Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
239/19.5T8CVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
CONVOLAÇÃO DE RECLAMAÇÃO EM RECURSO JUDICIAL
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA
NATUREZA DO PRAZO
TOLERÂNCIA DE PONTO
Data do Acordão: 03/18/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DA COVILHÃ)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CONTRA-ORDENACIONAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 193.º, N.º 3, DO CPC; ART. 107.º - A, DO CPP; ARTS. 59.º, N.º 3, 60.º, N.º 2, 73.º, N.º 1, AL. D), E 74.º, N.º 1, DO RGCO
Sumário: I - Por força do disposto no n.º 3 do artigo 193.º do CPC, pode/deve ser convolada a reclamação – indevidamente apresentada como forma de reacção contra o despacho que, por extemporaneidade, rejeitou a impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa – no recurso previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 73.º do RGCO.

II – Porém, essa “correcção oficiosa”, inscrita no âmbito dos poderes de gestão processual do juiz, só tem viabilidade se a reclamação – dirigida ao Presidente do Tribunal da Relação – tiver sido apresentada no prazo, de 10 dias, fixado no artigo 74, n.º 1, do RGCO.

III – A disciplina do artigo 107.º - A do CPP, relativa à possibilidade da prática extemporânea do acto processual mediante o pagamento de multa, sendo privativa dos prazos judiciais, não colhe aplicação no caso do n.º 3 do artigo 59.º do RGCO, cujo prazo, de 20 dias, fixado para impugnação da decisão da autoridade administrativa, tem natureza administrativa.

IV – Para o efeito previsto no n.º 2 do artigo 60.º do RGCO, a tolerância de ponto, não se integrando no conceito de feriado, apenas assume relevância se coincidir com o último dia do prazo para a apresentação da impugnação da decisão da autoridade administrativa e implicar o efectivo encerramento do respectivo serviço público. Verificadas as condições descritas, o termo do prazo para o dito fim transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.

Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito dos Autos de Contraordenação n.º 670/2018, que deram origem ao processo (Recurso) de contraordenação n.º 239/19.5T8CVL do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, Covilhã – JL Criminal, por decisão administrativa do Diretor do Departamento de Conservação da Natureza e Florestas do Centro, foi a arguida A., condenada pela prática, a título de negligência, de uma contraordenação, p. e p. pelo n.º 6, do artigo 6.º, alínea h) do n.º 1 e alínea b), do n.º 5 do artigo 24.º, do Decreto-Lei n.º 95/2011, de 8 de agosto, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 123/2015, de 3 de junho, na coima de € 5.000,00 [cinco mil euros].

2. Inconformada a arguida impugnou judicialmente a decisão.

3. Por despacho judicial de 5 de Março de 2019 o tribunal decidiu rejeitar, por extemporânea, a impugnação judicial.

4. Do assim decidido apresentou a arguida reclamação para o Exmo. Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra.

5. Por despacho judicial de 29 de Abril de 2019, considerando, embora, que o meio processual adequado de reação contra a decisão de rejeição da impugnação judicial era o recurso, por aplicação do artigo 193.º do CPC, veio o mesmo a ser admitido e sustentada a decisão recorrida – cf. fls. 87.

6. No recurso, assim convolado, concluiu a recorrente:

21 – Os factos apontados configuram o justo impedimento e deve ser dado provimento ao presente recurso, substituindo-se o despacho recorrido, por outro que admita o recurso de modo que o recurso possa prosseguir os seus trâmites processuais.

22 – De que a Arguida, em qualquer dos casos se encontra dentro do prazo (20 dias úteis) para efetivar o recurso judicial, já que se encontra como meio próprio e os dias de tolerância deverão ser considerados para todos os efeitos como encerramento dos tribunais não serem considerados como dias úteis 26 e 31 de dezembro de 2018, como tolerâncias de ponto.

23 – Veja-se a este propósito o que nos diz o art.º 138.º n.º 3 do CPC.

24 – Qua acaso não se considere, o que, desde já se rejeita, com o devido respeito por opinião contrária, então deverá ser aplicado o artigo 107.º - A, alínea a), por força do art.º 104.º n.º 1 do CPP.

25 – Que em qualquer dos casos, quer um quer outro dos dispositivos legais envolvidos nos pareçam poder aplicar-se à situação vigente, sem que daí lese ou seja elemento prejudicial de retardar o processo ou seja um meio de o arrastar.

26 – O que a justiça visa é encontrar a melhor solução jurídica dentro de uma paz social e visando alcançar a melhor justiça.

27 – Assim estamos perante uma reclamação que visa fundamentar factos ocorridos e que merecem a tutela do direito, revogando o despacho em crise proferido pelo tribunal a quo.

7. Em resposta o Ministério Público pronunciou-se no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.

8. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, defendendo o trânsito em julgado do despacho que rejeitou a impugnação judicial e, para o caso de não ser esse o entendimento, sempre o recurso deveria improceder.

9. Cumprido o n.º 2 do artigo 417.º do CPP, a recorrente não reagiu.

10. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cabendo, pois, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

Sendo o objeto do recurso delimitado em função das respetivas conclusões, no caso em apreço a única questão que importa decidir traduz-se em saber se o recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa que aplicou a coima, como defende a recorrente, deve ser considerado tempestivo.

2. A decisão recorrida

Ficou a constar do despacho em crise [transcrição]:

“Os presentes autos foram remetidos como recurso de contraordenação.

Veio a arguida A. interpor o presente recurso da decisão administrativa proferida pelo Diretor do Departamento de Conservação da Natureza e Florestas do Centro, do “Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas”, que a condenou numa coima de € 5.000,00 e nas custas no valor de € 51,00, pela prática da contraordenação p. e p. pelos artigos 6º, nº 6 e 24.º nºs 1 al. h) e 5 al. b), ambos do Decreto-Lei n.º 95/2011, de 8 de agosto.

Sucede que a sociedade arguida foi notificada da decisão administrativa através de carta registada com aviso de receção, a qual foi remetida para a sede da aludida sociedade, tendo o aviso de receção sido assinado em 18.12.2018, e constando do mesmo o número de identificação da pessoa que, na sede da arguida, recebeu a missiva em apreço (cf. fls. 65e 66). Ora, a impugnação apenas deu entrada no dia 22.01.2019, ou seja, quando já tinha decorrido o prazo de 20 dias estabelecido no artigo 59º nº 3 do Decreto-Lei nº 433/82 de 27 de Outubro.

Sobre esta matéria, observe-se, por exemplo, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11.07.2013, no processo n.º 45/134.0TBETZ.E1 (disponível em www.dgsi.pt), em que se exarou que “A notificação das pessoas coletivas, incluindo as sociedades comerciais, em processo contraordenacional deve ser feita nos termos das citações destas em processo civil.

É válida e eficaz a notificação efetuada à arguida através da carta registada endereçada para a sua sede, que nesse local foi rececionada por pessoa que assinou o respetivo aviso e do qual consta o número do seu documento de identificação”.

Também no sentido de a notificação da pessoa coletiva dever ser feita por carta registada com AR expedida para a sede da notificanda e de a citação se considerar validamente realizada se a carta for recebida por funcionário da pessoa coletiva, em conformidade com o disposto no artigo 246.º nº 3 do C.P.C., veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Évora d 15.12.2015, no processo n.º 911/15.9T8PTG.E1 (ao qual também se pode aceder em www.dgsi.pt).

Note-se igualmente que, como o tem vindo a afirmar de forma pacífica a jurisprudência, não é aplicável nesta sede o disposto no artigo 107.º A do CPP ou o artigo 139.º, n.ºs 5 e 6 do CPC, atenta a natureza administrativa do prazo em questão (cf. o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29.02.2012, no processo n.º 1757/11.9TALRA.C1, que também se pode consultar no referido site, e em que, entre outros aspetos, é abordada esta questão).

Em face do exposto, decide-se rejeitar o presente recurso de contra-ordenação por ter sido interposto fora do prazo legal (cf. o artigo 63.º do Decreto-Lei n.º 433/82 de 27 de outubro).

Custas a cargo da arguida/recorrente, cuja taxa de justiça se fixa pelo mínimo legal (cf. o artigo 94.º n.º 3 do Decreto-Lei 433/82 de 27 de outubro).

Notifique, designadamente o Ministério Público e a recorrente.

Após trânsito, comunique a decisão à entidade recorrida (artigo 70.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro).”

3. Apreciação

 Questão prévia

No seu parecer, defendendo haver o despacho que rejeitou a impugnação judicial transitado em julgado, pronunciou-se o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no sentido da inadmissibilidade do recurso. Com efeito, desenvolvendo a sua posição, refere: “O art.º 63.º, n.º 1 do DL 433/82, dispõe que “O juiz rejeitará, por meio de despacho, o recurso feito fora do prazo ou sem respeito pelas exigências de forma” e o n.º 2 dispõe que “Deste despacho há recurso, que sobe imediatamente”.

E, o art.º 73.º, n.º 1, alínea d) do mesmo DL dispõe que o recurso será para a Relação e o art.º 74.º, n.º 1 que o recurso deverá ser interposto no prazo de 10 dias a contar da notificação do despacho de rejeição ao arguido.

Destas disposições resulta com clareza que a única forma de a arguida atacar o despacho que não admitiu o seu recurso de impugnação judicial de contraordenação era através de recurso e não através de reclamação para o Presidente da Relação, como sucede com os recursos cíveis e recursos penais, pelo que, assim não tendo procedido, sou de parecer que o despacho que rejeitou o recurso de impugnação judicial transitou em julgado, não podendo o tribunal transformar/entender como recurso, quando na verdade a arguida não interpôs recurso, mas sim apresentou reclamação, que no caso, de todo, não é admissível”.

A primeira questão que urge decidir, traduz-se, pois, em saber se tendo o recorrente lançado mão da reclamação prevista no artigo 405.º do CPP para reagir contra o despacho que, por extemporânea, rejeitou a impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, poderia o tribunal a quo convolá-la [a reclamação] no recurso a que se reporta a alínea d), do n.º 1, do artigo 73.º do RGCO.

Invocando o artigo 193.º, n.º 3 do CPC, considerando que o requerimento em causa [reclamação] deu entrada no prazo legalmente previsto para interposição do recurso [artigo 74.º do RGCO], foi apresentado por quem para tanto tinha legitimidade, incidindo sobre decisão recorrível e cumpria os requisitos de forma, designadamente ao nível das conclusões, entendeu a Senhora juiz proceder à dita convolação, lavrando em consequência o despacho de admissão [do recurso] de fls. 87.

E, respeitando a opinião em contrário, a nosso ver bem!

Com efeito, resultando pacífico que no âmbito do processo contraordenacional a forma de o sujeito interessado reagir ao despacho de rejeição da impugnação judicial se traduz no recurso [cf. artigo 73.º, n.º 1, alínea d) do CPP] – e não já, como sucede no domínio do processo penal, na reclamação para o presidente do tribunal imediatamente superior [cf. artigo 405.º do CPP] –, verificada a legitimidade do “recorrente” e a tempestividade do “recurso” [cf. artigo 74.º do RGCO] – aspetos que não surgem controvertidos -, perfilhamos o entendimento da aplicação nestes casos do artigo 193.º, n.º 3 do CPC, enquanto manda corrigir oficiosamente o erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte, não se vendo motivo para a excluir no processo de contraordenação – [cf. artigo 41.º do RGCO; artigo 4.º do CPP].

É evidente que essa “correção oficiosa”, inscrita no âmbito dos poderes de gestão processual do juiz, só tem viabilidade se o requerimento em questão – no presente caso, a reclamação dirigida ao Presidente do Tribunal da Relação – tiver sido apresentado dentro do prazo que o sujeito interessado beneficia para pôr em prática – para exercer – esse meio processual, ou seja, no que ora importa, no prazo de 10 dias a partir da notificação à arguida do despacho de rejeição da impugnação judicial da decisão administrativa, o que se verifica – [cf., entre outros, os acórdãos do STJ de 08.02.2018 (proc. n.º 4140/16.6T8GMR.G1.S2); de 22.02.2016 (proc. n.º 490/11.6TBVNG.P1-A.S1), do TCAS de 19.10.2017 (proc. n.º 392/15.7BELLE-B)].

Concluindo, não nos merece censura o despacho que convolando a “reclamação” em “recurso”, verificados que estavam os demais pressupostos, admitiu o último, dando, assim, corpo ao princípio da tutela judicial efetiva.

Da tempestividade da impugnação judicial

Insurge-se a recorrente contra o despacho de rejeição da impugnação judicial da decisão administrativa que aplicou a coima, invocando “justo impedimento” e, de qualquer modo, a circunstância de os dias 26 e 31 de dezembro de 2018, por haverem sido objeto de tolerância de ponto, não poderem ser considerados como dias úteis, conforme decorreria do n.º 3 do artigo 138.º do CPC. Para o caso de não ser esse o entendimento sempre os artigos 107.º - A, alínea a) e 104.º, n.º 1, ambos do CPP conduziriam à tempestividade da impugnação.

Em questão, por conseguinte, está a pretensão de reversão do despacho de rejeição liminar, por intempestividade, da impugnação judicial da decisão administrativa proferida pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas que aplicou à arguida a coima de € 5.000,00 [cinco mil euros].

Vejamos.

Não surge controvertido – assim também se afirma no próprio recurso – ter sido a recorrente notificada da decisão administrativa em 18.12.2018. Já quanto à apresentação do recurso da impugnação judicial, remetido à autoridade administrativa por correio registado, é de considerar como data da prática do ato a da efetivação do respetivo registo postal [cf. Pinto de Albuquerque, em “Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações”, Universidade Católica Editora, pág. 248], ou seja o dia 21.01.2019 [cf. fls. 75] e não 22.01.2019 [data do carimbo de entrada na entidade administrativa do recurso de impugnação judicial], como referido na decisão recorrida.

Isto dito.

Nos termos do artigo 59.º, n.º 3 do RGCO, o recurso de impugnação judicial “… é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões.”

O juiz rejeitará, por meio de despacho, o recurso feito fora do prazo ou sem respeito pelas exigências de forma – [cf. n.º 1 do artigo 63.º do mesmo diploma].

Já sobre a “Contagem do prazo para impugnação”, dispõe o artigo 60.º do RGCO:

“1 – O prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados.

2 – O termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.”

Perante tal quadro normativo, tendo presente a data da notificação, dúvida não subsiste que em 21.01.2019, os vinte dias previstos para a impugnação judicial da decisão administrativa – descontados os sábados, domingos e feriados - já se mostravam esgotados.

Contudo, invoca a recorrente o “justo impedimento”, sem que, porém o concretize, limitando-se, antes, a deixar a sua interpretação sobre o direito aplicável. Ora, pese embora o instituto em questão se encontre definido numa norma do Código de Processo Civil [cf. artigo 140.º], tal como referido, entre outros, no acórdão do TRE de 29.03.2016 (proc. n.º 509/15.1T8BJA.E1), afigura-se-nos tratar-se de conceito “transversal aos diferentes ramos de direito processual” de modo a que, verificados os respetivos pressupostos, constitua causa idónea a legitimar a prática de atos processuais fora do prazo legalmente previsto – [cf. artigo 107.º, n.º 2 do CPP].

No caso em apreço, não só a recorrente não o invocou no prazo contemplado no n.º 3 do artigo 107.º do CPP, como ao reconduzi-lo à sua perspetiva sobre as normas aplicáveis se colocou fora da definição legal de justo impedimento, qual seja “o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato” [cf. n.º 1, do artigo 140.º do CPC].

Mas, ainda assim, pretende a recorrente que a tolerância de ponto, indicando a este título os dias 26 e 31 de dezembro de 2018 – pese embora o Despacho n.º 11976/2018, de 13 de dezembro de 2018, do Gabinete do Primeiro-Ministro se reportar a 24 e 31 de dezembro do mesmo ano – conduziria a que os ditos dias não pudessem ser computados no prazo previsto para o recurso de impugnação judicial.

Sobre semelhante questão já por várias vezes se debruçaram os tribunais superiores, assistindo-se a um grande consenso no sentido da natureza administrativa [que não judicial] do prazo para impugnação judicial das decisões da autoridade administrativa que apliquem coimas, o qual se suspende aos sábados, domingos e feriados, mas já não assim por ocasião de “tolerância de ponto”. A propósito destas temáticas – na linha da jurisprudência fixada no Acórdão STJ n.º 2/94, de 10.03 no sentido de que o prazo mencionado no n.º 3 do artigo 59.º não tem natureza judicial e do Acórdão STJ n.º 8/96, de 10.10.1996, de acordo com a qual «A tolerância de ponto não se integra no conceito de feriado» - refere o acórdão do TRL de 07.03.2002 (proc. n.º 0009589): “[..] A tolerância de ponto, concedida por exemplo na terça-feira de carnaval, não se integra no conceito de feriado, pelo que não tem qualquer efeito na contagem do prazo para a prática de atos processuais de qualquer natureza, a menos que coincida com o último dia desse prazo. [..] Assim, no âmbito do atual Código de Processo Civil (C.P.C.), quando o último dia para a prática de ato judicial seja de tolerância de ponto, o termo do prazo transfere-se sempre para o primeiro dia útil seguinte; [..] Por sua vez, no domínio contra-ordenacional (D.L. n.º 433/82, de 23 de setembro), quando seja de tolerância de ponto o último dia do prazo para apresentação de recurso de impugnação judicial, o termo do prazo só se transferirá para o primeiro dia útil imediato se essa tolerância de ponto tiver implicado o efetivo encerramento do concreto serviço público em que o recurso deva ser apresentado” – [cf. no mesmo sentido, entre outros, os acórdãos do TRP 09.01.2008 (proc. n.º 0716685), de 08.03.2017 (proc. n.º 3534/16.1T8STS.P1) do TRG de 04.06.2018 (proc. n.º 2185/14.0EAPRT.G1), do TRC de 18.10.2017 (proc. n.º 2219/17.6T8CBR.C1), do TRE de 03.12.2015 (proc. n.º 2436/14.0TBPTM.E1), acórdão do TCAS de 07.07.2011 (proc. n.º 07332/11)]. Posição que tem eco na doutrina enquanto, dado que inserido na fase administrativa do processo, contraria a natureza judicial do prazo de interposição de recurso da decisão administrativa – [vide, António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral, em “Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas”, pág. 207 e ss e Simas Santos, em “Contra-ordenações Anotações ao Regime Geral”, pág. 360].

Entendimento, também, defendido por Paulo Pinto de Albuquerque, em ob. cit., pág. 252, enquanto escreve: “No direito contra-ordenacional, a tolerância de ponto não se integra no conceito de feriado, nos termos do artigo 60.º, n.º 2 (acórdão do TRP, de 9.1.2008, processo JTRP00040923). Se a tolerância de ponto coincidir com o último dia do prazo para a prática do ato, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte somente quando a tolerância de ponto tiver implicado o efetivo encerramento do serviço público em que o recurso deva ser apresentado, por força do disposto no artigo 60.º, n.º 2, do RGCO. Com efeito, resulta expressamente desta disposição que a transferência do termo do prazo só se verifica se não for possível a entrega do recurso durante todo o tempo do horário normal de funcionamento, por razões imputáveis à autoridade administrativa (...)”.

Por outro lado, ao contrário do que preconiza a recorrente, ao prazo de interposição do recurso de impugnação judicial das decisões administrativas não são aplicáveis as normas previstas nos artigos 107.º - A do CPP e 138.º, n.º 3 do CPC, pois, uma vez mais, a natureza administrativa do prazo em questão afasta a respetiva consideração, sendo certo que tal recurso é apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima [cf. o n.º 3, do artigo 59.º do RGCO] e não já perante o tribunal, iniciando-se a fase jurisdicional com o despacho de admissão [do recurso] posterior à interposição.

Conforme, evidencia o acórdão do TRG de 05.03.2012 (proc. n.º 3211/11.0TBVCT.G1): «O processo por contra-ordenação tem duas fases bem distintas. A primeira tem natureza administrativa e a segunda judicial. O recurso de impugnação judicial é apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima (artigo 59º nº 3 Dec.- Lei 433/82). A apresentação não implica, necessariamente, que se passe à fase judicial, pois a entidade administrativa pode revogar a sua decisão de aplicar a coima – art. 62 nº 2 do RGCO. Isto é harmonioso com o facto de ainda não existir um processo judicial, mas um processo de natureza administrativa.

Por outro lado, recebida a impugnação, à entidade administrativa, se não revogar a decisão de aplicação da coima, apenas compete enviar os autos ao MP (art. 62 nº 1), não cabendo nas suas atribuições decidir sobre se a impugnação foi apresentada em tempo.

O legislador teve em atenção as diversas estrutura e natureza das duas fases do processo, elegendo para cada uma delas, em separado, o direito subsidiário aplicável, sem esquecer mesmo o direito tributário distinto de cada uma delas (v. art. 93 do Dec.-Lei 433/82) A fase administrativa do processo de contra-ordenação é tributária do próprio processo administrativo, tendo o prazo de impugnação judicial natureza substantiva e não processual.

[…]

Ora, não sendo a impugnação da decisão administrativa um ato judicial, não lhe é aplicável o regime dos n.ºs 5 e 6 do art. 145 do CPC, que apenas dizem respeito à prática de atos desta natureza.»

Entende-se, pois, que a disciplina do artigo 107.º - A do CPP, quanto à possibilidade da prática extemporânea do ato mediante o pagamento de multa processual, sendo privativa dos prazos judiciais também não colhe aplicação no caso do n.º 3 do artigo 59.º do RGCO.

Na verdade, da tutela efetiva dos seus direitos não resulta para os arguidos - e assim para a recorrente - que estejam desonerados do respeito de regras contendo deveres e ónus processuais e/ou das consequências que derivem do seu incumprimento. Donde se não merece crítica a asserção de que «a justiça visa … encontrar a melhor solução jurídica dentro de uma paz social …» [cf. ponto 26 das conclusões], o certo é que o princípio enunciado não os isenta de proceder conforme ao direito.

Em suma, não merece crítica o despacho recorrido.

III. Dispositivo

Termos em que acordam os juízes que compõem este tribunal em julgar improcedente o recurso.

Custas pela recorrente, fixando-se em 3 (três) UCs a taxa de justiça – [artigo 8.º do RCP, com referência à tabela III].

Coimbra, 18 de Março de 2020

[Texto processado e revisto pela relatora]

Maria José Nogueira (relatora)

Isabel Valongo (adjunta)