Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
112/12.8TBOFR.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: INVENTÁRIO
TESTAMENTO
DISPOSIÇÕES PARA DEPOIS DA MORTE
PATRIMÓNIO COMUM
LEGADO DE COISA COMUM
Data do Acordão: 10/09/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - O.FRADES - JUÍZO C. GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.1685, 2252 CC
Sumário:
1. Nos termos do n.º 2 do art.º 1685º do CC a deixa de coisa certa e determinada do património comum dos cônjuges é sempre válida quanto ao valor e sempre nula, em princípio, quanto à substância, de tal modo que o contemplado pode sempre exigir o respectivo valor em dinheiro (a disposição de coisa certa e determinada do património comum é válida mas converte-se, por força da lei, em disposição de valor), mas nunca pode, em princípio, exigir a própria coisa.
2. O aludido artigo do CC só tem eficácia (maxime, a consequência jurídica estabelecida no n.º 2 do art.º) - só se assume, verdadeiramente, como uma norma jurídica - no âmbito da comunhão pós-matrimonial, depois da dissolução do casamento por morte do testador, pois só então operam os efeitos jurídicos estatuídos pelo testador.
3. Reconhece-se, assim, o direito do legatário exigir o valor em dinheiro da coisa determinada objecto da disposição constante do testamento até efectuar a partilha, e levando ainda em conta, no preenchimento dos quinhões hereditários, designadamente, as avaliações e licitações efectuadas, o resultado do sorteio de lotes dos bens não licitados e o passivo reconhecido ou aprovado, não se tornando necessária a venda de quaisquer bens da herança para realizar o valor em dinheiro e resultando de tais operações as importâncias eventualmente devidas a título de tornas.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Nos autos de inventário para partilha de bens da herança de Aurora G (…) e marido R (…) instaurados em 28.3.2012, no Tribunal da Comarca de Oliveira de Frades, em que são interessados M (…) (requerente) casada com A (…) no regime da comunhão de adquiridos e C (…) (cabeça-de-casal) casado segundo o regime da comunhão geral de bens Cf. o documento de fls. 190. com R (…), o cabeça-de-casal interpôs recurso da sentença homologatória da partilha, proferida a 19.4.2018, impugnando ainda as decisões interlocutórias proferidas em 16.10.2015 e 31.01.2017, com as seguintes conclusões:
1ª - Em 29.6.2009, pelo inventariado R (…) foi feito um testamento em que legou os bens imóveis a ambos os filhos, ou seja, foi feita uma disposição que teve por objecto coisa certa e determinada do património comum.
2ª - Em 15.7.2013 o Tribunal a quo vem declarar a nulidade das disposições em espécie constantes do referido testamento.
3ª - A 31.7.2013, perante a decisão acima citada, o Recorrente apresentou um requerimento onde requereu que o valor dos bens relacionados sob as verbas n.ºs 5 a 16 da Relação de Bens fosse considerado, oportunamente, valor do legado aos Interessados C (…) e M (…)conforme decisão de 15.7.2013.
4ª - Por despacho de 17.9.2015 foi designado o dia de 02.10.2015 para proceder ao sorteio dos lotes dos bens não licitados.
5ª - Tendo-se apercebido o Recorrente que, apesar de ter requerido a 31.7.2013 o valor pecuniário dos bens objecto do legado, o Tribunal a quo nada tinha feito nesse sentido, veio apresentar requerimento a 28.9.2015 requerendo, mais uma vez, que lhe fosse reconhecido o seu direito de legatário a exigir o valor em dinheiro do legado que lhe foi efectuado de acordo com o art.º 1685º, n.º 2 do Código Civil (CC), renovando, desta forma, o que já antes havia requerido em 31.7.2013. Tal pedido foi indeferido pela decisão de que ora se recorre.
6ª - Tal pedido foi indeferido através do despacho de 16.10.2015 Rectificou-se a data., fls. 212, o que levou a que o Recorrente recorresse dessa decisão interlocutória para este Tribunal da Relação.
7ª - A 18.3.2016 este Tribunal da Relação decidiu não conhecer do objecto do recurso dado o despacho determinativo da forma da partilha só poder ser impugnado na apelação interposta da sentença da partilha.
8ª - No seguimento das considerações feitas naquele Acórdão o Tribunal a quo proferiu o despacho de 16.5.2016 no qual ordenou que se elaborasse o mapa de partilha «de acordo com a forma constante de fls. 187 a 189 e resultado do sorteio constante da acta de fls. 206 a 207».
9ª - Elaborado o mapa de partilha o Recorrente vem reclamar do mesmo a 17.11.2016, na medida em que não foi dado cumprimento às previsões do requerimento do cabeça-de-casal (fls. 187 a 189), que o Mm.º Juiz ordenou servissem de forma da partilha.
10ª - A 31.01.2017, a fls. 292, o Tribunal a quo decidiu das reclamações apresentadas pelo Cabeça-de-Casal e pela Requerente M (…) improcedendo a reclamação daquele e procedendo a reclamação desta.
Neste seguimento ordenou a rectificação do mapa da partilha de acordo com a reclamação da Requerente M (…).
11ª - A 06.3.2018 foi elaborado o mapa da partilha de fls. 298 a 300 e a 17.4.2018 foi homologado por sentença a partilha, segundo o mapa de de fls. 298 a 300.
12ª - Esta Relação no seu acórdão de 18.3.2016 deixou claro ao Tribunal a quo que o direito a exigir o respectivo valor em dinheiro dos legados considerados nulos, em conformidade com o disposto no art.º 1685º, n.º 2 do CC, era uma questão “definitivamente arrumada” a nível dos presentes autos, uma vez que já tinha sido decidida por força do despacho de fls. 117 a 129, de 15.7.2013, já transitado.
13ª - O Tribunal a quo, no despacho de indeferimento da reclamação ao mapa da partilha, de que ora se recorre, entendeu que os imóveis objectos de legado devem ser relacionados como bens normais pertencentes à herança e que o Cabeça-de-Casal não tem direito a exigir o dinheiro do legado efectuado, de acordo com o despacho de fls. 212.
14ª - Por sua vez a sentença da partilha homologou o mapa da partilha sem que no mesmo o valor de cada um dos imóveis fosse imputado ao legado em valor feito pelo Inventariado R(…) a cada um dos Interessados nos termos constantes do testamento por si realizado em 29.6.2009, e cujas disposições em espécie foram declaradas nulas.
15ª - Na decisão interlocutória de fls. 212, que indeferiu o requerido pelo Recorrente a fls. 198 e 199, o Tribunal a quo partia (e parece agora partir, já que remete para aquele despacho) do pressuposto errado que Recorrente/Interessado/Cabeça-de-Casal apenas a 28.9.2015 requereu que lhe fosse reconhecido o seu direito de legatário a exigir o valor em dinheiro do legado que lhe foi efectuado de acordo com o art.º 1685º, n.º 2 do CC, o que não corresponde à verdade.
16ª - Logo após declaração de nulidade das disposições em espécie constante do testamento do inventariado, o Recorrente apresentou requerimento (a 31.7.2013), onde requereu expressamente que lhe fosse reconhecido aquele direito, sendo que o requerimento de 28.9.2015 apenas reiterou o que já anteriormente tinha vindo a ser requerido.
17ª - Ao contrário do que vem dito na decisão recorrida o interessado não mudou de pretensão, aliás firmou a mesma logo após a declaração de nulidade das disposições em espécie previstas no testamento.
18ª - De qualquer forma, era também obrigação do Tribunal, visto que já havia um requerimento nesse sentido, questionar a parte se mantinha ou não interesse no requerido, visto que o Tribunal a quo não se havia ainda pronunciado sobre o requerimento de 31.7.2013.
19ª - Segundo o Tribunal a quo naquele despacho de fls. 212, para o qual remete, para que o interessado e cabeça-de-casal C (…) receba o valor em dinheiro desses bens sempre poderá, após o sorteio e depois de satisfeito/composto o quinhão da interessada M (…), «vender os bens que no mesmo lhe couberam, se assim o entender, tanto mais que, inexistindo dinheiro vivo no acervo hereditário, a única forma de o cabeça-de-casal se pagar em dinheiro será alienando bens da herança.».
20ª - Não consegue o Recorrente acompanhar o raciocínio/iter cognitivo do Tribunal a quo. Tendo sido declarados nulos os legados em espécie (valendo, todavia, como legados em valor) não tem sentido falar-se, sequer, da venda dos bens legados. Além disso, não são os bens incluídos no legado que se declarou nulo que necessariamente estão adstritos a solver a dívida que os legados em valor traduzem.
21ª - Aquela decisão de fls. 212 esvazia por completo o direito que é reconhecido aos legatários de exigirem o valor da coisa determinada, tendo como consequência prática a nulidade total, e não apenas quanto à forma, da deixa testamentária, violando manifestamente o disposto no n.º 2 do art.º 1685º do CC.
22ª - Contudo, o Tribunal a quo parece ter tido consciência dessa violação quando, no seu despacho determinativo do modo como devia ser organizada a partilha (de 16.5.2016), ordena que a mesma se realize de acordo com a forma constante de fls. 187 a 189.
23ª - Acontece que, não tendo o mapa sido elaborado dessa forma, e tendo novamente a possibilidade de se pronunciar após a reclamação ao mapa apresentada pelo cabeça-de-casal, o Tribunal a quo recupera, sem que nada fizesse crer, a tese do despacho de fls. 212.
24ª - E, por sua vez, homologa por sentença a partilha segundo o mapa da partilha de fls. 298 a 300, elaborado com base naquela tese, em violação manifesta do disposto no n.º 2 do artigo 1685º do CC.
Remata pugnando pela revogação do despacho de indeferimento da reclamação apresentada pelo Recorrente [de 31/01/2017, fls. 292] e da sentença homologatória das partilhas [de 17/4/2018], alvos do presente recurso, e reconhecendo ao Recorrente o direito a exigir o valor em dinheiro do legado que lhe foi efectuado pelo inventariado M (…) Pureza não respondeu à alegação de recurso.
Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar, sobretudo, da (i)legalidade dos despachos de 16.10.2015 e 31.01.2017 (questão identificada com o direito do legatário exigir o valor em dinheiro da coisa certa e determinada objecto de disposição testamentária até efectuar a partilha), e subsequente tramitação deles dependente, incluindo a sentença homologatória.
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II. 1. Para a decisão do recurso releva o que se descreve no antecedente relatório e a seguinte factualidade:
a) Os inventariados A (…) e R (…) casados no regime de comunhão geral de bens, faleceram, respectivamente, em 23.4.2007 e 12.02.2012.
b) Em 29.6.2009, R (…), no Cartório Notarial de …, realizou Testamento, no qual declarou: //Que, sendo viúvo lega por conta da sua quota disponível ao seu filho C (…), a casa de habitação inscrita na matriz sob o artigo urbano … e o urbano inscrito na matriz sob o artigo …, da freguesia de …. //Mais acrescenta que efectua os seguintes legados em substituição da legítima: //Ao seu filho C (…), os artigos rústicos inscritos na matriz sob o artigo …; artigo rústico …; artigo rústico …; artigo rústico …; artigo rústico … e o aviário que se encontra omisso na matriz, sendo que todos se situam na freguesia de …; //À sua filha M (…), os artigos rústicos …, …, …, …, … e o urbano inscrito na matriz sob o artigo …, todos da freguesia de ….» (cf. o documento de fls. 40).
c) Por decisão proferida nos autos em 15.7.2013, o Tribunal a quo determinou o seguinte (cf. fls. 126 a 128):
«2. Da nulidade dos legados realizados pelo Inventariado
Invoca a reclamante a nulidade dos legados constantes de testamento referido no facto n.º 2, uma vez que os bens legados integravam o património do extinto casal formado pelos aqui Inventariados e, cumulativamente, ainda que sem determinação de parte ou direito, da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de A (…)
Vejamos.
Sob a epígrafe ´Legado de coisa pertencente só em parte ao testador` dispõe o artigo 2252º do Código Civil:
´1. Se o testador legar uma coisa que não lhe pertença por inteiro, o legado vale apenas em relação à parte que lhe pertencer, salvo se do testamento resultar que o testador sabia não lhe pertencer a totalidade da coisa, pois, nesse caso, observar-se-á, quanto ao restante, o preceituado no artigo anterior.
2. As regras do número anterior não prejudicam o disposto no artigo 1685º quanto à deixa de coisa certa e determinada do património comum dos cônjuges.
Por sua vez, dispõe o artigo 1685º do Código Civil:
´1. Cada um dos cônjuges tem a faculdade de dispor, para depois da morte, dos bens próprios e da sua meação nos bens comuns, sem prejuízo das restrições impostas por lei em favor dos herdeiros legitimários.
2. A disposição que tenha por objecto coisa certa e determinada do património comum apenas dá ao contemplado o direito de exigir o respectivo valor em dinheiro.
3. Pode, porém, ser exigida a coisa em espécie:
a) Se esta, por qualquer título, se tiver tornado propriedade exclusiva do disponente à data da sua morte;
b) Se a disposição tiver sido previamente autorizada pelo outro cônjuge por forma autêntica ou no próprio testamento;
c) Se a disposição tiver sido feita por um dos cônjuges em benefício do outro.`
A disposição pelo inventariado de bens certos e determinados do património conjugal constitui, pois, um acto a ´non domino`, uma vez que constitui um legado de coisa comum (ou que não lhe pertence por inteiro).
Todavia, as particularidades do regime da comunhão conjugal justificam que, embora mantendo alguma afinidade com o legado de coisa alheia, o legado de coisa comum esteja sujeito a regime específico, tal como decorre dos supracitados artigo 2252º, n.º 2 e 1685º, ambos do Código Civil.
O regime específico, retratado no n.º 2 do artigo 1685º do Código Civil, que preside à disposição ´mortis causa` de cada um dos cônjuges é o de ela estar limitada aos seus bens próprios e à sua meação – ´qua tale` – nos bens comuns. Deste modo, tendo algum dos cônjuges disposto de coisa certa e determinada do património comum, a disposição não devia, em princípio, valer, pelo menos em espécie. Contudo, dominado pela ideia do ´favor testamenti` e da tutela da vontade do testador até onde for razoavelmente de admitir, o n.º 3 do artigo 1685º do Código Civil veio permitir a validade do legado de coisa comum em espécie, mas apenas se se verificar alguma das situações prevenidas na mesma norma. Não se verificando alguma dessas situações, o legado não vale em espécie. Todavia, o n.º 2 do artigo 1685º atribui ao beneficiário do legado o direito de exigir o respectivo valor em dinheiro. Estamos aqui perante um caso de legado de valor. Verifica-se no regime do n.º 2 do artigo 1685º, ao determinar-se que o legado vale como legado de valor, uma ´conversão legal` do legado de coisa comum.
E face a este regime específico, a disposição testamentária em espécie é nula, embora automaticamente convertível em obrigação de valor, nos termos do disposto no artigo 1685º, n.º 2, do Código Civil. O legatário não pode exigir o cumprimento do legado em espécie pode exigir o valor pecuniário da coisa objecto do legado (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 05-5-2005, processo n.º 783/05-1, disponível em www.dgsi.pt).
Assim, e em síntese: (1) Declaro a nulidade das disposições em espécie constantes do testamento referido no facto n.º 2, tendo os legatários direito a exigir o respectivo valor em dinheiro, nos termos do disposto no artigo 1685º, n.º 2, do Código Civil. (2) Em consequência de tal nulidade de disposição em espécie, os imóveis objecto do legado devem ser relacionados como bens normais pertencentes à herança.» E assim ficou decidido na parte injuntiva do despacho (“ponto IV”)/fls. 128.
d) A 31.7.2013, perante a referida decisão, o Recorrente/cabeça-de-casal apresentou um requerimento onde expressou o seguinte (fls. 132):
«Face à declaração de nulidade das disposições em espécie constante do testamento do Inventariado, desde já se requer que o valor dos bens relacionados sob as verbas n.ºs 5 a 16 da Relação de Bens seja considerado, oportunamente, valor do legado aos Interessados C (…) e M (…)».
e) Apresentada a nova relação de bens de fls. 133, na Conferência de Interessados de 30.10.2013 foi requerida e deferida a avaliação de todos os imóveis da relação de bens nos termos do art.º 1353º n.º 2 do CPC (cf. fls. 140), avaliação a que se procedeu (fls. 151, 157 e 171).
f) A 02.3.2015 foi realizada a Conferência de Interessados na qual foram licitadas pela interessada M (…) as verbas n.ºs 4 e 9 da relação de bens, não tendo sido licitadas as verbas n.ºs 5, 6, 7, 8, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16 e 17 (cf. fls. 180).
g) Por requerimento de 24.7.2015 o Recorrente veio pronunciar-se sobre a forma à partilha, requerendo que, quanto aos bens não licitados fossem os mesmos repartidos à sorte entre os interessados, por lotes iguais conforme alínea c) do art.º 1374º do Código de Processo Civil (CPC) de 1961 (na redacção conferida pelo DL n.º 329-A/95, de 12.12) (cf. fls. 187).
h) Por despacho de 17.9.2015 foi designado o dia 02.10.2015 para proceder ao sorteio dos lotes dos bens não licitados (cf. fls. 196).
i) O Recorrente, a 28.9.2015, pediu que lhe fosse reconhecido o seu direito de legatário a exigir o valor em dinheiro do legado efectuado (valor este que se imputará à quota disponível ou à legítima consoante a vontade expressa pelo autor do testamento) de acordo com o art.º 1685º, n.º 2 do CC, renovando, desta forma, o que já havia requerido a 31.7.2013 (cf. fls. 198).
j) Tal pedido foi indeferido através do seguinte despacho de 16.10.2015 (fls. 209 e seguintes):
«Por requerimento junto aos autos a fls. 198 e 199 (…) veio o interessado C (…), requer que seja reconhecido o seu direito de legatário a exigir o valor em dinheiro do legado que lhe foi efectuado, alegando que, o inventariado R (…) fez um testamento em que legou os bens imóveis a ambos os filhos, sucedendo que, quanto a este testamento, por decisão proferida nos autos em 15/7/2013, foi declarada a nulidade das disposições em espécie constantes do mesmo, e, de acordo com o artigo 1685º, n.º 2 do Código Civil e com a jurisprudência maioritária, o património comum dos cônjuges é um património colectivo que não confere a nenhum dos seus titulares, nem direitos sobre as coisas certas e determinadas, nem direito a uma quota sobre qualquer dessas coisas, e assim, a disposição que tenha por objecto coisa certa e determinada do património comum apenas dá ao contemplado o direito a exigir o respectivo valor em dinheiro, e é desta forma, nula quanto à forma, mas válida quanto ao valor a deixa testamentária de coisa determinada do património conjugal de que o testador não é proprietário exclusivo.
Notificada de tal requerimento, veio a interessada M (…) pronunciar-se no sentido de não ser atendida tal pretensão do interessado C (…)
Para que nos pronunciemos sobre o requerimento junto aos autos a fls. 198 e 199 (…) temos que analisar o que se passou nos presentes autos.
Assim, compulsados os autos, verificamos que em 02.3.2015 realizou-se a conferência de interessados na qual foram licitadas pela interessada M (…) as verbas n.º 4 e 9 da relação de bens, não tendo sido licitadas as verbas n.ºs 5, 6, 7, 8, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16 e 17.
Após, por requerimento de 24.7.2015 no qual se pronunciou sobre a forma à partilha, veio o interessado e cabeça-de-casal C (…) requerer que, quanto aos bens não licitados deverão os mesmos ser repartidos à sorte entre os Interessados, por lotes iguais conforme alínea c) do art.º 1374º do C. P. Civil (versão anterior à Lei 41/2013 de 26.6).
Por despacho de 17.9.2015 foi designado o dia 2.10.2015 para proceder ao sorteio dos lotes dos bens não licitados.
Por requerimento de 28.9.2015 veio o interessado e cabeça-de-casal C (…)requer que seja reconhecido o seu direito de legatário a exigir o valor em dinheiro do legado que lhe foi efectuado de acordo com o artigo 1685º, n.º 2 do Código Civil uma vez que por decisão proferida nos autos em 15/7/2013, foi declarada a nulidade das disposições em espécie constantes do testamento que o inventariado R (…) fez e em que legou os bens imóveis a ambos os filhos.
Do teor dos autos resulta efectivamente que pelo inventariado R (…) foi feito um testamento em que legou os bens imóveis a ambos os filhos, ou seja, foi feita uma disposição a qual teve por objecto coisa certa e determinada do património comum, pelo que foi declarada a nulidade das disposições em espécie constantes do referido testamento.
Dispõe o art.º 1685º do C. Civil que: (…)
Ora, atento o disposto neste preceito legal, temos que o interessado e cabeça-de-casal poderia ter exigido o valor em dinheiro da coisa certa e determinada objecto da disposição constante do testamento. E dizemos poderia, porque em nosso entender, no momento em que o fez tal já não era possível, visto que:
- em primeiro lugar, realizou-se a conferência de interessados na qual foram licitadas duas verbas e não licitadas as restantes, e como nada foi requerido pelo interessado e cabeça-de-casal C (…), o processo prosseguiu os seus ulteriores trâmites;
- em segundo lugar, no prosseguimento desses ulteriores trâmites, veio o mesmo interessado e cabeça-de-casal C (…) pronunciar-se sobre a forma à partilha e no que se refere aos bens não licitados requereu que os mesmos fossem repartidos à sorte entre os interessados, por lotes iguais.
Ora assim sendo, consideramos que o interessado e cabeça-de-casal C (…) deveria ter exigido o valor em dinheiro dos legados que lhe foram feitos em momento anterior ao que o fez, pois se, pelo interessado e cabeça-de-casal C(…) nada foi dito na conferência de interessados quanto aos bens não licitados (dos quais faziam parte os bens legados ao interessado e cabeça-de-casal C (…)), de seguida veio aquele mesmo interessado e cabeça-de-casal C (…) requerer que esses mesmos bens fossem repartidos à sorte entre os interessados, por lotes iguais, não será agora, em dia muito próximo da realização dessa diligência de sorteio, (…) que poderá ser atendível tal pretensão. A conduta processual e o que o interessado e cabeça-de-casal deixou plasmado nos autos, fez com que fosse designada diligência de sorteio dos bens não licitados com vista a estes serem atribuídos a algum dos interessados, não poderá, no nosso entendimento, o interessado e cabeça-de-casal mudar a sua pretensão quando (…) lhe apetecer e sem motivo fundamentado para tal, uma vez que tal acarretaria uma instabilidade processual que consideramos não ser admissível.
Além do mais, como bem refere a interessada M (…), pretendendo ela ver o seu quinhão composto em bens, não será exigível que seja obrigada a esperar que seja realizada a venda dos bens legados, para que assim o interessado e cabeça-de-casal C (…) possa receber o valor em dinheiro desses bens. Tal fim poderá por ele ser atingido se, após o sorteio e depois de satisfeito/composto o quinhão da interessada M (…), vender os bens que no mesmo lhe couberam, se assim o entender, tanto mais que, inexistindo dinheiro vivo no acervo hereditário, a única forma de o cabeça-de-casal se pagar em dinheiro será alienando bens da herança.
Pelo exposto, indefere-se o requerido pelo interessado e cabeça-de-casal C (…) a fls. 198 e 199 não se reconhecendo o seu direito a exigir o valor em dinheiro do legado que lhe foi efectuado.// Notifique.// ***// Elabore o mapa da partilha.»
k) Inconformado, o cabeça-de-casal recorreu daquela decisão interlocutória para este Tribunal da Relação, que, por acórdão de 16.3.2016, decidiu não conhecer do objecto do recurso dado o despacho determinativo da forma da partilha só poder ser impugnado na apelação interposta da sentença da partilha (cf. fls. 238 a 243).
Não obstante, afirmou ainda, nomeadamente:
«(…) Efectivamente, como acima se referiu (e transcreveu) por força do despacho de fls. 117 a 129, de 15 de Julho de 2013, já transitado, no que se refere à validade/eficácia dos legados, decidiu-se que os mesmos eram nulos, apenas concedendo aos legatários o direito a exigir o respectivo valor em dinheiro, em conformidade com o disposto no artigo 1685º, n.º 2, do CC.// Assim, a nível destes autos, está definitivamente arrumada tal questão, no sentido referido na decisão ora mencionada (cf. fls. 242 verso).» Sublinhado nosso, como o demais a incluir o texto.
«(…) Como é bom de ver, a questão suscitada pelo ora recorrente está em relação directa, contende, com a forma da partilha, influi o modo como se deve proceder à partilha dos bens que constituem a herança aberta por óbito dos inventariados
«(…) Acontece que, não obstante na parte final do despacho recorrido se ordene a elaboração do mapa de partilha, inexiste nos autos o despacho determinativo do modo como deve ser organizada a partilha (…).// Antes disso, reitera-se, impõe-se que seja proferido despacho determinativo do modo como deve ser organizada a partilha, o que ainda não ocorreu (fls. 243)».
l) No seguimento deste Acórdão, o Tribunal a quo proferiu o despacho de 16.5.2016 no qual ordenou que se elaborasse o mapa de partilha de acordo com a forma constante de fls. 187 a 189 e resultado do sorteio constante da acta de fls. 206 a 207 (cf. fls. 250).
m) Elaborado o mapa da partilha (fls. 268) o Recorrente veio reclamar do mesmo a 17.11.2016, dado que esse mapa não previa a imputação do valor de cada um dos imóveis ao legado em valor feito pelo inventariado R (…)a cada um dos interessados nos termos constantes do mencionado testamento [escreveu-se, no início do despacho: “Veio o cabeça-de-casal (…) reclamar do mapa da partilha elaborado nos autos, invocando, para tanto, que o mapa deveria fazer constar a imputação do valor dos imóveis aos respectivos legados, nos termos constantes do testamento do inventariado R (…).”], e cujas disposições em espécie foram declaradas nulas - reclamou-se porque o mapa da partilha não havia dado cumprimento às previsões do requerimento do cabeça-de-casal (fls. 187 a 189), que o Mm.º ordenou servissem de forma da partilha (cf. fls. 273). Tendo-se concluído ainda na parte final do mesmo requerimento (fls. 274 e seguinte): “E respeitando-se, ademais, a orientação que já se encontra traçada no douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 16-3-2016, o qual, ainda que não houvesse conhecido do mérito do recurso interposto pelo cabeça-de-casal fê-lo apenas porque a questão em causa apenas se resolveria com o despacho determinativo da forma à partilha e elaboração do respectivo mapa.”
n) A 31.01.2017, o Tribunal a quo decidiu das reclamações apresentadas pelo cabeça-de-casal e pela requerente M (…) [afirma-se no dito despacho: “A interessada M (…) opôs-se ao requerido, tendo também reclamado, uma vez que não tendo aprovado o passivo, não deverá o mesmo constar do mapa da partilha como valor a ser deduzido ao seu quinhão”], improcedendo a reclamação daquele e procedendo a reclamação desta (cf. fls. 292).
o) Neste despacho (recorrido) consignou-se, designadamente:
«(…) Ora, conforme decorre do teor de fls. 128 ficou decidido nos autos o seguinte: “em consequência da nulidade da disposição em espécie referida em 2, os imóveis objectos de legado devem ser relacionados como bens normais pertencentes à herança”.
Ulteriormente e a fl. 212 foi indeferido ao cabeça-de-casal o direito a exigir o dinheiro do legado efectuado.// Posto isto, entendemos que o mapa da partilha no que concerne ao valor dos imóveis não merece qualquer censura, razão pela qual improcede a reclamação apresentada.»
«No que concerne à reclamação apresentada pela requerente (M (…)), resulta do teor da acta de conferência de interessados de fls. 180 que a mesma não aprovou o passivo.// Nos termos do disposto no art.º 1354º e 1356º do CPC (versão aplicável) não tendo a dívida sido por si aprovada, a mesma ainda não se encontra judicialmente reconhecida quanto a si, razão pela qual por ora não poderá ser o valor deduzido no seu quinhão hereditário.// Face ao exposto e procedendo a reclamação apresentada, determino se proceda à rectificação do mapa da partilha de acordo com o agora determinado
p) Neste seguimento ordenou a rectificação do mapa de partilha de acordo com a reclamação da requerente M (…), despacho do qual se recorre na parte que indeferiu a reclamação apresentada pelo cabeça-de-casal ao mapa de partilha de fls. 268, não se contemplando nesse mapa o valor em dinheiro do legado que foi efectuado ao Recorrente pelo inventariado R (…).
q) A 06.3.2018 foi elaborado o mapa da partilha de fls. 298 a 300.
r) A 19.4.2018 foi homologada por sentença a partilha, segundo o referido mapa (fls. 304).
2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.
Aderindo ao entendimento de que as disposições legais com a redacção anterior à entrada em vigor do Código de Processo Civil (CPC) de 2013 (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26.6), aplicáveis aos processos de inventário pendentes em tribunal, serão apenas aquelas que se reportam à regulamentação específica do processo de inventário, aplicando-se quanto ao demais, mormente em matéria de recursos instaurados após 01.9.2013, o regime do actual CPC (cf. os art.ºs 7º e 8º da Lei n.º 23/2013, de 05.3 - que estabelece o actual regime jurídico do processo de inventário) Cf., entre outros, os acórdãos da RG de 28.01.2016-processo 41/12.5TBAMR.G1 e da RE de 15.12.2016-processo 301/09.2TBVNO-A.E1, publicados no “site” da dgsi., dúvidas não restam de que importa sobretudo reapreciar as decisões interlocutórias de 16.10.2015 e 31.01.2017 (cf. o art.º 1396º do CPC, na redacção conferida pelo DL n.º 303/2007, de 24.8).
Assim, a resposta deverá ser encontrada a partir do regime jurídico estatuído no CPC de 1961 (com as alterações introduzidas pelo DL n.º 227/94, de 08.9 e pelo DL n.º 329-A/95, de 12.12) e CC, aplicável à situação dos autos.
3. Nos termos do art.º 1685º do CC (sob a epígrafe “disposições para depois da morte”): Cada um dos cônjuges tem a faculdade de dispor, para depois da morte, dos bens próprios e da sua meação nos bens comuns, sem prejuízo das restrições impostas por lei em favor dos herdeiros legitimários (n.º 1). A disposição que tenha por objecto coisa certa e determinada do património comum apenas dá ao contemplado o direito de exigir o respectivo valor em dinheiro (n.º 2). Pode, porém, ser exigida a coisa em espécie: a) Se esta, por qualquer título, se tiver tornado propriedade exclusiva do disponente à data da sua morte; b) Se a disposição tiver sido previamente autorizada pelo outro cônjuge por forma autêntica ou no próprio testamento; c) Se a disposição tiver sido feita por um dos cônjuges em benefício do outro (n.º 3).
E preceitua o art.º 2252º do CC (com a epígrafe “legado de coisa pertencente só em parte ao testador”) que se o testador legar uma coisa que não lhe pertença por inteiro, o legado vale apenas em relação à parte que lhe pertencer, salvo se do testamento resultar que o testador sabia não lhe pertencer a totalidade da coisa, pois, nesse caso, observar-se-á, quanto ao restante, o preceituado no artigo anterior (n.º 1). As regras do número anterior não prejudicam o disposto no artigo 1685º quanto à deixa de coisa certa e determinada do património comum dos cônjuges (n.º 2).
4. O art.º 1685º do CC é uma norma sobre os poderes de disposição mortis causa reconhecidos ao marido e à mulher.
Assim, no n.º 1 prevê-se a possibilidade de cada um deles dispor, para depois da morte, não só dos bens próprios, mas também da sua meação dos bens comuns (coisa legada só em parte pertencente ao testador em virtude de este dispor, no testamento, de coisa certa e determinada pertencente ao património comum dos cônjuges), ressalvadas as limitações impostas por lei em benefício dos herdeiros legitimários (art.ºs 2156º e seguintes do CC).
E o n.º 2 do citado art.º da lei civil substantiva dá-nos a seguinte solução: a disposição que incide sobre bens certos e determinados pertencentes à comunhão é sempre válida quanto ao valor e sempre nula, em princípio, quanto à substância, de tal modo que o contemplado pode sempre exigir o respectivo valor em dinheiro (a disposição de coisa certa e determinada do património comum é válida mas converte-se, por força da lei, em disposição do respectivo valor em dinheiro), mas nunca pode, em princípio, exigir a própria coisa.
E o n.º 3 do art.º 1685º só permite que o contemplado exija a coisa em espécie, e não o simples valor dela em dinheiro, quando a coisa se tenha tornado propriedade exclusiva do disponente até à data da sua morte (alínea a) do referido n.º) Vide, entre outros, Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. IV, 2ª edição, Coimbra Editora, 1987, págs. 311 e seguintes (citando também o prof. Braga da Cruz, Capacidade patrimonial dos cônjuges, in BMJ, n.º 69, 1957, pág. 377) e vol. VI, 1998, pág. 403. ou verificadas as restantes situações ressalvadas nesse mesmo n.º.
O aludido artigo do CC só tem eficácia (maxime, a consequência jurídica estabelecida no n.º 2 do art.º) - só se assume, verdadeiramente, como uma norma jurídica - no âmbito da comunhão pós-matrimonial, depois da dissolução do casamento por morte do testador, pois só então operam os efeitos jurídicos estatuídos pelo testador. Vide, nomeadamente, F. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, Imprensa da Universidade de Coimbra, Vol. I., 5ª edição, 2016, págs. 474 e seguintes.
Expostos as regras e os princípios a considerar, vejamos se é de atender a pretensão do cabeça-de-casal/recorrente.
5. Como vimos, relativamente a esta matéria - versada nos despachos ditos em II. 1. alíneas j), o) e p), supra -, esta Relação já se pronunciou, claramente, no acórdão de 16.3.2016: «(…) por força do despacho de fls. 117 a 129, de 15 de Julho de 2013, já transitado, no que se refere à validade/eficácia dos legados, decidiu-se que os mesmos eram nulos, apenas concedendo aos legatários o direito a exigir o respectivo valor em dinheiro, em conformidade com o disposto no artigo 1685º, n.º 2, do CC.// Assim, a nível destes autos, está definitivamente arrumada tal questão, no sentido referido na decisão ora mencionada (cf. fls. 242 verso e II. 1. k), supra).//(…) a questão suscitada pelo ora recorrente está em relação directa, contende, com a forma da partilha, influi o modo como se deve proceder à partilha dos bens que constituem a herança aberta por óbito dos inventariados
Respeitando o dito aresto foi depois proferido o despacho determinativo do modo como deve ser organizada a partilha (fls. 250 e II. 1. l), supra).
6. Ora, independentemente do expendido naquele acórdão, dúvidas não restam relativamente à factualidade que importa considerar e bem assim quanto ao regime jurídico aplicável: o n.º 2 do art.º 1685º do CC diz-nos, relativamente às disposições testamentárias aludidas em II. 1. b), supra, que os contemplados (legatários e herdeiros legitimários) podem sempre exigir o respectivo valor em dinheiro, pois a disposição de coisa certa e determinada do património comum é válida mas converte-se, por força da lei, e em regra, em disposição do respectivo valor em dinheiro.
7. Assim, porque na situação dos autos não se verificam quaisquer dos casos mencionados no n.º 3 do mesmo art.º, o cabeça-de-casal/recorrente e a irmã M (…) têm direito a receber em dinheiro o valor dos bens que lhe foram legados, ressalvadas as limitações impostas por lei em benefício dos herdeiros legitimários (art.ºs 2156º e seguintes do CC), sabendo-se que no caso em apreço os legados foram feitos “ por conta da quota disponível” e “em substituição da legítima”, conforme explicitado em II. 1. b), supra, e que a legítima Entende-se por legítima a porção de bens de que o testador não pode dispor, por ser legalmente destinada aos herdeiros legitimários (art.º 2156º do CC). é intangível, quantitativa e qualitativamente Importa, pois, respeitar o princípio da intangibilidade da legítima (cf. os art.ºs 2156º e 2159º do CC), sabendo-se que a sucessão legitimária, necessária ou forçada comporta diversas normas imperativas (direito imperativo), entre as quais, as que enumeram os herdeiros legitimários e impõem que as doações inter vivos se mantenham dentro dos limites da quota disponível (cf. os art.ºs 2156º e seguintes do CC) - vide, nomeadamente, Inocêncio Galvão Telles, Direito das Sucessões, Noções Fundamentais, 6ª edição (reimpressão), Coimbra Editora, 1996, págs. 101 e seguintes e 154; Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. VI, Coimbra Editora, 1998, págs. 252 e seguintes e J. A. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol. I, 4ª edição, Livraria Almedina, Coimbra, 1990, págs. 140 e seguintes. , sendo que no legado em substituição da legítima se verifica a substituição da própria quota legitimária do herdeiro São herdeiros legitimários o cônjuge, os descendentes e os ascendentes, pela ordem e segundo as regras estabelecidas para a sucessão legítima (art.º 2157º do CC). A legítima do cônjuge e dos filhos, em caso de concurso, é de dois terços da herança (art.º 2159º, n.º 1 do CC). Não havendo cônjuge sobrevivo, a legítima dos filhos é de metade ou dois terços da herança, conforme exista um só filho ou existam dois ou mais (n.º 2). (é deixada ao herdeiro legitimário o legado que substituirá essa legítima, caso ele o aceite). Vide J. A. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol. I, ob. cit., págs. 83 e seguinte.
8. Daí, tem razão o recorrente quando diz pretender que seja reconhecido aos legatários o direito ao valor em dinheiro da coisa objecto do legado (maxime, que o valor dos bens relacionados em causa seja considerado, oportunamente, valor do legado aos interessados conforme decisão de 15.7.2013) (cf. II. 1. c), supra), valor que deverá ser imputado à quota disponível ou à legítima consoante a vontade expressa pelo autor do testamento (cf. II. 1. b) e i), supra) e levando ainda em conta, no preenchimento dos quinhões hereditários, designadamente, a avaliação dos bens (fls. 151 e esclarecimentos), as licitações e o resultado do sorteio dos lotes dos bens não licitados (cf. II. 1. f) e h), supra, e fls. 206).
Tudo o mais tem a ver com a organização do mapa da partilha [conforme já determinado a fls. 250; cf., ainda, II. 1. alíneas l), n) e o), supra, nestas últimas alíneas, quanto à não aprovação ou reconhecimento do passivo mencionado na “relação de bens”] e simples operações de matemática que, no caso em análise, permitirão concluir qual dos herdeiros terá direito a receber tornas do outro, sendo evidente, ao contrário do que parece ser a posição do tribunal a quo, que nada justifica ou impõe a venda de quaisquer bens da herança e que, procedendo-se da forma apontada, será respeitada a vontade do inventariado/testador e o entendimento segundo o qual o juízo do inventário é sobretudo um juízo de equidade onde se deve evitar que uns interessados se locupletem à custa dos outros. Vide J. A. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol. II, 4ª edição, Livraria Almedina, Coimbra, 1990, pág. 421.
9. Por conseguinte, importa revogar as decisões interlocutórias de 16.10.2015 e 31.01.2017 (ao indeferir a reclamação apresentada ao mapa da partilha pelo cabeça-de-casal/fls. 273/281), com a amplitude descrita (e a tramitação subsequente que delas depende), bem como a sentença homologatória da partilha plasmada no mapa de fls. 298 a 300, atribuindo-se aos herdeiros os respectivos quinhões.
10. Procedem, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.
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III. Pelo exposto, na procedência da apelação, revogam-se os despachos interlocutórios de 16.10.2015 (na parte em que não reconheceu o direito do recorrente a exigir o valor em dinheiro do legado que lhe foi efectuado pelo inventariado R (…)) e de 31.01.2017 (na parte que indeferiu a reclamação apresentada pelo cabeça-de-casal/recorrente ao mapa da partilha) e a sentença homologatória da partilha (segundo o mapa de fls. 298 a 300), com as consequências assinaladas em II., 7. e 8., supra.
Custas pela recorrida/apelada.
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23.10.2018

Fonte Ramos ( Relator )
Maria João Areias
Alberto Ruço