Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3156/13.9YLPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: DESPEJO
RESOLUÇÃO EXTRAJUDICIAL
BALCÃO NACIONAL DE ARRENDAMENTO
Data do Acordão: 09/23/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: BALCÃO NACIONAL DO ARRENDAMENTO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 1083º C.CIVIL.
Sumário: I – No processo especial de despejo, o mérito da causa deve ser julgado independentemente da realização da audiência de discussão e julgamento, se a questão puder logo ser decidi
da, i.e., se o processo o permitir, sem necessidade de mais provas.

II - Ao subarrendamento – apesar de ser um contrato derivado ou subordinado –, como arrendamento que é, embora de segunda mão, aplicam-se as normas do arrendamento, por exemplo quanto aos direitos e obrigações do locador, podendo, por isso, extinguir-se, designadamente por resolução, por causas autónomas que só a ele digam respeito.

III - A resolução do contrato de arrendamento pelo senhorio pode ser extrajudicial, designadamente quando o arrendatário se encontra em mora igual ou superior a dois meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por sua conta.

IV - A mora de dois meses – de uma só renda que seja – é auto-suficiente, enquanto fundamento de resolução do contrato de arrendamento, dado que é própria lei que proclama, nessa eventualidade, a inexigibilidade da manutenção do arrendamento, não havendo, por isso, lugar a uma autónoma ponderação sobre a sua gravidade e consequências.

V - No caso de resolução do contrato actuada extrajudicialmente, fundada na falta de pagamento da renda, ao arrendatário é lícito proceder à purgação da mora – e à consequente ineficácia da declaração de resolução – se no prazo de um mês lhe puser termo, pagando, evidentemente, além das rendas em atraso, a indemnização correspondente a 50% do seu valor.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

1. Relatório.

A… promoveu, no Balcão Nacional de Arrendamento, contra T…, Lda. procedimento especial de despejo, pedindo a desocupação e a entrega do imóvel subarrendado, sito na ...

Fundamentou esta pretensão, designadamente, no facto de, por virtude da mora no pagamento das rendas de Julho e Agosto de 2013 e da falta de pagamento dos acréscimos legais, correspondentes a 50% do seu valor, ter resolvido o contrato de subarrendamento concluído entre ambas.

A requerida opôs-se à pretensão de despejo, alegando, designadamente que não existiu qualquer mora no pagamento das rendas de Julho e Agosto, uma vez que a renda do mês de Julho apenas foi paga no dia 30 desse mês devido ao litígio existente entre as partes sobre a pessoa a quem devia ser paga a renda, sendo que a notificação para pagamento efectuada pela autora apenas ocorreu no dia 23 de Julho de 2013, que, a existir mora relativamente a esse mês, nos termos do artº 18 do NRAU, a consignou em depósito da quantia correspondente a 50 % da renda relativa àquele mês, que a renda relativa ao mês de Agosto de 2013 foi paga através de cheque enviado em 8 de Agosto de 2013, pelo que não existe qualquer mora nos termos constantes do artº 1083, nº 4, do Código Civil e que pagou as rendas dos meses seguintes, mas que a autora não lhe entrega os respectivos recibos.

                A requerente retorquiu, designadamente que a renda de Agosto de 2013 foi paga por cheque enviado em 8 de Agosto de 2013, mas que apenas chegou à sua disponibilidade em 12 do mesmo mês, pelo que se verifica mora em relação a esse mês, e que a requerida não pôs fim à mora no prazo de um mês previsto no artº 1084.º, n.º 3 do Código Civil, pelo que o despejo deve ser imediatamente decretado.

                Distribuído o processo ao 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Cantanhede, o Sr. Juiz de Direito depois de declarar que se lhe afigurava poder conhecer do respectivo mérito, sem necessidade de produzir qualquer outra prova, pelo que é desnecessária a marcação da audiência de julgamento, decidiu logo do mérito da causa e, com fundamento em que nos termos do artigo 1083.º, n.º s 1, 2 e 3, do Código Civil, estando a ré em mora num período igual a dois meses, mora essa que apenas cessaria com o pagamento da indemnização prevista no artigo 1041º, n.º 1, e não tendo feito cessar essa mora no prazo de um mês nos termos do artigo 1084.º, n.º 3, tem a autora o direito à resolução do contrato com o consequente despejo do locado, julgou totalmente procedente o pedido formulado pela autora e improcedente a oposição ao requerimento de despejo e, em consequência, declarou resolvido o contrato de subarrendamento referido no ponto 3 dos factos provados e condenou a ré a restituir à autora o imóvel referido no ponto 1 dos factos provados, livre e devoluto de pessoas e bens.

                É esta decisão que a requerida impugna através do recurso ordinário de apelação no qual pede a sua revogação e o prosseguimento dos autos para a audiência de discussão e julgamento, assegurando-se à ré os princípios de defesa, contraditório e produção de prova legal e constitucionalmente consagrados ou se assim não se entender, a revogação daquela mesma decisão, no sentido de manter o subarrendamento celebrado, decretando-se a inexistência de motivo para o despejo.

                A recorrente rematou a sua alegação com estas conclusões:

                A apelada, na resposta, concluiu, naturalmente, pela improcedência do recurso.

                O Juiz Relator – e de turno –, por decisão de 29 de Julho de 2014, depois de observar que o objecto da impugnação não era complexo, apreciou, singular, liminar e sumariamente o recurso – e julgou-o improcedente.

                É esta decisão que a recorrente impugna através de reclamação, na qual pede que o recurso seja reapreciado e julgado em conferência.

                Fundamentou a reclamação no facto de os argumentos da decisão reclamada para sustentar a resolução extrajudicial do contrato de arrendamento divergirem dos da decisão de 1ª instância, de, não obstante a sua oposição à não realização da audiência de discussão e julgamento, o Sr. Juiz de Direito, fazendo tábua rasa do princípio do contraditório, ter proferido, de imediato, a sentença, questão totalmente descurada pelo Relator, que omitiu a questão central, residente no facto de, na vigência do contrato, a recepção das rendas ser da responsabilidade do procurador e pai da autora – R… – documento que indicava como local do seu pagamento, o domicílio ou local a indicar por aquela, tendo só em 23 de Julho de 2013 sido notificada para remeter o cheque para o domicílio da autora, notificação que operou o efeito útil a parte do mês de Agosto, pelo que a questão se centrava apenas no mês de Agosto, e de ter ficado impedida de apresentar prova – documental, testemunhal e depoimento de parte – dirimindo-se a questão suscitada quanto à existência ou não de responsabilidade da autora na recepção da renda do mês de Julho e o valor conferido às declarações de 23 e 30 de Julho de 2013 – questão omitida na decisão singular - pelo que conclui, em todo o resto, como nas alegações de recurso.

                A reclamada não respondeu.

2. Factos provados.

3. Fundamentos.

3.1. Delimitação objectiva do âmbito da reclamação.

A questão que conferência tem que resolver é bem simples: trata-se de saber se a decisão singular do juiz relator – que julgou o recurso improcedente – deve ser alterada e substituída por outra - de sentido inverso.    

Para delimitar o objecto do recurso e para o julgar improcedente, a decisão reclamada – ordenada pelo propósito de convencer a recorrente da bondade dessa decisão de improcedência - entreteceu as considerações seguintes:

3.1.1. Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

O objecto do recurso é triplamente delimitado: pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados na instância recorrida; pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante; pelo próprio recorrente que pode, expressa ou tacitamente, limitar esse objecto, quer no requerimento de interposição do recurso, que nas conclusões da sua alegação (artº 635 nºs 2, 1ª parte, e 3 do nCPC).

O objecto da causa é constituído pela resolução de um contrato de subarrendamento, actuada extrajudicialmente, com fundamento na mora no pagamento das rendas por período superior a dois meses, designadamente por falta de pagamento atempado das rendas de Julho e Agosto de 2013, sem que tenham sido pagos os acréscimos legais.

A decisão impugnada, depois de, por o conhecimento do mérito da causa não reclamar a produção de mais provas, ter declarado desnecessária a realização da audiência de discussão e julgamento, concluiu pela exactidão de fundamento de resolução, invocado extrajudicialmente, daquele contrato, já que no seu ver estando a ré em mora num período igual a dois meses, mora essa que apenas cessaria com o pagamento da indemnização prevista no artigo 1041-º, n.º 1, e não tendo feito cessar essa mora no prazo de um mês nos termos do artigo 1084.º, n.º 3, tem a autora o direito à resolução do contrato com o consequente despejo do locado.

A discordância da recorrente no tocante à decisão recorrida radica em dois planos: no plano do procedimento; no plano do julgamento.

 No plano do procedimento, dado que, no ver da apelante, o processo deveria prosseguir, com a realização da audiência de discussão e julgamento, com a finalidade de sujeitar ao exercício da prova as questões, que alegou como fundamento da oposição, quer da responsabilidade no pagamento da renda de Julho (motivo para o qual não foi recebida, igualmente), quer da interpretação e entendimento das declarações de 23.07.2013 e 30.07.2013; no plano do julgamento, já que, na sua perspectiva, a mora relativa ao mês de julho não deve ser tida em consideração nem ter acolhimento legal e, no tocante à renda do mês de Agosto, não há qualquer mora.

Dado que a recorrente, na alegação, imprimiu a estes dois fundamentos da oposição um carácter subsidiário, apenas haverá que conhecer do segundo, caso o primeiro não proceda (artºs 554 nº 1 e 608 nº 2 do nCPC).

Maneira que, tendo em conta o conteúdo da decisão impugnada e da alegação da recorrente, as questões concretas controversas que importa resolver são as de saber se:

a) O estado do processo permitia conhecer logo, sem necessidade de mais provas, do mérito da causa, com o consequente proferimento da decisão sobre a sua procedência ou improcedência;

                b) Se verifica o fundamento da extinção, por resolução – actuada extrajudicialmente - do contrato de subarrendamento.

3.1.2. Conhecimento imediato do mérito da causa.

A resolução pelo senhorio do contrato de arrendamento nem sempre tem que ser judicial. A resolução do contrato pelo senhorio pode ser extrajudicial, designadamente nas seguintes situações: a) Quando o arrendatário se encontra em mora igual ou superior a dois meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por sua conta (artº 1983 nº 3 do Código Civil); b) Quando o arrendatário se constituir em mora superior a oito dias no pagamento da renda por mais de quatro vezes, seguidas ou interpoladas, num período de doze meses (artºs 1083 nº 4 e 1074 nº 2 do Código Civil).

Deste regime decorre que a resolução por parte do senhorio pode ser extrajudicial fundamentalmente quando o arrendatário se encontrar em mora quanto ao cumprimento da obrigação de pagamento das rendas: dado que a mora é determinada por critérios temporais e objectivos, não se justifica exigir um controlo judicial da sua verificação. É, aliás, este regime que dá expressão prática ao procedimento especial de despejo, dado que é a este regime que o senhorio deverá recorrer sempre que o arrendatário se encontre em mora quanto ao pagamento de rendas (artºs 13 a 15-S da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto – NRAU).

O procedimento especial de despejo é o meio processual que se destina, justamente, a efectivar a cessação do arrendamento, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção das partes, podendo servir-lhe de base, em caso de resolução por comunicação, o contrato de arrendamento, acompanhado da comunicação ao arrendatário na qual se invoque, fundamentadamente, a obrigação incumprida (artº 1084 nº 3 do Código Civil e 15 nºs 1 e 2 do NRAU).

O requerimento de despejo – no qual o requerente deve indicar, v.g., o fundamento do despejo - é apresentado no Balcão Nacional de Arrendamento (BNA) que, caso não o recuse, notifica o requerido, por carta registada com aviso de recepção, para, em 15 dias, desocupar o locado – e se for caso disso, pagar as quantias pedidas pelo requerente – ou deduzir oposição à pretensão do requerente (artºs 15-A nº 1, 15-B nºs 1 e 2 e) e 15-D nº 1 do NRAU).

Se o requerido se opuser à pretensão de despejo, o BNA remete os autos para o tribunal, no qual se abre, perante o juiz, uma fase declarativa pura, um processo declarativo especial, regulado, naquilo que não estiver especialmente previsto, pelas regras gerais e comuns do Código de Processo Civil e, em tudo o que não estiver prevenido, numa e noutras, pelo que se acha estabelecido para o processo comum de declaração (artº 549 do nCPC).

Assim, recebidos os autos, o juiz, caso não julgue procedente qualquer excepção dilatória ou nulidade de que lhe seja lícito conhecer, pode, desde logo decidir do mérito da causa, ou, caso não decida desse mérito, designa dia para a audiência de discussão e julgamento (artº 15-H nº 3 do NRAU).

Portanto, naquele despacho, o juiz pode apreciar tanto os aspectos jurídico-processuais da acção – como o mérito desta. No plano das funções atribuídas àquele despacho, a apreciação daqueles aspectos constitui o seu conteúdo essencial, enquanto o conhecimento do mérito é uma finalidade eventual: aquele despacho visa, fundamentalmente, evitar que se atinja a fase da sentença sem qualquer controlo da apreciação do mérito da causa e que, por isso, se possa frustrar a função essencial dessa sentença.

                Na verdade, a apreciação do mérito da acção e o proferimento da decisão sobre a sua procedência ou improcedência é realizada, em regra, na sentença final (artºs 15-I nº 10 do NRAU, 607 e 608 do nCPC). Mas em certas condições, essa apreciação pode ser antecipada para aquele despacho: o tribunal pode conhecer do mérito da acção nesse despacho sempre que o estado do processo permita, sem necessidade de mais provas, a apreciação do pedido, de algum dos pedidos cumulados, ou ainda da procedência de alguma excepção peremptória. Caso isso suceda, tal despacho fica tendo, para todos os efeitos, o valor de sentença e dele cabe, naturalmente, recurso de apelação (artº 644 nº 1 do nCPC).

                Portanto, o conhecimento imediato do mérito só se realiza naquele despacho se o processo possibilitar esse conhecimento, o que não ocorre se existirem factos controvertidos que possam ser relevantes, segundo outras soluções igualmente plausíveis da questão de direito: àquele despacho não cabe antecipar qualquer solução jurídica e, muito menos, desconsiderar quaisquer factos que sejam relevantes segundo outros enquadramentos possíveis do objecto da acção. Maneira que se os elementos fornecidos pelo processo não justificarem essa antecipação, o processo deve prosseguir para a fase da instrução, realizando-se a apreciação do mérito na sentença final. É curial que a decisão jurisdicional seja pronta; mas é igualmente conveniente que seja justa.

                Em nítida obediência aos princípios da celeridade e da economia processuais, a lei admite que o mérito da causa seja arrumado logo no apontado despacho. Mas não sacrificou a esses princípios outras exigências também axiologicamente relevantes. O mérito da causa será julgado independentemente da realização da audiência de discussão e julgamento, se a questão puder ser decidida nesse momento, i.e., se o processo o permitir, sem necessidade de mais provas.

Quando isso ocorre, não há necessidade que o processo atravesse a fase complicada, morosa, pesada e dispendiosa da instrução e da audiência discussão e julgamento. A esta luz, o conhecimento do mérito da acção, logo naquele despacho, não é desconforme nem com o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva nem com o direito ao processo equitativo.

Para que há-de prosseguir o processo, se não há factos sobre os quais possa incidir a prova ou se há já factos que devam considerar-se assentes que excluem, de harmonia com a lei substantiva aplicável, uma decisão de procedência?

Não é razoável que, em nome do direito à prova - i.e., à apresentação de provas destinadas a provar os factos alegados em juízo, como dimensão ineliminável do direito ao processo justo - se prossiga num processo para demonstrar factos que, mesmo a provarem-se, não garantem à parte a procedência do direito que pela acção pretende fazer valer e declarar.

Mas isto só é assim no caso de a apreciação do mérito da acção, segundo as vários enquadramentos jurídicos possíveis do seu objecto, não demandar a produção de mais provas e, portanto, poder, com inteira justificação, ser antecipada para o despacho indicado.

                No caso, o Sr. Juiz de Direito, por entender, que o processo continha já todos os elementos indispensáveis ao conhecimento do mérito da acção, conheceu logo dele, julgando-a procedente.

                E é precisamente a essa antecipação do conhecimento do mérito da acção que suscita a discordância do apelante: de harmonia com a sua alegação, aquela apreciação é prematura por haver factos controvertidos, relevantes para a apreciação do mérito da causa, segundo um enquadramento jurídico possível do seu objecto.

Todavia, a verdade é que – como se procurará mostrar - os factos materiais julgados provados na instância de que provém o recurso – a que – note-se não - é apontado qualquer error in iudicando – permitem o conhecimento, consciencioso, do mérito da causa, não demandando a produção de mais provas e, consequentemente, não reclamando a realização da audiência de discussão e julgamento.

Quanto a este ponto, o recurso não tem bom fundamento. Resta, por isso, aferir da sua bondade no tocante ao fundamento relativo à licitude da resolução extrajudicial do contrato, problema que está na inteira dependência da verificação, ou não, no caso, dos pressupostos legais relativos a tal modo de extinção ou supressão daquele mesmo contrato

                3.1.3. Pressupostos da resolução do contrato de subarrendamento.

É axiomático que a entre a apelante e apelada foi concluído, no dia 14 de Outubro de 2010 um contrato de subarrendamento, dado que foi celebrado, pelo lado do senhorio, com base no direito de arrendatário que lhe advém de um contrato de arrendamento anterior (artºs 1060 e 1088 do Código Civil).

Daqui decorre o princípio fundamental de que ao subarrendamento – apesar de ser um contrato derivado ou subordinado – como arrendamento que é, embora de segunda mão, se aplicam as normas do arrendamento, por exemplo, quanto aos direitos e obrigações do locador, podendo, por isso, extinguir-se, designadamente por resolução, por causas autónomas que só a ele digam respeito.

Um tal contrato foi concluído em Outubro de 2010 e os factos invocados como causa da sua resolução ocorreram em 2013. Ao contrato e aos fundamentos invocados do direito potestativo de resolução é, por isso, inteiramente aplicável o NRAU, com a reconformação de que foi objecto através da Lei nº Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto (artº 12 nºs 1 e 2 do Código Civil).

O pagamento da renda é, naturalmente, uma obrigação característica do contrato de arrendamento. É a remuneração do gozo que o contrato faculta ao arrendatário e que aparece como elemento essencial dele (artº 1038 a) do Código Civil).

A renda - que constitui uma prestação pecuniária periódica - na falta de convenção contrária, e se estiver em correspondência com os meses o calendário gregoriano, vence-se, a primeira, no momento da celebração do contrato e cada uma das restantes, no primeiro dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que diga respeito (artº 1075 nºs 1 e 2 do Código Civil). Esta regra - que é nitidamente excepcional – só se aplica se as rendas estiverem em correspondência certa com o calendário organizado segundo as instruções do Papa Gregório XIII; não se verificando essa correspondência, como, no caso de se convencionar, por exemplo, que o arrendamento se inicia no dia 14 de Junho, rege a regra geral, por força da qual, não havendo convenção ou uso contrário, o pagamento da renda deve ser efectuado no último dia de vigência do contrato ou do período a que a renda diz respeito (artº 1039 nº 1 do Código Civil).

O arrendatário constitui-se em mora no tocante à obrigação de pagamento da renda sempre que, por motivo que lhe seja imputável, não fizer esse pagamento (artº 804 nº 2 do Código Civil).

A mora do arrendatário no tocante à realização daquela prestação pecuniária está, porém, sujeita a um regime marcadamente especial, que se explica pela importância jurídica e social do contrato de arrendamento.

De um aspecto, a mora, apesar da existência de um prazo certo para o cumprimento, só se verifica, tanto para o efeito da indemnização como para o efeito da resolução do contrato de arrendamento, se o arrendatário não cumprir a obrigação de pagamento da renda no prazo de oito dias a contar do seu começo – purgatio morae (artº 1041 nº 2 do Código Civil); de outro, findo aquele prazo, o arrendatário pode ainda por termo à mora – e, por esse modo obstar à resolução do contrato de arrendamento - oferecendo ao senhorio o pagamento da rendas em atraso, acrescidas de indemnização igual a 50% do valor devido daquelas rendas, assistindo-lhe o direito, em caso de recusa do seu recebimento, pelo senhorio, desses valores, proceder à sua consignação em depósito (artº 1042 nº 1 do Código Civil). Neste último caso, a mora só se considera purgada, para o efeito de excluir a resolução do contrato, se a indemnização, paga ou depositada, compreender 50% do que for devido – e devidas são todas as rendas ainda não pagas, que não se mostrem prescritas ou que não se mostrem extintas por qualquer causa extintiva da obrigação correspondente.

No caso de resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento da renda, quando o direito potestativo correspondente for exercido judicialmente, o arrendatário pode ainda provocar a caducidade daquele direito, pagando, depositando ou consignando em depósito as rendas devidas e aquela indemnização (artº 1048 nº 1 do Código Civil). Esta faculdade do arrendatário é, porém, de exercício único: apenas pode ser actuada uma vez, por referência a cada contrato (artº 1048 nº 2 do Código Civil).

No plano dogmático, são figuras distintas, mas compatíveis entre si, a purgatio morae, traduzida na eliminação dos efeitos decorrentes do atraso culposo no cumprimento da obrigação – e a caducidade do direito à resolução do contrato, que é, de certo modo, um dos corolários possíveis da purgação da mora, mas que abrange, num outro aspecto, algumas outras causas possíveis de resolução do contrato, além da purgação da mora[1].

Mas é claro que o termo caducidade não está aqui empregue em sentido rigoroso, mas sim na acepção ampla de extinção, dado que o real fenómeno não é da extinção por caducidade, mas de satisfação pelo cumprimento, através da purgatio morae[2]: com a preocupação de preservar o contrato, admite-se o cumprimento retardado, desde que acompanhado do pagamento da indemnização, computada a forfait, destinada a reparar o dano resultante do atraso nesse cumprimento.

Por último, mesmo no caso de resolução do contrato actuada extrajudicialmente, fundada na falta de pagamento da renda, ao arrendatário é lícito proceder à purgação da mora – e à consequente ineficácia da declaração de resolução – se, no prazo de um mês lhe puser termo, pagando, evidentemente, além das rendas em atraso, a indemnização correspondente a 50% do seu valor (artºs 1041 nº 1, 1048 nº 4 e 1084 nº 3 do Código Civil). Neste caso, a lei associa à purgação da mora este efeito: a ineficácia da resolução - o contrato de arrendamento renasce ope legis, apesar de já ter sido extinto por resolução extrajudicial (artº 1084 nº 3, in fine, do Código Civil)[3]. Esta faculdade é, também, de exercício único (artº 1084 nº 4 do Código Civil). O apontado prazo de um mês conta-se – não do início da mora, como se lê na decisão impugnada – mas da comunicação de resolução, dado que, neste caso, o efeito da purgação da mora consiste, justamente, na ineficácia da resolução.

De todas estas considerações importa reter o seguinte: para que ocorra a purgatio morae da obrigação de pagamento da renda é indispensável, sempre, não apenas o pagamento, depósito ou consignação em depósito, da renda em atraso mas também da indemnização correspondente a 50% do respectivo valor: a mora não se considera purgada se se pagar apenas a renda ou a indemnização.

A lei, contra a regra geral, dá ao senhorio em alternativa o direito de pedir a indemnização e o de resolver o contrato: se optar pela resolução, o senhorio só pode exigir as rendas em dívida; nesse caso não tem direito a qualquer indemnização pela mora do arrendatário (artºs 1041 nº 1 e 801 nº 2 do Código Civil)[4].

A recepção, pelo senhorio, de novas rendas não exclui o seu direito à resolução do contrato ou à indemnização, fundada nas prestações em mora, solução que se compreende, dado, de um aspecto, que o senhorio não deve ser prejudicado pelo exercício de um direito e, de outro, que o arrendatário tem interesse no pagamento daquelas rendas para minimizar as consequências da mora.

Dada a relevância que a obrigação de pagamento da renda assume na economia do contrato de arrendamento, não surpreende que a falta do seu pagamento constitua, desde sempre, fundamento da sua resolução (artºs 1607 nº 1 do Código Civil de 1867, 21 nº 1 do Decreto nº 5 411, de 17 de Abril de 1919, artº 5 § 1º da Lei nº 1662, 1093 nº 1 do Código Civil de 1966, 64 nº 1 a) do RAU e 1083 nºs 1 e 2 a) do Código Civil de 1966, aditado pelo artº 3 da Lei nº 6/2006).

No tocante aos fundamentos de resolução do contrato de arrendamento, o esquema do numerus clausus das causas de resolução, por iniciativa do senhorio adoptado no RAU – e antes dele no Código Civil de 1966 – foi substituído, no NRAU por uma cláusula geral: o factor nuclear de resolução do contrato de arrendamento é o incumprimento de qualquer obrigação que, pela sua gravidade ou consequências torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, portanto, que exclua qualquer possibilidade de a parte lesada adoptar outra conduta que não a extinção do contrato (artº 1083 nº 2 do Código Civil).

                Deixou, portanto, de existir um princípio de tipicidade, por força do qual nem todas as obrigações do inquilino estavam juridicamente sancionadas em termos da respectiva violação facultar ao senhorio a extinção do contrato.

                Em segundo lugar, no tocante à resolução por iniciativa do senhorio, o NRAU seguiu a técnica de referenciar em geral, o seu fundamento e de complementar, de seguida, essa definição através duma enumeração.

                Assim, após um número em que se insere a noção, seguem-se, em cinco alíneas, uma lista de comportamentos tipificados como fundamento de resolução. A sua leitura mostra que a lei seleccionou, por assim dizer, as violações contratuais mais graves e reconheceu-as como fundamento da resolução. É pacífico, em face do uso do advérbio designadamente que tal enumeração é meramente exemplificativa e que, por isso, outras violações, ainda que menos graves permitirão, ao senhorio resolver o contrato.

                Numa primeira leitura, o fundamento de resolução do contrato de arrendamento apresenta-se como indeterminado: ele não faculta uma ideia precisa quanto ao seu conteúdo. Os conceitos indeterminados são incompatíveis com o método da subsunção: a sua aplicação nunca pode ser automática, requerendo decisões dinâmicas e criativas que facultem o seu preenchimento com valorações. Os conceitos indeterminados apontam para modelos de decisão elaborados em concreto, remetendo o intérprete-aplicador para casuísmos; porém, num curioso efeito de retorno, estes vinculam à reponderação da fórmula originariamente indeterminada, e ao seu confronto com esta fórmula.

                Os conceitos indeterminados viabilizam métodos os fórmulas concretizadoras que, depois, devem ser confrontados com o conceito básico.

                A fórmula genérica dá, em moldes necessariamente vagos, o conteúdo do fundamento da resolução do contrato. A sua concretização deverá operar, caso a caso, numa tipologia exemplificativa: os termos daí resultantes devem ainda que em diversa medida, ser reponderados à luz daquela fórmula. Ou seja: há que considerar se, uma vez operada uma concreta causa de resolução, ela torna inexigível a subsistência da relação de arrendamento.

                Tudo isto deve ser particularmente confrontado com as dimensões finalistas ou fundamentos finais do instituto. Na verdade qualquer conceito, por mais indeterminado que se apresente, deixa sempre transparecer o objectivo que levou o legislador a consagrá-lo. A resolução do contrato de arrendamento visa, com clareza, sancionar situações relativas à relação jurídica de arrendamento que, por razões imputáveis, ao arrendatário, tenham entrado de tal modo em crise, que não mais se possam manter.

                Da noção contida na lei é possível apontar vários elementos, implícitos ou explícitos. Assim, há que considerar: um comportamento ilícito; censurável em termos de culpa; com certas consequências na relação jurídica de arrendamento.

                A ilicitude resulta da violação, por acção ou omissão, de deveres legais ou contratuais; sobre tal actuação deve recair um juízo de censura: a culpa. A actuação do arrendatário deve ser-lhe censurável, seja a título de dolo como a título de negligência. Nos termos gerais, essa culpa presume-se (artº 799 nº 1 do Código Civil).

                No caso de negligência ou mera culpa, opera a bitola do bonus pater familias, ou cidadão comum normal (artº 487 nº 2 do Código Civil). Assim, age com culpa aquele que não adopta o esforço exigível ao bonus pater familias: a apreciação da culpa é, portanto, feita objectivamente.

                Além da ilicitude e da culpa, a violação de qualquer dever exige certas consequências gravosas na relação jurídica de arrendamento. Nas palavras da lei, a atitude do arrendatário, além de ilícita deve tornar inexigível ao senhorio normal a subsistência do contrato de arrendamento.

                Uma concreta causa de resolução deve, por isso, ser sempre submetida à ideia básica do corpo do artigo[5].

                Na verdade, a violação de um dever – legal ou contratual – qualquer que ele seja, só constitui causa de resolução do contrato de arrendamento se essa violação, pela sua gravidade ou reiteração, tornar inexigível a manutenção daquele contrato. Nesta perspectiva, nem toda a violação do contrato fundamenta o decretamento da resolução: para que o contrato possa ser resolvido é ainda necessário que dessa violação resulte a comprometida a subsistência do contrato de arrendamento. Dito doutro modo: o incumprimento do contrato não representa uma causa peremptória de resolução, pois que esse incumprimento só fundamenta a resolução se dele resultar a inexigibilidade, para o contraente fiel, da manutenção da relação jurídica de arrendamento[6].

                Assim, a inexigibilidade da manutenção do contrato representa um controlo suplementar, além do que incide sobre a violação de deveres, contratuais ou legais, que vinculam as partes, relativo à justificação da extinção da relação jurídica que dele emerge e à função dessa violação com causa de resolução no caso concreto. O tribunal realiza esse controlo através do uso de regras de experiência e critérios sociais e da análise dos factos provados sobre a violação daqueles deveres, dos condicionalismos em que se verificou essa violação e da sua repercussão na relação jurídica de arrendamento. De modo geral, pode dizer-se que a manutenção do arrendamento é inexigível quando o comportamento de uma das partes se mostre especialmente lesivo da relação jurídica de arrendamento e a permanência desta relação representa para a outra, um sacrifício, desrazoável.

Isto só não é assim no tocante à resolução do contrato com base na mora superior a dois meses[7] da obrigação de pagamento da renda, encargos ou despesas ou na oposição do arrendatário à realização de obra ordenada por entidade pública: quanto a estes fundamentos de resolução do contrato o juízo de inexigibilidade é feito pela própria lei, ou dito de outro modo, verifica-se uma situação ex lege de inexigibilidade para o senhorio na manutenção do contrato de arrendamento (artº 1083 nº 3 do Código Civil)[8].

A mora de dois meses – de uma só renda que seja – é auto-suficiente, enquanto fundamento de resolução do contrato: é a própria lei que proclama, nessa eventualidade, a inexigibilidade da manutenção do arrendamento, não havendo, por isso, lugar a uma autónoma ponderação sobre a sua gravidade e consequências[9]. Solução que é inteiramente compreensível: o pagamento da renda é a primeira e mais relevante obrigação do locatário e a falta do seu pagamento priva o senhorio do conteúdo económico do seu direito. Todavia, essa omissão provoca uma situação ainda maia grave: rompe a relação de confiança, uma vez que o locador nunca saberá se a mora se prolonga, por quanto tempo e se ela irá ou não repetir, e causa-lhe inúmeros incómodos e despesas, como v.g., a contratação de um advogado para os passos subsequentes.

Este viaticum habilita, com suficiência, à apreciação do objecto do recurso.

3.1.4. Concretização.

Como se notou, a decisão impugnada foi terminante na afirmação de que a apelante se constituiu em mora, por mais de dois meses, no tocante às rendas relativas aos meses de Julho e Agosto de 2013, mora que, por não ter pago ou depositado, tempestivamente, a indemnização corresponde a 50% do seu valor, aquela não purgou.

Como também já se observou, a lei exige apenas, para que este fundamento de resolução do contrato de arrendamento se constitua, uma mora de dois meses, não impondo nenhum número especial de rendas em mora: basta uma.

Em todo o caso, não deixará de se observar que mesmo que se tivessem por procedentes as razões invocadas pela apelante para explicar que o pagamento da renda relativa ao mês de Julho de 2013 tenha ocorrido apenas no dia 30 desse mês - relativas à controvérsia sobre o local e a pessoa a quem devia ser realizada a prestação – a verdade é que sempre se deveria concluir pela sua constituição em mora no tocante ao pagamento dessa renda: realmente, de harmonia com o contrato, as rendas deveriam ser pagas no dia 1 do mês anterior àquele a que respeitam – facto que se tem, seguramente, por incontroverso - e, por isso, aquela renda deveria ter sido paga no dia 1 de Junho.

Como quer que seja, sendo indiscutível a suficiência da mora no pagamento de uma renda para abrir ao senhorio a porta da resolução do contrato, então podemos prescindir da apreciação e da discussão do problema da mora da renda relativa ao mês de Julho de 2013 – e da sua imputabilidade, questão que, no ver da apelante, impedia o imediato conhecimento do mérito da causa e o prosseguimento da instância com a realização da audiência de discussão e julgamento.

E no tocante á renda do mês de Agosto de 2013, em face dos factos materiais indiscutivelmente assentes, a situação é esta: a apelante remeteu à apelada, para o pagamento da renda desse mês, por carta registada no correio no dia 8 de Agosto de 2013 – Quinta-Feira - um cheque com o respectivo valor, carta que a apelada recebeu no dia 12 do mesmo mês. Simplesmente – como já se sublinhou - de harmonia com o programa temporal de realização de prestação de pagamento da renda expressamente convencionado no contrato, a renda deveria ser paga no primeiro dia do mês anterior a que disser respeito. Do que decorre, irrecusavelmente, que a renda relativa ao mês de Agosto de 2013 deveria ter sido paga no dia 1 de Julho do mesmo ano.

Portanto, na data em que a recorrente expediu a carta com o cheque para pagamento da renda relativa ao mês de Agosto de 2013 – 8 de Agosto de 2013 - já se verificava o retardamento em mais de um mês da obrigação de pagamento daquela renda. Em qualquer caso, em face da data em que a recorrente expediu a carta é, patente, por força do tempo indispensável para que o serviço postal procedesse à sua entrega que a carta, na hipótese mais benigna, apenas poderia ter sido entregue ao destinatário no dia seguinte. Mas nessa data era já indiscutível a constituição da recorrente em mora no pagamento dessa renda. De resto, convém recordar, que a entrega do cheque se presume feita pro solvendo, pelo que o crédito da renda só se extingue se o sacado proceder ao seu pagamento (artº 840 nºs 1 e 2 do Código Civil).

Tendo-se constituído em mora no pagamento daquela renda, à apelante seria lícito purgá-la, designadamente, através do pagamento, depósito ou consignação em depósito, da indemnização correspondente a 50% do seu valor no prazo de um mês, contado da data em que se considera feita a comunicação da resolução - Setembro de 2013 – provocando, assim, a sua ineficácia. Porém, a apelante só em 4 de Abril de 2014 procedeu ao depósito daquela indemnização.

Nestas condições, a conclusão de que a mora no pagamento da renda relativa ao mês de Agosto de 2013 durou mais de dois meses é meramente consequencial.

E essa mora atribuiu à apelada o direito de proceder, extrajudicialmente, a resolução do contrato, que, por isso, se tem por inteiramente devida ou lícita. E sendo a resolução perfeitamente lícita, a extinção do contrato e o despejo da apelante são corolários que se não podem recusar.

O recurso deve, pois, improceder.

Síntese recapitulativa:

a) No processo especial de despejo, o mérito da causa deve ser julgado independentemente da realização da audiência de discussão e julgamento, se a questão puder logo ser decidida, i.e., se o processo o permitir, sem necessidade de mais provas.

b) Ao subarrendamento – apesar de ser um contrato derivado ou subordinado – como arrendamento que é, embora de segunda mão, aplicam-se as normas do arrendamento, por exemplo, quanto aos direitos e obrigações do locador, podendo, por isso, extinguir-se, designadamente por resolução, por causas autónomas que só a ele digam respeito

c) A resolução do contrato de arrendamento pelo senhorio pode ser extrajudicial, designadamente, quando o arrendatário se encontra em mora igual ou superior a dois meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por sua conta;

d) A mora de dois meses – de uma só renda que seja – é auto-suficiente, enquanto fundamento de resolução do contrato de arrendamento, dado que é própria lei que proclama, nessa eventualidade, a inexigibilidade da manutenção do arrendamento, não havendo, por isso, lugar a uma autónoma ponderação sobre a sua gravidade e consequências;

e) No caso de resolução do contrato actuada extrajudicialmente, fundada na falta de pagamento da renda, ao arrendatário é lícito proceder à purgação da mora – e à consequente ineficácia da declaração de resolução – se, no prazo de um mês lhe puser termo, pagando, evidentemente, além das rendas em atraso, a indemnização correspondente a 50% do seu valor.

3.2. Conclusão.

O conclusum alcançado pelo juiz relator sobre o objecto da impugnação e o mérito do recurso, e as razões que adiantou para sustentar a sua improcedência – que esta conferência faz irrestritamente suas - tem-se por inteiramente exactas e procedentes.

E, em face delas, a falta bondade do recurso e, portanto, a sua improcedência nos termos declarados na decisão singular impugnada, e, correspondentemente, a falta de fundamento da reclamação, e a sua improcedência, são irrecusáveis.

Realmente, a reclamação constitui, na sua essência, na reiteração das razões expostas pela reclamante na alegação de recurso, não tendo adiantado qualquer argumento ou razão diversa que inculque o bom fundamento do recurso e a falta de bondade da reclamação.

Notar-se-á, em todo o caso, que a divergência, no plano da fundamentação, entre a sentença da 1ª instância e a decisão singular do Relator se resume, de um aspecto, ao facto de o último ter vincado a suficiência da mora no pagamento de uma renda para fundamentar a resolução do contrato de (sub)arrendamento – mora que configura uma situação ex lege de inexigibilidade para o senhorio na manutenção do contrato de arrendamento, excludente de uma ponderação autónoma sobre a sua gravidade e consequências – e de, outro, de ter sublinhado que, de harmonia com o programa temporal daquela prestação convencionado, a renda deveria ser paga no 1º dia do mês anterior àquela a que dissesse respeito.

Não é, de todo, exacto que a decisão reclamada tenha descurado o problema da não realização da audiência da discussão e julgamento e do imediato proferimento da sentença impugnada no recurso.

Bem pelo contrário: o Relator, depois de observar que o conhecimento do mérito da acção, logo naquele despacho, não era desconforme nem com o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva nem com o direito ao processo equitativo, e que não era razoável que, em nome do direito à prova - i.e., à apresentação de provas destinadas a provar os factos alegados em juízo, como dimensão ineliminável do direito ao processo justo - se prossiga num processo para demonstrar factos que, mesmo a provarem-se, não garantem à parte a procedência do direito que pela acção pretende fazer valer e declarar - foi expresso e terminante em declarar que os factos materiais julgados provados na instância de que provém o recurso permitiam o conhecimento, consciencioso, do mérito da causa, não demandando a produção de mais provas e, consequentemente, não reclamando a realização da audiência de discussão e julgamento.

Como decorria da alegação de recurso e decorre da reclamação, o prosseguimento do processo, com a realização da instrução e julgamento da causa, justificava-se, no ver da impugnante, para esclarecer o problema da responsabilidade da locadora na recepção da renda do mês de Julho de 2013. Abstraindo do facto de a renda relativa a este mês dever ter sido paga no dia 1 de Junho daquele mês – pelo que, em 23 de Julho, data em que a recorrente foi notificada para proceder ao seu pagamento no domicílio da autora, era já patente a mora no seu pagamento – a verdade é que a mora da recorrente no pagamento da renda relativa ao mês de Agosto – e a falta da sua purgação – era irrecusável – e essa mora era suficiente, de per se, para justificar a resolução extrajudicial do contrato.

O prosseguimento da instância para a fase do julgamento era inteiramente injustificável e a resolução do contrato de arrendamento, independentemente desse julgamento, por força da mora no pagamento da renda do mês de Agosto, uma inevitabilidade.

Todas as contas feitas, o resultado final é, assim, o da correcção da decisão reclamada e, consequentemente, o da improcedência da reclamação.

A reclamante sucumbe na reclamação. Deverá, por isso, satisfazer as custas dela (artº 527 nºs 1 e 2 do nCPC).

4. Decisão.

Pelos fundamentos expostos, nega-se provimento à reclamação e confirma-se a decisão singular do juiz relator reclamada.

Custas da reclamação pela reclamante.

                                                                                                                             14.09.23

                                                                                                              Henrique Antunes (Relator)

                                                                                                              Artur Dias

                                                                                                              Jaime Ferreira                     

[1] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 4ª edição, revista e aumentada, Coimbra Editora, Coimbra, 1997, pág. 597.
[2] Pinto Furtado, Manual do Arrendamento Urbano, Almedina, Coimbra, 2006, pág. 642.
[3] Maria Olinda Garcia, A Nova Disciplina do Arrendamento Urbano, 2ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, pág. 13.
[4] Pereira Coelho, Direito Civil, Arrendamento, Coimbra, 1980, pág. 150.
[5] Os termos das causas concretas de resolução não oferecem sempre o mesmo grau de indeterminação, sendo maior nuns casos e menor noutros. Este ponto é relevante visto que, quando maior for a indeterminação da causa de resolução tipificada, mais necessário se torna o recurso à cláusula geral; inversamente, o recurso a esta última, embora sempre necessário, é menos intenso face a fundamentos concretizados de resolução.
[6] Maria Olinda Garcia, A Nova Disciplina do Arrendamento Urbano, 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 25.
[7] Note-se que mora superior a dois meses não é sinónimo de dois meses de renda em mora: basta, portanto, que uma renda esteja em mora. Neste sentido, Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, cit., pág. 86, Fernando de Gravato Morais, Novo Regime de Arrendamento Comercial, Almedina, Coimbra, 2006, pág. 103, e David Magalhães, A Resolução, cit., pág. 213. Sublinhe-se que nada impede o senhorio de invocar como fundamento da resolução a mora no pagamento da renda inferior a dois meses. Todavia, neste caso, fica sujeito à cláusula geral de resolução do contrato de arrendamento, e, portanto, ao ónus de demonstrar que lhe é inexigível a sua manutenção (artº 1083 nº 2 do Código Civil). Cfr., neste sentido, Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e Caldeira Jorge, Arrendamento Urbano – Novo Regime Anotado e Legislação Complementar, 2ª edição, Quid Iuris, Lisboa, 2007, págs. 297 e 298.
[8] David Magalhães, A Resolução, cit., pág. que fala em determinações legais de justa causa, e Maria Olinda Garcia - O arrendamento plural, Quadro Normativo e Natureza Jurídica, Coimbra, 2009, págs. 232 a 237 e nota 397 – para quem o caso é de inexigibilidade presumida.
[9] Januário da Costa Gomes/Cláudia Madaleno, Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, Coordenação António Menezes Cordeiro, 2014, Almedina, Coimbra, pág. 240.