Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2430/09.3TBLRA-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VIRGÍLIO MATEUS
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
ÓNUS DA PROVA
FALTA DE CITAÇÃO
Data do Acordão: 05/03/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.351, 352, 864 CPC, 1691, 1695, 1696 CC
Sumário: 1. Nos embargos de terceiro por parte do cônjuge, compete a este provar o casamento e a natureza comum dos bens apreendidos e cabe ao credor provar os factos donde se conclua que a dívida é da responsabilidade de ambos os cônjuges ou que a responsabilidade subsidiária deve actuar ou que o caso se integra na previsão do nº 2 do artigo 1696º do CC.

2. Não cabe ao tribunal de recurso apreciar a questão da nulidade de falta de citação no arresto, sem que essa nulidade tenha sido previamente arguida na 1ª instância.

Decisão Texto Integral: ACORDAM O SEGUINTE:

I - Relatório:

1). Em 30.01.2009, F (…) intentou procedimento cautelar de arresto contra:

1º- N (…), casado, empresário;

2º- S (…), solicitadora,

--pedindo o arresto dos seguintes bens:

a)- Os bens móveis existentes dentro da fracção autónoma com descrição registal sob o nº 0000...;

b)- Os saldos da conta bancária do 1º R, no Banco (...);

c)- O prédio urbano matriciado sob o artigo 0001...;

d)- O prédio urbano com descrição registal sob o nº 0000.../ (...);

e)- A quota social do 1º R. na sociedade (...), Lda.

Em 13.02.2009 foi proferida decisão ordenando o arresto sobre os bens a) a e), o qual foi efectivado e tendo de tal os RR sido notificados.

2). Em 7.4.2009, N (…), casada com o referido 1º R. sob o regime de comunhão de adquiridos, deduziu por apenso estes embargos de terceiro, alegando, em síntese, que os bens arrestados são bens comuns do casal e que a dívida é apenas da responsabilidade do 1º R. e, como o arresto incidiu sobre a totalidade dos bens, ofende a meação da embargante.

Concluiu pedindo que fosse “ordenado o levantamento do arresto, reduzindo-o por forma a não ofender a propriedade da requerente”.

3). O despacho de fls. 37 recebeu os embargos e ordenou a notificação dos “intervenientes iniciais” para contestarem. Foram o arrestante e os referidos 1º e 2º RR notificados (fls. 38 a 40).

4). O arrestante F (...) contestou, invocando, além do mais, que há ilegitimidade passiva por os embargos terem sido dirigidos apenas contra uma das partes primitivas e que os RR desenvolviam em conjunto a actividade imobiliária e comercial e a quantia em dívida foi aplicada em proveito comum do casal, pelo que a mesma dívida é da responsabilidade de ambos cônjuges – art. 15º do C. Com. e 1691º/1 al. c) e d) do CC. Logo, a responsabilidade é do casal, respondendo os bens comuns e, na falta ou insuficiência deles, solidariamente os bens próprios de qualquer dos cônjuges.

5). Foi proferido saneador-sentença, que: julgou as partes legítimas por ter sido cumprido o art. 357º do CPC; considerou que o arresto incidiu sobre bens comuns do casal, os de a), b) e d), pelo que a “esposa” do R. devia ter sido demandada; considerou que a qualidade da embargante como terceiro estava demonstrada; e concluiu pela procedência dos embargos, ordenando o levantamento do arresto quanto aos bens sob as al. a), b) e d).

6). Inconformado, recorre o arrestante F (…), concluindo a sua alegação:

1.Da factualidade dada como assente, nunca o tribunal a quo poderia ter chegado à conclusão de que a dívida seria apenas da responsabilidade do requerido na providência cautelar de arresto ou se a meação daquele nos bens comuns do casal responderia ou não pela dívida, sendo nula, nessa medida, a douta sentença ora recorrida.

2.Por outro lado, contrariamente à posição adoptada pelo tribunal a quo, não houve no arresto preterição de litisconsórcio passivo entre cônjuges, pois, no modesto entendimento do ora Recorrente, a situação em concreto, à luz do nº 3 do artigo 28º-A, do CPC, será de litisconsórcio voluntário e não necessário, isto porque não foram arrestados bens próprios da ora Recorrida.

3.Ao requerente é legítimo arrestar, subsidiariamente, a meação do requerido nos bens comuns do casal, para garantir o seu crédito, sem que para isso tenha necessidade em (?) demandar o cônjuge do responsável pela dívida.

4.Além disso, admitindo-se a aplicação das regras da penhora ao arresto, por força do nº 2 do artigo 406º do CPC, o que é duvidoso em relação a determinados efeitos, ao contrário da posição tomada pelo tribunal a quo, o requerente não tem o dever de mandar citar o cônjuge do requerido para que este, no prazo para a oposição ao arresto, requeira a separação de meações.

5.Tal encargo, a existir, conforme se alegou, cabe ao tribunal ou ao agente de execução, nos termos dos artigos 825.°, nº 1, 864.°, nº 1 e 3 e 864-A, nºs 1 e 2, do CPC.

6.Por outro lado, ao invés daquilo que defende a douta decisão recorrida, em parte alguma o nº 1, do artigo 825.°, do CPC, impõe o dever ao exequente de requerer a citação do cônjuge do executado para requerer a já dita separação de meações, algo que ficou esclarecido nos trabalhos preparatórios da Reforma de 2003.

7.Todavia, admitindo-se que teria sido preterido litisconsórcio necessário, o que por mera hipótese académica se admite, mas sem conceder, tal excepção dilatória, sendo do conhecimento oficioso deveria ter sido sanada pelo tribunal a quo, o que não aconteceu.

8.Ora, se estamos perante a falta de citação do cônjuge do requerido, deverá, naquele apenso, considerar-se nulo tudo o que tiver sido processado após tamanha omissão.

9.Contudo, até por uma questão de economia processual, poderão os presentes embargos proceder, parcialmente, determinando-se o levantamento do arresto, apenas, sobre a meação da ora Recorrida nos bens comuns do casal.

10. Pois, já a meação do requerido deverá responder, subsidiariamente, pela dívida.

11. Com a prolação do despacho apelado foram violadas as normas dos artigos 28-A, nº 3, 265.°, nº 2, 406.°, nº 2, 495.°, 668.°, nº 1, alíneas b) e d), 825.°, nº 1 e 5, 864.°, nº 1 e 3, 864.0-A, nº 1 e 2, todos do CPC e o nº 1, do artigo 1696.° do CC.

Termos em que deverá a douta decisão recorrida declarar-se nula, na parte em que aprecia a responsabilidade pela dívida, bem como se o arresto pode incidir sobre a meação do requerido;

Devendo, ainda, revogar-se a decisão recorrida, quanto ao levantamento do arresto, substituindo-a por outra que o ordene apenas quanto à meação.

Não há contra-alegação.

Correram os vistos. Nada obsta ao conhecimento do objecto do recurso.

As questões suscitadas para apreciação no recurso são as que emergem das conclusões da alegação.

II - Fundamentos:

A 1ª instância julgou provado o seguinte:

A)- A Embargante de Terceiro é casada com o requerido N (…), sob o regime da comunhão de adquiridos;

B)-Contraíram matrimónio no dia 24-5-2003;

C)-Para casa de morada de família adquiriram a fracção autónoma sita em (...)- (...)- (...), correspondente ao r/c esq, com garagem designada pela Letra G-7 e arrumos, designados pela letra A-5, descrita na 2ª CRP de (...) sob o nº 0000... (...), inscrição G, correspondendo a um bem comum do casal;

D)-A referida casa de morada de família encontra-se recheada;

E)- A Embargante de Terceiro é co-titular, com o requerido, da conta cujo NIB é (...), do Banco (...) (...) (Portugal) SA.

A sentença deu ainda como assente que a embargante não foi citada no arresto.

A decisão de facto não vem impugnada nos termos do artigo 685º-B do CPC e mantém-se, pelo que cumpre apreciar o recurso e decidir de direito:

Primeira questão: Da nulidade da sentença por falta de fundamentação (art. 668º/1 b) do CPC):

Verificamos que a sentença contém a fundamentação de facto e a fundamentação de direito, aliás estruturalmente demarcadas como é fácil de verificar.

Só a ausência completa de fundamentação constituiria a configurada nulidade de sentença; não assim a eventual fundamentação deficiente. A discordância do apelante sobre um diferente sentido que a decisão deveria acolher quanto ao mérito, ainda que o apelante tenha ou tivesse razão, não é motivo de nulidade de sentença. As nulidades de sentença são vícios formais, que diferem dos juízos de procedência ou improcedência do recurso, respeitantes ao mérito.

A arguição falece.

Segunda questão: Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia (art. 668º/1 d) do CPC):

Pretende ao apelante que, se o tribunal da 1ª instância considerava, como considerou, que a embargante devia ter sido demandada, então isso representaria litisconsórcio necessário. E, a haver litisconsórcio necessário (art. 28º-A/3 do CPC), devia o tribunal, em vez de ter ordenado o levantamento do arresto sobre os bens comuns, ter diligenciado pelo suprimento da preterição, pois que cabe ao agente da execução efectuar a citação, sem necessidade de o arrestante a pedir.

Apreciemos.

É certo que:

- a 1ª instância julgou as partes legítimas, mas, algo contraditoriamente, na fundamentação de direito considerou que o cônjuge do arrestado devia ter sido demandado juntamente com o seu cônjuge;

- a actual redacção do art. 825º/1 do CPC já não exige, no caso de serem penhorados bens comuns do casal em que um dos cônjuges não tenha sido demandado, que seja pedida a citação do cônjuge não demandado: diz apenas «cita-se», onde na redacção anterior à dada pelo DL nº 38/03 de 8.3 se dizia «contanto que o exequente… peça a citação…». A intencionalidade da alteração legislativa é clara: a realização da citação do cônjuge é de iniciativa oficiosa, não dependendo de pedido.

A sentença, depois de citar os artigos 351º e 352º do CPC, expendeu a seguinte fundamentação de direito:

«(…) o artigo 1696 do C.C. estabelece no seu nº 1 que pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges respondem os bens próprios do devedor, e, subsidiariamente, a sua meação dos bens comuns.

«E, em conformidade, preceitua o nº 1 do artigo 825º do C.P.C. que na execução movida contra um só dos cônjuges, podem ser penhorados bens comuns do casal, contanto que o exequente ao nomeá-los à penhora, peça a citação do cônjuge do executado, para requerer a separação de bens.

«No caso em apreço, a diligência de Arresto decretada incidiu sobre bens que não constituem apenas o acervo patrimonial individual do requerido N (…), como já demonstrado documentalmente nos presentes autos - Escritura da fracção arrestada, que é a casa de morada de família, devidamente recheada, bem como Declaração da entidade bancária, relativamente à conta igualmente arrestada - sendo certo que a sua esposa é alheia à diligência, bem como aos autos de Procedimento Cautelar, não tendo sido processualmente demandada.

«Se o propósito do requerente do Arresto era vir a acautelar a garantia do seu crédito com bens do requerido, bem sabendo que o mesmo é casado, tal qual o identificou, podendo vir a incidir a diligência cautelar sobre bens que poderiam fazer parte do acervo patrimonial do casal, como veio a ser requerido e deferido, deveria ter demandado a sua esposa, assegurando aqui a finalidade processual desejada e processualmente assegurada, no que dispõe o art.28º nº3º do CPC.

«Não o fez, pelo que a qualidade de Terceiro, por parte da ora Embargante está devidamente demonstrada, vindo igualmente a ficar assente a sua co-titularidade nos bens que foram objecto de Arresto e que constam a fls. 145 e seguintes dos autos de Arresto e que respeitam às alíneas a); b); e d) da decisão que decretou o Arresto.

«Em face do exposto impõe-se a procedência total dos presentes autos de Embargos de Terceiro».

Ou seja: a decisão de levantamento do arresto quanto aos bens sob as al. a), b) e d), baseou-se em duas premissas: 1ª) o arrestante devia ter demandado também o cônjuge do 1º R. por força do art. 28º-A/3 do CPC, mas não o fez, pelo que o cônjuge do 1º R. tem a qualidade de terceiro; 2ª) os bens sob as al. a), b) e d) são bens comuns.

Foram portanto dois os fundamentos da decisão: o cônjuge embargante é terceiro e os bens arrestados a), b) e d) são comuns.

A sentença falhou ao considerar, com base em preceito revogado, que o arrestante tinha o ónus de pedir a citação do cônjuge. Que o não tem, já acima o explicitámos.

Mas a arguição que agora nos ocupa tem a ver apenas com a omissão de pronúncia. Se bem se entende tal arguição, pelo que consta das conclusões 7ª, 8ª e 11ª, o apelante defende que, na hipótese de se entender que foi preterido o litisconsórcio necessário, tal excepção dilatória, sendo do conhecimento oficioso, deveria ter sido sanada pelo tribunal a quo, o que não aconteceu: daí a nulidade por omissão de pronúncia, ou seja, o tribunal devia oficiosamente ter ordenado a citação do cônjuge do requerido, que foi omitida.

Assim sendo, o caso (de falta de citação do cônjuge que deveria ter sido ordenada oficiosamente) não é de omissão de pronúncia, como vício da sentença.

Os vícios de sentença enumerados no artigo 668º do CPC são vícios intrínsecos da própria sentença. A omissão de pronúncia ocorre quando o juiz devia ter conhecido de determinada questão na sentença e dela não conheceu.

Todavia, não é na sentença que julga os embargos que o juiz deve ordenar (ou providenciar pelo suprimento da falta de) uma citação que deveria (se é que deveria) ter sido realizada nos autos de arresto e o não foi. Tanto mais que tal não era questão suscitada nos articulados, de modo que o juiz devesse conhecer da questão na sentença.

De outro modo se dirá: a haver, nos autos de arresto, omissão de citação do cônjuge nos termos dos art. 825º/1 e 864º/3 a) do CPC, essa omissão constituirá uma nulidade de processo, mais exactamente nulidade de falta de citação (vd. 864º/11), mas não um vício intrínseco à sentença dos embargos.

Consequentemente, falece a arguição de nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre a dita questão.

Terceira questão:

Na conclusão 1ª, defende o apelante que, da factualidade dada como assente, nunca o tribunal a quo poderia ter chegado à conclusão de que a dívida seria apenas da responsabilidade do requerido na providência cautelar de arresto ou que a meação daquele nos bens comuns do casal responderia ou não pela dívida, sendo nula, nessa medida, a douta sentença ora recorrida.

Evidentemente, ainda que a sentença tenha decidido erradamente, tal não pode constituir nulidade de sentença, pois não é vício formal, intrínseco. O apelante perspectiva todas as suas discordâncias em termos de nulidades de sentença e isso é um erro palmar. Nos termos do artigo 685º-A/1 do CPC, os fundamentos de recurso não têm de visar apenas a anulação da sentença. Podem tender à sua alteração, ou revogação.

Nulidade de sentença não se deve confundir com erro de julgamento.

A pertinência da questão suscitada resume-se, pois, a saber se da factualidade dada como assente não deveria o tribunal a quo ter concluído que a dívida é apenas da responsabilidade do requerido no arresto ou que a meação daquele nos bens comuns do casal deveria responder pela dívida.

Num regime de comunhão de bens no casamento, pode haver três esferas patrimoniais: o património constituído pelos bens próprios de cada um dos cônjuges e o património constituído pelos bens comuns do casal.

Em geral, havendo dívidas, estas podem ser da responsabilidade de ambos os cônjuges ou da responsabilidade de um só cônjuge (art. 1691º, 1692º, 1693º e 1694º do CC). É a partir dessa distinção fundamental que se determinam quais os bens (próprios de cada um ou comuns) que respondem por determinada dívida.

O artigo 1695º do CC preceitua quais os bens que respondem pelas dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges, assim:

No nº 1: «Pelas dívidas que são da responsabilidade de ambos os cônjuges respondem os bens comuns do casal e, na falta ou insuficiência deles, solidariamente os bens próprios de qualquer dos cônjuges». No nº 2: «No regime da separação de bens, a responsabilidade dos cônjuges não é solidária».

Por sua vez, o artigo 1696.º do CC preceitua quais os bens que respondem pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges, assim:

No nº1: «Pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges respondem os bens próprios do cônjuge devedor e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns». Subsidiariamente, quer dizer: quando não se conheçam bens suficientes do cônjuge devedor.

No nº 2: «Respondem, todavia, ao mesmo tempo que os bens próprios do cônjuge devedor: a) Os bens por ele levados para o casal ou posteriormente adquiridos a título gratuito, bem como os respectivos rendimentos; b) O produto do trabalho e os direitos de autor do cônjuge devedor; c) Os bens sub-rogados no lugar dos referidos na alínea a)».

No caso concreto, não se verifica a previsão deste nº 2 e, por outro lado, sabemos que os cônjuges são casados sob o regime da comunhão de adquiridos e que os bens sob as al. a), b) e d) do arresto são comuns. Tal foi considerado na sentença, com base no provado, e não vem posto em causa no recurso.

O que não consta do provado são factos donde se possa concluir que a dívida que motivou o arresto é uma dívida da responsabilidade de ambos os cônjuges ou somente da responsabilidade do cônjuge N (…), ou concluir que é caso de a responsabilidade subsidiária (cf. 1696º/1 cit.) dever actuar.

Na falta dessa prova, como decidir?

Há que nos socorrermos das regras de distribuição do ónus da prova.
O art. 352.º do CPC (Embargos de terceiro por parte dos cônjuges) preceitua:
«O cônjuge que tenha a posição de terceiro pode, sem autorização do outro, defender por meio de embargos os direitos relativamente aos bens próprios e aos bens comuns que hajam sido indevidamente atingidos pela diligência prevista no artigo anterior».
Tal como os tribunais superiores já entendiam antes da reforma de 1995/96, ao cônjuge embargante basta provar o casamento e a natureza comum dos bens apreendidos, cabendo sim ao credor provar que a dívida é da responsabilidade de ambos ou que a responsabilidade subsidiária deve actuar. Vejam-se os acórdãos do STJ de 29.9.93 (Faria de Sousa, em www.dgsi.pt), de 9.11.95 (Sampaio da Nóvoa) in BMJ 451/344, e 25.6.96 (Amâncio Ferreira, em www.dgsi.pt), entre outros. Com tal reforma, deve seguir-se o mesmo regime de distribuição do ónus da prova (cf. Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. I, em anotação ao art. 352º do CPC).

Nestes embargos de terceiro por parte do cônjuge, competia a este provar o casamento e a natureza comum dos bens apreendidos, enquanto ao credor cabia provar os factos donde se concluísse que a dívida é da responsabilidade de ambos os cônjuges ou que a responsabilidade subsidiária devia actuar ou que o caso se integrava na previsão do nº 2 do artigo 1696º do CC.

Ora, o credor embargado não obteve a prova dos pressupostos da actuação da responsabilidade de ambos os cônjuges, nem a prova dos pressupostos da actuação da responsabilidade sobre os bens comuns ainda que subsidiária, nem a prova da previsão do nº 2 do artigo 1696º do CC. Só a embargante cumpriu o ónus da prova que sobre si impendia, pelo que, no âmbito da questão agora em análise, os embargos tinham de proceder quanto aos bens comuns apreendidos.

Quarta questão:

Na conclusão 2ª, defende o apelante que, contrariamente à posição adoptada pelo tribunal a quo, não houve no arresto preterição de litisconsórcio passivo entre cônjuges.

Sucede que a 1ª instância, embora fizesse alusão ao facto de a embargante não ter sido demandada, nada decidiu com base na eventual preterição de litisconsórcio necessário passivo. Daí que a solução da questão não tem qualquer interesse para a pretendida alteração da parte decisória.

O seu conhecimento está prejudicado.

Quinta questão:

Na conclusão 3ª, defende o apelante que lhe é legítimo arrestar, subsidiariamente, a meação do requerido nos bens comuns do casal, para garantir o seu crédito, sem que para isso tenha necessidade de demandar o cônjuge do responsável pela dívida.

A questão tem solução negativa para o apelante, por três razões.

Por um lado, não há factos provados donde se possa concluir que apenas o 1º R é responsável pela dívida ou que esta é da responsabilidade do casal.

Por outro lado, não foi arrestada a meação dos bens comuns, mas sim os bens por inteiro, e a questão da redução à meação não foi suscitada na contestação, para a 1ª instância a apreciar, constituindo agora questão nova, que por isso exorbita do âmbito do recurso.

Finalmente, o recurso não é sede própria para alegação dos factos tradutores da subsidiariedade (não conhecimento de bens suficientes do cônjuge devedor).

Sexta questão:

Na conclusão 8ª, defende o apelante que, se estamos perante a falta de citação do cônjuge do requerido, deverá, naquele apenso, considerar-se nulo tudo o que tiver sido processado após tal omissão.

A questão é impertinente, neste recurso.

Se o apelante considera que nos autos de arresto foi cometida alguma nulidade, por acção ou omissão, devia argui-la sim nesses autos (cf. art. 864º/11 do CPC). Os embargos não são, e muito menos o recurso, a sede própria para essa arguição. O próprio apelante reconhece que a nulidade haveria de ser apreciada “naquele apenso”, querendo referir-se aos autos de arresto a que os embargos estão apensados.

Para apreciação da questão no recurso, devia o apelante previamente ter arguido a nulidade de falta de citação na 1ª instância; e da decisão que fosse proferida sobre a nulidade é que então caberia recurso. Vale aqui o aforismo: das nulidades (de processo) reclama-se, das decisões recorre-se.

As questões suscitadas noutras conclusões da alegação ficaram solucionadas ao tratarmos das questões versando as nulidades de sentença.

Em síntese final:

1. Não se verificam as arguidas nulidades de sentença.

2. Nestes embargos de terceiro por parte do cônjuge, competia a este provar o casamento e a natureza comum dos bens apreendidos e cabia ao credor provar os factos donde se concluísse que a dívida é da responsabilidade de ambos os cônjuges ou que a responsabilidade subsidiária devia actuar ou que o caso se integrava na previsão do nº 2 do artigo 1696º do CC.

3. A embargante cumpriu o ónus da prova que sobre si impendia, mas outro tanto não sucedeu com o credor embargado, pelo que os embargos tinham de proceder quanto aos bens comuns apreendidos.

4. Não cabe ao tribunal de recurso apreciar a questão da nulidade de falta de citação no arresto, sem que essa nulidade tenha sido previamente arguida na 1ª instância.

III- Decisão:

Pelo exposto, acordam nesta Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão impugnada.

Custas pelo apelante.


Virgílio Mateus ( Relator )
Carvalho Martins
Carlos Moreira