Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
203848/14.2YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
INJUNÇÃO
Data do Acordão: 10/18/2016
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA - INSTÂNCIA LOCAL – SECÇÃO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 186º,Nº 2,AL. A), 552º E 590º DO NCPC.
Sumário: I – Segundo o art. 186º, n.º 2, alínea a) do N.C.P.C., a petição será inepta quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir.

II - A ineptidão da petição inicial é uma excepção dilatória que conduz à abstenção do conhecimento do mérito da causa e à absolvição dos Réus da instância e que tal excepção é de conhecimento oficioso pelo tribunal, conforme os artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), e 278.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Civil.

III – Nos termos dos arts. 5º, nº1, e 552º, nº1, al.d) do n. Código de Processo Civil, às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e as excepções, sendo pois na petição inicial que devem constar os concretos e reais factos que preenchem a previsão da norma jurídica na qual a parte funda o seu direito.

IV - Em ação em que o pedido é o pagamento de quantia referente ao incumprimento de um contrato de mútuo ou de aluguer de veículo sem condutor ou semelhante, a autora terá de alegar e provar os termos do contrato, nomeadamente o montante mutuado, o montante das prestações devidas e seu prazo de vencimento e bem assim, a data da mora e incumprimento definitivo e de onde decorre o valor que peticiona, se só de juros e capital se de outra origem, concretizando-a nesse caso;

V - Não é de convidar à correcção da petição inicial (nos termos do art. 590º, nºs 2, al.b), 3 e 4 do nCPC) quando a petição seja inepta nos termos do art. 186º do mesmo diploma, uma vez que só um articulado que não padeça dos vícios mencionados neste último preceito pode ser objecto desse convite à correcção e isto porque se a parte declinar tal convite tal comportamento de inércia não obsta a que a acção prossiga os seus termos, contrariamente à consequência para a ineptidão que é a de determinar a nulidade de todo o processo.

VI - Não pode ser considerado despacho a convidar ao aperfeiçoamento aquele em que o tribunal ordena a notificação de ambas as partes para “se pronunciarem sobre a ineptidão da petição inicial”, porque o conhecimento desta , sendo oficioso, não carece de notificação prévia para evitar “decisão surpresa” e porque o depacho a convidar ao aperfeiçoamento só é dirigido ao autor e tem de contar a finalidade e indicar a deficiência encontrada.

VII – Embora num requerimento de injunção se tenha de formular a causa de pedir e o pedido num modelo aprovado pelo Ministério da Justiça (nos termos do art. 10º do DL n.º 209/98, de 01.09), o que implica uma necessária concisão, a lei não dispensa que se invoquem os factos jurídicos concretos que integram a respectiva causa de pedir, para que se compreenda, incluindo o requerido, o negócio que está na origem do litígio.

VII - O poder de mandar aperfeiçoar os articulados para serem supridas insuficiências ou imprecisões na exposição e concretização da matéria de facto alegada (art. 590º, nº4 do nCPC) tem de ser entendido em rigorosos limites, e isto porque este convite se realiza apenas quando existam as apontadas insuficiências ou imprecisões que possam ser resolvidas com esclarecimentos, aditamentos ou correcções. Ou seja, anomalias que não ponham em causa, em absoluto, o conhecimento da questão jurídica e a decisão do seu mérito mas que possam facilitar que este conhecimento e decisão sejam realizados de forma mais eficaz.

Decisão Texto Integral:






Face à simplicidade da questão e atento o que dispõe o art. 656 do Código do Processo Civil passa-se a conhecer do recurso através de decisão singular.

Relatório

M... – Instituição Financeira de Crédito, S.A. instaurou a presente acção declarativa com processo de injunção contra L... Unipessoal, Lda, C... e M..., pedindo a respectiva condenação no pagamento de €11.733,23, alegando, exactamente, que: “Por contrato de mútuo (ou ALD ou LEASING) celebrado no exercício da respectiva actividade o requerente mutuou à requerida um montante de capital que esta se obrigou a reembolsar àquela em prestações mensais e sucessivas. Por incumprimento do referido contrato, e após várias interpelações, este foi denunciado por falta de pagamento. Na data da resolução contratual estava a requerida em dívida, para com a requerente, pelo montante de €11.527,36.

Desde a data de incumprimento até a data da entrada em juízo da presente injunção correram juros entre 08-11-2014 e 23-12-2014 (103,87 € (46 dias a 7,15%)).

A requerente tem, assim, o direito de haver da requerida e esta tem a obrigação de pagar àquela o montante de 11.631,23 € acrescido dos juros de mora, calculados à taxa legal sucessivamente em vigor, desde a data de resolução do contrato até efectivo e integral pagamento.”

Das diligências tendentes à citação resultou a liquidação e dissolução da Requerida pessoa colectiva, tendo a Requerente desistido da acção quanto à mesma, o que foi homologado por decisão de 23-09-2015.

A Requerida deduziu oposição, na qual invocou, entre outras, o desconhecimento do contrato identificado no requerimento injuntivo.

Na resposta às excepções invocadas pela R. veio a A. alegar que o contrato em causa nos presentes autos é de aluguer de veículo sem condutor, no qual a R. pessoa colectiva figurava como locatárias e os RR. pessoas singulares como fiadores.

O tribunal da secção cível da Instância Local da Comarca de Aveiro, sediado em Aveiro, julgou-se incompetente e, em consequência, ordenou a remessa dos autos, após trânsito, à secção cível da Instância Local da Comarca de Coimbra.

Recebido o processo neste último tribunal foi aí proferido o seguinte despacho: “Notifique as partes para, querendo, se pronunciarem sobre a ineptidão da p.i.; Prazo: 10 dias.”.

Na sequência dessa notificação veio a requerente apresentar articulado no qual referiu:

“ A Autora, no dia 29 de Março de 2016, foi notificada pelo douto tribunal para se pronunciar sobre a ineptidão da petição inicial do requerimento de injunção apresentado em 23 de Dezembro de 2014.

No âmbito do requerimento de injunção supra referido constam como devedores os aqui Réus no qual é descrito que foi celebrado um contrato com a Autora.

No entender do aqui expoente são suficientes os factos constantes do requerimento de injunção apresentado, para considerarmos que inexiste qualquer ineptidão da petição inicial.

No entanto, e caso se entenda que os factos elencados não são suficientes e que a expoente olvidou elencar os termos da celebração do contrato supra referido e respectivas especificidades desde já, e de seguida, se complementa o requerimento de injunção apresentado.

De harmonia como princípio da cooperação, plasmado no art.º 7.º do Código de Processo Civil, e de acordo com o princípio de economia processual e de aproveitamento dos actos já praticados, a Autora vem pelo presente proceder ao melhoramento/aperfeiçoamento do requerimento de injunção apresentado, expondo detalhadamente os factos que compõem a relação creditícia que se injuntou.

Assim:

No dia 14 de Julho de 2000 foi celebrado entre os aqui Réus, senhores C... e  M..., e a L..., SA., agora designada por M... - Instituição Financeira de Crédito SA., aqui Autora, um contrato de aluguer de veículo sem condutor n.º..., cujo objecto foi o veículo MISTUBISHI CANTER 531, matrícula ..., celebrado pelo prazo de 60 meses, confrontar documento 1 que se junta e se dá por reproduzido para todos os legais efeitos.

2.º Após a celebração do contrato supra referido as rendas começaram a ser pagas de acordo com o estipulado nas condições particulares referentes ao contrato supra referido.

3.º Acontece que os Requeridos, aqui Réus, deixaram de proceder aos pagamentos dessas rendas, motivo pelo qual em 07 de Março de 2002 a Locadora, aqui Autora, resolveu o contrato por incumprimento, atravésdo envio de carta para a morada convencionada, “Rua ..., Cacia”- Confrontar documento 2 que se junta e se dá por reproduzida para todos os legais efeitos.

4.º Nessa missiva explicou-se que como não foram pagos os valores vencidos e em mora naquela data o Banco dava por resolvido o contrato de aluguer e iria exigir o pagamento desses montantes bem como a devolução do bem locado.

5.º Tal resolução está prevista no clausulado do contrato celebrado e assinado pelas partes, nas condições gerais, cláusula 16.º “(…) o presente Contrato poderá ser resolvido, por iniciativa da L..., sempre que o locatário incumpra definitivamente alguma das suas obrigações (…) como consequência da resolução do Contrato, a L... terá o direito (…) de reter as importâncias pagas pelo locatário e de exigir as vencidas e não pagas até à data da resolução, bem como ser indemnizada pelos prejuízos resultantes da resolução do Contrato.”

6.º Entretanto as partes, em 05/06/2002, entregaram voluntariamente o bem locado, sem que, no entanto, liquidassem os montantes em dívida naquela data.

Posto isto

7.º Após o envio da carta de resolução contratual supra referida, sem ter havido regularização dos montantes em dívida, foi enviada outra missiva para a morada “Rua ... Cacia”, no dia 23 de Outubro de 2003, na qual se informavam os locatários, aqui Réus, dos valores que à data estavam em dívida e que deviam proceder à regularização total dos débitos no prazo de 8 dias, confrontar documentos 3 e 4 que se juntam e se dão por reproduzidos para todos os legais efeitos.

Ora,

8.º Desde essa data os Réus nada pagaram, razão pela qual em 31 de Outubro de 2014, foram enviadas, novamente, duas cartas a interpelar para o pagamento da dívida, alertando para o facto de que caso a situação não fosse regularizada, a Locadora, aqui Autora, iria recorrer à cobrança judicial do seu crédito – cf. documentos n.º 5 e 6 que se juntam e se são por reproduzidos para todos os efeitos legais.

9.º O que, definitivamente, acabou por acontecer, dado que mais uma vez as cartas não foram respondidas, nem a Autora viu o seu crédito satisfeito.

10.º Pelo exposto desde já se requer que seja admitido o presente e caso se considere inepto o requerimento de injunção aqui em crise, se considere aperfeiçoado tal requerimento e aproveitados todos os actos praticados nos presentes autos.”

É na sequência deste requerimento que o tribunal veio a proferir despacho no qual decidiu:

“ Segundo o art. 186º, n.º 2, alínea a) do N.C.P.C. a petição será inepta quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir.

Conforme se refere no Ac. da Relação do Porto de 16-06-2011, “Por vezes, não é fácil estabelecer uma linha divisória entre a causa de pedir imperfeita mas meramente deficiente e aquela que provoca a ineptidão.

No caso, a dificuldade agrava-se por estarmos perante requerimento de injunção que tem de ser formulado em modelo aprovado pelo Ministério da Justiça, nos termos do art. 10º do DL n.º 209/98, de 01.09, estando a requerente obrigada a expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão, nos termos da al. b) do citado artigo.

No entanto, a questão for decidida, com clareza e de forma aprofundada na decisão recorrida, com a seguinte fundamentação, com que se concorda (síntese):

«(…) Como defende SALVADOR DA COSTA, cujo entendimento seguimos de perto, a lei “não dispensa de invocar no requerimento de injunção os factos jurídicos concretos que integram a respectiva causa de pedir, para que se compreenda, incluindo o requerido, o negócio que está na origem do litígio, certo que a lei só flexibiliza a sua narração em termos sucintos, sintéticos e breves” – in A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 6ª Edição, 2008, p. 209.

Ora, nas acções baseadas em contratos, como neste caso concreto, a causa de pedir é constituída pela celebração de certo contrato gerador de direitos, competindo ao autor alegar – num rectângulo passível de utilização de 8000 caracteres – os factos materiais indispensáveis à integração dos factos jurídicos ajustados à pretensão deduzida, ou seja, as cláusulas essenciais definidoras do negócio celebrado (cfr. Artigo 498º, nº 4 do Código de Processo Civil e 342º, nº 1, do Código Civil).

“No mínimo, deve indicar-se a causa do direito de crédito, designadamente a estrutura do contrato e as prestações que envolveram a sua execução, não bastando a mera menção de facturas. (…) Como a pretensão do requerente só é susceptível de derivar de um contrato ou de uma pluralidade de contratos, a causa de pedir, embora sintética, não pode deixar de envolver o conteúdo das respectivas declarações negociais e os factos negativos ou positivos reveladores do seu incumprimento por parte do requerido. A indicação das facturas não corresponde à alegação da origem do crédito, certo que esta se traduz no contrato, que deve ser identificado quanto aos aspectos de tempo, espaço e objecto, tal como a obrigação o deve ser no que concerne ao valor e à data do vencimento”, Salvador da Costa, op. cit., p. 209 e 210 (…) e, igualmente, neste sentido, Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, p. 371, nota 1)” – publicado no sítio da dgsi.

Ora, compulsado o requerimento de injunção, verifica-se que não consta alegado a que título é devido o capital peticionado: se na caracterização do contrato a Requerente indica que se trata de um contrato de aluguer, na exposição dos factos que fundamentam a pretensão invoca um contrato de mútuo que, alternativamente, designa de ALD ou de leasing para, em requerimento ulteriormente apresentado, o identificar como de aluguer de veículo sem condutor (naquilo que, se a p.i. não fosse inepta, configuraria uma inadmissível alteração da causa de pedir). Tampouco alega a Requerente a qualidade em que demanda cada um dos Requeridos, percebendo-se mais tarde que os RR. pessoas singulares intervieram no contrato como fiadores. Ou os termos acordados – qual foi o objecto do referido contrato de locação (ou leasing ou ALD?), ou qual foi a quantia mutuada e o prazo e condições em que o mutuário se comprometeu a reembolsá-la, quais as prestações cumpridas e incumpridas, quando ocorreu o incumprimento, etc…

Refere-se no Acórdão supra citado que “Como é sabido a causa de pedir é o facto jurídico que está na base da pretensão (cf. art. 498º n.º 4 do CPC). Teórica e praticamente são possíveis dois conceitos de causa de pedir, consagrados por duas teorias: a da individualização e da substanciação. A nossa lei consagrou a  denominada teoria da substanciação, ou seja, a causa de pedir é o próprio facto jurídico genético do direito (cf. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. I, pág.204 e segs.). Como ensinava Alberto dos Reis, CPC Anotado, vol. III, pág. 124: “O Tribunal não conhece de puras abstracções, de meras categorias legais; conhece de factos reais, particulares e concretos e tais factos quando sejam susceptíveis de produzir efeitos jurídicos, é que constituem a causa de pedir.”

Assim sendo, a causa de pedir são os concretos factos invocados de que emerge o direito que o autor se propõe fazer valer. Ora, a alegação abstracta do contrato (que alternativamente qualifica de quatro tipos diferentes) não constitui o facto jurídico de que possa resultar a condenação dos RR. na quantia peticionada a título de capital e juros. Para se saber se o contrato invocado é fonte do direito que a A. se arroga, esta tinha de alegar as suas cláusulas essenciais, nomeadamente quais as datas e os montantes de crédito concedido, o prazo de pagamento, juros acordados, desde quando a R. deixou de efectuar os pagamentos. Não tendo sido alegados os factos que integram os elementos constitutivos do denominado “contrato de utilização de cartão de crédito”, o tribunal, e consequentemente também a R., desconhecem os fundamentos de facto em que a A. baseia o seu pedido.

A alegação que a R. deve € 11.527,36 (a título de capital) é meramente conclusiva. Efectivamente essa quantia pode ter origem em pagamentos em atraso, mas desconhece-se qual o pagamento acordado, a sua periodicidade, desde quando deixou de ser paga. Mas também pode resultar de cláusula penal ou do pagamento de outras despesas.

Assim sendo, e apesar de não se estar perante uma total ausência de factos, verifica-se efectivamente que não foram alegados os factos essenciais que servem de fundamento à pretensão (já para não falar na incompatibilidade entre causas de pedir) e, por isso, a petição é inepta por falta de causa de pedir.

No caso dos autos, outra conclusão não se pode extrair que não seja a da ineptidão da petição inicial. Efectivamente, estamos perante a ausência de causa de pedir, vício este que, nos termos do art. 186.º do Código de Processo Civil, determina a ineptidão da petição inicial e, consequentemente, a nulidade de todo o processo.

Pelo exposto, decide-se julgar inepta a petição inicial por falta de causa de pedir e, consequentemente, absolver os Réus da instância nos termos dos artigos 278.º, n.º 1, alínea b) e 577.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil.”

Inconformado com esta decisão dela interpôs recurso o autor M... -  Instituição Financeira de Crédito S.A., concluindo que:

...

Não houve contra alegações

Cumpre decidir

Fundamentação

Os factos que servem a decisão são os constantes do relatório, isto é, o teor do requerimento de injunção; o teor da oposição da requerida ora recorrente; o teor da resposta do requerente; o teor dos despachos aludidos e o teor do requerimento de aperfeiçoamento do requerimento inicial, razão pela qual se dispensa reprodução de tais peças processuais, sem embargo de se vir a fazer expressa referência e transcrição parcial ou total das mesmas, na medida em que a exposição decisória o tornar útil.

Além de delimitado pelo objecto da acção, pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (arts. 635 nº3 e 4 e 637 nº2 do CPC).

Na observação destas prescrições normativas concluímos que o objecto do presente recurso incide sobre o determinar se a petição inicial satisfaz as exigências legais devendo o processo seguir os seus termos, revogando-se a decisão do tribunal recorrido que absolveu os réus da instância.

No conhecimento do mérito do recurso julgamos ser pacífico que a ineptidão da petição inicial é uma excepção dilatória que conduz à abstenção do conhecimento do mérito da causa e à absolvição dos Réus da instância e que tal excepção é de conhecimento oficioso pelo tribunal conforme os artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), e 278.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Civil.

Sabemos que a petição inicial tem de formular um silogismo que estabeleça um nexo lógico entre as suas premissas (as razões de facto e de direito explanadas) e a conclusão (o pedido deduzido) e que a sua falta se traduz numa ausência ou inexistência de objecto do processo. Porém, dizer isto não resolve a concreta apreciação que em cada caso, em cada processo, é necessário realizar para concluir se a alegação consistente na causa de pedir é feita em termos genéricos tais que não ilustre e evidencie, em factos concretos, o objecto do litígio, ou se essa generalidade, ou deficiência por escassez ou falta de completa inteligibilidade, permite sem esforço de imaginação compreender qual é a causa de pedir, de tal forma que, em si mesma e mesmo sem aperfeiçoamento, autoriza um julgamento e uma decisão sobre o seu mérito.

É este juízo que deve ser realizado para obter solução do objecto do presente recurso.

Nos termos dos arts. 5 nº1 e 552 nº1 al.d) do Código de Processo Civil, às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e as excepções, sendo pois na petição inicial que devem constar os concretos e reais factos que preenchem a previsão da norma jurídica na qual a parte funda o seu direito. Isto é, o autor está obrigado à alegação e prova dos factos que, segundo a norma substantiva aplicável, servem de pressuposto ao efeito jurídico por ele pretendido.

A questão é a de saber que factos importam ser articulados para que a Autora possa fazer valer o direito que se arroga sabendo-se que ela fundou o seu pedido na circunstância da alegada realização de um contrato de mútuo (ou ALD ou LEASING) celebrado no exercício da respectiva actividade.

Tornando mais presente a história que serve a acção, recordamos que o autor disse ter celebrado esse contrato com a requerida, tendo-lhe mutuado um determinado montante de capital que esta se obrigou a reembolsar em prestações mensais e sucessivas mas que incumpriu, deixando de pagar, o que motivou a denúncia do contrato por falta de pagamento, sendo o montante global da dívida de 11.527,36 €.

Limitando-nos apenas à linha de raciocínio estabelecida pela autora no requerimento inicial (de injunção) para fazer valer a sua pretensão, é justo e lúcido aceitar que quem protesta que mutuou determinado montante ao abrigo de determinado negócio jurídico, tipificado pelo próprio nome, e bem assim que tal contrato não foi cumprido, por não terem sido pagas as prestações mensais previstas, nesta afirmação está a conter a alegação da sua intervenção e a identidade dos outros contraentes num negócio jurídico, a qualificação do mesmo e a causa do incumprimento.

Contra esta regularidade de alegação decidiu o tribunal recorrido que, não obstante num requerimento de injunção se ter de formular a causa de pedir e o pedido num modelo aprovado pelo Ministério da Justiça (nos termos do art. 10º do DL n.º 209/98, de 01.09), o que implica uma necessária concisão, a lei não dispensa que se invoquem os factos jurídicos concretos que integram a respectiva causa de pedir, para que se compreenda, incluindo o requerido, o negócio que está na origem do litígio.

E se assim é, na conjugação e equilíbrio entre a necessária concisão e a necessidade de exposição suficiente da causa de pedir, é mister que os factos materiais indispensáveis à integração dos factos jurídicos ajustados à pretensão deduzida, se encontrem presentes, ou seja, as cláusulas essenciais definidoras do negócio celebrado.

A questão é portanto a de saber se perante o que se encontra vertido no requerimento de injunção é possível perceber a causa do direito de crédito, designadamente a estrutura do contrato e as prestações que envolveram a sua execução, a posição em que nesse contrato figura o demandado e os factos do incumprimento invocado.

Na aplicação ao caso destas considerações normativas, conclui o tribunal recorrido que “não consta alegado a que título é devido o capital peticionado: se na caracterização do contrato a Requerente indica que se trata de um contrato de aluguer, na exposição dos factos que fundamentam a pretensão invoca um contrato de mútuo que, alternativamente, designa de ALD ou de leasing para, em requerimento ulteriormente apresentado, o identificar como de aluguer de veículo sem condutor”

E acrescenta ainda a decisão recorrida, como razão de ineptidão, que a requerente não alega “a qualidade em que demanda cada um dos Requeridos, percebendo-se mais tarde que os RR. pessoas singulares intervieram no contrato como fiadores. Ou os termos acordados – qual foi o objecto do referido contrato de locação (ou leasing ou ALD?), ou qual foi a quantia mutuada e o prazo e condições em que o mutuário se comprometeu a reembolsá-la, quais as prestações cumpridas e incumpridas, quando ocorreu o incumprimento, etc…”.

Analisados os elementos disponíveis nos autos com rigor normativo, observamos que o requerente não alegou a qualidade dos réus pessoas singulares como fiadores no negócio jurídico firmado e apenas na resposta à oposição da requerida veio revelar que o eram.

Neste sentido, resultando do requerimento de injunção que os réus se encontravam obrigados aos termos do negócio que haviam celebrado com a requerente por o terem contratado, julgamos ser bastante essa alegação, mesmo sem que tivesse aludido desde logo à qualidade de fiadores, para se entender como regular o serem demandados.

Por outro lado, a circunstância de a requerente no requerimento de injunção denominar o negócio como um mútuo (Ald ou Leasing); na resposta à oposição apelidar esse mesmo negócio de aluguer de veículo sem condutor ou, no requerimento de aperfeiçoamento da petição inicial o classificar como aluguer de veículo sem condutor, não cremos que justificasse a nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial. É que mais que o nome do contrato, cuja classificação pertence obviamente ao tribunal, não estando este obrigado ao nome ou qualificação que as partes lhe atribuam, mais que isso dizíamos, é o que as partes acordaram, resultando do requerimento de injunção que a requerida se obrigou a pagar as prestações mensais e sucessivas decorrentes desse negócio, que tinha por objecto a transferência de capital e o seu reembolso nessa modalidade de prestações.

Mas mais significativo que tudo o que dissemos antes, e que não justificaria a ineptidão, refere o tribunal recorrido que “Para se saber se o contrato invocado é fonte do direito que a A. se arroga, esta tinha de alegar as suas cláusulas essenciais, nomeadamente quais as datas e os montantes de crédito concedido, o prazo de pagamento, juros acordados, desde quando a R. deixou de efectuar os pagamentos.”

Neste domínio julgamos que efectivamente tem a decisão recorrida razão.

Veja-se que no requerimento de injunção, a matriz processual da sua pretensão, a requerente afirma ter resultado do contrato celebrado, para os requeridos, a obrigação de pagarem prestações mensais e sucessivas, mas não refere nem o montante global mutuado nem o montante de cada uma delas e respectivas datas de vencimento, não alegando por síntese essa matéria e remetendo a restante informação para documento que tivesse juntado e que, com alguma boa vontade se pudesse entender que tornaria minimamente suficiente a alegação.

Esta informação é de tal forma importante e essencial na economia da causa de pedir que só através dela se poderia aferir a data da mora e do incumprimento definitivo, o concreto valor em dívida e também a regularidade, exactidão e fundamento causa do montante global pedido.

Para que se perceba a verdade desta conclusão, observe-se que no requerimento de injunção o requerente refere que “Na data da resolução contratual estava a requerida em dívida, para com a requerente, pelo montante de 11.527,36 €. Desde a data de incumprimento até a data da entrada em juízo da presente injunção correram juros entre 08-11-2014 e 23-12-2014 (103,87 € (46 dias a 7,15%)).

Porém, onde está alegada a data de resolução?!

Onde está alegada a quantia devida a título de capital e a de juros por referência ao valor das prestações, ao momento da mora e do incumprimento definitivo?!

Pretende-se que pelo pedido de pouco mais de um mês de juros tal seja entendido como estando alegado que a quantia de 11.527,36 €, subtraída de 103,87 de juros seria o valor total do capital das prestações vencidas?!

 A importância e essencialidade destas questões não pode ser desconsiderada uma vez que é de liminar exigência, no domínio da causa de pedir, que tais factos figurassem e sem ambiguidade no elenco dos alegados, e tão não aconteceu.

Aliás, para agravar estas perplexidades, quando o requerente junta o documento que titula o contrato alegado nos autos observamos que este aparece como tendo sido firmado em 5 de Julho de 2000 que o valor do aluguer (ou de dois alugueres?!) era de 3.197, 42 €, pagável em prestações de 641.026,00 e de 52.793,00 com data de vencimento a 5 ou 30 consoante o contrato tenha sido assinado  de 1 a 19 ou de 20 a 30 .

Por outro lado, através de documento que também juntou observa-se que eventualmente em 23-10-2003 a requerente protestara junto da requerida o pagamento de 7.992,34 € mas de prejuízo resultante da resolução/desvalorização  do veículo; rendas de atraso no valor de 3.081,00 €; seguros ; despesas de recuperação do veículo; despesas de leilão; despesas e reboque; valor relativo à mora da devolução do bem (1848,60 €); e juros de mora até essa data de 23-10-2003 (1210,85 €).

Torna-se assim evidente, até pela leitura dos documentos, que o requerimento inicial de injunção é absolutamente inepto por falta de elementos essenciais ao julgamento da acção, por ininteligibilidade/falta de causa de pedir e que não pode ser integrado com os documentos juntos porque os factos relevantes devem constar do articulado e não de documentos juntos, ainda para mais quando no articulado tais factos nem sequer se aludem por menção remota.

Em verdade, no conjunto das observações colhidas junto de tais documentos, afirmar como se faz no requerimento de injunção, e se reafirma no articulado que pretende ser de aperfeiçoamento que “na data da resolução contratual estava a requerida em dívida, para com a requerente, pelo montante de 11.527,36 €. Desde a data de incumprimento até a data da entrada em juízo da presente injunção correram juros entre 08-11-2014 e 23-12-2014 (103,87 € (46 dias a 7,15%))”, resulta não só incompreensível o pedido global formulado, quando não, mais evidente a a falta de alegação de factos sobre matérias que não podem extrair-se, nem se extraem, dos documentos.

Contra a ineptidão discorre o recorrente concluindo que, à cautela e ainda que considere o requerimento de injunção apto, veio proceder ao seu aperfeiçoamento de forma a que, não se possa classificá-lo de inepto, na sequência do despacho em que o tribunal recorrido o notificou para se pronunciar sobre a ineptidão daquele requerimento de injunção. Mas que, se se considerar que aquele despacho não era convite ao aperfeiçoamento, existe nulidade por o tribunal ter omitido esse convite a aperfeiçoar que o tribunal de recurso deve agora realizar.

Antes de analisar este argumento da recorrente, na admissão da hipótese de que ela pretendia aperfeiçoar o seu requerimento de injunção, decorre desse articulado apresentado que a requerente continuou sem alegar a qualidade de fiadora da requerida; sem alegar o montante global mutuado; sem alegar o concreto montante das prestações e suas datas de vencimento; sem alegar a data da mora e do incumprimento definitivo e sem alegar, por último, a que correspondia o montante global peticionado, se só a capital, se a capital e juros, se a capital, juros e despesas, e neste caso quais.

Ora, mesmo para aperfeiçoamento, o articulado apresentava estruturalmente as mesmas faltas essenciais de alegação de factos fundamentais ao julgamento que o requerimento de injunção já continha, permitindo no entanto, pela junção de documentos, concluir, ainda mais, pela gritante falta de alegação desses elementos e pela impossibilidade de julgamento.  

Analisando com mais cuidado, a decisão de ineptidão da petição inicial não é desautorizada nem pela circunstância de o vício e nulidade não haver sido invocada pelos réus nem pelo facto de o tribunal recorrido não haver determinado qualquer aperfeiçoamento desse articulado, adiantando desde já a ideia que o despacho proferido a convidar as partes a pronunciarem-se sobre a ineptidão não era um convite ao aperfeiçoamento.

Diga-se que o critério para aferir se uma petição é apta ou inepta (maximé com fundamento na inexistência ou ininteligibilidade da causa de pedir) não reside em os réus haverem reclamado esses vícios, ou haverem contestado sem os protestarem. E o óbvio desta conclusão parte desde logo de se ter por inequívoco que a falta ou ininteligibilidade da causa de pedir se estabelece em relação ao processo e ao que nele fica expresso e não ao que eventualmente o réu possa ter conhecimento para lá do que seja expresso na petição inicial.

De forma mais clara e no limite do absurdo, se um Autor se limitar a dizer que pretende uma determinada indemnização do Réu porque este lhe causou dano pelas razões que ele bem sabe, se este último contestar dizendo que não causou dano algum ao demandante e que tudo aquilo que ele sabe que aquele pretende referir como causa, mas não diz, é inteiramente falso, dúvidas não podemos ter que essa petição seria absolutamente inepta ainda que se argumentasse que, afinal, o réu não arguiu a nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial e que havia entendido bem o que o Autor pretendia. É que não se trata de o Réu entender ou não mas sim, diferentemente, de tal ter de ser entendido no processo nomeadamente por aquele que vai ter de julgar.

A locução normativa segundo a qual “se o réu contestar apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, não se julgará procedente a arguição quando ouvido o autor se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial” (art. 186 nº3 do NCPC) - não significa, pois, que a ausência de arguição de nulidade por parte do réu torne boa a petição quando a esta falte a causa de pedir ou esta seja ininteligível.

A previsão da norma é diversa e quer tão só significar que ainda que o Réu tenha arguido essa nulidade, se o que o Autor alegou puder permitir um julgamento de mérito, ainda que mais dificultado pela falta de clareza ou completude do que alegou, tal não obsta ao prosseguimento do processo quando se revele que interpretou bem, e/ou até esclareceu com a contestação, essa falta de clareza ou incompletude.

A questão é sempre a de saber se objectivamente existe causa de pedir, ainda que deficiente ou com pouca inteligibilidade, que permita um julgamento do mérito do pedido, ou não. E isto prende-se com a segunda questão que é a de saber qual a previsão do poder/dever do julgador mandar aperfeiçoar a petição inicial.

Vejamos.

O poder de mandar aperfeiçoar os articulados para serem supridas insuficiências ou imprecisões na exposição e concretização da matéria de facto alegada (art. 590 nº4 do CPC) tem de ser entendido em rigorosos limites, e isto porque este convite se realiza apenas quando existam as apontadas insuficiências ou imprecisões que possam ser resolvidas com esclarecimentos, aditamentos ou correcções. Ou seja, anomalias que não ponham em causa, em absoluto, o conhecimento da questão jurídica e a decisão do seu mérito mas que possam facilitar que este conhecimento e decisão sejam realizados de forma mais eficaz.

Assim, cremos que não se deve mandar aperfeiçoar uma petição inepta mas apenas a que seja deficiente, sendo o critério decisivo para distinguir, o que se decide no saber se a petição permite ou não, como foi apresentada, o conhecimento e a decisão sobre o mérito do pedido.

Basta ter presente que a não aceitação, por parte do Autor, do convite ao aperfeiçoamento não gera que o processo termine desde logo enquanto que, pelo contrário, a ineptidão por falta ou ininteligível causa de pedir determina a absolvição da instância.

O recorrente protesta que ou se deve considerar o despacho para se pronunciar sobre a ineptidão como convite ao aperfeiçoamento ou, então, que deveria ser ordenado esse aperfeiçoamento, agora em recurso. Porém, convidar a indicar os factos em que se traduzem as apontadas faltas tratar-se-ia de uma invitação a alegar a causa de pedir que falta e não a tornar mais completo e claro a que já antes contivesse alguma concretização, ainda que deficiente. E o que temos pela frente é a não indicação da data da mora, do incumprimento definitivo, do montante de capital mutuado e não pago, o valor das concretas prestações e de onde ressume o valor global peticionado.

    Para percebermos o alcance e razoabilidade do que afirmamos bastará pensar o que poderia acontecer se se tivesse realizado esse convite ao aperfeiçoamento perante uma petição inepta e o autor o não tivesse aceite, mantendo a petição como a apresentara (ou se tendo-o aceite se mantivesse a ineptidão). É que, sem que a petição  pudesse considerar-se inepta depois desse convite, por ele ter como pressuposto que a petição como foi apresentada era ainda aceitável mas aperfeiçoável, iríamos confrontar-nos no julgamento com alegações que pela falta de concretização, por não serem factos, não poderiam conduzir ao conhecimento e decisão sobre o mérito do pedido e conduziriam a absolvição deste e não da instância.

Perante o exposto e na concretização ao caso em decisão, julgamos que o despacho que determinou que as partes se pronunciassem sobre a ineptidão da petição inicial se mostra ou inútil ou desajustado.

Como se disse, se o julgador entende que existe ineptidão não tem de a mandar aperfeiçoar mas sim julgá-la e com esse julgamento determinar a absolvição da instância porque, se a petição inicial é inepta não pode ser salva com qualquer aperfeiçoamento, que só está previsto para as deficiências e não para as ineptidões.

Assim, julgando como veio a julgar a ineptidão do requerimento de injunção o tribunal recorrido não deveria ter mandado corrigir esse requerimento porque em seu entender o seu juízo era irrevogável, e era-o antes de haver proferido esse despacho.

Mas se se pretender dizer que, em rigor, o despacho que convidou as partes a pronunciar-se sobre a ineptidão não era verdadeiramente um convite ao aperfeiçoamento, e isto porque a ser convite só um deveria ser convidado e, igualmente, outro deveria ser o teor, aludindo expressamente que a sua finalidade era convidar o autor ao aperfeiçoamento (e porquê) e não convidá-lo a pronunciar-se sobre a ineptidão em abstracto, neste caso dizíamos, o despacho proferido era de todo descabido porque não se convida as partes a pronunciarem-se sobre algo para o qual a sua pronúncia nada pode corrigir e que é de conhecimento oficioso.

Neste sentido, existiria um problema de incongruência se o articulado do requerente, que pretendia ser um aperfeiçoamento do de injunção, viesse solver a ineptidão desse outro, porque, em tal caso, algo que deveria ter sido conhecido desde logo prelo juiz tinha sofrido uma prorroga por sua iniciativa que tinha vindo sanar, de facto, um vício que seria em face do direito insanável. No entanto, mesmo a aceitar-se que o despacho proferido, ainda que anomalamente, fosse de convite ao aperfeiçoamento (e nos termos sobreditos não pode aceitar-se e não o aceitamos como tal), no caso dos autos ele não molesta o entendimento segundo o qual, mesmo com a apresentação de tal articulado a ineptidão se mantém.

O princípio da gestão processual introduzido no art. 6 do CPC parece atribuir ao juiz o poder de exercer influência sobre o processo, quer ao nível do procedimento propriamente dito quer ao nível do processo, ou seja do pedido e da causa de pedir e das provas[1]. Sem embargo, a formulação deste princípio na sua dimensão material, ao atribuir ao juiz o poder de intervir, chamando a atenção para a incompletude ou imprecisão das alegações, não podemos afirmar que tenha a extensão com que é tomada, por exemplo, no direito alemão onde é uma verdadeira trave mestre do ordenamento jurídico processual[2] mas onde, mesmo assim, o poder se estende a convidar a completar alegações de facto deficientes, centrando-se com mais eficácia, na possibilidade de convidar a que sejam apresentados pedidos úteis a partir dos factos alegados.

Assim, a introdução deste princípio na reforma do Processo Civil de 2013 não trouxe alteração a toda a pregressa teoria processual da ineptidão, versus, deficiência, da petição inicial que se mantém inalterada neste inciso[3], quer na sua dicotomia quer nas suas diferente consequências jurídicas.

Apontamos ainda a circunstância de a exigência de alegação dos factos constituintes da causa de pedir no texto da petição não se satisfaz com a simples junção de documentos em que tais factos possam eventualmente ser mencionados ou de onde se possam extrair, desde que não seja feita menção de tais factos na petição inicial. É que, caso se entendesse o contrário, bastaria ao autor que apresentasse a identidade do réu e que pedido formula, juntando depois a esmo, os documentos de onde, com maior ou menor atenção e dificuldade se pudesse eventualmente concluir a causa de pedir. A exigência de as partes apresentarem nos seus articulados os factos essenciais da causa de pedir e aquelas em que se baseiam as excepções (art. 5 nº1 CPCivil) não vem respaldada da possibilidade de elas apresentarem documentos em substituição da alegação, porquanto os documentos servem para a prova dos factos mas não para sua alegação  (art.362, 363 nº1, 371 nº1 e 376 nº1).

Mesmo que com alguma boa vontade se quisesse retirar, da alusão dos documentos feita nos articulados, uma forma de completar o que poderia ser apenas uma insuficiência, no caso em decisão nem isso se pode fazer uma vez que nem de tais documentos resulta a data de constituição em mora, a data do incumprimento definitivo e a causa de pedir concreta para o valor pedido, na suposição que cremos que certa de o valor do capital (e mesmo o dos eventuais juros de mora) ser muitíssimo inferior ao que vem pedido e não se dizer de onde decorre esse montante global.

Veja-se por curiosidade argumentativa que o documento junto a fls. 323 datado de 31-10-2014, e dirigido à ora requerida, reproduz o que se diz no requerimento de injunção com a declaração avulsa de que a ré deve 11.527,36 € (“correspondente aos valores vencidos e não pagos acrescidos dos juros encargos e penalidades”) sem concretizar aí como não concretizava na acção/requerimento o que era essencial.

Assim, cremos que a única decisão processualmente correcta era mesmo a de julgar inepta a petição (sem convite ao aperfeiçoamento) porquanto não estamos perante uma deficiência na indicação de factos mas sim uma ausência de alegação dos mesmos que compromete o conhecimento do mérito da causa.

Fazendo a síntese conclusiva da presente decisão deixa-se constar que:

- Em acção em que o pedido é o pagamento de quantia referente ao incumprimento de um contrato de mútuo ou de aluguer de veículo sem condutor ou semelhante, a autora terá de alegar e provar os termos do contrato, nomeadamente o montante mutuado, o montante das prestações devidas e seu prazo de vencimento e bem assim, a data da mora e incumprimento definitivo e de onde decorre o valor que peticiona, se só de juros e capital se de outra origem, concretizando-a nesse caso;

- Não é de convidar à correcção da petição inicial (nos termos do art. 590 nºs 2 al.b), 3 e 4 do CPC) quando a petição seja inepta nos termos do art. 186 do mesmo diploma uma vez que só um articulado que não padeça dos vícios mencionados neste último preceito pode ser objecto desse convite à correcção e isto porque se a parte declinar tal convite tal comportamento de inércia não obsta a que a acção prossiga os seus termos, contrariamente à consequência para a ineptidão que é a de determinar a nulidade de todo o processo.

- Não pode ser considerado despacho a convidar ao aperfeiçoamento aquele em que o tribunal ordena a notificação de ambas as partes para “se pronunciarem sobre a ineptidão da petição inicial”, porque o conhecimento desta , sendo oficioso não carece de notificação prévia para evitar “decisão surpresa” e porque o depacho a convidar ao aperfeiçoamento só é dirigido ao autor e tem de contar a finalidade e indicar a deficiência encontrada.

 Decisão:

Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a Apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo Apelante

Coimbra, 18/10/2016

Relator: Des. Manuel Capelo


[1] Vd. Miguel Mesquita “ A flexibilização do princípio do pedido à luz do direito processual civil” in RLJ ano 143, nº 3983, p. 145
[2] Vd. §139 do ZPO
[3] Vd. Miguel Mesquita, op.cit p. 146