Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
60/16.2T8MGL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
DEFEITOS DE CONSTRUÇÃO
LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
CADUCIDADE DE DIREITOS
PRAZOS APLICÁVEIS
Data do Acordão: 12/03/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – J.C. CÍVEL DE VISEU – JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: DEC. LEI Nº 67/2003, DE 8/4; D. L. Nº 24/96, DE 31/07. ARTºS 913º, Nº 1, 905º, 917º E 1225º DO C. CIVIL.
Sumário: 1. Na situação de defeitos de construção nas partes comuns de prédio constituído em propriedade horizontal, deve ser aplicável ao condomínio a legislação do consumidor, desde que a maioria das fracções se destinem à habitação (uso não profissional).

2. Segundo a “ teoria das normas”, e porque facto constitutivo do direito, compete ao autor o ónus de alegar e provar o defeito, ou seja a falta de conformidade (art. 342º, nº 1 do CCivil), tanto para o direito civil comum, como para a legislação específica da tutela do consumidor (o regime do DL nº 67/2003, de 8/4 (venda de bens de consumo) e a Lei nº 24/96, de 31/7 (lei de defesa do consumidor)), cabendo ao vendedor a prova da caducidade.

3. Perante o defeito da coisa, o consumidor tem o direito à reparação, à substituição, à redução do preço, à resolução e à indemnização, também previstos no Código Civil (arts. 913º, nº 1, e 905º e segs.), mas como o DL nº 67/2003, de 8/4, interpretado em conformidade com a Directiva nº 1999/44/CE (art.8º), assume natureza de protecção mínima, significa que o consumidor pode prevalecer-se do direito comum, desde que lhe seja mais favorável.

4. Tanto pela lei específica da venda de bens de consumo (art. 5º, nº 4 do DL nº 67/2003), como pelo regime do Código Civil (art.s 917º e 1225º), a lei prevê três prazos de caducidade: o prazo da denúncia, o prazo do exercício da ação e o prazo da garantia legal.

5. O art. 1225º, nº 1 CC estabelece o prazo de garantia legal de cinco anos “a contar da entrega”, mas em relação às partes comuns da propriedade horizontal deve entender-se que o prazo se conta a partir do momento da constituição da administração do condomínio.

Decisão Texto Integral:









Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

1.1 O Autor - Condomínio do Prédio sito na Rua ... (representado pela administradora A..., L.dª) instaurou a presente ação comum contra a Ré E..., Ldª.

Alegou, em resumo:

A ré edificou e vendeu as frações que compõem o condomínio autor, que têm um destino maioritariamente não profissional.

Sucede que o prédio apresenta vários defeitos de construção em zonas que integram as suas partes comuns, e que provocam danos nas várias fracções.

Tais defeitos foram denunciados pelo autor e reconhecidos pela ré que, não obstante, não efetuou qualquer intervenção para os corrigir.

Pediu a condenação da Ré:

a) A executar as intervenções necessárias com vista à eliminação dos defeitos que se verificam nas partes comuns do prédio sito na Rua ..., nomeadamente as identificadas no art.12 e documento 6, no prazo de 30 dias após o trânsito da sentença.

b)A pagar uma indemnização ao Autor pelas despesas que irá suportar – dano futuro previsível indemnizável - com as reparações das fracções danificadas que fazem parte do prédio propriedade horizontal sito na Rua ..., a relegar para liquidação de sentença.

A Ré contestou, defendendo-se, em síntese:

Por excepção arguiu a ilegitimidade activa e a caducidade do direito por já terem decorridos os prazos legais, nomeadamente o prazo de cinco anos sobre a entrega da coisa vendida (arts. 1225, nº 4 e 916, nº 3, CC) assim como já se mostravam decorridos os prazos para exercício de direitos ao abrigo do DL nº 67/2003, de 28/4.

Por impugnação, diz ter feito intervenções no edifício, nomeadamente pintura das fachadas e interiores de alguns apartamentos.

O Autor respondeu à defesa por excepção, alegando, além do mais, que o prazo de caducidade de 5 anos inicia-se na data da constituição do condomínio se o prédio estiver entregue ou, caso não esteja concluído a partir do momento em que é efectuada a entrega a uma administração diferente do vendedor.

            1.2.- No saneador julgou-se improcedente a excepção de ilegitimidade activa e relegou-se para final o conhecimento da excepção da caducidade.

            1.3.- Realizada audiência de julgamento, foi proferida (29/3/2019) sentença que decidiu:

“ Nos termos expostos, julgo parcialmente procedente a ação instaurada pelo autor Condomínio do Prédio sito na Rua ..., representado pela administradora “A..., Ldª”, contra a ré “E..., Ldª” e, em consequência:

- condeno a ré a eliminar os defeitos mencionados nos pontos 5.10 e 5.12 dos factos provados desta decisão;

- absolvo a ré do demais peticionado.

Custas pelo autor e pela ré, na proporção do respetivo decaimento, que depende de simples cálculo aritmético – cfr. artigo 527º, nºs 1 e 2, CPC.

Notifique e registe.”

            1.4.- Inconformada, a Ré recorreu de apelação com as seguintes conclusões:

            ...

            Não houve contra-alegações.


II – FUNDAMENTAÇÃO

            2.1.- O objecto do recurso

            A questão essencial submetida a recurso, delimitado pelas conclusões, contende com a caducidade do direito do Autor (condomínio) e os defeitos na partes comuns de prédio constituído em propriedade horizontal.

            2.2.- Os factos provados ( descritos na sentença )

5.1 - O autor é o condomínio do prédio sito na Rua ..., e encontra-se representado pela empresa A..., Lda, em exercício, tendo sido eleita em assembleia de condóminos realizada em 13/2/2016, conforme consta da respetiva ata (artigo 1º da petição inicial);

5.2 - O aludido condomínio foi constituído em 17/12/2011 (artigo 2º da petição inicial, artigo 10º do articulado de resposta às exceções);

5.3 - As frações que integram o condomínio aqui em causa têm um destino maioritariamente não profissional, ou seja, o prédio é constituído na sua propriedade horizontal por quatro frações destinadas ao uso profissional e por vinte e uma frações destinadas ao uso habitacional (artigo 3º da petição inicial, artigo 14º do articulado de resposta às exceções);

5.4 – A ré é uma empresa que se dedica à construção e promoção imobiliária, tendo edificado e vendido as frações que compõem o condomínio/prédio aqui em causa (artigo 4º da petição inicial);

5.5 – O legal representante da ré, Engenheiro ..., encontrava-se presente na assembleia geral de condóminos realizada no dia 22 de fevereiro de 2014 (artigos 5º e 6º da petição inicial);

5.6 – No decorrer de tal assembleia geral os condóminos presentes informaram o Engenheiro ... dos problemas relacionados com infiltrações no interior das suas frações originados pelas partes comuns do prédio, nomeadamente fachadas, telhado e caixilharias das janelas, e o administrador do condomínio informou-o da existência de infiltrações no piso -1 do Bloco das ... (artigo 5º da petição inicial):

5.7 - Em concreto, foram denunciados os seguintes defeitos de obra:

a) Fachadas exteriores do prédio que apresentam fissuras com alguma gravidade e que se encontram a transmitir humidades para as partes comuns e interior de várias frações;

b) Telhado e caixilharias de janelas que não se encontram a cumprir as suas funções de isolamento e impermeabilização;

c) Infiltrações que se verificam no piso – 1 (artigo 7º da petição inicial);

5.8 - No decorrer da aludida assembleia o legal representante da ré reconheceu, de forma expressa e inequívoca, a existência dos aludidos defeitos e comprometeu-se a eliminar os mesmos (artigo 8º da petição inicial);

5.9 - Acontece que, apesar de a ré reconhecer a existência dos defeitos que lhe foram denunciados e de, através de contactos pessoais e do envio de vários emails à Administração, agendar diversas intervenções no sentido de reparar os mesmos, o certo é que, até à presente data, com exceção de uma pintura parcial de duas frações, nenhuma daquelas intervenções acabou por se verificar, apesar de criarem a expectativa no autor e respetivos condóminos de que os identificados defeitos iriam ser suprimidos (artigos 9º e 10º da petição inicial, artigos 11º e 12º do articulado de resposta às exceções);

5.10 – No edifício administrado pelo autor, e nas partes comuns, verificam-se: - fissuração e eflorescências em paredes exteriores;  - fissuração e eflorescências em paredes interiores; o que é causado por o telhado não cumprir a função de isolamento, por existirem infiltrações provenientes do telhado/cobertura, humidades em zonas de teto, decorrentes dos terraços sobrejacentes ao último piso, juntas de dilatação mal resolvidas, humidades por ascensão capilar na zona de garagem, átrio e caixa de escada, proteção térmica insuficiente em terraços e muros de grande extensão, e deformação não controlada em paredes e elementos estruturais balanceados (artigo 12º da petição inicial);

5.11 - Como consequência direta das referidas infiltrações, as paredes interiores, tetos, rodapés, armários e chãos das frações O, R, Q, H, N, Y e J encontram-se deteriorados, sendo ainda objeto de fungos, maus odores, bolores e manchas de humidade, importando a sua reparação  valor que em concreto não foi possível apurar (artigos 13º e 17º da petição inicial e requerimento de aperfeiçoamento da petição inicial de fls 140);

5.12 – O descrito em 5.10 resulta, pelo menos, de uma deficiente impermeabilização do prédio aqui em causa, e de má execução dos trabalhos (artigo 14º da petição inicial);

5.13 - A presente ação foi interposta no dia 15 de março de 2016 (artigo 12º da contestação);

5.14 – A ré foi citada para contestar a presente ação no dia 1 de abril de 2016 (artigo 12º da contestação);

5.15 – A propriedade horizontal do prédio que integra o condomínio autor foi constituída mediante escritura pública outorgada no dia 12 de novembro de 2010 (artigo 12º da contestação);

5.16 – Em 20 de dezembro de 2010 o Município de M (...) emitiu o alvará de utilização nº 102 relativo ao edifício que integra o condomínio autor (artigo 12º da contestação);

5.17 – A ré procedeu à pintura parcial de duas das frações que integram o condomínio autor, em data que não foi possível apurar, tendo ela própria fornecido o material e a mão de obra (artigos 28º e 33º da contestação).

            2.3.- Os factos não provados ( descritos na sentença )

Não resultou provada a factualidade alegada nos artigos: 

 - 5º (parcialmente, quanto à informação pelos condóminos ao administrador do condomínio, porquanto a informação foi apresentada ao legal representante da ré),

6º (parcialmente, visto que os defeitos foram denunciados diretamente pelos condóminos, com exceção das infiltrações do piso -1),

12º (parcialmente, quanto aos acabamentos deficitários e às caixilharias das janelas),

14º (parcialmente, quanto ao facto de os defeitos resultarem da qualidade mínima dos materiais utilizados) da petição inicial; 

- 28º (parcialmente, quanto às intervenções no edifício para além da pintura parcial de uma fração),

33º (parcialmente, também quanto à execução de outras intervenções para além da pintura parcial de uma fração), da contestação;

2.4.- A caducidade do direito do Autor

A sentença julgou improcedente a excepção da caducidade com a seguinte fundamentação:

“Quando estejam em causa imóveis destinados a longa duração, a responsabilidade do empreiteiro subsiste no prazo de cinco anos a contar da entrega – cfr. artigo 1225º, nº 1 CC. Por fim, resulta do disposto no artigo 1225º nºs 2 e 4, CC, previsto para a empreitada mas “(…) aplicável ao vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado” que a denúncia dos defeitos deve ser feita no prazo de um ano e a indemnização deve ser pedido no ano seguinte à denúncia. Assim, dir-se-á que o reconhecimento dos direitos do dono da obra que apresenta defeitos pressupõe a articulação de três prazos: - o prazo de denúncia dos defeitos que, em caso de imóvel, é de um ano a contar do seu conhecimento (1225º, nºs 2 e 4, CC/5ª, nº 2 Dl 67/2003); - o prazo de exercício do direito (eliminação dos defeitos, redução do preço, resolução do contrato, indemnização) que é de um ano a partir da denúncia, no caso do disposto no artigo 1225º, nºs 3 e 4, Código Civil, e que é de três anos a contar da denúncia no regime da venda de bens de consumo, nos termos do artigo 5ºA, nº 3 DL 67/2003; - o prazo de cinco anos que constitui o limite máximo da garantia legal sobre a data da entrega da obra – cfr. artigo 1225º, nºs 1 e 4, CC/artigo 5º, nº 1, DL 67/2003, de 8/4. A factualidade apurada não permite concluir que os defeitos em causa já se tivessem manifestado há mais de um ano na data em que foram denunciados, ou seja, na assembleia geral de condóminos de 22 de fevereiro de 2014 (5.5). Por outro lado, tendo sido instaurada a presente ação em 15 de março de 2016 (5.14) e a ré citada no dia 1 de abril de 2016 (5.15), não estava ainda decorrido o prazo supra enunciado de três anos para o exercício do direito à eliminação dos defeitos. Por fim, apurou-se que o condomínio foi constituído em 17 de dezembro de 2011 (5.2), afigurando-se que esse é o momento a considerar como a entrega do prédio pelo construtor/vendedor. Efetivamente, a entrega tem-se por efetuada quando é instituída a administração do condomínio, seja por iniciativa do construtor/vendedor, seja por ação dos condóminos – cfr. Ac STJ de 14/1/201413, Ac STJ de 29/11/201114. Efetivamente, é nesse momento que o construtor/vendedor deixa de ter poder para determinar ou influir sobre o curso das decisões dos condóminos constituídos em assembleia – Ac STJ de 31/5/201615. Assim, não ficou demonstrado o decurso de qualquer dos prazos – de caducidade e não de prescrição em face do critério distintivo consagrado no artigo 298º, nº 2, CC – enunciados. E, estando em causa matéria extintiva dos direitos de que se arroga o autor, à ré caberia a sua alegação e prova - cfr. artigo 342º, nº 2, CC. A este propósito, sempre se dirá que a ré reconheceu o direito invocado pelo autor relativamente à reparação dos defeitos (cfr. factos provados sob os nºs 5.8 e 5.9), o que constitui facto impeditivo da caducidade, nos termos do disposto no artigo 331º, nº 2, CC. Assim, o autor beneficia da tutela que lhe é conferida, podendo exigir a reparação dos defeitos apurados, direito esse que não se mostra extinto por caducidade. “

            A Ré/Apelante objecta dizendo que o prazo de 5 anos conta-se, não a partir da constituição do condomínio (17/12/2011), mas desde a conclusão da obra, em 20/12/ 2010, e obtenção da licença de utilização, logo já caducou por haver decorrido o prazo legal da garantia.

A impostação do problema situa-se aqui em sede de responsabilidade civil contratual, concretamente quanto ao incumprimento do contrato de compra e venda e as implicações decorrentes. Nesta medida, são chamadas à colação, para além das normas específicas do regime legal do contrato de compra e venda, as regras gerais do cumprimento das obrigações, bem como a legislação do consumidor (Lei nº 24/96, de 31/7, alterada pelo DL nº 67/03, de 6/4), o regime legal da venda de bens de consumo (DL nº 67/2003 de 8/4).

Com efeito, a jurisprudência tem entendido ser aplicável ao condomínio a legislação do consumidor, desde que a maioria das fracções se destinem a habitação (uso não profissional), como no caso em apreço (cf., por ex., Ac RL de 10/10/2017 (proc. nº 1147/11), Ac RL de 17/1/2017 (proc. nº 826/07), Ac RP de 25/10/2018 (proc. nº1063/15), disponíveis em www dgsi.pt).

Neste contexto, argumenta-se, com pertinência, no citado Ac RL de 10/10/2017:

“ (…) importa ter em conta que a realidade com que se está a lidar é de propriedade horizontal onde se criou uma figura de ficção, verdadeiramente um órgão, que não é nem uma pessoa colectiva nem uma pessoa singular e que se encontra mandatado pela Assembleia de condóminos para a realização dos direitos que competem a todos os condóminos.

Dúvidas não se suscitam que cada condómino é um consumidor relativamente à fracção de que é proprietário. Relativamente às partes comuns do edifício em que se integra essa fracção autónoma, cuja administração nos termos do artº 1430º do Código Civil compete à Assembleia de condóminos e a um administrador, este com as funções definidas no artº 1436º do Código Civil, se se tratar de um imóvel cuja totalidade ou maioria das fracções se destina a habitação, e sendo certo que não é possível adquirir uma fracção autónoma de um edifício constituído em propriedade horizontal sem simultaneamente e, por efeito dessa mesma aquisição, passar a ser titular dos direitos e deveres face às partes comuns mencionados na lei, não deixa cada um dos condóminos de satisfazer menos essa condição de consumidor por não destinar a aquisição da sua fracção autónoma à satisfação de necessidades profissionais relativamente às partes comuns que relativamente à fracção de que é proprietário.

Seria mesmo um absurdo admitir que num prédio constituído sob o regime de propriedade horizontal todos os condóminos fossem consumidores relativamente à sua fracção e deixassem de o ser relativamente às partes comuns que adquirem por efeito da aquisição da sua fracção, não se destinando esta a uso profissional.

Naturalmente que a situação será diversa num imóvel constituído segundo o regime de propriedade horizontal em que todas ou a maioria das fracções se destinam ao exercício do comércio por se tratar da situação inversa em que os condóminos não seriam consumidores quanto à fracção que adquiriam para nela exercer o comércio, mas já seriam consumidores quanto às partes comuns desse mesmo edifício.”.

Há venda de coisa defeituosa sempre que a coisa vendida sofrer vícios ou carecer de qualidades abrangidas no art. 913 do CC, quer a coisa entregue corresponda ou não à prestação a que o vendedor se encontra vinculado. O defeito material tanto pode ser inerente à própria coisa, como a uma desconformidade ao contrato ou ainda à sua execução, por isso, sempre que o bem vendido não tem a qualidade, explicita ou implicitamente assegurada, a prestação é defeituosa.

Compete ao comprador (art.342, nº 1 do CC) a denúncia dos defeitos e a exigência, em simultâneo ou posterior, de uma forma expressa e inequívoca qualquer um dos direitos que a lei lhe confere.

O vício apresenta-se como “deficiência ou alteração na forma, na estrutura da composição da coisa que resulta da sua concepção, execução, produção, fabrico”, e a deformidade como desvio relativamente ao acordo das partes. “No fundo, em qualquer caso, o defeito resulta de dois aspectos: desvio relativamente ao acordo das partes, nomeadamente quanto a qualidades especiais da coisa; vício que ponha em causa (ainda que parcialmente) a finalidade da coisa” (P. Martinez, “ Compra e venda e empreitada”, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil, vol.III, pág.246 ). Noutra perspectiva, adopta-se um “conceito funcional de defeito” em que se “privilegia a idoneidade do bem para a função a que se destina”, a partir de uma concepção subjectiva de defeito (as partes determinaram no contrato as características fundamentais da coisa e o fim) ou de uma concepção objectiva (função normal das coisas da mesma categoria) (cf. Calvão da Silva, Compra e venda de Coisas Defeituosas, 4ª ed., pág.42 e segs.).

Muito embora a obrigação de conformidade com o contrato decorra já dos princípios gerais e do regime legal do contrato de compra e venda no Código Civil (arts. 406, 763, 879 e 882) e da própria Lei de Defesa do Consumidor (art.4º), ela é expressamente imposta no art. 2º, nº 1 do DL nº 67/2003, de 8/4, pois “o vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda”.

Por sua vez, o nº 2 do art. 2º do DL 67/2003 consagra determinados “factos-índices” de não conformidade, de tal forma que se comprovados presume-se a desconformidade (presunção juris tantum).

Segundo a “ teoria das normas”, e porque facto constitutivo do direito, compete ao autor o ónus de alegar e provar o defeito, ou seja, a falta de conformidade (art.342, nº 1 do CC), tanto para o direito civil comum, como para a legislação específica da tutela do consumidor (o regime do DL nº 67/2003, de 8/4 (venda de bens de consumo) e a Lei nº 24/96, de 31/7 (lei de defesa do consumidor)).

Diz o art.4º, nº 1 do DL nº 67/2003 – “Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato”.

Acresce o direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos, nos termos do art.12, nº 1 da Lei nº 24/96, de 31/7.

Perante o defeito da coisa, o consumidor tem o direito à reparação, à substituição, à redução do preço, à resolução, e à indemnização, também previstos no Código Civil (arts. 913, nº1 e 905 e segs.). E como o DL nº 67/2003, interpretado em conformidade com a Directiva nº 1999/44/CE (art.8º), assume natureza de protecção mínima, significa que o consumidor pode prevalecer-se do direito comum, desde que lhe seja mais favorável.

Contudo, estes direitos estão sujeitos a prazos de caducidade (art. 5º do DL nº 67/2003). Desde logo ao prazo de garantia legal (2 anos ou 5 anos, consoante se trate de coisa móvel ou imóvel) ( cf. art.5º, nº1 ) ao prazo de denúncia dos defeitos (2 meses ou 1 ano, consoante a natureza móvel ou imóvel, a contar da data em que tenha detectado a desconformidade ) ( cf. art. 5º, nº3 ) e ainda o prazo de caducidade da acção (6 meses sobre a data da denúncia) ( art.5º, nº4 ).

Podemos concluir que, tanto pela lei específica da venda de bens de consumo (art.5º, nº 4 do DL nº 67/2003 ), como pelo regime do Código Civil (art.917 e 1225 ), a lei prevê três prazos de caducidade: o prazo da denúncia, o prazo do exercício da acção e o prazo da garantia legal:

- o prazo de garantia (supletivo) de 5 anos, contados a partir da entrega do imóvel ao adquirente (arts. 916, nº 3, 1225, nº 1 e 4 CC, art.5, nº 1 DL nº 67/2003);

- o prazo da denúncia de 1 ano a contar do conhecimento do defeito (arts.916, nº3, 1225, nº 2 e 4 CC, e art.5, nº 3 (parte final) do DL nº 67/2003);

- o prazo para o exercício dos direitos (prazo para a acção)  é de 1 ano (art.1225, nº3 e 4 CC), mas nos casos da venda/empreitada de consumo aplica-se o prazo estabelecido no art. 5-A, nº 3 do DL 67/2003 - prazo de 3 anos a contar da data da denúncia.

Vejamos, então, desde quando se inicia o prazo legal de 5 anos.

Tratando-se de um prazo de caducidade, o art. 329 do CC estipula, como regra geral, que “se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido”.

O art.1225, nº 1 CC refere o prazo de cinco anos “a contar da entrega”, mas em relação às partes comuns da propriedade horizontal apontaram-se várias soluções: na data da constituição da propriedade horizontal, no momento da entrega da primeira fracção ao condómino adquirente, aquando da entrega da última fracção ou da maioria delas, ou aquando da instituição da administração do condomínio.

Adere-se aqui à orientação jurisprudencial prevalecente no sentido de que o prazo se conta a partir do momento da constituição da administração do condomínio, posição assumida na sentença.

Argumenta-se, para tanto, que cabe à assembleia de condóminos, e não individualmente a estes, deliberar sobre o exercício dos direitos referentes à reposição das desconformidades manifestadas nas partes comuns do edifício, e, por isso, relevante não é o momento da entrega das fracções autónomas aos condóminos, mas sim o momento em que os órgãos do condomínio passam a estar em condições de poderem exercer os referidos direitos, pois só a partir daí se “procede à entrega da gestão dos interesses relativos às partes comuns aos compradores e a quem os representa”, ou seja, “no momento a partir do qual o vendedor perde o controlo da assembleia de condóminos, pois só neste momento o condomínio fica em condições de exercer os direitos de reparação ou eliminação dos defeitos perante o construtor”, significando que a entrega do prédio deve ser entendida como entrega “para uma entidade/administração distanciada do vendedor e com plena autonomia para denunciar os eventuais defeitos existentes na obra” ( cf., por ex, Ac STJ de 29/6/2010 (proc. nº 126/03), Ac STJ de 29/11/2011 ( proc. nº 121/07), Ac STJ de 14/1/2014 ( proc. nº 378/07), Ac STJ de 31/5/2016 ( proc. nº 721/12), disponíveis em www dgsi.pt ).

Considerando a factualidade apurada, verifica-se que o condomínio foi constituído em 17/12/2011 e a acção instaurada em 15/3/2016, logo ainda dentro do prazo legal da garantia de 5 anos.

Está provado que a denúncia dos defeitos foi efectivada em 22/2/2014 ao legal representante da Ré, em plena assembleia de condóminos, e a acção foi proposta em 15/3/2016, no prazo legal de 3 anos.

Não se provou a data em que o Autor teve conhecimento dos defeitos, para se aferir se caducara ou não o prazo da denúncia (1 ano a partir do conhecimento). Mas segundo a “teoria das normas” compete ao autor (comprador) o ónus de alegar e provar (art.342, nº 1 CC) apenas o defeito e a denúncia, cabendo ao vendedor a prova da intempestividade da denúncia dos defeitos, o que aqui não logrou demonstrar.

Por sua vez, comprovou-se que o legal representante da Ré, na referida assembleia, reconheceu, de forma expressa e inequívoca, a existência dos defeitos e comprometeu-se a eliminar os mesmos, o que configura um impedimento à caducidade, nos termos do art.331 nº2 do CC - “Quando, porém, se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido”.

O reconhecimento impeditivo da caducidade não tem como efeito o início de um novo prazo, mas o seu afastamento definitivo, a não ser que a lei sujeite o exercício do direito a novo prazo de caducidade, pois basta o mero reconhecimento, sem necessidade de que a confirmação revista o mesmo acto que deveria ser praticado em seu lugar (cf., por ex., Pedro Martinez, Cumprimento Defeituoso, pág.427, Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro, pág.160).

Sendo suficiente o mero reconhecimento do direito, deve, no entanto, ser claro e inequívoco, de forma a não se suscitarem dúvidas sobre a aceitação pelo devedor do direito do credor, o que é manifestamente o caso, pois a actuação do legal representante da Ré ao admitir expressa e inequivocamente os defeitos, e a comprometer-se a eliminá-los é claramente reveladora do reconhecimento do direito dos Autores, impeditivo da caducidade (cf., por ex, Ac STJ de 9/7/2015 (proc. nº 3137/09), em www dgsi.pt).

Finalmente a Ré/Apelante alega que a condenação não identifica os defeitos a eliminar, embora sem daí retirar qualquer consequência, parecendo estar subjacente a arguição de obscuridade que tona inteligível a sentença (art.615, nº 1, c) CPC).

No entanto, sem a mínima razão, pois a parte dispositiva da sentença é absolutamente clara ao condenar a Ré a eliminar os defeitos “mencionados nos pontos 5.10 e 5.12 dos factos provados desta decisão”.

2.5.- Síntese conclusiva

1. Na situação de defeitos de construção nas partes comuns de prédio constituído em propriedade horizontal deve ser aplicável ao condomínio a legislação do consumidor, desde que a maioria das fracções se destinem à habitação (uso não profissional).

2. Segundo a “teoria das normas”, e porque facto constitutivo do direito, compete ao autor o ónus de alegar e provar o defeito, ou seja a falta de conformidade (art.342, nº 1 do CC), tanto para o direito civil comum, como para a legislação específica da tutela do consumidor (o regime do DL nº 67/2003, de 8/4 (venda de bens de consumo) e a Lei nº 24/96, de 31/7 (lei de defesa do consumidor)), cabendo ao vendedor a prova da caducidade.

3. Perante o defeito da coisa, o consumidor tem o direito à reparação, à substituição, à redução do preço, à resolução e à indemnização, também previstos no Código Civil ( arts. 913, nº 1 e 905 e segs.), mas como o DL nº 67/2003, de 8/4, interpretado em conformidade com a Directiva nº 1999/44/CE (art.8º), assume natureza de protecção mínima, significa que o consumidor pode prevalecer-se do direito comum, desde que lhe seja mais favorável.

4. Tanto pela lei específica da venda de bens de consumo (art.5º, nº4 do DL nº 67/2003), como pelo regime do Código Civil (art.917 e 1225), a lei prevê três prazos de caducidade: o prazo da denúncia, o prazo do exercício da acção e o prazo da garantia legal.

5. O art.1225, nº 1 CC estabelece o prazo de garantia legal de cinco anos “a contar da entrega”, mas em relação às partes comuns da propriedade horizontal deve entender-se que o prazo se conta a partir do momento da constituição da administração do condomínio.


III – DECISÃO

            Pelo exposto, decidem:

1)

            Julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença.

2)

            Condenar a Apelante nas custas.

Coimbra, 3 de Dezembro de 2019.


Jorge Arcanjo

Isaías Pádua

Teresa Albuquerque