Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2193/16.6T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
DEVER DE INFORMAÇÃO
CULPA
NEXO DE CAUSALIDADE
Data do Acordão: 07/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CÍVEL - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 7, 304, 312, 314 CVM, 77 RGICSF, 227, 799 CC
Sumário:
1. O artigo 312º do CVM, na redação anterior ao DL 357-A/2007, consagrava já deveres específicos de informação, que conjugados com a concretização que deles era feita no art. 39º do Regulamento da CMVM nº12/2000, abrangia informação detalhada sobre os riscos da aplicação financeira apresentada pelo intermediário financeiro, abrangendo o risco de liquidez, o risco de crédito ou risco de mercado.
2. A extensão e a profundidade da informação a prestar pelo intermediário ao cliente devem ser tanto maiores quanto menor for o seu grau de conhecimento e experiência, de modo a permitir-lhe uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada.
3. O titular de “Obrigações S (…)Rendimento Mais 2004”, por se tratar de obrigações subordinadas, apenas pode ser pago pelo património da entidade emitente, em caso de insolvência desta, depois de pagos os credores comuns e, tratando-se de obrigações a 10 anos, o reembolso do capital só seria possível ao fim de 10 anos.
5. Apresentando as obrigações “S (…) Rendimento Mais 2004” como sendo “equivalentes a um depósito a prazo”, em que “o reembolso do capital era garantido, por não se tratar de um produto de risco” e que “o cliente poderia dispor do respetivo capital quando assim o entendesse”, omitindo informação indispensável à avaliação dos riscos relacionados com o reembolso do capital e respetivos juros, o Banco Réu violou de forma grave o dever de informação constante do art. 312º do CVM.
6. O nº2 do artigo 314º do CVM consagra uma presunção de culpa e também de nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação pelo intermediário financeiro e os danos sofridos pelo cliente.
Decisão Texto Integral:
35

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I – RELATÓRIO

A (…) e mulher, M (…), intentam a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra Banco B (…) S.A.,
pedindo:
a) a condenação do Réu a pagar aos AA. o capital e juros vencidos e garantidos que, nesta data, perfazem a quantia de 165.000,00€, bem como os juros vincendos desde a citação até efetivo e integral pagamento;
ou, assim não se entendendo:
b) Ser declarado nulo qualquer eventual contrato de adesão que o R. invoque para ter aplicado os 150.000,00€ que os AA. entregaram ao R., em obrigações subordinadas S (…)Rendimento Mais 2004;
c) Ser declarado ineficaz em relação aos AA. a aplicação que o R. tenha feito desses montantes;
d) Condenar-se o R. a restituir aos AA. 165.000,00€ que ainda não receberam dos montantes que entregaram ao R. e de juros vencidos à taxa contratada, acrescidos de juros legais vincendos, desde a data da citação até efetivo e integral cumprimento;
E, sempre,
b) Ser o R. condenado a pagar aos AA. a quantia de €5.000,00, a título de dano não patrimonial.
Alegando, para tal e em síntese:
enquanto clientes do antigo Banco B (…) foi-lhes proposta pela gerente da agência do B (…) das ... a subscrição de obrigações S (…) Rendimento Mais 2004, no valor de €150.000,00, sem que os autores soubessem em concreto o que era, desconhecendo inclusivamente que a S (…) era uma empresa, e as quais lhes foram apresentadas como uma aplicação financeira segura, com capital garantido e, em tudo, equivalente a um depósito a prazo;
pretendiam investir o seu dinheiro numa aplicação segura, com as características de um depósito a prazo, desconhecendo que estavam a investir num produto de risco, sem capital garantido;
não foram informados sobre a compra de obrigações, nem lhes foi lido ou explicado qualquer contrato ou entregue cópia do mesmo ou de outro documento demonstrativo de que eram possuidores de obrigações, sendo que nem sequer lhes foi explicado o que eram obrigações;
pelo Réu, foi completamente omitido e distorcido o processo informativo, quanto à liquidez do capital, vencimento de retribuição, prazos de reembolso, que os Autores nunca aceitariam, se acaso o Réu lhes tivesse explicado que o dinheiro era para investir em obrigações S (…) Rendimento Mais 2004 e sem que o capital fosse garantido pelo Banco Réu;
na data de vencimento contratada, o réu não lhes restituiu o capital investido, nem os juros acordados, pelo que, tendo havido, por parte do réu, violação dos deveres de informação, é o mesmo responsável pelo pagamento da quantia peticionada;
subsidiariamente, invocam a nulidade do contrato, por violação do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais;
com a sua atuação, o Réu colocou os Autores num permanente estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaverem, ou de não saber quando iam reaver o seu dinheiro.

A Ré contesta, invocando a ineptidão da petição inicial, a incompetência em razão do território, a exceção perentória da prescrição, pelo facto de, constituindo a atuação da Ré um ato de intermediação mobiliária, terem decorrido mais de dois anos a contar do conhecimento, pelos autores, da subscrição do produto em apreço.
Conclui pela improcedência da ação.

Os autores apresentaram articulado de resposta, pugnando pela improcedência de todas as exceções invocadas pela ré.

*

Foi proferido despacho saneador, julgando improcedentes a arguição incompetência territorial, da ineptidão da petição inicial, relegando para final a apreciação da exceção perentória da prescrição.

Realizada a audiência de julgamento, o juiz a quo proferiu sentença a julgar parcialmente procedente a ação, e, consequentemente, decidindo:

I. Julgar improcedente a exceção de prescrição invocada pelo Réu Banco BIC Português, SA;

II. Condenar o Réu B (…), SA, no pagamento aos Autores do montante de € 150.000,00 (cento cinquenta mil euros), acrescido dos juros remuneratórios garantidos pelo banco à taxa contratada, durante o período de tempo em que durou a aplicação, ou seja, desde Outubro de 2014 até Maio de 2014, descontando-se os juros recebidos.

III. Condenar o Réu no pagamento de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, sobre aquele valor.

IV. Absolver-se o Réu do demais peticionado.


*

Inconformada com tal decisão, o Banco Réu dela interpõe recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões Face ao incumprimento do dever de nelas sintetizar os fundamentos do recurso, nos termos do artigo 639º, nº1 do CPC.:

(…)


*

Os Autores apresentaram contra-alegações no sentido da improcedência da apelação da Ré.

*
Cumpridos os vistos legais nos termos previstos no nº2, in fine, do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.

II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., arts. 635º, e 639, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir são as seguintes:

1. Impugnação da matéria de facto.

2. Responsabilidade civil da Ré por violação dos deveres de informação:

a. Deveres de informação a cargo do intermediário financeiro

b. Se tais deveres foram violados

3. Prescrição do direito dos autores.

III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

1. Impugnação da matéria de facto.

(…)

Concluindo, improcede na totalidade a impugnação deduzida pelo Apelante à decisão proferida em sede de matéria de facto.


*

A. Matéria de Facto

São os seguintes os factos dados como provados na sentença recorrida, que aqui se mantêm inalterados:

1. Em 12 de Outubro de 2004, os Autores eram clientes do B (…)(anterior denominação do Réu), na sua agência de ..., com a conta à ordem nº (…), onde movimentavam parte dos dinheiros, realizavam pagamentos e efetuavam poupanças;

2. Nessa data, a gerente do Banco Réu da agência de ... disse ao A. marido, que tinha uma aplicação em tudo equivalente a um depósito a prazo e com capital garantido pelo B (…) e com rentabilidade assegurada.

3. A dita gerente do Banco Réu sabia que o Autor marido não possuía qualificação, ou formação técnica que lhe permitisse à data conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente.

4. E que por isso, tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro, sendo que até essa data, sempre o aplicou em depósitos a prazo.

5. Sem que os Autores soubessem em concreto o que era, desconhecendo inclusivamente que a S (…) era uma empresa, os autores, subscreveram obrigações S (…)Rendimento Mais 2004, no valor de €150.000,00.

6. … as quais tinham um prazo de maturidade de 10 anos, com data de vencimento em Novembro de 2014.

7. O que motivou a subscrição dessas obrigações, por parte do Autor marido, foi o facto de lhe ter sido dito pela gerente que o capital era garantido pelo Banco Réu (então ...), com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respetivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de três dias.

8. O Autor marido, atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso, num produto com risco exclusivamente Banco.

9. Se o Autor marido tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações S (…) Rendimento Mais 2004, produto de risco e que o capital não era garantido pelo B (…), não o autorizaria.

10. Nunca foi intenção dos Autores investir em produtos de risco, como era do conhecimento do gerente e funcionários do Réu, e o Autor marido sempre esteve convencido que o Réu lhes restituiria o capital e os juros, quando os solicitasse.

11. O Réu assegurou que a aplicação em causa tinha a mesma garantia de um depósito a prazo.

12. Daí a convicção plena com que os Autores ficaram da segurança da aplicação em causa, cujos juros foram sendo semestralmente pagos, o que transmitiu segurança aos Autores e nunca os alertou para qualquer irregularidade, face ao que tinha sido dito ao Autor marido, pela referida gerente da agência de ...;

13. E que manteve até Maio de 2015, data em que o Banco Réu deixou de pagar os juros respetivos.

14. À data referida no ponto 2, os Autores não sabiam o que era a S (…)

15. … desconhecendo, que tinham subscrito uma aplicação com características diferentes de um depósito a prazo,

16. … pois caso soubessem que se tratava de um produto de risco, não o teriam adquirido.

17. … não lhe tendo sido lido ou explicado o que eram obrigações, em concreto, o que eram obrigações S (…) Rendimento Mais 2004.

18. O montante investido pelos autores não lhes foi restituído pelo Réu,

19. … o qual também não tem procedido ao pagamento dos juros acordados.

20. As Obrigações S (…) Rendimento Mais 2004 foram emitidas pela S (…), S.A.,

21. Sociedade titular de 100% do capital social do Banco Réu, até Novembro de 2008, altura em que foi nacionalizado,

22. O Réu foi apresentado pelo seu gerente como garante da aplicação financeira em causa,

23. … como constava da própria documentação interna criada, veiculada e distribuída pelo Réu aos seus funcionários.

24. As orientações e comunicações internas existentes no B (…) e que este transmitia aos seus comerciais nos respetivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez, a boa rentabilidade e assegurar que o Banco garantia o capital investido.

25. O Réu pretendia que os seus funcionários tivessem especial empenho na colocação destes produtos e passassem a ideia de que aos mesmos não estavam associados quaisquer riscos quanto ao reembolso do capital e juros, garantindo ele próprio a satisfação de tais encargos.

26. Com a sua atuação, o Réu provocou aos Autores preocupação e ansiedade, com o receio de não reaverem, ou de não saber quando iam reaver o seu dinheiro;


*
B. Subsunção dos factos ao direito

Os autores fundamentam o seu pedido de reembolso do valor investido nas “Obrigações S (…)Rendimento Mais 2004” e respetivos juros, bem como o seu pedido de indemnização por danos não patrimoniais, em duas distintas causas de pedir:

- a título principal, na responsabilidade civil do Banco Réu, alegando desconhecerem que seu dinheiro tivesse sido aplicado em algo diferente de um depósito a prazo, nunca tendo sido informados sobre o que seriam obrigações, nomeadamente as tais Obrigações S(…)Rendimento, tendo sido completamente omitido o processo informativo quanto à liquidez do capital, vencimento da retribuição, prazos de reembolso, condições que os autores nunca aceitariam se lhes tivessem sido devidamente explicadas.

- a título subsidiário:

- na nulidade de um eventual contrato respeitante à aquisição de obrigações subordinadas S (…) 2006, nomeadamente, por não lhe ter sido entregue qualquer cópia que contivesse as respetivas clausulas gerais, clausulas que não lhes foram comunicadas nem explicadas;

- na circunstância de o Réu se ter apresentado como garante da aplicação financeira em causa, aplicação que foi emitida com o objetivo de proceder ao aumento do capital do Banco Réu.

A sentença recorrida, enquadrando o relacionamento entre o autor e o Banco Réu no âmbito da atividade de intermediação financeira e qualificando o autor marido como um investidor não qualificado, considerou ter o Banco Réu incorrido em responsabilidade civil pré-contratual e contratual por violação dos deveres de informação, nos termos dos arts. 304º, 312º e 314º, do CVM e art. 799º, nº1 do CPC, julgando improcedente a exceção de prescrição. Em consequência, julgou procedente o 1º pedido formulado pelos autores, julgando prejudicado o conhecimento dos pedidos formulados nas als. b), c) e d), por inútil.

O Apelante insurge-se contra o decidido pelo tribunal recorrido, com fundamento nas seguintes ordens de razões, que assim se sintetizam:
- o investimento em causa constituía um investimento seguro e não um “produto de risco”;
- os deveres de informação do intermediário financeiro, tal como se achavam configurados à data da subscrição do produto em causa, anterior às alterações introduzidas pelo DL 357-A/2007, de 31-10, foram devidamente cumpridos pelo Banco Réu/Apelante;
- o incumprimento do dever de informação só implica uma presunção de culpa; não existindo qualquer presunção de ilicitude a este respeito, cabe ao lesado aqui autor alegar e provar que concretas informações é que o réu deveria ter dado e não deu;
- não está provado que se tenha tornado total ou parcialmente impossível receber o montante investido pelo autor nas obrigações S (…) dando azo a que o Autor venha depois a receber o que lhe couber na S(…) a que acrescerá o porventura pago pelo réu;
- ainda que lhe se censure a conduta do banco réu, essa censura nunca poderá ser reconduzível a um dolo ou culpa grave, pelo que o direito dos autores encontrar-se-á prescrito;
- a declaração do funcionário do intermediário financeiro – de capital e juros garantidos – nunca poderá valer como uma assunção de dívida, que sempre seria nula por falta de forma, assunção de dívida que extravasa a causa de pedir e o pedido da presente ação, pelo que uma tal condenação sempre seria nula por violação do disposto no art. 615º, nº1 do CPC.

Começando pelo fim – responsabilização do Banco Réu com fundamento numa eventual assunção de dívida –, a que se reportam os pontos XVII a VXXVI das conclusões das suas alegações de recurso, desde já adiantaremos nada terem a ver a com o âmbito da sentença recorrida, só se compreendendo a sua inclusão nas alegações de recurso, por efeito de um eventual “copy/paste” e subsequente esquecimento do mandatário em apagar esta parte.

Passaremos agora à questão da “densificação dos deveres de informação” a cargo do intermediário financeiro à data da subscrição das Obrigações S (…) Rendimento Mais 2004 por parte do autor, à luz do Código de Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei nº 486/99, de 13 de novembro, na versão anterior ao DL 357-A/2007, de 31.10.

2. Responsabilidade civil do Banco Réu por violação dos deveres de informação, enquanto intermediário financeiro

a) Existência e conteúdo dos deveres de informação a cargo do intermediário financeiro

A comercialização de obrigações – uma das categorias de valores mobiliários previsto na al. b), do artigo 1º do CVM – integra-se na atividade de intermediação mobiliária a exercer pelas instituições de crédito.

Quanto ao conteúdo dos deveres de informação a cargo do intermediário financeiro à luz do Código dos Valores Mobiliários, na versão anterior às alterações introduzidas pelo DL 357-A/2007, desde já adiantamos não aderir à interpretação restritiva que deles é feita pelo Apelante nas suas alegações de recurso.
É verdade que este Diploma, transpondo para a ordem jurídica interna a Diretiva nº 2004/39/CE, relativa aos mercados de instrumentos financeiros, introduzindo alterações de monta ao regime da relação intermediário financeiro/cliente, deu mais um passo na proteção dos investidores não institucionais, nomeadamente quanto ao grau de concretização das informações a prestar ao cliente Alterações que passam pelo desenvolvimento das normas de conduta aplicáveis a intermediários financeiros e por um aprofundamento do regime relativo aos deveres de informação, concretizado no grau de detalhe na definição dos elementos informativos a transmitir ao cliente contidos no artigo 312º, e no reconhecimento da existência de investidores não qualificados, para o efeito de beneficiarem de um nível de proteção mais favorável – cfr., preâmbulo do citado Diploma..

Contudo, a legislação em vigor à data da subscrição das Obrigações em causa por parte do autor, em especial o artigo 312º do CVM, consagrava já, sem sombra de dúvidas, um comprometimento com a necessidade de proteção dos investidores e um conjunto de instrumentos destinados à sua proteção, nomeadamente ao nível dos deveres de informação que já então recaiam sobre o intermediário financeiro Cfr., neste sentido, entre muitos outros estudos, Sofia Nascimento Rodrigues, “A Protecção dos Investidores em Valores Mobiliários”, Almedina 2001..

O artigo 304º do CVM, cuja redação foi desde então objeto de alterações de pequena monta Era a seguinte, a redação da citada norma, na parte que contende diretamente com os deveres de informação aqui em causa:
Artigo 304º
Princípios:
1. Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.
2. Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
3. Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informa-se sobre a situação financeira dos seus clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objetivos que prosseguem através dos serviços a prestar.
(…)”, consagra os princípios norteadores da atividade dos intermediários financeiros – verdadeiros deveres gerais de conduta, que se sobrepõem ao dever de prestação objeto do negócio existente entre o intermediário financeiro e o cliente-investidor Filipe Canabarro Teixeira, “Os Deveres de Informação dos Intermediários Financeiros em Relação a seus Clientes e sua Responsabilidade Civil”, Caderno de Mercado Mobiliário, nº31, Dez. 2008, p.51. –, dos quais salientamos, pelo relevo que apresentam para a situação em apreço:
i) o princípio da proteção dos interesses dos seus clientes,
ii) o princípio de agir de boa-fé;
iii) o princípio de conhecer o cliente.

E o artigo 30º do CVM, logo na redação inicial do DL 486/99, de 13 de novembro avançava já com a noção de investidores institucionais por contraponto aos investidores não institucionais, para efeitos da maior proteção concedida a estes e da previsão de institutos que especificamente lhes são dirigidos, ou da equiparação destes a consumidores para efeitos de lhes ser aplicável o regime sobre cláusulas contratuais gerais (artigo 321º).

O princípio de que a atividade do intermediário financeiro deve ser pautada pelo sentido de proteger os interesses legítimos dos seus clientes assume uma especial relevância em relação aos clientes não qualificados, face à falta de conhecimento que normalmente os acompanha Filipe Canabarro Teixeira, “Os Deveres de Informação dos Intermediários Financeiros em Relação a seus Clientes e sua Responsabilidade Civil”, Caderno de Mercado Mobiliário, nº31, Dez. 2008, pp.54-55. (o que veio a ser expressamente reconhecido pelo legislador com as previsões específicas dos arts. 322º, 312º-A, 312º-B, 312º-C, 312º-F e 312º-C, aditados ao CVM pelo DL 357-A/2007, de 31.10).

Os deveres genéricos contidos no artigo 304º terão de ser articulados com os deveres específicos de informação previstos no Artigo 312.º do CVM, na redação do DL 486/99, em vigor à data da subscrição do “produto” em causa:

Deveres de informação
1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:
a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;
b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;
c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar;
d) Custo do serviço a prestar.
2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.
3 - A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral.”

E, dispunha ainda o Artigo 7.º do CVM, quanto à “Qualidade da informação
1 - Deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a atividades de intermediação e a emitentes que seja suscetível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários.
2 - O disposto no número anterior aplica-se seja qual for o meio de divulgação e ainda que a informação seja inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco.
3 - O requisito da completude da informação é aferido em função do meio utilizado, podendo, nas mensagens publicitárias, ser substituído por remissão para documento acessível aos destinatários.

Dispõe igualmente a tal respeito o nº1, do artigo 77º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras:
As instituições de crédito devem informar com clareza os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e os elementos caraterizadores dos produtos oferecidos, bem como sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos a suportar pelos clientes”.

Antes de passarmos à análise específica do conteúdo de cada um dos deveres de informação contidos no artigo 312º, não podemos deixar de salientar que, da conjugação das citadas normas, ressalta o reconhecimento por parte do legislador da dependência que os investidores apresentam face aos intermediários financeiros e da clara influência que o gestor de conta exerce sobre estes investidores através da informação que presta Sofia Nascimento Rodrigues, “A Protecção dos Investidores em Valores Mobiliários”, p.42 e 43 – e daí o especial dever de proteger os interesses destes nos contratos de intermediação financeira (nº1 art. 304º).

Por outro lado, o nº2 do artigo 304º, dispõe que o dever de informação que impende sobre o intermediário financeiro há de ser adequado ao nível de conhecimentos de cada cliente, exigindo um comportamento proactivo por parte do intermediário financeiro no sentido de diligenciar pela obtenção de dados que lhe permitam traçar o perfil do cliente que tem perante si, a fim de determinar o grau ou a extensão das informações a prestar ao cliente – “Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objetivos que prosseguem através dos serviços a prestar.”– a fim de facultar a este uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada (nº1 do art. 312º).
É dever do intermediário financeiro buscar informações acerca do cliente, com o objetivo de possibilitar efetivamente a avaliação de que o cliente compreende os riscos envolvidos, para então formar o seu juízo acerca da adequação do investimento, ou não, e o informar. Filipe Carrabarro Teixeira “Os Deveres de Informação Dos Intermediários Financeiros em Relação a Seus Clientes e sua Responsabilidade Civil”, Caderno de Mercado Mobiliários, nº 31, Dez. 2008, p. (…), p. 61. considera haver aqui “uma obrigação de resultado, onde tem de ser alcançado um objetivo específico, não bastando o seu mero cumprimento.
Este dever de conhecimento do cliente encontra-se relacionado com o denominado princípio da proporcionalidade inversa consagrado no nº2 do artigo 312º CMV relativamente aos deveres de informação, segundo o qual a extensão e a profundidade da informação a prestar pelo intermediário ao cliente devem ser tanto maiores quanto menor for o seu grau de conhecimento e experiência Sofia Nascimento Rodrigues faz radicar tal princípio na necessidade de tratamento diferenciado entre investidores com vista à superação de inevitáveis desigualdades informativas e à possível reposição de uma tendencial igualdade – obra citada, p.46. Em igual sentido, Margarida Azevedo Almeida, “A Responsabilidade Civil de Intermediários Financeiros por Informação Deficitária ou Falta de Adequação dos Instrumentos Financeiros”, Almedina, pp.412-413..

Como sustenta Margarida Azevedo Almeida A Responsabilidade Civil de Intermediários Financeiros por Informação Deficitária ou Falta de Adequação dos Instrumentos Financeiros”, in “O Novo Direito dos Valores Mobiliários – I Congresso Sobre Valores Mobiliários e Mercados Financeiros”, Coleção Governance Lab, Almedina, pp.411-412., as obrigações de conduta dos intermediários financeiros perante o cliente testemunham a circunstância de a atividade de intermediação financeira ir muito além de um rigoroso cumprimento da vontade cliente, representando verdadeiras obrigações de assistência – basta ter presente, em matéria de conflitos de interesse, o principio da prevalência dos interesses dos investidores sobre os interesses do intermediário financeiro (art. 309º CVM), bem como a amplitude das obrigações de informação (artigo 312º) e a obrigação de adequação do investimento ao perfil do cliente (artigo 314º).
Gonçalo André Castilho dos Santos “A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro Perante o Cliente”, CMVM, Almedina, pp. 82-83. refere, a tal respeito, que o volume crescente do investimento em valores mobiliários, tendo por base mandados genéricos de gestão de carteiras, aliado à complexidade dos mercados de valores – especialização do investimento imobiliário a abertura do mercado ao grande público –, tem levado, em nome da primazia do interesse do cliente, a que se tenha transitado de um principio de neutralidade do intermediário financeiro para uma obrigação de colaboração com o seu cliente, designadamente alertando-o para os riscos inerentes à operação em causa, bem como recomendando-lhe determinadas estratégias de investimento.

O artigo 312º já então concretizava as informações a prestar pelo intermediário financeiro – as necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada – incluindo, “nomeadamente Daqui se inferindo não se tratar, sequer, de uma enumeração exaustiva.” as respeitantes a:
a) riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;
c) existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar.
E o artigo 39º do Regulamento da CMVM nº 12/2000 – que procedeu ao desenvolvimento das regras relativas às atividades de intermediação financeira – ia mais longe na concretização do tipo de riscos a que respeitam os deveres de informação, dispondo, sob a epígrafe, “Outras informações prévias”:
1. Antes de iniciar a prestação de um serviço, o intermediário financeiro:
a) fornece ao investido informação adequada sobre a natureza, riscos e as implicações da operação ou do serviço em causa, cujo conhecimento seja necessário para a tomada de decisão de investimento ou se desinvestimento, tendo em conta a natureza do serviço prestado e o conhecimento e a experiência do investidor em causa;
b) fornece ao investidor informação específica e detalhada sobre o risco envolvido, quando os produtos ou serviços envolvam risco de liquidez, risco de crédito ou risco de mercado;
c) informa o investidor sobre a existência e modo de funcionamento do serviço do intermediário financeiro destinado a receber a analisar as reclamações dos investidores e da possibilidade de reclamação junto da entidade de supervisão.
2. Quando o investidor seja um investidor institucional, o disposto no número anterior apenas se aplica se este solicitar expressamente as informações nele referidas.
3. O intermediário financeiro informa expressamente o cliente do direito previsto no número anterior.
Constata-se, assim, que algumas das alterações introduzidas pelo Dec-Lei nº 357-A/2007 ao Código de Valores Mobiliários, consistiram em reunir neste Código regras que se encontravam dispersas em diplomas avulsos.
E a sua conjugação com o citado art. 39º do Regulamento, habilita-nos a concluir que, ao contrário do que é sustentado pelo apelante nas suas alegações de recurso, os deveres de informação a que se reporta a al. a) do nº1 do artigo 312º do CVM – sobre os riscos especiais envolvidos nas operações a realizar – não se reportam ao “negócio de cobertura”, mas ao instrumento financeiro propriamente dito.
Como refere Sofia Nascimento Rodrigues “A Proteção dos Investidores em Valores Mobiliários “, p. 45., não enumerando a lei taxativamente o conteúdo da informação considerada necessária, tendo por obrigatório prestar aquela informação que se revele relevante para efeitos de uma tomada de decisão consciente por parte do investigador, os elementos previstos no art. 312º constituem o conjunto mínimo obrigatório, reconhecido como indispensável à adoção de qualquer decisão de investimento.

Ao investidor lesado em virtude do incumprimento de um dever de informação por parte do intermediário financeiro, cabe demonstrar a existência desse dever. Sobre o intermediário financeiro recai o ónus da prova de que cumpriu cabalmente o dever de informar, de acordo com os padrões enunciados dos artigos, 7º e 312º do CVM Neste sentido, entre outros, Acórdão TRL de 22-03-2018, relatado por Jorge Leal, disponível in www.dgsi.pt. .

Não restando dúvidas sobre a existência dos deveres de informação a cargo do Banco Réu, enquanto intermediário financeiro e o respeito conteúdo, vejamos se estes se mostram cumpridos por parte do Banco Réu.

b) (In)cumprimento dos deveres de informação por parte do Banco Réu

No caso em apreço, o subscritor do produto “S (…) Rendimento Mais 2004”, para além de um “investidor não institucional”, era um cliente conservador, não disposto a apostar em produtos de risco e que confiava na sua gerente de conta relativamente aos produtos que lhe eram fornecidos e às informações prestadas por esta. E, sendo investidor não institucional, as informações a prestar sobre o produto que lhe estava a ser “apresentado”, tinham de ser completas, atuais e verdadeiras, incluindo “informação específica e detalhada sobre o risco envolvido, quando os produtos ou serviços envolvam risco de liquidez, risco de crédito ou risco de mercado”.

Vejamos, assim, que informações que lhe foram prestadas em momento prévio à subscrição das Obrigações S (…)Rendimento Mais 2004.

Antes de mais, teriam de lhe ter sido comunicadas e explicadas as características essenciais do instrumento financeiro em causa (dever que resultaria não só das normas gerais de direito civil, como se acha expressamente previsto no art. 77º do Regime Geral das Instituições Financeiras).
O autor terá aposto a sua assinatura no “Boletim de Subscrição” que lhe terá sido disponibilizado para o efeito, com o título “Emissão de Obrigações Subordinadas”.
De qualquer modo, a única informação contida em tal Boletim relativamente às caraterísticas do produto (para quem saiba lê-las), encontra-se no canto superior direito doS (…) Rendimento Mais 2004, Boletim de Subscrição Cuja cópia foi junta aos autos pelo Réu com a sua contestação e que pode ser consultada a fls. 23 do processo físico.:
Prazo e reembolso
O prazo de emissão é de 10 anos sendo o reembolso do capital sido efetuado a 27 de Outubro de 2014. O reembolso antecipado da emissão só é possível por iniciativa da S (…), S.A., a partir do 5º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.
REMUNERAÇÃO
Juros pagos semestralmente e postecipadamente, às seguintes taxas: (…)”

Tais elementos, e ainda que tivessem sido lidos pelo autor marido, são manifestamente insuficientes para a apreensão dos elementos essenciais de tal aplicação financeira, sobretudo quando é o próprio intermediário financeiro que a ela se refere como se tratando de um produto “equivalente a um depósito a prazo”.

Por outro lado, também se estranha que sendo obrigatória a existência e divulgação de um “prospeto” (artigo 134º do CVM) – prospeto que, sabemos existir no caso em apreço, por ser feita referência ao mesmo na “Nota Interna”, a que tivemos acesso no âmbito de outros processos pendentes relativos a outros pedidos de responsabilização da Ré na qualidade de intermediária de Obrigações SLN – o Banco Réu seja completamente omisso em relação à sua existência, abstendo-se de o juntar a este e aos demais processos semelhantes contra si intentados, com prejuízo para os inúmeros lesados que continuam a desconhecer aspetos essenciais dos produtos que subscreveram.

Relativamente aos conhecimentos que os autores possuíam sobre produtos financeiros O capital investido proveio de uma conta titulada por ambos, como se extrai do extrato junto aos autos pela Ré com a sua contestação como doc. 3., as informações prestadas ao autor marido relativamente às “Obrigações Subordinadas S (…) Rendimento Mais 2004”, e objetivos visados pelos autores, encontram-se, ainda, provados os seguintes factos:
2. Nessa data, a gerente do Banco Réu da agência de ... disse ao A. marido, que tinha uma aplicação em tudo equivalente a um depósito a prazo e com capital garantido pelo ... e com rentabilidade assegurada.

3. A dita gerente do Banco Réu sabia que o Autor marido não possuía qualificação, ou formação técnica que lhe permitisse à data conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente.

4. E que por isso, tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro, sendo que até essa data, sempre o aplicou em depósitos a prazo.

5. Sem que os Autores soubessem em concreto o que era, desconhecendo inclusivamente que a S (…) era uma empresa, os autores, subscreveram obrigações S (…) Rendimento Mais 2004, no valor de €150.000,00.

6. … as quais tinham um prazo de maturidade de 10 anos, com data de vencimento em Novembro de 2014.

7. O que motivou a subscrição dessas obrigações, por parte do Autor marido, foi o facto de lhe ter sido dito pela gerente que o capital era garantido pelo Banco Réu (então B (…)), com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respetivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de três dias.

8. O Autor marido, atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso, num produto com risco exclusivamente Banco.

9. Se o Autor marido tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações S (…) Rendimento Mais 2004, produto de risco e que o capital não era garantido pelo B (…)não o autorizaria.

10. Nunca foi intenção dos Autores investir em produtos de risco, como era do conhecimento do gerente e funcionários do Réu, e o Autor marido sempre esteve convencido que o Réu lhes restituiria o capital e os juros, quando os solicitasse.

11. O Réu assegurou que a aplicação em causa tinha a mesma garantia de um depósito a prazo.

Resumindo, temos assim o seguinte circunstancialismo de facto:
- os autores não possuíam conhecimentos e nem experiência suficientes para compreenderem o tipo de investimento que fizeram;
- foi-lhes transmitido que o reembolso do capital aplicado era “garantido” (porquanto não era produto de risco), que tinha uma rentabilidade assegurada, com juros semestrais e que poderia dispor do capital investido quando assim o entendessem, bastando avisar a agência com a antecedência de alguns dias e que seria possível obter, a qualquer momento, num prazo de alguns dias, por via de endosso.
Tais informações – que o Banco Reu insiste em dar como boas, inclusivamente nos articulados e alegações da presente ação, são, contudo, falsas ou, pelo menos, enganosas.

Vejamos, assim e antes de mais, de que tipo de “produto” ou “aplicação financeira” estamos a falar.

No canto superior direito do “Boletim de Subscrição, S(…) Rendimento Mais 2004”, surge como título “Emissão de Obrigações Subordinadas”, sem que em tal documento conste a referência ao regime a que se acham submetidas as “obrigações”, enquanto bens mobiliários e, muito menos, quais as decorrências de serem consideradas “subordinadas”.

As “obrigações”, constituindo um dos valores mobiliários previstos no artigo 1º do CVM, constituem um modo de financiamento facultado a determinadas entidades com recurso a capitais alheios, representando um direito de crédito sobre a entidade emitente (artigo 348º do Código das Sociedades Comerciais).
O credor obrigacionista, após subscrição do instrumento financeiro, tem o dever de entregar fundos à entidade emitente e esta fica vinculada à obrigação sinalagmática de restituir o montante mutuado e, sendo convencionado, os respetivos juros.
Segundo Paulo Câmara “Manual de Direito dos Valores Mobiliários”, Almedina 2009, p.141. , o titular da obrigação é fundamentalmente um credor perante a entidade emitente e com relação jurídica subjacente na base deste valor mobiliário existe tipicamente um contrato de mútuo Constituindo a emissão de obrigações um dos modos de financiamento de pessoas coletivas, a par de outros como as ações, distinguem-se destas porque, o obrigacionista é, desde logo, um credor da sociedade, ao passo que o acionista é sócio da mesma – Carlos Osório de Castro, “Valores Mobiliários, Conceito e Espécies”, Porto 1998, p.139-146..
A emissão de obrigações, ao significar o recurso a capitais alheios, implica um endividamento da entidade emitente Paulo Câmara, Manual (…), p. 145..
Dentro do conceito de obrigações supra referido, podem-se distinguir diversas modalidades de obrigações (artigo 360º do CSC), sendo que, em função do tipo de crédito contrapõem-se as obrigações que titulam créditos privilegiados e as obrigações representativas de dívida subordinada.

As obrigações que titulam créditos privilegiados asseguram uma posição preferencial na graduação de créditos em caso de liquidação da sociedade emitente,

As obrigações representativas de dívida subordinada são aquelas em que o titular da obrigação, havendo insolvência do emitente, apenas se pode pagar sobre o património depois de satisfeitos todos os credores comuns.

Ora, aqui chegados, desde logo, nos deparamos com a primeira diferença substancial entre o regime das obrigações subscritas pelos autores e um vulgar depósito a prazo: as obrigações em questão, por se tratar de obrigações “subordinadas”, em caso de insolvência do emitente, para além de não beneficiarem do Fundo de Garantia de Depósitos (ao contrário dos depósitos O Fundo de Garantia de Depósitos foi criado pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo DL nº298/92, de 31 de Dezembro, tendo por principal missão garantir o reembolso de depósitos constituídos junto das instituições de crédito nele participantes, na eventualidade de estes se tornarem indisponíveis (artigo 155º). O Fundo garante o reembolso global do saldo em dinheiro de cada depositante, em determinadas condições, cujo limite, em 2004 se situava em 25.000,00 € (nº1 do art. 166º do RGICSF e da Portaria 1340/98, de 12.12) e atualmente se cifra em 100.000,00 € por depositante e por instituição.), representam para os seus titulares meros créditos subordinados, a serem pagos sobre o património do comitente unicamente depois dos credores comuns.

Quanto à segunda diferença, também esta de relevo, relaciona-se com a sua falta de liquidez – tratando-se de obrigações a 10 anos, o reembolso do capital só seria possível ao fim de 10 anos, a efetuar em 25 de outubro de 2014 – o reembolso antecipado só seria possível a partir do 5º ano, e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.

No caso em apreço, o Banco Réu não só omitiu informações relevantes e essenciais para conhecimento do tipo de produto em causa – que, enquanto obrigações da S(…), tal produto representava dívida da sociedade emitente e, pior ainda que se tratava de obrigações “subordinadas” e qual o verdadeiro alcance de tal qualificação –, como desvalorizou por completo a informação de que seria um produto reembolsável a 10 anos, ao afirmar que “poderia dispor do capital investido quando assim o entendesse”, o que não é, de todo, verdade.
Se nos depósitos a prazo, o dinheiro poderia ser resgatado, em qualquer altura, por mera manifestação de vontade perante o banco – ainda que não totalmente disponíveis, qualquer banco admite a sua mobilização antecipada ou resgate sendo a contrapartida da perda de juros Vasco da Gama Lobo Xavier e Maria Ângela Coelho, “Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de março de 1987 – Depósito Bancário a prazo, levantamento antecipado – Anotação, RDE nº14, 1988, pp.281-315. – nas “Obrigações S (…)Rendimento Mais 2004”, a disponibilização do capital estaria sempre dependente do seu “endosso” a terceiros o que pressupunha a existência de interessados na respetiva aquisição, endosso este que poderá até ter ocorrido com alguma facilidade durante algum tempo, até a situação financeira da emitente ser tornada pública.

De qualquer modo, o potencial investidor teria sempre o direito a conhecer todos os dados da questão para que pudesse ele próprio “avaliar” o risco envolvido na operação e decidir se estava, de facto, por mínimo que fosse (e não era), disposto a corrê-lo.

Como salienta Sofia Nascimento Rodrigues, o risco existirá sempre. “A proteção a conferir aos investidores não pode, naturalmente eliminar os riscos próprios de cada mercado nem garantir o resultado económico do investimento. Mas pode e deve permitir aos investidores identificarem esses riscos e valoriza-los na sua concreta configuração “A Protecção dos Investidores em Valores Mobiliários”, CMVM, Almedina, p. 34.”. Desde que o investidor esteja defendido contra vícios de informação posta ao seu dispor, é sobre ele que recai o ónus da decisão.
A decisão do investidor pode ser errada, mas tem de ser uma decisão esclarecida. A lei e o mercado devem assegurar ao investidor a informação necessária para o habilitar dos conhecimentos necessários que lhe permitam tomar, por si próprio, uma decisão de investimento esclarecida Sofia Nascimento Sofia Nascimento Rodrigues, obra citada, pp. 33-34. .
E quanto maior for a complexidade do negócio, mais completa deve ser a informação a disponibilizar ao investidor. De igual modo, quanto maior for o risco envolvido no negócio em causa, maior deve ser o rol de elementos informativos a disponibilizar ao investidor. Gonçalo André Castilho dos Santos apela à distinção entre os riscos especiais e os riscos gerais, sendo que, no primeiro grupo poderão estar em causa caraterísticas específicas ligadas à utilização de determinante indexante compósito ou à própria estrutura do instrumento financeiro; e, para o segundo grupo, riscos de variação natural dos mercados de valores mobiliários, risco de insolvência ou impacto da gestão empresarial sobre cotação de ações de determinado emitente.

No caso concreto, ainda que, à data, pudesse não ser previsível que viesse a ocorrer a insolvência da sociedade emitente (risco especial), o Banco Réu tinha a obrigação de alertar os autores para o risco (geral) da insolvência da emitente, sobretudo face à posição extremamente desfavorável atribuída aos credores obrigacionistas (enquanto credores “subordinados”) em tal situação. E até lhe podia transmitir que, face aos dados de que dispunha, e em sua opinião pessoal, se trataria de um investimento seguro. O que não poderia era ter-se limitado a prestar este tipo de informação, meramente conclusiva e inverídica, quando desacompanhada dos restantes elementos caraterizadores do produto em causa (isto para não falar de uma eventual desadequação do produto ao perfil do cliente em causa Como sustenta Manuel A. Carneiro da Frada, a falta de adequação de um certo produto às necessidades de um cliente pode ser interpretada como expressão ou sinal de violação de um dever de informação, a saber, a falta de elucidação sobre a desadequação de certo instrumento financeiro: entendendo-se então tal dever de adequação como dever de índole informativa destinado a proporcionar a aptidão do contrato a celebrar para a satisfação das necessidades do sujeito – A Responsabilidade Civil dos Intermediários Financeiros por Informação Deficitária ou Falta de Adequação dos Instrumentos Financeiros” – “O Novo Direito dos valores Mobiliários – I Congresso Sobre Valores Mobiliários e Mercados Financeiros”, Coleção Governace Lab, Almedina, pp-405.).

Na distinção de que se socorre Agostinho Cardoso Guedes “A responsabilidade do banco por informações à luz do artigo 485º do Código Civil”, in Revista de Direito e Economia, Ano XIV, 1988, p.140. – entre: a) informações puramente descritivas de factos (existência de provisão na conta, historial de pagamentos em falta, etc.); b) informações que contêm um juízo ou valoração (solvabilidade de outrem, grau de confiança para a concessão de crédito); c) recomendações ou conselhos sobre determinada operação negocial (consultoria em relação a decisões de investimento, intermediação em operações sobre valores mobiliários) –, o grau de exatidão exigido em relação às informações será variável, sendo que, relativamente à primeira situação, deveria exigir-se uma exatidão absoluta, uma vez que esta se encontra ao alcance do banco, através de operações internas como a consulta dos seus registos.
No caso em apreço, a omissão de informação surgiu logo ao nível do primeiro tipo e relativamente a características essenciais da aplicação financeira em causa – liquidez e garantias de solvabilidade – omitindo informações que eram necessariamente do seu conhecimento por constarem do prospeto do produto.

Temos, assim, que o Banco Réu, na qualidade de intermediário financeira incumpriu os deveres de informação que lhe são impostos pelo artigo 312º do CVM, nomeadamente os previstos nas alíneas a) e c) do seu nº1:
- quanto aos riscos especiais envolvidos na operação a realizar – risco de liquidez, risco de crédito e risco de mercado (art. 39º Regulamento da CMVM nº 12/2000);
- quanto à existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção ou equivalente que abranja os serviços a prestar.

Dando por assente que o B (…) incumpriu os deveres de informação que sobre ele recaíam enquanto intermediário financeiro no negócio de subscrição das obrigações “S (…) Rendimento Mais 2004”, vejamos de modo pode o Banco Réu ser responsabilizado pelos danos sofridos pelos autores.

c) Responsabilidade do Intermediário Financeiro pelos danos decorrentes da violação dos deveres de informação

O regime da responsabilidade civil do intermediário financeiro, encontrava-se, então, previsto no artigo 314º do CVM, sob a epígrafe:
Responsabilidade civil
1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.
2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.

O nº1 do artigo 314º prevê uma cláusula geral de responsabilidade civil a cargo do intermediário financeiro pela violação dos deveres que sobre ele impendem no exercício da sua atividade – ou princípio geral de ressarcibilidade dos danos –, abarcando quer a responsabilidade delitual quer a responsabilidade contratual.

A relação do intermediário financeiro com o cliente terá natureza obrigacional, sendo o facto indutor da responsabilidade o incumprimento do direito de crédito correlativo à relação pré-existente entre ambos.

A responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente funda-se na não realização da prestação a que estava obrigado perante o cliente, resultando a ilicitude da desconformidade entre a conduta devida e o comportamento observado pelo intermediário financeiro: a conduta do intermediário financeiro negligentemente inadimplente revestirá, necessariamente, a violação de um dever específico de conduta profissional devida Gonçalo André Castilho dos Santos, “A Responsabilidade Civil (…)”, pp.200-202..

Quanto à culpa do intermediário financeiro, que se poderá materializar no dolo ou na negligência (o que relevará, nomeadamente, para efeitos do prazo de prescrição – art. 324º, nº2), o nº2 do art. 304º introduziu um novo padrão de aferição da culpa que transcende, na sua exigência, o do bom pai de família constante do artigo 487º, nº2 do Código Civil, consagrando um padrão de conduta profissional diligentíssima Gonçalo André Castilho dos Santos, obra citada, pp.209-212.: “Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência”.

Por outro lado, o nº2 do artigo 314º presume a culpa do intermediário financeiro quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, “em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação”.

“Relativamente à culpa, a presunção compreende-se bem. Na verdade, o facto de o intermediário financeiro ter violado uma disposição legal ou regulamentar justifica logo a admissibilidade de uma presunção de que não colocou na sua conduta profissional a diligência adequada Gonçalo André Castilho dos Santos, obra citada, p.213.”.

E no caso em apreço, o Banco Réu não logrou afastar a presunção de culpa que sobre ele impendia.
Antes pelo contrário. Os factos dados dados como provados apontam para a ocorrência de culpa grave da sua parte nas informações que prestadas ao autor marido. Tratando-se de promover a subscrição de um produto emitido pela sociedade detentora da totalidade do capital do B (…)– agindo num quadro de conflito de interesses Como se afirma no acórdão do TRE de 11-01-2018, ao contrário do que propugna a sociedade Ré, “i) não ocorreu uma situação de protecção dos legítimos interesses dos clientes; ii) verifica-se um quadro de conflito de interesses – a relação de domínio da S (…) relativamente ao intermediário financeiro motivou que os interesses económicos do investidor não fossem valorizados, como se compreende através da leitura do email (…) e da posição assumida por diversos funcionários do B(…) quanto à questão da emissão das obrigações (…); iii) os deveres de informação e publicidade foram instrumentalizados face à necessidade de aumentar o capital social da S(…) e de assim salvar o grupo económico em causa que já se encontrava em crise e isso explica que a real dimensão da operação fosse camuflada e que o anuncio do lançamento da operação e os dados informativos do prospeto fossem secundarizados em nome desse interesse societário comum” – Acórdão relatado por Tomé de Carvalho, disponível in www.dgsi.pt. Chama-se aqui a atenção de que nos presentes autos não foi junta a “Nota Informativa” emitida pela entidade emitente (S…) respeitante às “Obrigações 2006” (nota essa, apresentada em vários outros processos, nomeadamente no proc. 4042/16.6T8LSB, no qual foi proferido Acórdão do TRL de 10-10-2017, relatado por Carlos Oliveira, disponível in www.dgsi.pp.), da qual, aí sim, constavam as advertências que, no caso em apreço, foram deliberadamente omitidas aos autores: a) que, em caso de falência ou liquidação da emitente, o reembolso das obrigações ficava subordinado de todos os demais credores não subordinados da emitente; b) não era permitido o reembolso antecipado de emissão por iniciativa dos obrigacionistas. –, este terá montando uma campanha agressiva de promoção de tais obrigações “S(…) Rendimento Mais 2004” junto dos seus clientes.

Não foram os autores que, pretendendo dar uma diferente utilização ao seu aforro, contactaram o Banco Réu, de quem eram clientes, pedindo-lhes sugestões ou conselhos relativamente ao modo de rentabilizem tal aforro.

Terá sido o Banco réu que, através dos seus funcionários, promoveu uma campanha agressiva de “angariação” de investidores, no âmbito da qual os funcionários do banco tinham instruções precisas para contactar com os clientes e quanto ao modo de apresentação do produto, propondo-lhes a respetiva subscrição Como é salientado no Acórdão do STJ de 17-03-2016, também respeitante à subscrição de Obrigações S(…)2006, “encontramo-nos perante o recurso a técnicas de venda agressivas, mediante a utilização de informação enganosa ou ocultando informação, com o intuito de obter a anuência do cliente a determinados produtos de risco que nunca subscreveria se tivesse conhecimento de todas as caraterísticas do produto, nomeadamente se soubesse que nem sequer o capital investido era garantido” – Acórdão relatado por Clara Sottomayor, disponível in www.dgsi.pt. , como ressalta dos seguintes factos dados como provados na sentença recorrida Assim como é notória a existência de tal campanha, do email cuja cópia se encontra junta fls. 7, enviado às direções da Zona Centro e confirmado pelo seu autor, a testemunha (…):

22. O Réu foi apresentado pelo seu gerente como garante da aplicação financeira em causa,

23. … como constava da própria documentação interna criada, veiculada e distribuída pelo Réu aos seus funcionários.

24. As orientações e comunicações internas existentes no B (…) e que este transmitia aos seus comerciais nos respetivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez, a boa rentabilidade e assegurar que o Banco garantia o capital investido.

25. O Réu pretendia que os seus funcionários tivessem especial empenho na colocação destes produtos e passassem a ideia de que aos mesmos não estavam associados quaisquer riscos quanto ao reembolso do capital e juros, garantindo ele próprio a satisfação de tais encargos..

E, como já referimos, estas informações, não só, são insuficientes omitindo informação relevantíssima quanto às caraterísticas do “produto financeiro” onde iam ser investidas as suas poupanças – quer do que são obrigações enquanto valores mobiliários, quer das implicações de se tratar de obrigações subordinadas –, nomeadamente tendo em consideração o tipo de investidores em causa (notoriamente não qualificados), como são dadas de modo a induzir em erro os potenciais investidores, ao insistirem na equiparação das Obrigações “S (…) Rendimento Mais 2004” a simples depósitos a prazo, sem os alertarem para as respetivas diferenças.

As implicações de tais diferenças estão à vista de todos. Que se saiba, os depósitos a prazo efetuados no B (…) não foram minimamente afetados, enquanto foi negado o reembolso aos titulares das Obrigações S (…)2004, e vindo a ser declarada a insolvência da S (…).

Mais uma vez, sublinhamos que a censura sobre o comportamento do Banco Réu não recai sobre o facto de aquele não ter sabido prever a ocorrência da insolvência da S(…). O que é censurável foi a omissão perante os investidores dos aspetos desvantajosos destes valores mobiliários – quer ao nível da liquidez quer dos riscos relativos seu reembolso – e a ligeireza com que comunicavam aos potenciais investidores que se tratava de um produto “equivalente a um depósito a prazo”, “Não vejo as diferenças.

E não era exigível aos autores que, por sua própria iniciativa, tratassem de procurar por outra via informações que pudessem confirmar as caraterísticas que lhe estavam a ser apontadas ao produto pela ré.
“No domínio do direito bancário, a relação entre o Banco e o cliente é uma relação particular, em que as partes são levadas a confiar uma na outra. Sobretudo, o sujeito que se encontra na posição de cliente não profissional, e que não tem formação nem experiência na área financeira, baixa as suas defesas naturais por conferir à instituição bancária uma total competência para cuidar dos seus investimentos, depositando nela uma especial confiança, tornando-se, por isso, mais vulnerável, sobretudo, se as primeiras aplicações produziram rendimentos e ele é assim induzido a confiar ainda mais no produto. Gera-se assim uma situação em que os envolvidos descuram a preocupação de obter informações pelos seus próprios meios. Esta realidade humana deve ser tutelada pelo Direito e, por isso, se cria uma situação que dá azo a obrigações específicas de informar a cargo do Banco, fruto de responsabilidade obrigacional, no caso de inobservância. António de Menezes Cordeiro, Direito Bancário, 5ª ed., Almedina, p. 433.

Quanto ao dano indemnizável na responsabilidade bancária por informações, não haverá dúvidas de que abrangerá sempre o interesse contratual negativo, ou seja, aos danos que o lesado não teria sofrido se não lhe fosse prestada a informação deficiente.

Vem o apelante, apenas agora, em sede de alegações de recurso, alegar que não está provado que se tenha tornado total ou parcialmente impossível receber o montante investido pelo autor nas Obrigações S(…)o que dá azo a que o autor venha depois a receber o que lhe couber da S(…) a que acrescerá ao valor da indemnização já porventura pago pelo Réu.
Ora, independentemente de os recursos não servirem para a apreciação de questões novas, sempre se dirá que se encontra dado como provado que na data do respetivo vencimento (24 de outubro de 2014), o montante investido pelos autores não lhes foi restituído pelo Banco Réu – é do conhecimento público que a então entidade emitente foi declarada insolvente em 2016, sendo que os credores das “Obrigações Subordinadas”, só poderiam ser pagos depois dos credores comuns…

Quanto ao nexo de causalidade para efeito de imputação dos danos, a doutrina vem entendendo que o nº2 do artigo 304º contém igualmente uma presunção de causalidade Menezes Cordeiro estende tal presunção não só ao nexo de causalidade mas igualmente à ilicitude –“Manual de Direito Bancário, 3ª ed., Coimbra 2006, pp.395-397. No sentido de confirmar a presunção quanto ao nexo de causalidade se pronunciou igualmente o Acórdão do TRL de 06-12-2017, relatado por Luís Correia de Mendonça, disponível in www.dgsi.pt. com a consequente inversão do ónus da prova.

Quanto ao interesse que subjaz à consagração de tal presunção, afirma tal Margarida Azevedo Almeida:
“O estabelecimento da relação de causalidade supõe a determinação da vontade do investidor pelo comportamento do intermediário financeiro. Por outras palavras, a escolha do investidor poderá ter sido causada pela conduta do intermediário financeiro, de tal modo que, se este houvesse cumprido as suas obrigações informativas, a escolha do investidor teria sido inversa. Com efeito, para que se estabeleça o nexo causal é necessário que, caso tivesse formado a sua vontade de modo esclarecido o investidor ter-se-ia abstido de celebrar qualquer negócio ou teria optado por outro investimento.
Tendo em conta que entre o comportamento do intermediário financeiro e os danos sofridos pelo investidor medeia um facto do seu foro interno, isto é, a sua vontade, facilmente nos apercebemos da especial dificuldade de prova nesta matéria.

A aplicação das regras gerais de ónus da prova em matéria de nexo de causalidade poderia colocar em causa a eficácia da proteção ressarcitória do investidor pela violação das obrigações de informação e de adequação. Ao mesmo tempo, prejudicaria a eficácia preventiva que de alguma forma também está ligada à responsabilidade civil. A Responsabilidade Civil de Intermediários Financeiros por Informação Deficitária ou Falta de Adequação dos Instrumentos Financeiros”, in “O Novo Direito dos Valores Mobiliários – I Congresso Sobre Valores Mobiliários e Mercados Financeiros”, Coleção Governance Lab, Almedina, pp.421-422.

O modelo de lei visa acautelar a posição enfraquecida do cliente na demonstração da “culpa técnica” do intermediário financeiro ou de nexos de causalidade com complexas e sofisticadas rotinas operacionais, como “leis de mercado” habitualmente desconhecidas do leigo, à partida, de um investidor não qualificado, por sinal Gonçalo André Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil (…), pp.215-216..

No caso em apreço, o Banco Réu não logrou ilidir a presunção de causalidade entre a violação dos deveres de informação e os danos sofridos pelos autores. Antes pelo contrário, os factos dados como provados confirmam que a vontade do autor marido foi determinada pelas informações enganosas que lhe foram prestadas pela Ré:
8. O Autor marido, atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso, num produto com risco exclusivamente Banco.
9. Se o Autor marido tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações S (…)Rendimento Mais 2004, produto de risco e que o capital não era garantido pelo B (…), não o autorizaria.
10. Nunca foi intenção dos Autores investir em produtos de risco, como era do conhecimento do gerente e funcionários do Réu, e o Autor marido sempre esteve convencido que o Réu lhes restituiria o capital e os juros, quando os solicitasse.
11. O Réu assegurou que a aplicação em causa tinha a mesma garantia de um depósito a prazo.
12. Daí a convicção plena com que os Autores ficaram da segurança da aplicação em causa, cujos juros foram sendo semestralmente pagos, o que transmitiu segurança aos Autores e nunca os alertou para qualquer irregularidade, face ao que tinha sido dito ao Autor marido, pela referida gerente da agência de ...;
13. E que manteve até Maio de 2015, data em que o Banco Réu deixou de pagar os juros respetivos.
14. À data referida no ponto 2, os Autores não sabiam o que era a S (…)
15. … desconhecendo, que tinham subscrito uma aplicação com características diferentes de um depósito a prazo,
16. … pois caso soubessem que se tratava de um produto de risco, não o teriam adquirido.
17. … não lhe tendo sido lido ou explicado o que eram obrigações, em concreto, o que eram obrigações S(…) Rendimento Mais 2004..
Os autores foram desapossados da quantia de 150.000,00 € em troca de um produto financeiro que nunca teriam adquirido, não fossem as informações enganosas prestadas pelo Banco Réu, enquanto intermediário financeiro.

Concluímos, assim pela responsabilização do Banco Réu pela violação dos deveres de informação previstos no art. 312º CVM, como aliás tem vindo a ser decidido maioritariamente pelos nossos tribunais No sentido da responsabilização do B (…), enquanto intermediária financeira das “Obrigações S… 2006”, se pronunciaram o Acórdão do TRC de 12-09-2017, relatado por Luís Cravo, o Acórdão do TRE de 11-01-2018, relatado por Tomé de Carvalho, Acórdão do TRL de 22-02-2018, relatado por António Santos, Acórdão do TRG de 27-04-2017, relatado por Alexandra Rolim Mendes, .

Os autores terão direito a receber o capital investido, bem como os respetivos juros de mora desde a data da citação, como vem sendo entendido na jurisprudência Entre outros, Acórdão do TRG de 27-04-2017, relatado por Alexandra Rolim Mendes, e Acórdão do STJ de 17-03-2016, relatado por Maria Clara Sottomayor, disponíveis in www.dgsi.pt. .

3. Prescrição do direito dos autores

Encontrando-se em causa uma violação grosseira dos deveres de informação – não somente pela ocultação de informação relevante, mas ainda mediante prestação de informação falsa, como aqui já foi referido –, excluída fica a aplicação do curto prazo de prescrição de dois anos previsto no artigo 324, nº2 do CVM, ficando sujeita ao prazo geral de prescrição de 20 anos nos termos do artigo 309º do CC Neste sentido, entre outros, cfr., Acórdãos do STJ de 17-03-2016, relatado por Clara Sottomayor, do TRG de 24-07-20017, relatado por Alexandra Rolim Mendes, do TRL de 22-02-2018, relatado por António Santos, disponíveis in www.dgsi.pt. .

A apelação é de improceder na sua totalidade, sem outras considerações.

IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a suportar pelo apelante.

Coimbra, 10 de julho de 2018


V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.

1. O artigo 312º do CVM, na redação anterior ao DL 357-A/2007, consagrava já deveres específicos de informação, que conjugados com a concretização que deles era feita no art. 39º do Regulamento da CMVM nº12/2000, abrangia informação detalhada sobre os riscos da aplicação financeira apresentada pelo intermediário financeiro, abrangendo o risco de liquidez, o risco de crédito ou risco de mercado.

2. A extensão e a profundidade da informação a prestar pelo intermediário ao cliente devem ser tanto maiores quanto menor for o seu grau de conhecimento e experiência, de modo a permitir-lhe uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada.

3. O titular de “Obrigações S(…) Rendimento Mais 2004”, por se tratar de obrigações subordinadas, apenas pode ser pago pelo património da entidade emitente, em caso de insolvência desta, depois de pagos os credores comuns e, tratando-se de obrigações a 10 anos, o reembolso do capital só seria possível ao fim de 10 anos.

5. Apresentando as obrigações “S(…) Rendimento Mais 2004” como sendo “equivalentes a um depósito a prazo”, em que “o reembolso do capital era garantido, por não se tratar de um produto de risco” e que “o cliente poderia dispor do respetivo capital quando assim o entendesse”, omitindo informação indispensável à avaliação dos riscos relacionados com o reembolso do capital e respetivos juros, o Banco Réu violou de forma grave o dever de informação constante do art. 312º do CVM.

6. O nº2 do artigo 314º do CVM consagra uma presunção de culpa e também de nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação pelo intermediário financeiro e os danos sofridos pelo cliente.

Maria João Areias ( Relatora )

Alberto Ruço

Vítor Amaral