Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
127/09.3GCSCD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALCINA DA COSTA RIBEIRO
Descritores: RECONSTITUIÇÃO DO FACTO
DECLARAÇÕES DO ARGUIDO
JULGAMENTO
LEITURA PERMITIDA DE AUTO
SILÊNCIO
ARGUIDO
Data do Acordão: 02/25/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (INSTÂNCIA CENTRAL CRIMINAL – J3)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 150.º, 356.º, N.º 7, E 357.º, N.º 2, DO CPP
Sumário: I - A reconstituição do facto, prevista no art. 150.º do CPP, constituindo prova autónoma - ou seja, valendo por si própria em relação às contribuições individuais de quem nela haja participado e das informações e esclarecimentos que tenham co-determinado os seus termos e resultado -, não pode ser confundida com prova por declarações.

II - Consequentemente, ainda que o arguido se recuse a prestar declarações em audiência de discussão e julgamento, a proibição referida nos artigos 356.º, n.º 7, e 357.º, n.º 2, do CPP, não atinge as declarações de órgãos de polícia criminal sobre factos e circunstâncias de que tenham obtido conhecimento por meios diferentes das declarações do arguido, nomeadamente através da “reconstituição”.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, as Juízes, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO

1 – Em 2 de Julho de 2014, o Colectivo de Santa Comba Dão proferiu o Acórdão de fls. 873 a 925, julgando a acusação do Ministério Público parcialmente procedente e provada e, em consequência decidiu:

l) Absolver os arguidos A..., B...e C...da prática de um crime de furto qualificado, p.p.p artigo 203 e 204, nº 2, 2, al. e), pelo qual os arguidos se encontravam acusados (situação I).

2) Condenar o arguido A...;

- Como co-autor material da prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203°, nº 1, e 204°, n° 2 aI. e), por referência ao artigo 202.° e), todos do Código Penal, na pena de três (3) anos e dois (2) meses de prisão (factos descritos em II);

- Como co-autor material e na forma consumada, de um crime de incêndios, explosões e outras condutas especialmente perigosas, previsto e punido pelo artigo 272. °, n.º 1,  alínea a), do Código Penal, na pena de quatro (4) anos de prisão.

- Em cúmulo jurídico condenar o arguido na pena única de cinco (5) anos de prisão,

3) Condenar o arguido B...;

- Como co-autor material da prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203°, nº 1 e 204°, n° 2 al., e), por referência ao artigo 202. e), todos do Código Penal) na pena de três (3) anos e dois (2) meses de prisão (factos descritos em II);

- Como co-autor material e na forma consumada, de um crime de incêndios, explosões e outras condutas especialmente perigosas, previsto e punido pelo artigo 272.°, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de quatro (4) anos de prisão (factos descritos em II).      

- Em cúmulo jurídico condenar o arguido na pena única de cinco (5) anos de prisão.

4) Condenar o arguido C...;

- Como co-autor material da prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203°, nº, 1 e 204°, n° 2 al., e), por referência ao artigo 202.° e), todos do Código Penal, na pena de três (3) anos e dois (2) meses de prisão (factos descritos em II);

- Como co-autor material e na forma consumada, de um crime de incêndios, explosões e outras condutas especialmente perigosas, previsto e punido pelo artigo 272º, nº1, al. a), do Código Penal, na pena de quatro (4) anos de prisão.

- Como co-autor material da prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203°, nº1,  e 204°, n? 2 al. e), por referência ao artigo 202.° e), todos do Código Penal, na pena de dois (2) anos e dez (10 meses de prisão (factos descritos em IV);

- Como autor material da prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203°, nº1,  e 204°, n.º 2 aI. e), por referência ao artigo 202.° e), todos do Código Penal, na pena de dois (2) anos e oito (8) meses de prisão (factos descritos em V);

- Em cúmulo jurídico condenar o arguido na pena única de sete (7) anos e dez (10) meses de prisão.

5) Condenar o arguido F...;

- Como co-autor material da prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, nº 1,  e 204°, na 2 al. e), por referência ao artigo 202.° e), todos do Código Penal, na pena de três (3) anos de prisão (factos descritos em II);

- Como co-autor material e na forma consumada, de um crime de incêndios, explosões e outras condutas especialmente perigosas, previsto e punido pelo artigo 272.°, nº 1, alínea a), do Código Penal, na pena de três (3) anos e dez (10) meses de prisão (factos descritos em II).

- Em cúmulo jurídico condenar o arguido na pena única de quatro (4) anos e  oito (8) meses de prisão.

- Nos termos do artigo 50º do CP decide-se suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido por igual período de tempo;

~ Determina-se, nos termos dos artigos 53°, n.º 3 e 54°, todos do CPenal, que a suspensão da execução da pena do arguido, seja acompanhada de regime de prova, assente num plano individual de readaptação social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social.

6) Condenar o arguido E...:

- Como co-autor material da prática de um crime de furto simples, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203 do Código Penal, na pena de treze (13) meses de prisão (factos descritos em III);

- Como co-autor material da prática de um crime de furto qualificado, p..e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203°) nº 1 e 204°, n° 2 al. e), por referência ao artigo 202.° e), todos do Código Penal, na pena de dois (2) anos e dez (10) meses de prisão (factos descritos em IV);

- Em cúmulo jurídico condenar o arguido na pena única de três (3) anos e três (3) meses de prisão.

7) Condenar o arguido D...:

- Como co-autor material da prática de um crime de furto simples, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203º do Código Penal, na pena 150 dias de multa, à taxa de 6€/dia (factos descritos em III).

8) Condenar os arguidos A..., B..., C... e F... a pagarem ao ofendido J.... a quantia de 25.200,00€ (vinte cinco mil e duzentos euros), a título de danos patrimoniais, acrescidos de juros desde a data dos factos até efetivo e integral pagamento e a quantia de 1.000,00 (mil euros), acrescida de juros desde a presente data até efetivo e integral pagamento.

9) Condenar o arguido C..., a pagar à ofendida O... a quantia de 1.378,16€ (mil trezentos e setenta e oito euros e dezasseis cêntimos), acrescida de juros desde a data da prática dos factos até integral e efetivo pagamento.

10) Absolver os arguidos A..., B...e C...do pedido de indemnização deduzido contra os mesmos pelo ofendido H....

2 - Inconformados com estas condenações, os arguidos, A..., F... e C..., delas interpuseram recurso formulando as seguintes Conclusões:

2.1.   A...

1. O acórdão de que ora se recorre enferma de erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova, tendo valorado um meio de prova – reconstituição de facto – que entendemos inadmissível por não obedecer aos requisitos do art.° 150° do Código Processo Penal e constituir meras declarações ilustradas do arguido, que, por isso, não pode valer naquela qualidade.

2. O referido auto erradamente denominado de reconstituição do facto, contém apenas declarações do recorrente e do arguido B..., declarações essas que não poderiam ter sido lidas em audiência dado que fazê-lo seria violar o plasmado no artigo 357º do Código de Processo Penal, acolhendo um meio de prova não permitido por lei.

3.  Acresce que o Tribunal a quo valorou as declarações de testemunhas pertencentes a órgãos de polícia criminal relativamente a factos cujo conhecimento foi obtido pelas declarações que receberam dos arguidos e que, como tal, estariam impedidos de depor sobre o seu conteúdo.

4. Por tudo isto, tal valoração, com base na qual se deu como provados os factos n.º 4 a 10, 22, 26 e 27 do ponto II), quando os mesmos deveriam ali terem sido dados como não provados, afigura-se ilegal e inconstitucional.

5. Ao condenar o ora Recorrente, em vez de o absolver, como devia ter feito, o acórdão recorrido incorreu, assim, em erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova, violando os artigos 150.º, 125.º, 127.º, 355.º, 356.º e 357º do Código de Processo Penal e o Princípio da Presunção de Inocência previsto nos artigos 32º nºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa.

6. Entendeu o douto Tribunal recorrido ter resultado provado que o arguido/recorrente praticou, em co-autoria, um crime de furto qualificado e um crime de incêndios, explosões e outras condutas especialmente perigosas.

7. Como se infere do douto acórdão recorrido, Tribunal a quo fundamenta a sua convicção, no que tange à autoria dos factos, apenas e só nos autos de reconstituição dos factos junto aos autos a fls. 131 a 138, realizados pelos arguidos B...e A....

8. Resulta do acórdão recorrido que, relativamente aos factos dados como provados em II) o Tribunal a quo teve em conta, as declarações das testemunhas J...., L...., M...., militar da GNR e Q..., inspetor da PJ, contudo, é incontroverso, pois que é o próprio acórdão que o admite expressamente, que das declarações das mesmas não é possível extrair quem foram os autores dos factos.

9. Discordamos frontalmente da posição assumida pelo Tribunal recorrido, dado que é nosso entendimento que merece censura a valoração feita pelo tribunal a quo quanto aos denominados “auto de diligência” (reconstituição) e a que o tribunal a quo deu toda a relevância.

10. Consideramos que os referidos autos de reconstituição não constituem um meio de prova autonomizado das declarações do arguido/recorrente, tendo resultado violado o artigo 150.º do CPP.

11. Analisando a norma contida no artigo 150° do CPP, podemos esquematizar, como pressuposto – a realização da reconstituição do facto tem subjacente a necessidade de se apurar se determinado facto pode ter ocorrido de determinada forma e como requisitos, a sua realização exige a reprodução fiel, tanto quanto possível das condições em que (no caso) o recorrente afirma ter ocorrido o facto e, a repetição do modo de realização do facto.

12. Refere Germano Marques da Silva que a “reconstituição consiste na reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto e na repetição do modo de realização do mesmo (art. 150.º, n.º 1) e tem por finalidade verificar se um facto poderia ter ocorrido de certa forma. A reconstituição, contrariamente à generalidade dos meios de prova, não tem por finalidade a comprovação de um facto histórico, mas antes verificar se um facto poderia ter ocorrido nas condições em que se afirma ou supõe a sua ocorrência e na forma da sua execução. A reconstituição do facto é uma representação da realidade suposta e por isso para ter utilidade pressupõe que o facto seja representado, tanto quanto possível, nas mesmas condições em que se afirma ou supõe ter ocorrido e que se possam verificar essas condições” (cfr. “Curso de Processo Penal”, Vol. II, Verbo, 2002, pág. 196).

13. Também Manuel Simas Santos e Manuel Leal – Henriques (in Noções de Processo Penal, Rei dos Livros, 2010, pág. 213) se pronunciam sobre este meio de prova referindo que se dá “a reconstituição quando se procura certificar a forma como determinado facto terá ocorrido, tentando repeti-lo nas mesmas circunstâncias de modo e lugar, a fim de se aquilatar do merecimento da descrição que dele é feita pelos intervenientes processuais».

14.  O que a lei pretende é que a realização dessa reconstituição tenha por base a necessidade de apurar se um determinado facto pode ter ocorrido de determinada forma, sendo que essa reconstituição terá de ser fiel, tanto quanto possível das condições em que o facto criminoso haja ocorrido e pressupõe a repetição do modo de realização do facto.

15.  Nas palavras de Paulo Pinto de Albuquerque, trata-se de uma encenação de uma versão provável do facto.

16. Trata-se de comprovar se um dado acontecimento histórico poderá ter ocorrido de determinada forma, e já não de comprovar a existência do facto histórico em si mesmo.

17. Verificando os autos, consideramos que os mesmos não podem reconduzir-se a reconstituições dos factos, dado que em substância não mais traduzem do que a descrição levada a efeito pelos arguidos do que juntamente com os demais arguidos fizeram, não podendo a «reconstituição» ser confundida com meras declarações, ainda que a espaços, ilustradas, como, transparece do auto [com o teor acima reproduzido], que materializa a diligência em questão.

18. O que vemos é uma deslocação dos arguidos a locais onde referem ter praticado factos correspondentes à Acusação e também declarações que são assinadas pelos arguidos.

19.  Os referidos auto mostram-se assinados pelos inspetores da PJ e, de seguida, pelos arguidos, aos quais são anexadas fotografias, sendo que em todas elas se visualiza os arguidos a apontarem para locais nelas visualizáveis.

20. Consideramos que, nem, no contexto, nem na finalidade, nem na forma, nem no resultado, se pode afirmar estarmos perante uma reconstituição do facto.

21.O que consta dos autos que documentam a realização das diligências, antes, permite afirmar que estamos perante um reconhecimento dos locais, retratando uma espécie de visita guiada do arguido aos locais dos crimes ou uma confissão da autoria dos factos, in loco.

22.  É nosso entendimento, que aquela diligência não pode ser levada como Reconstituição do Facto, antes e tão só como declarações ilustradas do arguido e consequentemente não pode ser levado em linha de conta para a condenação do mesmo.

23. Materialmente/substancialmente estes autos de reconstituição não trazem para o processo qualquer outra fonte de conhecimento que não seja a que provém das declarações dos arguidos.

24. Sob a designação de autos de reconstituição, tais autos acabam por ser a recolha de declarações no decurso de uma diligência realizada com deslocação ao local, i. é, em termos materiais/substanciais, não representando aquele auto de reconstituição mais do que meras declarações (ilustradas) do arguido no âmbito de uma diligência de inquérito, e não tendo o mesmo requerido a leitura das mesmas, tais declarações não podem ser valoradas como meio de prova dos factos de que vinha acusado. Fazê-lo, seria violar o plasmado no artigo 357º do Código de Processo Penal, acolhendo um meio de prova não permitido por lei e, não podendo ser valoradas como meio de prova é como se as mesmas inexistissem nos autos.

25. Ainda que se entenda que a reconstituição do facto quando feita com a colaboração do arguido não deve ser confundida com as declarações por este, então, prestadas, gozando, por isso, de autonomia, como específico meio de prova, é, contudo, indispensável que em substância, possamos afirmar, sem margem de dúvida, estarmos perante prova por reconstituição, tal como legalmente definida, característica que lhe há-de advir, não pelo nomen juris a que ali se recorre, mas pelo conteúdo da diligência.

26. Analisados os autos, verifica-se ter o arguido interveniente no auto de reconstituição exercido o seu direito ao silêncio em sede de audiência de discussão e julgamento, salvaguardando a faculdade que a lei lhe concede de não se auto-incriminar.

27. Em lado algum da acta resulta que o recorrente tivesse solicitado a leitura de quaisquer declarações que, eventualmente, tivesse prestado ao longo do processo.

28.  No que respeita a este ponto, os princípios estruturantes do processo penal e, especialmente, os atinentes ao conteúdo essencial do direito de defesa, não permitem a descaracterização indirecta do direitos do arguido a não responder a perguntas ou a não prestar declarações (artigo 61º, nº 1 e artigo 343º, nº 1 do CPP), enquanto tradução da garantia contra a auto-incriminação, que significa que o acusado não pode ser constituído, contra a sua vontade, em fonte de prova contra si próprio.

29. Parece-nos que estamos sob a capa de reconstituição de factos, a ocorrer antes numa prestação de declarações de um arguido que ao serem prestadas na fase de inquérito só poderiam valer como prova nos precisos termos dos artigos 356 e 357° do C. P. P., que assim foram violados e, como tal, não poderiam os autos de reconstituição dos presentes autos ser valorados enquanto meio de prova válida e eficazmente obtida.

30. Neste sentido Acórdão da Relação do Porto de 2009/09/09, processo n.º 230/08.7PDVNG.P1.

31.  Acresce que foi inquirido, na qualidade de testemunha, sobre o conteúdo das declarações prestadas no decurso das reconstituições, N..., Inspetor da polícia Judiciária que participou nos dois autos de diligência e cujo depoimento o douto Acórdão considerou na sua fundamentação.

32. Dado que a referida testemunha foi ouvida sobre factos cujo conhecimento obteve pelas declarações que recebeu dos arguidos, encontrava-se impedida de depor sobre o seu conteúdo, pelo que o Tribunal a quo, ao ter valorado o depoimento do Inspetor da Polícia Judiciária, como meio de prova válido para fundamentar a sua convicção, violou os artigos 125.º, 356.º do Código de Processo Penal.

33. Tendo os arguidos optado pelo direito ao silêncio em sede de audiência de discussão e julgamento, quer a leitura dos “autos de diligência”, quer a inquirição sobre o conteúdo das declarações prestadas no seu decurso a quem teve participação na sua recolha, são meios de prova proibida que o Tribunal “a quo” valorou no douto Acórdão recorrido, em violação dos aludidos artigos 355.º, 356.º e 357.º do Código de Processo Penal, e do artigo 125.º do Código de Processo Penal.

34. Acresce que o Auto de reconstituição foi valorado por si só, sem recurso a outros meios de prova.

35.  A valoração das reconstituições sem corroboração é ilegal e inconstitucional e deve conduzir à absolvição do arguido.

36. Entendemos que a ausência de provas (válidas e legais) produzidas e constantes do processo, ou a dúvida sobre as mesmas no que respeita à prática dos factos pelo arguido só pode conduzir em processo penal à absolvição do arguido, observando-se o artigo 32° da Constituição Portuguesa e a presunção de inocência de que goza o arguido, ora recorrente.

37. Nenhuma prova segura foi feita acerca dos factos imputados ao arguido/recorrente e relacionados com os imputados crimes por que veio a ser, pelo tribunal a quo, condenado. Não se verifica no caso uma relação direta e imediata com exclusão de qualquer outra possibilidade razoável e a prova produzida não permite, com o mínimo de segurança concluir se o arguido/recorrente foi o autor ou se teve alguma intervenção nos factos.

38. Perante tal realidade, existindo dúvidas, o Tribunal recorrido, dando cumprimento ao princípio da presunção da inocência e do tratamento mais favorável do arguido, deveria ter julgado não provados os factos números 4 a 10, 22, 26 e 27 do ponto II e, consequentemente absolvido o arguido.

2.2. F...

1. O tribunal a quo condenou o arguido sem qualquer prova directa, com fundamento tão só, em duas reconstituições de factos efectuadas por dois arguidos que não as confirmaram em audiência de julgamento.

2. O recorrente não colaborou, nem confirmou tais autos de diligência.

3. A valoração das reconstituições sem corroboração é ilegal  e inconstitucional.

4. Para alicerçar a fundamentação da sua convicção, o tribunal a quo nega validade à alegação de que o verbalizado pelos arguidos durante a reconstituição são declarações cuja leitura é proibida.

5. A reconstituição dos factos não pode ser admitida como meio de prova.

6. Os arguidos que colaboraram na reconstituição e os demais não prestaram declarações em audiência.

7.Tais autos são diligências externas que foram elaboradas pelos agentes da polícia   Judiciária de acordo com o que lhes foi dito por aqueles dois arguidos em fase de inquérito, que não podem valer por si só.

8. Os mesmos não obedecem aos requisitos do art. 150º do CPP.

9. As declarações dos dois arguidos são o substrato, a fonte exclusiva da informação que consta nos autos de reconstituição.

10. Ou seja, estes autos acabam por ser a recolha de declarações no decurso de diligências realizadas com deslocação ao local, nas quais os dois arguidos relatam aquelas intervenções bem como as dos demais arguidos, entre eles o recorrente.

11. Tais declarações contidas nos autos não foram lidas em audiência e só o poderiam ter sido se observado o disposto no art. 357º, pelo que o tribunal violou o preceituado nos art.s 355º, 356º e 357º, do Código de Processo Penal.

12. Como os arguidos que se dispuseram a essas diligências não prestaram declarações em audiência não foi possível determinar de que modo tais diligências foram efectuadas.

13. Nem neles se reconstituíram factos, tendo os arguidos apenas indicados em fotografias locais de passagem e destino  e locais alvo de factos.

14.Não existe, pois, nestes autos, a realidade dinâmica suposta pela reconstituição.

15. O depoimento da testemunha N.... reproduz as declarações que lhe foram prestadas pelo arguidos, não podendo sobre elas prestar depoimento em audiência.

16. A valoração destas declarações é proibida por lei.

17. O recorrente não teve qualquer participação nos autos de reconstituição.

18. E para que as declarações do co-arguido possam ser valoradas em audiência, hão-de observar os requisitos do art., 345º do Código de Processo Penal.

19. De acordo com o seu nº 4, «não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas, nos termos dos nºs 1 e 2, sendo um meio de prova proibido.

20. Ora, nenhum dos arguidos prestou declarações quanto aos factos pelos quais o recorrente veio a ser condenado.

21. E, como as declarações de co-arguido na reconstituição não podem ser valoradas contra o outro arguido que não participou nela, sob pena de violação do disposto no art. 345º, do Código de Processo Penal, consubstanciando um meio de prova proibido.

22. Mesmo a admitir-se a reconstituição como um meio de prova, no que tangeria ao ora recorrente, a reconstituição dos factos não teria valor probatório por si próprio contra o ora recorrente posto que não colaborou nas diligências, salvo de outros meios de prova vierem a corroborar os factos.

23. No caso, inexistem outras provas que corroborem os factos.

24. Suscitam-se, assim,   dúvidas sobre se o recorrente teve qualquer intervenção nos factos descritos na Acusação pública, devendo, por isso, ser absolvido, de acordo com o princípio in dubio pro reo.

2.3 . C...

1. Os pontos de facto 4 a 10 do ponto II da factualidade assente, e bem assim as alíneas 22, 26 e 27, foi incorrectamente julgada pelo tribunal a quo.

2. Da prova testemunhal produzida não resulta quem tenha sido o autor ou autores dos factos.

3. Sendo certo que não resulta do depoimento do Inspector N... que este tenha referido que, no âmbito das diligências de reconstituição, os arguidos B... e A... tenham falado sempre de colaboração dos outros arguidos C... e F....

4. O Tribunal a quo condenou o ora recorrente com base, tão só,   nos autos de reconstituição de fls. 131 a 144, apoiando-se na jurisprudência aí citada.

5. O ora recorrente não teve qualquer intervenção nos autos de reconstituição.

6. Os autos de diligência consubstanciam verdadeiras declarações dos arguidos e serviram apenas, na fase de inquérito para materializar e objectivar o carácter pessoal da confissão dos arguidos intervenientes.

7. Razão pela qual não podem servir a finalidade de obtenção, conservação de prova, designadamente por confissão.

8. Deste modo, não podem tais autos ser valorados e não existindo outro meio de prova, directo ou indirecto de que o ora recorrente tivesse praticado os factos em que foi condenado    e que se encontram descritos no ponto II, terá o mesmo de ser absolvido.

9. Ainda que a reconstituição dos factos seja considerada válida, não pode servir como meio de prova, na medida em que a reconstituição não tem valor probatório por si próprio contra o co-arguido que não colaborou na diligência, salvo se outros meios de prova vierem corroborar esses factos, o que não sucedeu nos autos.

3 - O Ministério Público, em primeira instância apresentou uma Resposta aos recursos interpostos, concluindo pela legalidade da reconstituição dos factos, como meio de prova e pela consequente manutenção da decisão recorrida.

4 - Nesta instância, a Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu o parecer de fls.1039, pugnando pela improcedência de todos os recursos

5 - Cumprido o disposto no art. 417º, nº2, do Código de Processo Penal e colhidos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento de mérito.  

II - O ACÓRDÃO RECORRIDO

A primeira instância deu como provados os seguintes factos:

I)

1) Em data não concretamente apurada, mas situada entre as 23HOO do dia 12.07.2009 e as 07HOO do dia 13.07.2009 indivíduo ou indivíduos não concretamente apurados dirigiram-se a uma garagem, sita em (...), Carregal do Sal, de propriedade de H....

2) Aí chegado ou chegados forçaram a fechadura do portão de entrada, assim o logrando abrir, por onde se introduziram na referida garagem.

3) Dessa garagem o individuo ou indivíduos retiraram, uma moto - enxada de marca BÜNDA, com uma frese que se encontrava acoplada, tudo no valor de €1.071,85 (mil e setenta e um euros e oitenta e cinco cêntimos).

II)

4) Os arguidos A..., B..., C...e F... traçaram um plano conjunto, com o propósito de se introduzirem num armazém sito na (...), Carregal do Sal e propriedade de J.... e dali retirarem e levarem consigo objetos que lhes interessassem.

5) Na execução desse plano, os arguidos referidos em 4, no período compreendido entre as 21HOO do dia 09.08.2009 e

as 06HOO do dia 10.08.2009, em conjugação de esforços e meios, deslocaram-se àquele edifício.

6) Aí chegados, cortaram a corrente de uma das entradas da quinta e deslocaram-se ao armazém, onde se introduziram sendo que, para tal, previamente destruíram a fechadura da porta da entrada, assim a logrando abrir.

7) Uma vez dentro do edifício na concretização do plano previamente traçado e por todos aceites retiraram do armazém um veículo ligeiro de mercadorias de marca MERCEDES, modelo Sprinter 515CDI e matrícula 18-CS-77, que ali se encontrava com a chave na ignição, no valor de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), um motosserra de marca HUSKVARNA, modelo 372XPG, um motosserra de marca TANAKA ESC, modelo 650, um moto - roçador de marca KUBOTA~ modelo 430, um moto - roçador de marca :MARUYAMA, modelo AE500, uma rebarbadora de marca NOTUL, um jogo de chaves de marca EAGLE, 10 (dez) litros de gasolina e ferramenta diversa que se encontrava dentro de uma caixa, um cardã de broca com cerca de 2 metros de comprimento e um cardã de distribuidor com cerca de 0,80 metros de comprimento, tudo no valor aproximado de € 3.300,00 (três mil e trezentos euros), perfazendo um total de € 28.300,00 (vinte e oito mil e trezentos euros).

8) Após, e ainda em conjugação do previamente gizado, abandonaram o local e depois de descarregarem o material que se encontrava na viatura referida em 7 na Avenida (...) em Fragosela de Cima, deslocaram-se para uma zona florestal junto da Quinta da Serradinha, em Alcafache.

9) Aí chegados, os arguidos A..., B..., C...e F... traçaram um plano conjunto, que todos aceitaram, com o propósito de incendiarem a referida viatura MERCEDES, com o intuito de eliminarem todos os vestígios que pudessem ter deixado.

10) Na execução desse plano, os arguidos de forma não apurada atearam o fogo à viatura, que, em consequência do mesmo ficou destruído.

III-

11) Os arguidos D... e E..., congeminaram um plano conjunto com o propósito de se dirigirem a um posto de combustível, atestarem a viatura de matrícula 57-70-AI, marca SEAT, modelo TOLEDO, sem efetuar o devido pagamento.

12) Assim, no dia 31.01.2011, cerca das 18H30, os arguidos, deslocaram-se ao Posto de Abastecimento do "R..., S,A.'\ sito em Albergaria, Carregal do Sal transportados na viatura supra referida que o arguido E...conduzia e, na concretização do plano que previamente haviam traçado e que ambos aceitaram, aquele imobilizou o carro junto à bomba n.? 3 e o arguido D... saiu da mesma e abasteceu 51,51 Iitros de gasolina sem chumbo 95, no valor total de € 72,94 (setenta e dois euros e noventa e quatro cêntimos).

13) O arguido D... entrou na viatura e o arguido E...acionou o motor da mesma, dirigiu-se à saída das instalações e, aproveitando o facto da cancela das mesmas se encontrar erguida para permitir a saída de uma cliente que já havia procedido ao respetivo pagamento, acelerou e abandonou o local sem efetuar o pagamento do combustível que haviam atestado.

IV)

14) Os arguidos E... e C..., congeminaram um plano conjunto com o propósito de se introduzirem numa residência, sita na Rua (...), em Carregal do Sal, propriedade de P... e dali retirarem e levarem consigo todos os objetos de valor que ali encontrassem.

15) Para tanto, em hora não concretamente apurada do dia 29.09.2011, mas após as 17HOO, os arguidos supra referidos em conjugação de esforços e meios, deslocaram-se até à referida residência e aí chegados, forçaram uma janela da parte frontal da residência, a qual dessa forma lograram abrir que dá acesso a um dos quartos, por onde se introduziram.

16) Desta residência, os arguidos E...e C... sempre em conjugação de esforços e meios, retiraram e fizeram seus, um fio em ouro com uma peça comprida a imitar marfim, um fio em malha de ouro, com um trevo com a gravação da letra "C", duas pulseiras em ouro de criança, contendo uma delas a gravação do nome "Carolina", um fio em ouro de bebé com um pendente também ele em ouro, em forma de mão, uma libra de ouro, um anel em ouro com os nomes "Carolina" e "Renato" gravados, um solitário, dois relógios de senhora, sendo um deles cromado e uma caixa, tudo no valor global aproximado de € 3.000,00 (três mil euros).

V)

17) Em hora não concretamente apurada, mas após as 20ROO do dia 11.11.2012, o arguido C...dirigiu-se às instalações dos ''S... - O...., Lda.", sitas na (...) em Cabanas de Viriato, Carregal do Sal;

18) Aí chegado depois de ter partido o vidro da porta de alumínio, com uma chave de fendas, que dá acesso ao hall de entrada para o supermercado, e dessa forma ter aberto a porta, introduziu-se no interior do mesmo.

19) Já dentro das referidas instalações, o arguido C..., dirigiu-se à arrecadação e retirou e fez seu, um saco, contendo € 1.040,00 (mil e quarenta euros) em dinheiro que se encontrava na gaveta de uma secretária.

20) Após, dirigiu-se à máquina registadora do estabelecimento e dali retirou e fez seus € 199,53 (cento e noventa e nove euros e cinquenta e três cêntimos), em notas e moedas que ali se encontravam.

21) Retirou ainda daquele estabelecimento, fazendo-o seu, um aparelho de scanner, marca SYMBÜL, modelo PDT3100, no valor de € 700,00 (setecentos euros).

22) Os arguidos A..., B..., C... e F... ao atuarem da forma supra descrita de 4 a 10, de comum acordo e em conjugação de esforços e meios uns com os outros, com o propósito concretizado de se apoderarem e de fazerem seus os objetos que se encontravam no interior do armazém referido sempre por meio de arrombamento, como efetivamente conseguiram, bem sabiam que aqueles objetos não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade dos respetivos proprietários.

23) Os arguidos D... e E..., ao atuarem da forma supra descrita de 11 a 13, de comum acordo e em conjugação de esforços e meios um com o outro, com o propósito concretizado de se apoderarem e de fazerem seu o combustível de que se abasteceram sem proceder ao respetivo pagamento, como efetivamente conseguiram, bem sabiam que o mesmo não lhes pertencia enquanto não efetuassem o devido pagamento e que agiam contra a vontade do respetívo proprietário.

24) Os arguidos C...e E..., ao atuarem da forma supra descrita de 14 a 16, de comum acordo e em conjugação de esforços e meios um com o outro, com o propósito concretizado de se apoderarem e de fazerem seus os objetos que se encontravam no interior da residência referida em 14., por meio de arrombamento, como efetivamente conseguiram, bem sabiam que aqueles objetos não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade da respetiva proprietária.

25) Ainda o arguido C..., ao actuarem da forma descrita de 17 a 21, com o propósito concretizado de se apoderar e de fazer seus os montantes e o objecto referidos como efetivamente conseguiu, bem sabia que os mesmos não lhe pertenciam e que estava a agir claramente contra a vontade do seu proprietário. .

26) Os arguidos A..., B..., C...e F... ao atuarem da forma descrita de 9 a 10, de comum acordo e em conjugação de esforços e meios uns com os outros, agiram com o propósito concretizado de atearem um incêndio de relevo na viatura ali mencionada, criando perigo para a mesma, como efetivamente conseguiram, atenta a sua destruição, bem sabendo que a mesma não lhes pertencia e que estavam a agir claramente contra a vontade do seu proprietário.

27) Os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal, não se coibindo nunca de as praticar.

28) A O.... recebeu do seguro a quantia de €561,37 referente ao scanner.

29) O Demandante J.... recebeu do seguro o valor das ferramentas furtadas.

30) Os materiais furtados eram utilizados pelo demandante na sua atividade,

31) Teve de despender a quantia de 200€ na substituição da porta do armazém.

32) Sentiu-se incomodado com toda esta situação.

33) Sentiu receio.

34) Do CRC do arguido A... constam os antecedentes juntos de fls. 643 a fls., 651, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, nomeadamente por crimes de falsificação, condução sem habilitação legal e furtos, tendo sofrido penas de multa e de prisão suspensas na sua execução e efetivas, cumprindo, atualmente três anos de prisão, à ordem do PCC n" 855/1 1.3 GCVIS, do Tribunal de Viseu, 2° Juízo Criminal, onde foi condenado por crime de furtos, por acórdão transitado em 3.3 .2004 e factos de Outubro de 2011.

35) O arguido tem o 40 ano de escolaridade.

36) Trabalhou na construção civil e na área das telecomunicações.

37) A partir de 2008 passou a ingerir álcool em excesso.

38) Não tem uma atividade regular, trabalhando esporadicamente na construção civil.

39) Reside com a companheira, sendo a renda de casa suportada pela mãe.

40) Do CRC do arguido B...constam os antecedentes de fls. 630 a fls. 642, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, nomeadamente por vários crimes de furto em penas de multa, de prisão suspensas e efetivas.

41) Tem o 4° ano de escolaridade.

42) Aos 17 anos começou a consumir heroína e cocaína.

43) Tem um filho com 14 anos e um de 10 anos.

44) À data dos factos residia com a esposa, o filho de 10 anos e encontrava-se desempregado.

45) Conta com o apoio da família.

46) Do CRC do arguido C...constam os antecedentes juntos de fls. 619 a fls. 629, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, nomeadamente o arguido já sofreu várias condenações por crimes de furto, em penas de prisão substituídas por multa, suspensas e efetivas.

47) O arguido cresce no seio de uma família com dificuldades econ6micas.

48) Abandonou os estudos enquanto frequentava o 9° ano.

49) Antes de preso residia com os pais, um irmão, a companheira e uma filha de 9 meses.

50) Nunca teve qualquer ocupação estruturada, nem experiência profissional.

51) Conta com o apoio da família.

52) Do CRC do arguido F..., constam os antecedentes de fls. 779 a fls. 786, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, nomeadamente o arguido já sofreu condenações por crimes de condução sem habilitação legal, detenção de arma proibida em penas de multa e penas de prisão substituídas.

53) O arguido F... sofre de retinopatia diabética proliferativa grave) bilateral.

54) Reside com a companheira e dois filhos.

55) Trabalha na Visabeira onde aufere a quantia de 563€.

56) Do CRC do arguido E... constam os antecedentes de fls. 656 a fls. 674, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, nomeadamente o arguido já sofreu condenações por crimes de condução sem habilitação legal e furtos, em penas de multa, prisão suspensa na sua execução e efetiva.

57) Aos 8 anos de idade a mãe faleceu, tendo a partir dessa data sido criado com os avós paternos e pelo pai.

58) Tem o 6° ano de escolaridade.

59) Aos 14 anos fugiu para França, onde trabalhou em atividades agrícolas, nunca mais tendo integrado o agregado do pai, que entretanto voltou a casar, mantendo o arguido um relacionamento conflituoso com a mulher do pai.

60) Iniciou o consumo de drogas aos 18 anos, estando aos 25 anos dependente da cocaína.

6 I) A data dos factos não exercia qualquer atividade regular, alterando entre a França e Portugal.

62) No BP frequenta um curso de informática.

63) É acompanhado pelo CRI.

64) Só esporadicamente é visitado pelo pai no BP.

65) Do CRC do arguido D... consta um antecedente por crime de furto qualificado, tendo o arguido sido condenado na pena de 140 dias de multa, por acórdão transitado em 5.6.2013 e factos de 3 I .1.20 11.

66) O arguido a partir dos 6 anos passou a residir com uma família de acolhimento, residindo atualmente com a "mãe" de acolhimento.

67) Começou a consumir haxixe aos 13 anos de idade.

68) Fez o 9° ano de escolaridade e a partir daí começou a apresentar absentismo escolar.

69) Aos 16 anos iniciou uma relação de união de facto que durou dois anos e da qual nasceu uma filha.

70) Fez um tratamento de desabituação no Hospital Sobral Cid em Coimbra, onde é seguido.

71) Está desempregado.

Com a seguinte fundamentação:

«A convicção do Tribunal resultou da totalidade da prova produzida a qual depois de conjugada entre si e analisada criticamente de acordo com as regras da experiência permitiu ao Tribunal fixar a mesma.

No que tange aos factos mencionados em I), o Tribunal teve em conta as declarações de H..., proprietário da garagem em causa e que confirmou os factos dados como assentes, nomeadamente que os agentes arrombaram o portão da garagem de onde retiraram a" moto-enxada, confirmando, ainda que os factos ocorreram no período mencionado na acusação que coincidiu com um passeio que faz a I... com a mulher. O Tribunal teve ainda em conta o teor do documento junto a fls. 29 no que tange ao valor da moto enxada.

Relativamente aos factos dados como provados em II) o Tribunal teve em conta, desde logo as declarações de J...., que começou por referir que recebeu uma chamada dos bombeiros de Viseu a comunicar-lhe que estavam a apagar o fogo de uma carrinha, Mercedes sua propriedade, tendo na altura pensado que era engano, uma vez que tinha deixado a carrinha dentro do armazém. Mencionou que de imediato se deslocou ao armazém e viu que tinham arrombado o portão e levado a Mercedes com os objetos mencionados na acusação. O Declarante confirmou ainda o valor dos bens e da carrinha, bem como o incómodo que sentiu em consequência dos factos, que teve de colocar uma porta nova que lhe custou 200 € e que esteve uns dias sem trabalhar, sendo que recebeu do seguro o valor das ferramentas. O Declarante também esclareceu o período em que os factos ocorreram. Foi ainda inquirida a testemunha L...., funcionário dos viveiros propriedade do declarante J... e que confirmou que os bens foram furtados o que levou a que tivessem de estar sem trabalhar uns dias, o que causa incómodos ao patrão. Das declarações do ofendido e do depoimento da mencionada testemunha extraem-se ainda os factos relativos ao pedido de indemnização civil. O Tribunal igualmente teve em conta o depoimento da testemunha M...., militar da GNR, que se deslocou ao local onde se deparou com a viatura Mercedes arder.  Igualmente foi inquirido o inspetor da PJ Q... que analisou a viatura Mercedes e que confirmou que o incêndio o correu por ação humana.

Assim, dos mencionados elementos de prova não restam dúvidas que o armazém em causa foi assaltado e que para tal o portão foi arrombado, armazém desse de onde foi retirada urna viatura mercedes carregada de ferramentas, viatura essa, que posteriormente foi incendiada.

Acontece que daqui não se extrai quem foram os autores dos factos.

No entanto, tal autoria, ou mais precisamente co-autoria, resulta claramente dos autos de diligência de fls. 131 e 138 realizados pelos arguidos B...e A....  De facto, em tais autos os mencionados arguidos descrevem a factualidade dada como provada pormenorizando o modo como atuaram descrição devidamente documentada por suporte fotográfico.

Os dois arguidos nessa diligência descrevem ainda que atuaram na companhia dos outros arguidos (sendo que os outros arguidos têm de ser necessariamente os arguidos F... e C..., pois para além dos dois não existem outros nos autos). Além disso, esclarecem e descrevem sempre a conduta no plural, nomeadamente que se deslocaram a Beijos, que foram até à quinta por um caminho de terra batida, que se dirigiram ao barracão, que saíram do barracão com a viatura furtada, indicando os arguidos o caminho seguido e o local onde deixaram a mercadoria da viatura, e que, posteriormente, seguiram um outro caminho, que os dois arguidos indicam, até ao local, que igualmente indicam, onde atearam o fogo à viatura.

Os autos de diligência dos dois arguidos são coincidentes, na medida em que identificam os mesmos locais, como a casa onde deixaram as ferramentas e os caminhos seguidos, que mais ninguém poderia conhecer, mostrando-se credíveis e resultando dos mesmos não só a intervenção deles como ainda dos outros arguidos, na medida em que os arguidos A... e E... descrevem a situação e o modo de atuação sempre no plural e referem a companhia dos outros arguidos.

Tais autos mostram-se credíveis e são coincidentes com a situação objetiva ocorrida.

Além disso, não dão os arguidos qualquer explicação para a realização de tais diligência, uma vez que não prestaram declarações. Tais autos foram ainda confirmados pela testemunha N..., inspetor da PJ de Coimbra, que esteve nas diligências em causa e que referiu que os arguidos se propuseram livremente a fazer a reconstituição dos factos, falando sempre da colaboração dos outros arguidos C... e F....

Tais autos são válidos e obedecem aos pressupostos do artigo 150º, do CP.P Os mesmos, a nosso ver, só não seriam admissíveis e validamente adquiridos se na reconstituição, ou para criar os pressupostos de facto necessários à reconstituição, tivesse sido utilizado qualquer meio (tortura, coação, ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral) que afetasse a liberdade de determinação, o consentimento ou a disponibilidade dos arguidos para a participação na reconstituição do facto, o que de forma alguma resulta que tivesse sucedido nos autos.

E não se argumente que aquilo que é verbalizado pelos arguidos durante a reconstituição são declarações cuja leitura é proibida.  De facto, como se escreve no ac. da RC de 1.4.2009, in http://www.dgsLpt/jtrc: " A reconstituição prevista no artº  150°, ou as providências cautelares estabelecidas no art. 249°, ambos do CPP, pela sua própria natureza, podem envolver a participação ativa dos arguidos que a tal se disponham livremente, mormente através da verbalização ou gesticulação, sobre o que entende dever ser replicado no acto processual, para que corresponda fielmente ao sucedido sem que, contudo, as declarações prestadas neste âmbito assumam outra feição que não a explicitação do ocorrido e possam ser transmutadas em prova por declarações".

Aliás, a este respeito refere o STJ, de 25/03/2004, Proc, 248/04, (…)que “são diligências diferentes, ainda que possam ser complementares, as  declarações prestadas e a reconstituição dos factos. Na primeira, é o discurso do declarante, de teor eminentemente verbal, que está em foco e é valorado; na segunda é o modus faciendi que está em causa e nele a pessoa que procede à reconstituição mostra como fez, refazendo no próprio local todos os passos da sua acção e se a reconstituição é reduzida a auto, esse auto não é um auto de declarações, não obedece à lógica dele nem a ele se reconduz. A reconstituição é uma revivescência do facto e da sua realização e se, de uma forma geral, não prescinde de palavras, estas não constituem o ponto crucial da reconstituição, visto que a linguagem gestual e corporal assume aqui uma primacial relevância".

Como já referimos os arguidos fazem a reconstituição em que não só descrevem a sua versão dos factos, como exemplificam como fizeram, o que foi transferido para o papel, através da reportagem fotográfica, não se colocando sequer a questão, que não foi levantada por ninguém, nomeadamente pela defesa, que não foi realizada livremente, nada impedido o Tribunal de a valorar com os demais elementos de prova, nomeadamente que não existem duvidas que os bens foram furtados e a carrinha incendiada por ação humana.

A reconstituição pressupõe uma demonstração da dinâmica verificada aquando dos factos e prevê a colaboração expressa e livre do arguido, manifestando este o seu assentimento e cooperação ao longo do decorrer da diligência, contrariamente à mera tomada de declarações do arguido em sede de inquérito.

Esta é precisamente a situação dos autos, não se limitando o arguido a prestar declarações mas a demonstrarem a dinâmica dos factos, desde o início ao fim, dinâmica essa que foi traduzida para os autos através da reportagem fotográfica.

Além disso, as versões dos arguidos são coincidentes e os dois colocam os outros dois arguidos como participando igualmente nos factos, nessa mesma reconstituição.

No que respeita aos factos dados como provados em III o Tribunal teve em conta a confissão do arguido E... que referiu que foi às bombas de combustível com o arguido C..., que ficou no carro enquanto o C... foi abastecer e que depois saíram sem pagar.

Este arguido referiu ainda que desde o início que o arguido C... tinha conhecimento de tudo, até porque foi abastecer precisamente para o levar a Coimbra e nenhum deles tinha dinheiro para o combustível. É certo que o arguido D... negou em audiência de julgamento a sua intervenção, nomeadamente que tivesse conhecimento que iam sair das bombas sem pagar. Ora, tal versão é pouco plausível, até porque como nos disse o arguido E... os mesmos foram abastecer precisamente para este transportar aquele até Coimbra, sendo o normal que ambos tivessem previamente combinado o que fazer, uma vez que nenhum deles tinha dinheiro para o combustível. Além disso, o arguido E... não tinha qualquer motivo para mentir, nesta parte, uma vez que não consta dos autos, nem isso foi mencionado por qualquer arguido que neste momento esteja de relações cortadas com o arguido C....

A isto acresce a circunstância da testemunha P..., a funcionária que no dia dos factos estava na caixa a receber o dinheiro dos clientes ter esclarecido a foram como os arguidos saíram sem pagar o combustível, nomeadamente que tiveram de aguardar que ela subisse a cancela para passar um outro cliente, altura em que arrancaram calcando ainda o sensor.

Ora, tal saída não é compatível com alguém que desconhecesse o que o outro ia fazer, sendo que a ser como diz o arguido C... que não tinha conhecimento de nada, e tendo em conta que o combustível metido era para permitir que o mesmo fosse transportado para Coimbra, o normal é que logo na primeira oportunidade o arguido C... regularizasse a situação, o que não fez. Perante tal a única conclusão compatível com as regras da experiência é a de que os factos ocorreram como confessado pelo arguido E....

No que respeita aos factos dados como provados em IV os mesmos resultaram da confissão integral e sem reservas dos arguidos E... e C...que confessaram estes factos integralmente.

De facto, os arguidos, como mencionado, confessaram estes factos na integra, sendo que Tribunal não teve quaisquer duvidas sobre a mesma, nomeadamente sobre a intervenção dos arguidos, na medida em que nos autos já existia prova que apontava para tal intervenção como os autos de reconhecimento de objetos, e exame pericial do apenso 245 (fls. 22 e seguintes e fls. 97 e seguintes)

No que tange aos factos dados como provado em V os mesmos igualmente resultaram da confissão do arguido C...que os confessou à exceção que tenha retirado o aparelho scanner.

De facto, este arguido referiu ter entrado no S... depois de ter partido o vidro da porta com umas chaves de fendas de onde retirou os mencionados objetos à exceção do scanner.  Mais uma vez o Tribunal não questiona esta confissão na medida em que a prova pericial junta a fIs. 40 e 41 do apenso 452 já permitia concluir pela intervenção deste arguido.  No que tange à questão do scanner a mesma ficou esclarecida pelo depoimento da testemunha T..., funcionária da ofendida e que esclareceu que no dia anterior aos factos tinha trabalho com o scanner, sendo perfeitamente plausível que o arguido, atento o número de furtos por si já cometidos, não se recorde da totalidade dos objetos furtados.

Os factos 22 a 27 são uma conclusão lógica dos factos objetivos.

O Tribunal teve ainda em conta o CRC dos arguidos, os relatórios sociais e a certidão junta aos autos no que tange à condenação do arguido A... no proc. do 20 Juízo Criminal do Tribunal de Viseu.

Tais elementos relevaram para os antecedentes e condições pessoais do arguido.

O Tribunal deu como não provado que foram os arguidos A..., ' B...e C...os autores dos factos mencionados em I) uma vez que a prova produzida foi insuficiente para permitir tal conclusão.

De facto, os arguidos sobre estes factos não prestaram quaisquer declarações.

Por seu turno, o declarante mencionou que o arguido F..., seu sobrinho lhe disse, que a moto enxada tinha sido vendida a um senhor de Nelas.  Acontece que efetuadas umas buscas no âmbito de um outro processo ao alegado comprador o ora declarante não reconheceu nenhum dos bens como sendo a sua mota enxada.  Inquirido em audiência de julgamento o alegado comprador, mais concretamente à testemunha G..., negou qualquer compra. Além disso, o arguido F... nem sequer se encontra acusado destes factos, sendo o único a quem a testemunha alude.

Assim, e inexistindo outra prova o Tribunal deu como não provada a intervenção dos mencionados arguidos nos factos ocorridos em I).

O Tribunal deu como não provados os outros factos uma vez que sobre os mesmos não foi produzida qualquer prova».

III - QUESTÕES A DECIDIR

Assente que são as Conclusões da Motivação dos Recorrentes que delimitam o objecto do recurso, a questão essencial a decidir consiste em apreciar qual a valoração das reconstituições de facto em que participaram os arguidos B...e A... e bem assim dos depoimentos dos órgãos de polícia criminal, na parte em que se pronunciam sobre aquelas reconstituições.

IV - APRECIAÇÃO DOS RECURSOS

O art. 150º do Código de Processo Penal[1], regula os pressupostos e procedimentos de admissibilidade da reconstituição do facto.

Dispõe o seu nº1 que,

«Quando houver necessidade de determinar se um facto poderia ter ocorrido de certa forma, é admissível a sua reconstituição. Esta consiste na reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto e na repetição do modo de realização do mesmo».

As questões que nos ocupam não são novas, e são conhecidas as duas orientações jurisprudenciais.

Quanto a nós[2], acolhemos a que se tem desenvolvido na esteira do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Janeiro de 2005[3], que, então decidiu:

«A reconstituição do facto «consiste  - é a definição da lei – na reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto e na repetição do modo de realização do mesmo» e vem regulada, em pormenor, no nº 2, do art. 150º, com indicação dos respectivos pressupostos procedimentais, que devem ser fixados no despacho a determinar a reconstituição.

Previsto como meio de prova, autonomizado por referência aos demais meios de prova típicos, uma vez realizado e documentado em auto ou por outro modo (eventualmente em registo audiovisual - artigo 150º nº 2- 1ª parte, in fine do CPP), vale como meio de prova, processualmente admissível, sobre os factos a que se refere, isto é, como meio válido de demonstração da existência de certos factos, a valorar, como os demais meios, «segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente» - artigo 127º do CPP.

Pela sua própria configuração e natureza – reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto – a reconstituição do facto, embora não imponha nem dependa da intervenção do arguido, também a não exclui, sempre que este se disponha a participar na reconstituição, e tal participação não tenha sido determinada por qualquer forma de condicionamento ou perturbação de vontade, seja por meio de coacção física ou psicológica, que se possa enquadrar nas fórmulas referidas como métodos proibidos enunciados no art. 126º.

O meio de prova previsto no art. 150º do CPP só não será, pois, admissível e validamente adquirido se na reconstituição, ou para criar os pressupostos de facto necessários à reconstituição, tiver sido utilizado qualquer meio (tortura, coacção, ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral) que afecte a liberdade de determinação, o consentimento ou a disponibilidade do arguido para a participação na reconstituição do facto.   

 A reconstituição do facto, como meio de prova tipicamente previsto, uma vez realizada no respeito dos pressupostos e procedimentos a que está vinculada, autonomiza-se das contribuições individuais de quem tenha participado e das informações e declarações que tenham co-determinado os termos e o resultado da reconstituição. As declarações (rectius, as informações) prévias ou contemporâneas que tenham possibilitado ou contribuído para recriar as condições em que se supõe ter ocorrido o facto, diluem-se nos próprios termos da reconstituição, confundindo-se nos seus resultados e no modo como o meio de prova foi processualmente adquirido.

A autonomia do meio de prova previsto no art. 150º determina, pois, que tal meio (…) valha por si e possa ser processualmente adquirido como meio de prova, submetido, então à mediação substancial de avaliação e valoração nos limites do traçados pelo principio inscrito no art. 127º, do CPP.

A questão releva, assim, apenas da aquisição do meio de prova e da sua utilização na função probatória que lhe couber no contexto de avaliação prudencial dos meios de prova.

É, por isso, estranha à questão problemática do recurso aquela a que o artigo 356º, nº 7 (e o 357º, nº 2) do CPP pretende dar resposta.

Estas disposições têm um âmbito de intervenção bem delimitado. Referem-se a declarações (prova pessoal) e pretendem prevenir a utilização probatória indirecta na audiência de declarações que a lei não permite que sejam utilizadas, como as que são prestadas anteriormente, em outro momento processual, e cuja leitura (e, consequentemente, a sua utilização probatória) não seja permitida. No caso de declarações do arguido, resulta do regime específico de leitura previsto no artigo 357º do CPP que, optando pelo silêncio na audiência, não pode haver leitura de declarações anteriores e, consequentemente, os órgãos de polícia criminal não podem der inquiridos como testemunhas sobre tais declarações.

Esta interpretação, que imediatamente resulta da projecção literal do norma e da consideração dos elementos e das noções aí empregues, não suscita dúvidas, nem, nestes termos, dificuldades de aplicação.

A dificuldade tem surgido apenas relativamente a casos em que o conteúdo do depoimento dos órgãos de polícia criminal incidiria, não sobre declarações processualmente registadas, mas sobre declarações avulsas, não formalizadas, "informais" e, por isso, não submetidas à disciplina (processual e delimitada) da permissão, ou proibição, de leitura.

No que respeita a este ponto, os princípios estruturantes do processo penal e, especialmente, os atinentes ao conteúdo essencial do direito de defesa, não permitem a descaracterização indirecta, mediada por terceiros, do direitos do arguido a não responder a perguntas ou a não prestar declarações (artigo 61º, nº 1 e artigo 343º, nº 1 do CPP), enquanto tradução da garantia contra a auto-incriminação ("privilege against self-incrimination")¸ que significa que o acusado não pode ser constituído, contra a sua vontade, em fonte de prova contra si próprio, e que não pode ser compelido a testemunhar em seu desfavor.

O privilégio contra a auto-incriminação significa que o arguido não pode ser obrigado, nem deve ser condicionado a contribuir para a sua própria incriminação, isto é, tem o direito a não ceder ou fornecer informações ou elementos (v. g., documentais) que o desfavoreçam, ou a não prestar declarações, sem que do silêncio possam resultar quaisquer consequências negativas ou ilações desfavoráveis no plano da valoração probatória (cfr., v. g., acórdão de 3 de Maio de 2001, do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, no caso J. B. c. Suíça).

A possibilidade de colaboração co-determinante no processo, desde a fase de recolha da prova (aquisição da prova), até ao momento de administração relevante e contraditória (utilização) das provas encontra-se porém, na disponibilidade do arguido, que pode livremente colaborar na investigação e contribuir para aquisições probatórias substanciais autónomas das simples declarações que as proporcionam, e que, nessa medida, não podem ser eliminadas posteriormente pela invocação da garantia contra a auto-incriminação.

E, nesta medida, os termos da colaboração prestada pelo arguido e as consequências derivadas no plano da aquisição probatória, não devem ser postos em causa, caso venha a invocar em momento posterior o direito ao silêncio, salvo se, como se referiu, a vontade e a determinação tiver sido perturbada, constrangida ou condicionada de tal modo que a situação possa ser enquadrada nas proibições de prova do artigo 126º do CPP.

Mas os meios de prova derivados, na medida em que sejam autónomos (recte, em que ganhem autonomia como meios de prova), não se confundem com eventuais informações transmitidas pelo arguido e que tenham possibilitado a identificação e a correspondente aquisição probatória, ou a realização e a prática de actos processuais com formato e dimensão própria na enumeração dos meios de prova.

Sendo, porém, este o conteúdo do direito, estão situadas fora do seu círculo de protecção as contribuições probatórias, sequenciais e autónomas, que o arguido tenha disponibilizado ou permitido, ou que informações prestadas tenham permitido adquirir, desde que, como se salientou, a colaboração ou as informações não estejam inquinadas por vícios do consentimento ou da vontade, suposto que o arguido foi informado dos direitos que lhe assistem e que integram o seu estatuto processual, ou pela utilização de métodos proibidos.

Em tais circunstâncias, ou seja, se a contribuição do arguido para a aquisição probatória na fase processual de recolha estivesse afectada pela utilização de métodos proibidos, poderiam eventualmente ser discutidos os efeitos consequenciais - o chamado "efeito à distância", "Fernwirkung des Beweisverbot", ou, na formulação americana, "fruit of the poisonous tree".

No entanto, esta é questão que não importa desenvolver, porque não vem sequer problematizada. Com efeito, nem está referida a existência, ou a simples alegação, de algum modo ou intervenção impróprio que tenha condicionado a contribuição do arguido na reconstituição, nem, por outro lado, o processo penal parece acolher a extensão da exclusão probatória determinada pelo efeito de contaminação [cfr., sobre o sentido e extensão da exclusão ("exclusionary rule") da aquisição probatória pelo "efeito à distância", e as limitações que necessariamente comporta, o acórdão do Tribunal Constitucional, nº 198/2004, de 24/3/04, no DR, II Série, de 2/6/04].

Delimitados, assim, os termos em que deve ser discutida e decidida a questão que constitui o objecto de recurso, vê-se que lhe é estranha a dimensão normativa que apresentam os nº 7 do artigo 356º e nº 2 do artigo 357º do CPP.

Não estão, com efeito, em causa declarações formalizadas e processualmente adquiridas como meio de prova pessoal, cuja leitura não seja permitida em audiência (artigos 356º, nºs. 1 a 6 e 357º, nº 1, a contrario), nem é caso das chamadas «conversas informais» que, em rigor processual, não existem (cfr., v. g., os acórdãos deste Supremo Tribunal de 30/10/2001, proc. 2630/01; de 3/10/20º2, proc. 2804/02 e de 19/7/2003, proc. 615/03; na doutrina, DAMIÃO DA CUNHA, "O Regime Processual de Leitura de Declarações na Audiência de Julgamento (artºs. 356º e 357º do CPP)", in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 7,Fasc. 3º, Julho-Setembro de 1997, p. 403 ss, desig. 422-433).

Por outro lado, como tem sido aceite de forma sedimentada na jurisprudência deste Supremo Tribunal (cfr., v. g., acórdãos de 16/5/96, proc. 230/96; de 11/12/96, proc. 780/96; e de 22/4/2004, proc. 902704), a proibição constante dos artigos 365º, nº 7 e 357º, nº 2 do CPP não atinge as declarações dos órgãos de polícia criminal sobre factos e circunstâncias de que tenham obtido conhecimento por meios diferentes das declarações do arguido (ou de outro interveniente processual) que não possam ser lidas em audiência.

Nesta perspectiva de compreensão, e vista a dimensão da reconstituição do facto como meio de prova autonomamente adquirido para o processo (artigo 150º do CPP), e a integração (ou confundibilidade) na concretização da reconstituição de todas as contribuições parcelares, incluindo da arguido, que permitiram, em concreto, os termos em que a reconstituição decorreu e os respectivos resultados, os órgãos de polícia criminal que tenham acompanhado a reconstituição podem prestar declarações sobre os modo e os termos em que decorreu; tais declarações referem-se a elementos que ganham autonomia, e como tal diversos das declarações do arguido ou de outros intervenientes no acto. Todavia - adverte-se - por força da necessária documentação processual da reconstituição, este meio deve bastar-se por si próprio enquanto meio de prova adquirido para o processo, e deve dispensar, no rigor das coisas, confirmações ou adjunções complementares não estando, no entanto excluído que os intervenientes, possam prestar esclarecimentos sobre a concreta natureza e os precisos termos em que se decorreu a reconstituição.

Por fim, as circunstâncias do caso apresentam-se substancialmente diferentes da espécie decidida no acórdão deste Supremo Tribunal de 11/7/2001, proc. 1796/01, em que estavam em causa «conversas informais» e «diligência externa» sem a natureza (processual) de reconstituição do facto».

No mesmo sentido, se pronunciou esta Relação, no Acórdão de 17 de Novembro de 2010[4]:

«É jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que “a reconstituição constitui prova autónoma, que contém contributos do arguido, mas que não se confunde com a prova por declarações, podendo ser feita valer em audiência de julgamento, mesmo que o arguido opte pelo direito ao silencio, sem que tal configure violação do artigo 357º do Código de Processo Penal" - Acórdão do STJ de 20/04/06, Proc. nº 06P363. (…).

Por outro lado, como tem sido aceite na jurisprudência do STJ - cfr., Acs de 16/5/96, proc. 230/96; de 11/12/96, proc. 780/96; e de 22/4/2004, proc. 902704-, a proibição constante dos artigos 356° n° 7 e 357° n° 2 do CPP não atinge as declarações dos órgãos de polícia criminal sobre factos e circunstâncias de que tenham obtido conhecimento por meios diferentes das declarações do arguido, que não possam ser lidas em audiência.

(…)

Tendo em vista a dimensão da reconstituição do facto como meio de prova autonomamente adquirido para o processo, cf. artigo 150° do CPP, e a integração na concretização da reconstituição de todas as contribuições parcelares, incluindo do arguido, que permitiram, em concreto, os termos em que a reconstituição decorreu e os respectivos resultados, os órgãos de polícia criminal que tenham acompanhado a reconstituição podem prestar declarações sobre os modos e os termos em que decorreu; tais declarações referem-se a elementos que ganham autonomia, e como tal diversos das declarações do arguido ou de outros intervenientes».

Transpondo, agora, a posição que, nesta matéria assumimos, para o caso concreto, e observando os autos que documentaram as duas diligências bem como as fotografias que lhe seguem, constatamos que elas traduzem a repetição do caminho percorrido pelos arguidos, desde o local donde furtaram o Mercedes até ao local onde incendiaram esta viatura, reproduzindo o modo como participaram naqueles factos.

Nenhuma dúvida existe que foram, o recorrente, A..., e o arguido B..., quem se dirigiu aos ditos locais e indicaram a posição concreta assumida por cada um. Nas diligências em causa, os arguidos intervenientes não se limitaram a fazerem declarações, antes conduziram os investigadores aos locais de onde furtaram o veículo, para onde o deslocaram e aonde o incendiaram. 

Trata-se, pois, de auto de «reconstituição dos factos», um meio de prova legalmente permitido, nos termos definidos pelos artigos 125° e 126°, e processualmente admissível, a valorar, nos termos do artigo 127°, segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador.

O facto dos arguidos terem optado pelo silêncio durante o julgamento, usando de um direito que lhes assiste, faz com que a leitura de declarações suas, em audiência, seja proibida, mas não obsta a que uma testemunha que participou e presenciou os factos constantes do auto de reconstituição, sobre o mesmo não possa prestar declarações em audiência.

Se entendemos que não pode o arguido ser confrontado com as declarações que prestou, já o mesmo não acontece relativamente aos factos percepcionados pelo Senhor Inspector, N... que colaborou na diligência, e que deles pode dar conta ao Tribunal.

Ou seja, «já é de aceitar tudo o que os Senhores Inspectores saibam ou possam saber da sua investigação quer sobre os factos quer sobre a vida do próprio arguido com interesse para os autos, que lhe tenha advindo da sua percepção directa, aqui incluindo vários factos emergentes da realização do auto de reconhecimento - neste sentido, Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 24.2.2003, in CJ. AST J, Ano I, Tomo I, fls. 202 e segs.

Estes elementos deverão ser apreciados pelo Tribunal, por si só ou conjugados com outros, segundo o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127° do CPP[5]».

Nesta medida, os autos de reconstituição não podem deixar de ser entendidos como meios probatórios legalmente admissíveis.

Note-se que as declarações que os arguidos prestaram na diligência da reconstituição eram indispensáveis para a compreensão da descoberta da verdade.

Os arguidos indicaram como chegaram ao barracão, local donde retiraram o Mercedes, o trajecto que seguiram depois de terem furtado a viatura, a casa e o local onde descarregaram a mercadoria, máquinas, o caminho que prosseguirem e finalmente, o local onde atearam fogo à viatura.

«As informações, ou declarações, prestadas pelo arguido integram-se numa meio de prova com uma configuração autónoma no conjunto dos meios probatórios, pelo que estão para além do circulo protegido pelo direito ao silêncio e, consequentemente podem, e devem, ser avaliadas em julgamento enquanto integrantes daquele meio autónomo.

(…) Não se ignora (…) a existência de orientação que preconiza que apenas os actos materiais praticados na reconstituição realizada no inquérito ou na instrução e os correspondentes resultados factuais são atendíveis em sede probatória no julgamento, e não já as declarações que o arguido tenha proferido no decurso da mesma. Porém, se a reconstituição é o resultado de uma pluralidade de conhecimentos, e saberes, de diversas pessoas não se vislumbra como é que, em concreto, se consiga efectuar uma operação de redução daquela visão global, subtraindo uma das tais contribuições atomísticas, que é parte do todo[6]».

De igual modo, entendemos válidas as declarações prestadas pelo inspector da polícia judiciária que realizou o auto de reconstituição dos factos.

Neste particular, seguimos de perto, a orientação defendida pelo Conselheiro Santos Cabral[7] e jurisprudência citada, perfilhando o entendimento, «segundo o qual os esclarecimentos ali prestados são contribuições do arguido para a reconstituição do facto e se integram no meio de prova autónomo a que alude o art. 150º, do CPP, com este se confundindo, pelo que nada obsta a que os órgãos de policia criminal prestem depoimento sobre os termos e o modo como decorreu a reconstituição do facto».

No mesmo sentido, cf. ainda, Acórdão desta Relação de 1 de Abril de 2009, e da Relação do Porto de 17 de Junho de 2012.

A opinião contrária[8], salvo melhor opinião, colide com a autonomia da reconstituição do facto, meio probatório processual e penalmente admissível ao lado de outros, como a testemunhal, as declarações do arguido e a prova documental.

As afirmações do arguido, quando livremente colabora na reconstituição do facto, traduzem-se em contributos para a descoberta da verdade, indispensáveis à percepção do ocorrido, não podendo, por isso, deixar de ser valoradas.

No caso dos autos, e contrariamente ao alegado pelos recorrentes, o Tribunal a quo não valorou apenas e só os autos de reconstituição dos factos e as declarações do inspector da policia, para dar como provados os pontos de facto 4 a 10, e 26 e 27, do ponto II.

Como se afirma no texto da decisão, teve em conta:

« (…) desde logo as declarações de J...., que começou por referir que recebeu uma chamada dos bombeiros de Viseu a comunicar-lhe que estavam a apagar o fogo de uma carrinha, Mercedes sua propriedade, tendo na altura pensado que era engano, uma vez que tinha deixado a carrinha dentro do armazém. Mencionou que de imediato se deslocou ao armazém e viu que tinham arrombado o portão e levado a Mercedes com os objetos mencionados na acusação.

O Declarante confirmou ainda o valor dos bens e da carrinha, bem como o incómodo que sentiu em consequência dos factos, que teve de colocar uma porta nova que lhe custou 200 € e que esteve uns dias sem trabalhar, sendo que recebeu do seguro o valor das ferramentas.

O Declarante também esclareceu o período em que os factos ocorreram.

Foi ainda inquirida a testemunha L...., funcionário dos viveiros propriedade do declarante Valter Coelho e que confirmou que os bens foram furtados o que levou a que tivessem de estar sem trabalhar uns dias, o que causa incómodos ao patrão.

Das declarações do ofendido e do depoimento da mencionada testemunha extraem-se ainda os factos relativos ao pedido de indemnização civil.

O Tribunal igualmente teve em conta o depoimento da testemunha M...., militar da GNR, que se deslocou ao local onde se deparou com a viatura Mercedes arder.

Igualmente foi inquirido o inspetor da PJ Q... que analisou a viatura Mercedes e que confirmou que o incêndio o correu por ação humana.

Assim, dos mencionados elementos de prova não restam dúvidas que o armazém em causa foi assaltado e que para tal o portão foi arrombado, armazém desse de onde foi retirada urna viatura mercedes carregada de ferramentas, viatura essa, que posteriormente foi incendiada».

Neste trecho constata-se que o tribunal recorrido ponderou vários meios de prova para ter como certo as circunstâncias em que ocorreu o furto do Mercedes carregado com ferramentas e o incêndio da viatura.

E se é certo, que do depoimento das testemunhas não resultava quem foram os autores daqueles factos, dúvidas não há que, a reconstituição realizada com a colaboração de dois arguidos, dissipou qualquer dúvida ao julgador:

«No entanto, tal autoria, ou mais precisamente co autoria, resulta claramente dos autos de diligência de fls. 131 e 138 realizados pelos arguidos B...e A....

De facto, em tais autos os mencionados arguidos descrevem a factualidade dada como provada pormenorizando o modo como atuaram descrição devidamente documentada por suporte fotográfico.

Os dois arguidos nessa diligência descrevem ainda que atuaram na companhia dos outros arguidos (sendo que os outros arguidos têm de ser necessariamente os arguidos F... e C..., pois para além dos dois não existem outros nos autos). Além disso, esclarecem e descrevem sempre a conduta no plural, nomeadamente que se deslocaram a Beijos, que foram até à quinta por um caminho de terra batida, que se dirigiram ao barracão, que saíram do barracão com a viatura furtada, indicando os arguidos o caminho seguido e o local onde deixaram a mercadoria da viatura, e que, posteriormente, seguiram um outro caminho, que os dois arguidos indicam, até ao local, que igualmente indicam, onde atearam o fogo à viatura.

Os autos de diligência dos dois arguidos são coincidentes, na medida em que identificam os mesmos locais, como a casa onde deixaram as ferramentas e os caminhos seguidos, que mais ninguém poderia conhecer, mostrando-se credíveis e resultando dos mesmos não só a intervenção deles como ainda dos outros arguidos, na medida em que os arguidos A... e E... descrevem a situação e o modo de atuação sempre no plural e referem a companhia dos outros arguidos.

Tais autos mostram-se credíveis e são coincidentes com a situação objetiva ocorrida.

Além disso, não dão o arguido qualquer explicação para a realização de tais diligência, uma vez que não prestaram declarações.

Tais autos foram ainda confirmados pela testemunha N..., inspetor da PJ de Coimbra, que esteve nas diligências em causa e que referiu que os arguidos se propuseram livremente a fazer a reconstituição dos factos, falando sempre da colaboração dos outros arguidos C... e F.... (…)

Como já referimos os arguidos fazem a reconstituição em que não só descrevem a sua versão dos factos, como exemplificam como fizeram, o que foi transferido para o papel, através da reportagem fotográfica, não se colocando sequer a questão, que não foi levantada por ninguém, nomeadamente pela defesa, que não foi realizada livremente, nada impedido o Tribunal de a valorar com os demais elementos de prova, nomeadamente que não existem duvidas que os bens foram furtados e a carrinha incendiada por ação humana.

A reconstituição pressupõe uma demonstração da dinâmica verificada aquando dos factos e prevê a colaboração expressa e livre do arguido, manifestando este o seu assentimento e cooperação ao longo do decorrer da diligência, contrariamente à mera tomada de declarações do arguido em sede de inquérito.

Esta é precisamente a situação dos autos, não se limitando o arguido a prestar declarações mas a demonstrarem a dinâmica dos factos, desde o início ao fim, dinâmica essa que foi traduzida para os autos através da reportagem fotográfica.

Além disso, as versões dos arguidos são coincidentes e os dois colocam os outros dois arguidos como participando igualmente nos factos, nessa mesma reconstituição».

Ou seja, os autos de reconstituição tal qual se apresentam a fls. 131 a 144, constituem um meio de prova autónomo, em que as indicações que os arguidos prestaram eram necessárias para a descoberta da verdade, não constituindo, por isso, declarações para efeitos do disposto no art. 357º, do Código de Processo Penal.

De igual modo, o Inspector N... podia, como já se disse, prestar declarações sobre o que observou aquando da diligência da reconstituição.

«Entendimento contrário tornaria este meio de prova algo anacrónico, e absurdo, pois a reconstituição do facto não é um acto mudo, que possa realizar-se sem contribuições orais de sujeitos processuais[9]».

Esta interpretação não viola qualquer preceito constitucional, nomeadamente o art. 32º da Constituição da República, indicado pelos recorrentes.

Com efeito, aos recorrentes foram assegurados todos os direitos de defesa, em especial na audiência de julgamento, onde todas os meios de prova, puderam ser contraditados.

Por último, diga-se, que não se vislumbra qualquer violação do princípio in dubio pro reo.

Perante a fundamentação da decisão ora em crise, e muito particularmente, a motivação de facto que já se transcreveu, facilmente se constata que o tribunal a quo não ficou com qualquer dúvida sobre a factualidade em causa, tendo analisado, global e criticamente, todos os meios de prova, fundamentando os motivos pelos quais acreditou na a versão trazida aos autos por determinadas testemunhas tudo devidamente conjugado com a demais prova.

A fundamentação de facto acima transcrita é consistente e racional.

O princípio geral do processo penal ora em análise é aplicável apenas nos casos em que, apesar de toda a prova recolhida, continuam os factos relevantes para a decisão a não poderem considerar-se como provados por continuar a subsistir dúvida razoável do Tribunal.

O mesmo é dizer que a violação deste principio verificar-se-ia, se se demonstrasse, não só duas versões diferentes do mesmo facto, mas duas versões sérias, razoáveis e plausíveis e que, em tal contexto o tribunal acolheu aquela que desfavorece o arguido.

O que não sucede no caso dos autos.

Em suma,

Bem andou, assim, o tribunal recorrido, em valorar os autos de reconstituição e as declarações da testemunha N..., a forma em que o fez, não lhe podendo ser assacada qualquer das censuras apontadas pelos recorrentes.

V -  DECISÃO

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção Criminal desta Relação em julgar não providos os recursos interpostos por A..., F... e C....

3. Custas pelos Recorrentes, solidariamente os encargos, individual a taxa de justiça que se fixa em 4 UCS para cada um.

Coimbra, 25 de Fevereiro de 2015

(Alcina da Costa Ribeiro - relatora)

(Cacilda Sena - Adjunta)


[1] Diploma a que, de ora em diante, nos referiremos, sem menção do contrário.
[2] Em sentido contrário, cf. Pinto de Albuquerque, Comentário Código de Processo Penal, 4ª edição, pág, 432.
[3] Colectânea de Jurisprudência, 2005, Tomo, I, pág. 160.
[4] In www.dgsi.pt
[5] Acórdão desta Relação de 25 de Novembro de 2010.
[6] Santos Cabral, Código de Processo Penal Comentado, 2014, pág. 635.
[7] Ob. cit. pág. 636.
[8] No sentido de que podem ser valorados os factos que resultem da reconstituição do facto, mas já não o que o arguido disse nessa reconstituição, cf. Paulo Pinto de Albuquerque, ob. citada, pág. 432.
[9] Santos Cabral, Código de Processo Penal Comentado, 2014, pág. 637.