realização da partilha, até á Conferência de Interessados em que a ora Recorrente exercerá o seu direito de partilha e integração do quinhão hereditário que lhe pertence.

5

Em parte alguma a Recorrente invocou um direito de crédito que não fosse tão somente o direito supra referido, e nunca um direito sobre os demais co-interessados na Herança.

6

O Tribunal “a quo” ao restringir a tipicidade dos factos que interagem o justo receio de perda de garantia patrimonial viola o disposto no Art. 391 nº 1 do C.P.C..

7

O pedido cautelar formulado, da apreensão do saldo da conta bancária do W (...) nº 0 (...) á ordem do Tribunal, até ao trânsito em julgado da Sentença que homologar a Partilha no Inventário a que esta providência está apensa, integra sem margem para dúvidas o disposto no Art. 391 nº 2 do Código de Processo Civil.

8

O arresto constitui o procedimento cautelar especificado, aplicável ao caso dos Autos.

9

Sendo que o arrolamento, não previne nem acautela, o risco de dissipação do valor em depósito bancário irregular.

10

A expressão ainda, contida no requerimento da requerida, (…), (fls. …. dos autos de Inventário) impõe ao Tribunal “a quo” interpretação judiciária que constitui uma presunção de senso comum obrigatória, em que se prefigura a eventualidade de que estando o saldo ainda na conta bancária, é porque mais tarde poderá não estar.

É para este efeito que o Código Civil estipula a presunção judiciária – Art 351 do Código Civil.

11

O Arresto tem de ser decretado conforme foi requerido pela Recorrente sem a audiência prévia dos requeridos para não colocar em risco a efectivação da providência Art. 393 nº 1 do Código de Processo Civil.

Nestes termos e nos demais de direito aplicável com o douto suprimento de V.Exa. deverá ser dado provimento ao presente recurso, ordenando-se o Arresto dos saldos das contas bancárias.».

O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, tendo sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido tal regime e efeito fixados.

Nada obstando, na legal tramitação recursiva, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

II – Âmbito do Recurso

Sendo o objeto do recurso delimitado pelas respetivas conclusões, está apenas em causa na presente Apelação saber ([3]) se:

a) É o arresto – e não o arrolamento – a providência cautelar adequada à situação dos autos;

b) Foi alegada a factualidade tendente ao preenchimento dos requisitos do arresto.

III – Fundamentação

          A) Matéria de facto

Ante os elementos documentais dos autos, os pressupostos fácticos, a considerar, são os que já antes se deixaram explicitados (cfr. relatório supra), aqui dados por reproduzidos.

          B) O Direito

Se é o arresto (em vez do arrolamento) o procedimento cautelar adequado

Pugna a Recorrente por ser o intentado arresto – e não o procedimento cautelar de arrolamento – a providência adequada à situação dos autos, alegando que o arrolamento não colheria a eficácia pretendida, tratando-se de saldo de conta bancária, pois que uma conta bancária que seja arrolada não fica bloqueada/apreendida à ordem do Tribunal, caso em que não se evitaria/impediria o desaparecimento (por levantamento ou transferência bancária) dos fundos da conta, justamente a tutela que a Requerente pede que lhe seja dispensada.

Na decisão em crise considerou-se, diversamente, que:

«De harmonia com o disposto nos artigos 619º do Código Civil e 391º do Código de Processo Civil (…) o direito de requerer arresto em bens do devedor é conferido ao credor que tenha justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito (…)

Da factualidade alegada (…) não resultam desde logo quaisquer factos referentes à existência de um crédito de que a requerente seja titular ou possa ser titular relativamente aos requeridos, nem mesmo um crédito relativamente à herança (…).

Sempre se dizendo que, coisa distinta de deter um crédito sobre a herança é o direito ao quinhão hereditário de herança na qual se tenha a qualidade de herdeiro, sendo que a finalidade da providência cautelar de arresto se circunscreve precisamente aos casos em que credor tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito, caso em que será lícito requerer o aresto dos bens do devedor (cfr. artigo 391º).

Donde se concluirá que, inexistindo factos alegados que indiquem a probabilidade de existência de um crédito da requerente sobre os requeridos, falha desde logo o primeiro dos pressupostos essencial ao decretamento da providência cautelar requerida.

Com efeito, só em relação a direitos de crédito é possível deduzir esta providência, já que ela visa precisamente a garantia do seu cumprimento, não sendo adequada ao perigo de insatisfação de direitos de diversa natureza.

Sendo que, in casu, tendo em conta o fim que a requerente visa obter – justo receio de extravio ou dissipação de bens – o procedimento adequado será o arrolamento, por forma a obter a sua descrição, avaliação e depósito, podendo ser intentado por aquele que tenha, ou fundadamente espere vir a ter, direito a que lhe venha a ser entregue um certo número bens.».

Questão que, desde logo, se coloca é, então, a de saber se o procedimento de arrolamento, uma vez decretado e realizado, implica – como o arresto – a apreensão dos bens dele objeto (designadamente, depósitos em conta bancária) ou, ao invés, permite a sua disposição (extravio/dissipação) pelos possuidores/detentores.

Ora, é sabido que o arresto consiste numa apreensão judicial de bens, constituindo um dos meios de conservação da garantia patrimonial dos credores.

O art. 619.º do Código Civil (doravante CCiv.) estabelece os requisitos do arresto, ao referir, no respetivo n.º 1, que: «O credor que tenha justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito, pode requerer o arresto em bens do devedor, nos termos da lei de processo».

Conjugando esta disposição legal com o disposto nos art.ºs 391.º, n.º 1 ([4]) e 368.º, n.º 1, aplicável ex vi art. 376.º, todos do NCPCiv. ([5]), conclui-se que para que a providência seja decretada será necessária a verificação cumulativa de dois requisitos:

- a probabilidade da existência do crédito;

- o receio de perda da garantia patrimonial desse mesmo crédito.

O requerente deve, pois, expor/alegar e provar/demonstrar (ainda que em termos de simples probabilidade) que tem um direito de crédito sobre o requerido e, por outro lado, que ocorrem determinados factos dos quais resulta, com um grau de probabilidade sério, o justo receio de perda da garantia patrimonial idónea à satisfação do seu crédito.

Desde logo, no que concerne à existência do crédito, o legislador prescindiu da prova da sua certeza, bastando-se com a mera verificação da probabilidade da existência do mesmo – art. 392.º, n.º 1, do NCPCiv. ([6]).

No que respeita ao requisito do justo receio da perda da garantia patrimonial, defende Abrantes Geraldes (em Temas da Reforma do Processo Civil, IV, p. 186) que ele “pressupõe a alegação e prova, ainda eu perfunctória, de um circunstancialismo fáctico que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito”.

Uma vez que a lei não forneceu um critério rígido para o preenchimento do conceito de “justo receio”, importa integrá-lo de acordo com critérios, tanto quanto possível, objetivos.

Ainda segundo o referido Autor (ob. cit., pág. 188) há situações-tipo que, sem prejuízo da necessária apreciação das especificidades do caso concreto, são, em princípio, de considerar como integradoras do “justo receio” e que, por isso, justificam o arresto.

Estão entre estas as situações em que se mostra indiciariamente provado que a satisfação do crédito se afigura consideravelmente difícil, as situações em que o devedor se mostra em risco de ficar em situação de insolvência, designadamente por dissipação ou extravio dos bens ou por abandono da empresa ou do estabelecimento, e, ainda, as situações em que existe uma descapitalização do devedor.

Cabe ainda referir, para melhor integrar o referido conceito, que “justo receio” existirá quando qualquer pessoa de são critério, colocada no lugar do credor, em face do modo de agir do devedor, também temeria vir a perder o seu crédito ([7]).

Dúvidas não restam, pois, de que, consistindo o arresto numa apreensão judicial de bens, capaz de antecipar os efeitos derivados da sentença de condenação a proferir – meio de conservação da garantia patrimonial do credor –, impende sobre a parte requerente o ónus, desde logo, de alegar os fundamentos do arresto ([8]), deduzindo os factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado (cfr. os art.ºs 391.º, n.º 1, e 392.º, n.º 1, ambos do NCPCiv.), por forma a poder depois fazer a prova de tais factos, que integram a causa de pedir ([9]) de tal procedimento cautelar.

Assim, o ónus de alegação, referenciado à causa de pedir, reporta-se à situação da parte que se vê, com vista à procedência da sua pretensão ou oposição, na necessidade de alegar, em sede de articulados da causa, carreando-a para os autos, toda a matéria fáctica necessária ao sucesso de tal sua pretensão ou oposição (cfr., quanto ao que aqui importa, o aludido art.º 392.º, n.º 1, do NCPCiv.), pois que o tribunal só pode, por regra, servir-se dos factos essenciais alegados/articulados pelas partes ([10]).

Pode, pois, concluir-se que o arresto é um procedimento cautelar tipicamente recortado para uma relação bilateral entre credor e devedor, estando em causa o receio daquele de perda da garantia patrimonial do seu crédito, caso em que pode requerer o arresto de bens (apreensão judicial dos bens) do seu devedor, com função, pois, de garantia ([11]) e com o efeito de os atos de disposição dos bens arrestados serem ineficazes em relação ao requerente do arresto, aplicando-se, mutatis mutandis, as regras e os efeitos da penhora (art.º 622.º, n.ºs 1 e 2, do CCiv.).

Já o procedimento cautelar de arrolamento, por seu lado, pretende, no seu recorte legal, responder a situações de perigo de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis.

Assim, como resulta da lei adjetiva, havendo justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, pode requerer-se o arrolamento deles (art.º 403.º, n.º 1, do NCPCiv., tal como, anteriormente, o art.º 421.º, n.º 1, do CPCiv. revogado), sendo o arrolamento dependência da ação à qual interessa a especificação dos bens ou a prova da titularidade dos direitos relativos às coisas arroladas (n.º 2 de qualquer daqueles dispositivos legais).

Quanto à “legitimidade”, certo é que o arrolamento pode ser requerido por qualquer pessoa que tenha interesse na conservação dos bens (art.º 404.º, n.º 1, do mesmo Cód. e art.º 422.º, n.º 1, do CPCiv. revogado), já não se exigindo, pois, que seja “credor” (da contraparte devedora).

Para tanto, cabe ao requerente fazer prova sumária do direito relativo aos bens e dos factos em que fundamenta o receio do seu extravio ou dissipação (art.º 405.º, n.º 1, do novo Cód. e art.º 423.º, n.º 1, do CPCiv. revogado) ([12]). Já não, pois, o “receio de perda da garantia patrimonial do crédito” ([13]) pelo credor, mas o “receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens” determinados (concretos bens móveis ou imóveis).

Assim, produzidas as provas, o juiz ordena as providências se adquirir a convicção de que, sem o arrolamento, o interesse do requerente corre risco sério (n.º 2 do mesmo art.º), procedendo-se logo, nesse caso, à nomeação de depositário e avaliador (n.º 3), posto que o arrolamento consiste na descrição, avaliação e depósito dos bens (art.º 406.º, n.º 1, do NCPCiv., e art.º 424.º, n.º 1, do Cód. revogado), para o que é lavrado auto em que se descrevem os bens, em verbas numeradas, como em inventário, se declara o valor fixado pelo louvado e se certifica a entrega ao depositário ou o diverso destino que tiveram (n.º 2), sendo que tal depositário não tem de ser o “possuidor ou detentor dos bens”, como no caso de haver “manifesto inconveniente em que lhe sejam entregues” (art.º 408.º, n.º 1, do NCPCiv.).

Nos termos do disposto no n.º 5 do mesmo art.º 406.º da lei adjetiva atual (anterior art.º 424.º, n.º 5), são aplicáveis ao arrolamento as disposições relativas à penhora, em tudo quanto não contrarie o estabelecido nesta secção ou a diversa natureza das providências.

Quanto ao depositário na penhora de imóveis dispõem os art.ºs 756.º e segs. do NCPCiv., estabelecendo que, por regra, o depositário deve tomar posse efetiva dos imóveis penhorados (n.º 1 do art.º 757.º), cabendo-lhe administrar os bens (art.º 760.º, n.º 1, do NCPCiv.).

Tratando-se, porém, da penhora de depósito bancário, aquela é feita por comunicação eletrónica à entidade bancária, ficando o saldo bloqueado desde a data do envio da comunicação, impedindo, por isso, que as quantias bloqueadas sejam movimentadas, para o que a instituição é responsável pelos saldos bancários nela existentes ao tempo daquela comunicação (art.º 780.º, n.ºs 1, 2, 4 e 11, do NCPCiv., aplicável ex vi art.º 406.º, n.º 5, do mesmo Cód.).

Bem se compreende, então, que, no “arrolamento de conta bancária o depositário natural é precisamente a entidade bancária onde ela se encontra. O arrolamento faz-se identificando a conta e descrevendo o saldo e a data respectiva” – assim, o Ac. STJ de 27/01/1998, Proc. 97A997 (Cons. Lopes Pinto), com sumário disponível em www.dgsi.pt, com itálico aditado ([14]).

E ainda que “a finalidade do arrolamento é garantir a existência e preservação de certos bens para que, obtido vencimento na acção, lhes possa ser dado o destino legal, em harmonia com o interesse do vencedor (dando-se a coincidência entre este e o requerente do arrolamento).

E, segundo o regime legal, esse desiderato é alcançado através da descrição, avaliação e depósito dos bens em causa (artº 406º/1 CPC)” – cfr. Ac. TRL, de 28/03/2017, Proc. 11256/16.7T8LSB.L1-7 (Rel. Maria Amélia Ribeiro), em www.dgsi.pt ([15]).

Assim sendo, o objetivo do arrolamento – designadamente, de depósitos bancários – “é o de manutenção dos bens controvertidos e deverá ser decretado em função da probabilidade da titularidade do requerente sobre esse bem e da prova sumária de situação de perigo que incida sobre ele, perigo que o legislador tipifica como de «extravio, ocultação ou dissipação»” ([16]).

Não se estranha, pois, que a jurisprudência – que tem admitido largamente o arrolamento de depósitos bancários – venha entendendo que a providência cautelar de arrolamento “visa conferir tutela urgente e acauteladora a direitos a brandir ulteriormente em situações de «receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos», pelo que logra proteger os direitos de ex-cônjuge que vise obviar à dissipação de depósitos bancários e dinheiro alegadamente pertencentes a ambos os elementos do casal não se justificando, pois, em tal caso, o recurso a procedimento cautelar não especificado” ([17]).

Poderia dizer-se, em contrário, que, devendo o depositário ser “o próprio possuidor ou detentor dos bens”, no caso seria depositário quem tem a titularidade da conta bancária em questão, que poderia, nesse âmbito, proceder ao levantamento ou transferência do depositado na conta e, assim, impedir o aludido objetivo conservatório do procedimento.

Porém, o art.º 408.º, n.º 1, do NCPCiv., ressalva, quanto a tais possuidor ou detentor, situações de “manifesto inconveniente em que lhes sejam entregues” os bens.

Ora, o caso dos autos, tal como relatado pela Requerente – e a fazer-se a prova necessária –, atento o receio alegado, sempre se imporia, para evitar o risco de extravio/dissipação, que não fossem os titulares da conta nomeados depositários, antes devendo tal cargo ser atribuído à própria entidade bancária onde a conta foi aberta.

Em suma, e como entendido já nesta Relação ([18]), a providência adequada para prevenir o risco de dissipação ou ocultação de bens e acautelar o efeito útil do processo de inventário para partilha – efeito útil que consiste não só na partilha dos bens, mas também na entrega aos interessados dos bens que lhe couberem em partilha – é o arrolamento e não o arresto ([19]).

Tratando-se, no essencial, no arrolamento, ante o receio de extravio ou de dissipação de bens determinados, de dar corpo a um escopo conservatório desses bens, cuja “inventariação” se destina a dar “garantia da sua conservação” ([20]).

Dito de outro modo, “O arrolamento tem por objectivo esconjurar uma específica situação de perigo (periculum in mora) relacionada com o extravio, ocultação ou dissipação de bens ou documentos, sendo este perigo concreto que constitui o elemento verdadeiramente integrante da causa de pedir” ([21]), funcionando o procedimento “apenas como meio de obter a conservação dos bens” ([22]).

Por outro lado, sublinha-se que os “direitos e deveres do depositário de bens arrolados são os mesmos do depositário de bens penhorados”, designadamente, quanto a “deveres gerais do depositário”, “o de prestar contas”, as quais “poderão ser prestadas espontaneamente pelo depositário, ou exigidas por qualquer dos interessados directos na administração, devendo aquele prestá-las anualmente (…)” ([23]).

Acresce que, como entendido no Ac. TRP de 02/05/2005 ([24]):

“A providência cautelar de arrolamento (…) considera-se consumada, atento o seu fim essencial, com o lavrar do auto de arrolamento donde conste a descrição dos bens existentes, se declare o seu valor e se proceda à sua entrega a um depositário”.

Tal arrolamento “serve de descrição no inventário a que haja de se proceder a fim de se garantir que tais bens existam no momento em que se efectue a partilha”, sendo que a “finalidade de obviar ao seu extravio ou dissipação preenche-se com o auto de arrolamento” ([25]), auto esse no caso desnecessário/inexistente ante a forma legal “comunicativa” da sua realização (mencionado art.º 780.º do NCPCiv.).

Donde, na improcedência das conclusões da Apelante em contrário, a manutenção nesta parte da decisão recorrida, ficando prejudicada a apreciação da remanescente questão recursória enunciada.

IV – Sumário (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - O arresto pressupõe uma relação bilateral entre credor e devedor, estando em causa o receio daquele de perda da garantia patrimonial do seu crédito, caso em que pode requerer o arresto de bens (apreensão judicial) do seu devedor, com função de garantia e com o efeito de os atos de disposição dos bens arrestados serem ineficazes em relação ao requerente/credor.

2. - Já o procedimento cautelar de arrolamento depende de um justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, podendo ser requerido por qualquer pessoa que tenha interesse na conservação dos bens, não se exigindo, assim, que se trate de “credor” contra “devedor”.

3. - É adequado a prevenir o risco de dissipação ou ocultação de bens – no caso, depósitos em conta bancária – e acautelar o efeito útil do processo de inventário para partilha o arrolamento e não o arresto.

4. - Nesse caso, havendo receio de que os interessados titulares da conta bancária ocasionem o extravio/dissipação desses depósitos bancários, assim impedindo a sua entrega a quem couberem em partilha, não devem tais interessados ser nomeados depositários, por ocorrer manifesto inconveniente nos termos do art.º 408.º, n.º 1, do NCPCiv., antes se justificando a nomeação da respetiva entidade bancária como depositária, a dever impedir a movimentação da conta a débito, sem o que o procedimento não cumpriria a sua essencial função conservatória.

***
V – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo, em consequência, a decisão recorrida.

Custas da apelação pela Apelante.

Coimbra, 27/02/2018

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Vítor Amaral (Relator)

          Luís Cravo

                                      

Fernando Monteiro


([1]) Em 16/10/2017 (cfr. fls. 21 dos autos em suporte de papel).
([2]) Para partilha de herança, registados sob o n.º 131/11.1TBVLF, e por apenso aos mesmos.
([3]) Caso a apreciação de nenhuma das questões recursivas resulte prejudicada.
([4]) Correspondente ao art.º 406.º, n.º 1, do CPCiv. revogado.
([5]) Art.ºs 387.º, n.º 1, e 392.º, ambos do CPCiv. anterior.
([6]) Assim também o anterior 407.º, n.º 1, do CPCiv. revogado.
([7]) Neste sentido, cfr. Ac. TRC, de 13/11/1979, in BMJ, n.º 293, pág. 441.
([8]) Cfr. Ac. TRL, de 15/11/2011, Proc. 1707/10.0TVLSB-B.L1-7 (Rel. Pimentel Marcos), disponível em www.dgsi.pt. 
([9]) Vista esta, genericamente, como o facto ou o conjunto fáctico de que procede a pretensão do requerente (cfr. art.º 581.º, n.º 4, do NCPCiv.), e, no concreto dos autos, como o conjunto fáctico de que depende a verificação dos requisitos de procedência do arresto (existência do crédito, pelo lado do requerente, e justo receio de perda da respetiva garantia patrimonial, no concernente ao lado do requerido). 
([10]) Já o ónus da prova – que nesta altura não está em questão –, por sua vez, traduz a situação da parte que tem necessidade de provar certa factualidade para obter ganho de causa, cabendo, assim, por regra, ao autor provar os factos constitutivos do direito por si invocado e ao demandado fazer a prova da factualidade impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pela contraparte (cfr. art.ºs 342.º e ss. do CCiv.).
([11]) No âmbito da conservação da garantia patrimonial do credor (de acordo com a inserção sistemática dos art.ºs 619.º e ss. do CCiv.).
([12]) Se o direito relativo aos bens depender de ação proposta (ou a propor), tem o requerente de convencer o tribunal da provável procedência do pedido correspondente (cfr. mesmo preceito legal).
([13]) Esta constituída, em geral, pelo conjunto do património do devedor suscetível de penhora (art.º 601.º do CCiv.).
([14]) Veja-se também o Ac. TRL, de 03/04/2014, Proc. 6234/10.2TBALM-D.L1-6 (Rel. António Martins), em www.dgsi.pt, segundo o qual (reportado ao anterior CPCiv., cuja disciplina, porém, não difere, neste particular, da dispensada pelo NCPCiv.) ao «arrolamento de saldos de contas bancárias são aplicáveis “as disposições relativas à penhora” em tudo o que não for contrariado pela diversa natureza do arrolamento e da penhora e pelo estabelecido na subsecção VII, da secção II, do Capítulo IV, do título I, do Livro III, do CPC, que regula a providência cautelar de arrolamento, atento o estatuído no art.º 424º nº 5», pelo que “esta medida, ao arrolamento de saldos de contas bancárias é aplicável o procedimento previsto no art.º 861º-A (…)”.
([15]) No mesmo sentido o Ac. TRL, de 16/03/2017, Proc. 185/15.1T8FNC-A.L1-2 (Rel. Maria José Mouro), em www.dgsi.pt, segundo o qual: «Em termos gerais o arrolamento destina-se a evitar o extravio ou a dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos, visando a conservação de bens ou documentos determinados. É, pois, uma medida cautelar de carácter conservatório, sendo dependência de acção a que interessa a especificação dos bens ou a prova da titularidade dos direitos relativos às coisas arroladas. // Naquele primeiro caso o arrolamento visa concretamente assegurar a permanência de bens que devem ser objecto de “especificação” no processo principal».
([16]) Vide Ac. TRL, de 02/07/2015, Proc. 4899/14.5T2SNT.L2-2 (Rel. Teresa Albuquerque), em www.dgsi.pt.
([17]) Cfr. Ac. TRL, de 23/04/2015, Proc. 3376/14.9T8FNC-A.L1-6 (Rel. Carlos Marinho), em www.dgsi.pt.
([18]) Cfr. Ac. TRC, de 17/09/2013, Proc. 839/07.6TBPBL-C.C1 (Rel. Emídio Santos), em www.dgsi.pt, embora com referência a inventário para partilha de bens comuns.
([19]) Ali se explicitou, com pertinência, que «(…) o arresto pretendido pela requerente não visa conservar a garantia patrimonial de qualquer direito de crédito. // O que a requerente quer com a apreensão é garantir que os bens que lhe foram atribuídos na partilha lhe sejam entregues após o trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha. E quer esta garantia uma vez que, segundo alega, há o risco sério de esses bens serem entretanto ocultados ou dissipados pelo recorrido. // Sucede que a providência adequada para prevenir o risco de dissipação ou ocultação de bens comuns e acautelar o efeito útil do processo de inventário instaurado para partilha destes bens (…) é o arrolamento (…). // Assim, a providência que cabe ao caso é o arrolamento».
([20]) Cfr. Ac. STJ, de 17/04/1997, Proc. 97B109 (Cons. Pereira da Graça), em www.dgsi.pt.
([21]) Vide Ac. TRC, de 20/01/2004, Proc. 2819/03 (Rel. Monteiro Casimiro), em www.dgsi.pt.              
([22]) V. Ac. TRP, de 19/11/1992, Proc. 9250528 (Rel. Mário Cancela), também em www.dgsi.pt.
([23]) Cfr. Ac. TRL, de 19/02/2004. Proc. 1083/2004-8 (Rel. Gonçalves Rodrigues), em www.dgsi.pt.
([24]) Proc. 0551153 (Rel. Pinto Ferreira), em www.dgsi.pt.
([25]) Cfr. Ac. TRL, de 29/06/2006, Proc. 5466/2006-8           (Rel. Ilídio Sacarrão Martins), em www.dgsi.pt.