Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2419/07.7TBPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: DANO BIOLÓGICO
ACTUALIZAÇÃO DA INDEMNIZAÇÃO
INÍCIO
JUROS
Data do Acordão: 11/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE POMBAL – 1.º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 496.º/1 R 494.º DO CC
Sumário: 1 - Tendo o A./lesado 52 anos na data em que ocorreu o acidente, exercendo a profissão de pedreiro com a retribuição anual de € 7.084,00 e tendo ficado com uma IPG de 6%, é equitativo fixar (por reporte à data da PI) a indemnização pelo dano biológico em € 5.000,00.

2 - Não obstante o sentido do Acórdão Uniformizador 4/2002, é possível não efectuar a actualização da indemnização por tal dano à data da sentença e, então, não se fazendo a actualização, conceder juros, não desde a data da sentença, mas desde a citação; assim como é possível – no pólo oposto – considerar como data mais recente atendível, não a sentença de 1.ª Instância, mas o Acórdão da Relação e fazer a actualização à data da prolação deste.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A... , residente em (...), Cabeceiras de Bastos, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra a Companhia de Seguros B... , S.A., com sede em Lisboa, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe uma indemnização no montante de € 38. 329,92 (sendo € 1.684,24 de não recebimento de salários, € 16.645,63 de “danos matérias futuros” e € 20.000,00 de danos não patrimoniais), acrescida de juros desde a citação até integral pagamento.

Alegou, em síntese, que, no dia 22/11/2006, quando se encontrava de pé a arrumar ferramentas no porta-bagagens do seu veículo, foi embatido/colhido pelo veículo segurado na R., quando este se encontrava a efectuar uma manobra de marcha atrás, tendo, em consequência de tal atropelamento, sido projectado para o interior do porta-bagagens, o que lhe causou as lesões e sequelas (que detalhadamente descreve), que determinaram internamentos, tratamentos hospitalares e de fisioterapia e, no final, uma IPP de 15%.; razão porque, sendo a R., em face do contrato de seguro existente, responsável pelo ressarcimento dos danos por si sofridos, formula o pedido indemnizatório mencionado.

A R. contestou, assumindo a sua responsabilidade pelo acidente (de que já suportou valores, que indica), impugnando, porém, os valores reclamados pelo A., que reputa de excessivos; concluindo, a final, que o pedido seja julgado de acordo com o que invoca e se vier a provar.

Foi proferido despacho saneador – em que foi declarada a total regularidade da instância, estado em que se mantém – organizada a matéria factual com interesse para a decisão da causa e instruído o processo.

Após o que, realizada a audiência, o Exmo. Juiz de Circulo proferiu sentença, concluindo a sua decisão do seguinte modo:

“ (…) na procedência parcial da acção:

1. Condena-se a R. a pagar ao Autor a quantia de € 21.159,45, a título de danos de natureza patrimonial e não patrimonial por este sofridos, quantia essa acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação sobre o montante de € 8 659,45 e desde a data desta sentença sobre o restante;

2. Absolve-se a mesma Ré da parte do pedido não incluída em “1”;  (…) ”.

Inconformada com tal decisão, interpôs a R. seguradora recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por decisão que reduza quer a indemnização pelos danos não patrimoniais quer a indemnização dos danos futuros respeitantes à IPG (e que os juros sobre esta indemnização sejam devidos tão só desde a decisão).

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. Quanto à indemnização arbitrada ao Autor, aqui Apelado, pelos danos não patrimoniais sofridos em consequência do sinistro descrito nos autos, entende a Apelante que aquela padece de algum excesso, por comparação à quantia arbitrada em casos semelhantes e de acordo com os critérios estabelecidos no art. 494.º do Código Civil.

2. Entende ainda a Apelante que a quantia atribuída a título de danos patrimoniais futuros ao Autor pelo Tribunal a quo peca por excesso.

3. Ademais, a tal quantia deve ser retirado cerca de 1/3 pelo facto da entrega antecipada e integral do capital indemnizatório permitir ao Apelado obter dele um rendimento superior ao seu valor, quer através de um investimento financeiro, industrial ou comercial, quer mediante a sua colocação em conta que vença juros.

4. Estes factores, não sendo tomados em consideração ao estipular o montante indemnizatório, implicam uma mais-valia para o Apelado, desvirtuando a razão da indemnização e transformando-a num lucro excessivo e sem causa, violando manifestamente os art. 564.º e 566.º do Código Civil.

5. Ademais, o quantum indemnizatório atribuído a título de danos patrimoniais futuros deve ser, e foi, como resulta da decisão sub judice, calculado equitativamente, nos termos do n.º 2 do art. 566.º do Código Civil.

6. Por se tratar de uma compensação destinada a compensar danos futuros, alcançada pela via da equidade no momento mais recente que pode ser considerado pelo Tribunal, a indemnização atribuída a título de danos patrimoniais está, logicamente, actualizada.

7. Pelo que os juros moratórios sobre elas incidentes apenas são devidos a partir da data da decisão que os fixe.

8. Assim, por violar, entre outros, o disposto nos arts. 483.º, 494.º, 496.º e 566.º do Código Civil deve a decisão sub judice ser alterada por outra, que corrija os montantes indemnizatórios arbitrados, de forma justa.

O A. respondeu, sustentando, em síntese, que não violou a sentença recorrida as normas substantivas referidas pelo R/recorrente, pelo que deve ser mantida a sentença nos seus precisos termos.

Dispensados os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.


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II. – Fundamentação de Facto:

Resultaram provados os seguintes factos:

1. No dia 22 de Novembro de 2006, pelas 18 horas, ocorreu um acidente de viação na Rua do Louriçal, Lugar e freguesia do Carriço, Comarca de Pombal (alínea A) dos factos assentes);

2. No dia e hora do acidente identificado em “1” a visibilidade era boa (alínea S) dos factos assentes);

3. O local do acidente situa-se num largo ou logradouro de terra batida que margina a aludida Rua do Louriçal pelo seu lado esquerdo, atento o sentido Lugar do Carriço/ Lugar do Outeiro, e a cerca de 300 (trezentos) metros de distância do entroncamento dessa Rua com a Estrada Nacional Nº 109 que liga a Figueira da Foz a Leiria, sendo certo que esse entroncamento da Rua do Louriçal com a Estrada Nacional Nº 109 localiza-se ao Km 139,250 metros desta E.N. (alíneas B), C) e D) dos factos assentes);

4. O logradouro ou largo mencionado em “3” tem a forma geométrica de circunferência e foi construído pela empresa “Somague” para acesso de camiões aos seus estaleiros de brita e aí carregá-la nesses veículos para ser transportada e aplicada na construção e pavimentação da auto-estrada denominada A17 (alínea I) dos factos assentes);

5. A Rua do Louriçal mencionada em “3” tem de largura cerca de 6 metros, o seu pavimento é de alcatrão em bom estado de conservação e as guias dessa via achavam-se demarcadas por linhas brancas longitudinais contínuas (alínea AA) dos factos assentes);

6. No dia, hora e local supra mencionados circulava pela mencionada Rua do Louriçal o veículo automóvel misto, de marca Toyota, caixa aberta, com a matrícula nº 27-00-UR, pertencente à Sociedade denominada “D... Lda”, com sede na Rua B..., Matosinhos, e conduzido por C..., casado, motorista, residente no (...), Penafiel, no interesse, por conta e ordem dessa sociedade, da qual era trabalhador assalariado, pelo que a mesma sociedade tinha a direção efetiva desse veiculo (alíneas E) e F) dos factos assentes);

7. No dia, hora e local supra mencionado, o Autor encontrava-se a arrumar algumas ferramentas de trabalho no porta-bagagens de um veículo automóvel familiar de marca Volkswagen modelo Passat de 9 lugares, com a matrícula 70-53-ME, pertencente à sua entidade patronal “E... Lda”, com sede na Rua (...)Maia (alínea G) dos factos assentes);

8. O referido veículo estava parado no largo ou logradouro de terra batida, mencionado em “3”, e existente fora da berma esquerda da Rua do Louriçal, considerando o sentido Lugar do Carriço/ Lugar do Outeiro, deixando livre e desimpedida toda a plataforma da via pública, ou seja, da Rua do Louriçal (alínea H) dos factos assentes);

9. No dia e hora do acidente o Autor encontrava-se de pé junto da traseira do aludido veículo pertencente à sua entidade patronal e parado no aludido largo ou logradouro a executar tarefas para colocar objectos ou ferramentas de trabalho no interior da mala desse veículo (alínea J) dos factos assentes);

10. Acontece que, o identificado C..., condutor do veículo com matricula nº27-00-UR, quando circulava com este automóvel pelo lado direito da faixa de rodagem da Rua do Louriçal no sentido Carriço/Outeiro, para efectuar uma manobra de inversão de marcha, invadiu a hemi-faixa esquerda de rodagem dessa mesma via, considerando esse mesmo sentido de marcha e entrar subitamente no mencionado logradouro ou largo de terra batida a que se alude em “3” (alíneas M) e N) dos factos assentes);

11. Como não lhe foi possível por falta de espaço efectuar essa manobra de inversão de uma só vez, procedeu então a uma manobra de marcha atrás, quando já tinha invadido o aludido logradouro ou largo de terra batida, e quando executava essa manobra atropelou o Autor A..., que estava de pé e parado junto do porta bagagens do seu veículo e de costas voltadas para o local donde o identificado condutor do veículo UR procedia, não podendo o mesmo Autor evitar o atropelamento de que foi vítima (alíneas O), P), Q) e R) dos factos assentes);

12. Em consequência desse atropelamento o Autor foi projectado violentamente para o interior do porta bagagens onde estava a colocar a sua ferramenta de trabalho, tendo sofrido ferimentos graves, designadamente na perna e tornozelo direitos, ombro direito com lesões do rebordo inferior da glenoide e coluna cervical com estreitamento da C5-C6 e C6-C7 (alíneas T) e U) dos factos assentes);

13. O identificado C... conduzia o veiculo UR desatento ao tráfego e com falta de cuidado, não tendo verificado previamente que o Autor se encontrava de pé, no aludido largo de terra batida, a arrumar as suas ferramentas no porta bagagens do mencionado veiculo (alínea V) dos factos assentes);

14. O veículo e o Autor eram visíveis para o identificado condutor do UR (alínea X) dos factos assentes);

15. C..., condutor do veiculo UR iniciou a aludida manobra de marcha atrás sem se certificar de que a podia realizar sem perigo de colidir quer com aquele outro veiculo quer com o peão que lá se encontrava e eram visíveis (alínea Z) dos factos assentes);

16. Após o acidente mencionado em “1” o Autor foi transportado para o Hospital Distrital da Figueira da Foz, onde foi submetido a tratamento adequado nos serviços de urgência, e daí foi submetido a tratamento ambulatório no Centro de Saúde de Cabeceiras de Basto, tendo sido transferido posteriormente por ordem e conta da ré seguradora para o Hospital da Trofa, onde estão instalados e funcionam os seus serviços clínicos, onde andou em tratamento até à alta clínica, que ocorreu em 28 de Maio de 2007, dada por esses serviços da Ré (alíneas BB), CC), DD e EE), OO) e PP) dos factos assentes);

17. O Autor foi submetida a tratamentos de fisioterapia desde 2 de Janeiro de 2007 até dia 27 de Maio de 2007, ou seja, durante 4 meses e meio na “Clínica de Fisioterapia de Basto, Lda.”, sita no Pinheiro, Refojos, 4860 da comarca de Cabeceiras de Basto, tendo a ré seguradora pago directamente a essa clínica todas as despesas com esses tratamentos (alínea FF) dos factos assentes);

18. O Autor esteve de baixa médica desde a data do acidente, ou seja, desde o dia 22 de Novembro de 2006 até dia 28 de Maio de 2007, data em que teve alta definitiva (alínea II) dos factos assentes);

19. O autor ficou afectado, em consequência das lesões sofridas no acidente, das seguintes sequelas: no pescoço, flexão até 25º, extensão até 20º e lateralização até 35º; no membro superior direito, ligeira hipotrofia da região deltoideia, limitação da retropulsão do membro superior e ligeira dificuldade em colocar a mão na nuca e trás das costas (resposta ao quesito 1.º);

20. As sequelas mencionadas em “19” implicam um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica do autor de 6 pontos; (resposta ao quesito 2.º);

21. As sequelas mencionadas em “19”, sendo compatíveis com o exercício da actividade profissional do autor, implicam esforços suplementares (resposta ao quesito 6.º);

22. Em consequência das lesões sofridas no acidente em apreço, o autor sentiu dores, que se prolongaram durante o período em que esteve de baixa médica, sendo o quantum doloris de grau três numa escala crescente até sete pontos; (resposta ao quesito 7.º);

23. O autor mostrava-se triste e transtornado durante o período de tratamento (resposta ao quesito 10.º);

24. O autor ao tempo do acidente exercia funções próprias da sua categoria profissional de pedreiro, numa obra sita perto do local do acidente, por conta, direção e fiscalização da sua entidade patronal (respostas aos quesitos 3.º e 4.º);

25. O autor era considerado um bom profissional (resposta aos quesitos 11.º e 12.º);

26. Durante os seis meses e cinco dias da baixa médica o Autor esteve sem receber salários da sua entidade patronal e ainda os subsídios de alimentação a que tinha direito, que importariam em € 3.723.15 euros (€ 506.00 euros/mês X 6 meses e 5 dias) + (€ 4.40/dia de subsidio de alimentação X 137 dias) (alínea JJ) dos factos assentes);

27. Todas as despesas médicas com tratamento e internamento no Hospital da Trofa foram pagas pela ré seguradora directamente a esse estabelecimento hospitalar (alínea LL) dos factos assentes);

28. O Autor recebeu em 5 de Janeiro de 2007 da ré Seguradora, por conta das despesas farmacêuticas, o montante de € 55,38 (cinquenta e cinco euros e trinta e oito cêntimos) (alínea MM) dos factos assentes);

29. O Autor nasceu em 27/1/1954 (alínea NN) dos factos assentes);

30. A entidade patronal do autor é a sociedade comercial por quotas denominada “ E... Lda.”, com sede na Rua (...) Maia (alínea GG) dos factos assentes);

31. O autor aufere da sua entidade patronal a retribuição mensal de € 506,00 (quinhentos e seis) euros acrescidos de subsídios de férias e de Natal de igual montante e ainda de um subsídio de alimentação de € 4,40 euros (quatro euros e quarenta cêntimos) por cada dia de trabalho efectivamente prestado (alínea HH) dos factos assentes);

32. À data do acidente, a responsabilidade civil que adviesse por danos causados a terceiros emergentes da circulação do veículo 27-00-UR encontrava-se transferida para a ré, Companhia de Seguros B... Lda., através do contrato de seguro titulado pela apólice 90 00 550 637 (alínea QQ) dos factos assentes);

33. A título de ITA, a ré pagou ao autor, pelos períodos de 22-11-2006 a 15-02-2007, 01-05-2007 a 31-05-2007, de 16-02-2007 a 26-03-2007 e de 27-03-2007 a 30-04-2007, respectivamente, € 993,31, € 450,00, € 555,00 e €510,00 (alínea RR) dos factos assentes);

34. O autor no período em que esteve de baixa, em situação de ITA, recebeu da Segurança Social, a título de subsídio de doença, a quantia de € 555,39 (alínea SS) dos factos assentes).


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III – Fundamentação de Direito

A apreciação e decisão da apelação, delimitada pelas respectivas conclusões (cfr. art. 684.º/3 e 690.º/1 do CPC), circunscreve-se aos danos, mais exactamente ao montante indemnizatório (e à data do termo inicial dos juros) devido pela IPG com que o A/lesado ficou e ao montante indemnizatório que há-de compensar os danos não patrimoniais sofridos pelo A/lesado.

Efectuando um muito breve e “tabelar” enquadramento jurídico, diremos que a acção se funda nas regras da responsabilidade civil; e, em princípio, é responsável civilmente quem, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem causando-lhe danos.

Competia assim ao A. alegar e provar os vários requisitos da responsabilidade civil (483º e ss. do C. C.).

Ónus que cumpriu quanto à alegação.

E cuja discussão, quanto à prova – em face da contestação da R/apelante, assumindo a responsabilidade do seu segurado no acidente – logo se encontrava circunscrita aos danos e montantes indemnizatórios a atribuir pelas “lesões” sofridas; pelo que, delimitando negativamente o recurso – a partir do confronto entre o decidido na sentença recorrida e o âmbito do recurso interposto – podemos afirmar que não está minimamente em causa a questão da culpa pela eclosão do acidente, que a sentença recorrida atribuiu em exclusivo ao segurado da R. (condutor do UR), assim como não está verdadeiramente em causa saber se os danos que foram indemnizados na sentença recorrida o são ou não; a questão – toda a questão – está em saber se estão/foram equitativamente fixados os montantes indemnizatórios atribuídos aos danos julgados ressarcíveis e, em função disso, a que montantes indemnizatórios, diminuídos ou não, se pode/deve chegar.

Sintetizado o “ponto da situação”, debrucemo-nos pois sobre as questões que constituem o objecto do recurso.

Assim:

Quanto à indemnização pela IPG ou pelo dano biológico (ou como agora se diz – cfr. fls. 153 verso – pelo Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica):

Começar-se-á por repetir, a propósito de tal questão/indemnização, que não está em causa saber se tal dano é indemnizável, mas, verdadeiramente, insiste-se, a questão está na sua configuração jurídica e, em função disso, no “quantum” indemnizatório a atribuir-lhe.

Hoje[1] – e o “hoje” não se iniciou com o preambulo da Portaria 377/2008, de 26-05[2] – fora dos danos não patrimoniais, não só a diminuição da actividade profissional é geradora de danos indemnizáveis; hoje, fala-se em “dano biológico” para aludir ao dano causado ao corpo e à saúde do lesado, ao dano causado à integridade física e psíquica que a todos assiste.

Parte-se da ideia que a lesão corporal sofrida pelo lesado merece ser apreciada e o respectivo dano reparado independentemente de repercussões sobre a sua capacidade de ganho; e que sendo o normal estado de saúde a premissa indispensável para uma capacidade produtiva normal não se esgota ou consome apenas e só na capacidade produtiva.

E, nesta linha, afirma-se o dano corporal ou dano à saúde como um dano autónomo – tertium genus para alguns – com um lugar próprio que não se esgota nem é totalmente assimilado pelo clássico dualismo patrimonial (em sentido estrito) - não patrimonial.

Acrescenta-se ainda, em abono de tal tese, que o homem, na sua integridade psico-somática, desenvolve a sua existência terrena na sua vida e realização profissionais e na sua vida relacional – relacionando-se e interagindo com os demais seres humanos; pelo que pode haver dano corporal, nesta faceta da sua vida relacional, tenha ou não havido qualquer rebate anátomo-funcional.

Porém, também se refere e avisa, “a fim de evitar super-equações de danos (com indemnizações em duplicado, em triplicado ou até mesmo em quadruplicado)” e “no intuito de pôr cobro à autêntica anarquia que se instalou nas decisões judiciais[3] que os únicos 3 tipos de danos existentes são, respectivamente, o dano à saúde, o dano patrimonial em sentido estrito (decorrente de incapacidade com incidência no desempenho profissional) e o dano moral; e que, sendo o dano à saúde alheio a quaisquer incidências sobre a capacidade de ganho do lesado, importa não esquecer “que há zonas de tangência e até de intersecção entre vectores diferenciados e autonomizados duma mesma realidade[4].

Tradicionalmente, a análise dualista – patrimonial / não patrimonial – abarcava todo o campo da discussão que os danos corporais comportavam, situando-se toda a discussão em volta da parametrização ressarcitória de tal tipo de danos e da autonomização de um ou outro parâmetro de avaliação, sempre inserido num dos termos da referida dualidade. Agora, ao erigir-se em categoria autónoma de dano (dano biológico) o que, antes, não passava dum parâmetro de avaliação doutro dano, importa que avaliação global não dê lugar a duplicações.

Em síntese, a lesão do direito ao corpo e à saúde é, enquanto dano autónomo – quer o consideremos como um verdadeiro “tertium genus”, quer como uma “nova” faceta e perspectiva do dano patrimonial, como parece ser a inclinação do STJ[5] – fonte de obrigação de indemnização, a suportar pelo autor do facto ilícito e em benefício de quem viu a sua integridade corporal beliscada, independentemente de quaisquer consequências pecuniárias ou actuais repercussões patrimoniais de qualquer natureza; mas a sua avaliação tem que ser acompanhada duma correcta delimitação de realidades e conceitos, para que não haja sobreposições.

Isto dito, regressando ao caso dos autos, temos que o dano indemnizável sob apreciação – olhado basicamente na sua vertente patrimonial (na medida em que limita as oportunidade no futuro, gerando tais danos) – decorre do A., em consequência do acidente, ter ficado, como se refere nos factos deste acórdão, com um coeficiente de desvalorização, em termos de incapacidade permanente geral (ou em termos de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica), de 6 pontos percentuais, exigindo as sequelas com que ficou esforços acrescidos/suplementares no exercício da sua actividade profissional[6].

E temos, como único critério legal para a sua fixação – nunca é demais enfatiza-lo, para que não paire a menor dúvida – tão só a equidade (cfr. art. 566.º/3 do C. Civil).

O que não significa, em situações como a presente – isto é, sempre que se visa encontrar um capital que se vai diluir ao longo de vários anos – que se rejeite a ajuda da lógica matemática; que não se use, como auxiliar, como instrumento de trabalho, fórmulas matemáticas, que podem ter o mérito de impedir involuntárias discricionariedades e subjectivismos, na medida em que obrigando o julgador à externalização, passo a passo, do seu juízo decisório e a uma maior “densificação” da fundamentação da decisão, contribuem para impedir raciocínios mais ligeiros e/ou maquinais na fixação de indemnização[7].

Permita-se-nos pois, sempre cientes que o único critério legal é a equidade e não ignorando que estamos “apenas” perante um dano biológico, uma IPG (e não perante uma IPP) – compatível com o exercício da sua profissão, exigindo “esforços suplementares no exercício da sua actividade profissional” – e não perante uma incapacidade com actual repercussão/rebate, directo e proporcional, sobre a capacidade de ganho da A., que façamos um “ensaio/estimativa” do que seria a indemnização caso estivéssemos perante esta última hipótese.

Então:

Tinha a A. 52 anos na data em que ocorreu o acidente (em 22/11/2006); exercia a profissão de pedreiro com uma retribuição mensal de € 506,00 e anual de € 7.084,00; e teria mais 18 anos de vida activa[8]. Isto pressuposto, “funcionemos” com a referida incapacidade de 6% e recorramos, instrumentalmente, ao auxílio de fórmulas e cálculos matemáticas que, encontrada a prestação anual a que o lesado teria direito e conhecido o número de anos por que a mesma se deve manter, nos dizem qual o capital que será necessário deter no ano inicial para, esgotando-se totalmente no final, obter em cada um dos anos a prestação anual[9].

E, tudo considerado, chegamos ao valor (aplicando a fórmula matemática referida em nota[10]) de € 6.394,20 (factor de 15.043777 X a hipotética pensão anual de € 425,04, correspondente a 6% X € 7.084,00).

Assim, não esquecendo nunca que o que estamos a indemnizar é “apenas” o dano biológico (com os contornos supra traçados e sem “duplicações” e “sobreposições”) e não, como no ensaio/estimativa feito, um dano com rebate e repercussão na actual perda de ganho, admitindo que tal dano biológico se prolongará além da vida activa (até ao termo da esperança de vida), reputamos num julgamento “ex aequo et bono” – tomando em conta “todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida[11] – como inteiramente justo e equilibrado, como a boa justiça do caso concreto, fixar a indemnização por tal dano em € 5.000,00.

Efectivamente, insiste-se, o resultado de € 6.394,20 que a fórmula matemática nos deu – uma vez que a fórmula está apenas vocacionada para auxiliar no cálculo de incapacidades com repercussão/rebate, directo e proporcional, sobre a capacidade de ganho – merece e suscita, num julgamento “ex aequo et bono”, uma compressão/redução não inferior a pelo menos 1/4 do seu valor.

Não se verificando, no caso, em face do termo inicial dos juros –“dados”, pela sentença recorrida, desde a citação – uma “tensão” compensatória de sentido oposto.

Expliquemo-nos:

O raciocínio da fórmula, como se referiu, tem em vista encontrar um capital inicial que, está também pressuposto, vencerá, ano após ano, os respectivos juros do capital (que só se esgotará totalmente no final), isto é, no raciocínio da fórmula está pressuposto que todo o capital inicial é/foi entregue ao lesado no ponto/momento de partida do cálculo (que, no caso presente, foi o dia do acidente e que, porventura com mais rigor, admite-se, talvez devesse ser o dia da alta clínica).

Assim, quando tal não acontece – mais exactamente, como quase sempre acontece – quando há uma dilação entre o ponto/momento de partida do cálculo e a data da entrega do capital inicial, tal “atraso”, normalmente de vários anos, cala/abafa/aplaca a referida inicial “tensão” no sentido da compressão/redução; o que – inutilização da inicial “tensão” no sentido da compressão/redução – pode/deve ser juridicamente feito ao abrigo e nos termos do art. 566.º/2 do C. Civil, dizendo-se que o montante indemnizatório (a que se chegou pela fórmula) se mantém sem qualquer redução, uma vez que se está a proceder à sua actualização ao momento presente/sentença.

O que significa, quando se diz/decide que os juros são desde a citação, que não se faz a actualização ao momento presente/sentença (mas ao momento da citação) e que os juros concedidos (desde a citação) “compensam” a circunstância do capital inicial não estar em poder do lesado no ponto/momento de partida do cálculo (como é pressuposto de raciocínio da fórmula); razão porque afirmámos não se verificar, em tal hipótese e no caso, em face do termo inicial dos juros “dados” pela sentença recorrida, qualquer “tensão” que se oponha à citada compressão/redução não inferior a pelo menos 1/4 do seu valor.

Neste ponto – sobre a actualização ou não da indemnização, sobre o momento para a efectuar e sobre o termo inicial dos juros – concordamos plenamente com o que o Prof. Calvão da Silva expende na RLJ, ano 134, pág. 125/8. Ou seja, não obstante o sentido do Acórdão Uniformizador 4/2002, entendemos ser possível não efectuar (e verbalizá-lo) a actualização da indemnização por danos futuros à data da sentença e, então, não se fazendo a actualização, conceder juros, não desde a própria sentença, mas desde a citação[12]; assim como entendemos – no pólo oposto – que a sentença de 1.ª Instância não é necessariamente a data mais recente atendível e, por conseguinte, fazer a actualização à data do Acórdão da Relação.

Como é evidente, sendo a equidade manejada com perícia, a indemnização a conceder, em termos úteis e práticos, há-de ser exactamente a mesma com ou sem actualização à data da sentença (ou do acórdão proferido em recurso); isto é, ao actualizar-se a indemnização à data da sentença/acórdão, o quantum indemnizatório não pode deixar de reflectir/incorporar os juros (frutos civis) da quantia que, segundo as premissas do raciocínio (que visa encontrar um capital que se vai diluir – e vencer juros – ao longo de todos os anos por que a prestação se irá manter), já estariam creditados ao lesado se o quantum indemnizatório estivesse nas suas mãos desde a data inicial das premissas do raciocínio.

Efectivamente – é ocioso repeti-lo – num cálculo como o efectuado, o capital encontrado é por reporte a uma data anterior – no caso, 22/11/2006 – e numa lógica, é este o ponto relevante, de que é logo nessa data que o capital (quantum indemnizatório) é disponibilizado (e começa a dar “frutos civis”) ao lesado e não passados quase 6 ou 7 anos, pelo que é “preciso” compensar estes quase 6 ou 7 anos, o que pode/deve ser feito ou através da actualização da indemnização ou através da concessão de juros desde a citação.

É que a indemnização em dinheiro – dir-se-á para terminar neste ponto – é o exemplo típico da chamada dívida de valor (devido é o valor do dano, a diferença entre o valor actual do património do lesado e valor que teria se o facto lesivo não se tivesse verificado – cfr. 566.º/2 do CC), em que o objecto originário da prestação reside no dano, não ligado a uma expressão ou soma pecuniária; não constituindo (a indemnização) uma dívida pecuniária, em que o objecto originário da prestação é dinheiro e em que vale o princípio nominalista (550.º do C. Civil), com o credor a correr o risco da desvalorização da moeda.

Daí que estejamos autorizados – com o auxílio do “metro especial” que é o montante do dano – a ajustar/actualizar, ao momento da prolação da decisão, a soma final em dinheiro que o há-de indemnizar; como estamos autorizados a, procedendo do mesmo modo que a sentença recorrida, reportar o montante indemnizatório (do dano biológico) à data da PI e, em função disso, a fixar o seu montante indemnizatório nos referidos € 5.000,00, acrescidos de juros desde a citação.

Concluindo, quanto a esta questão, da indemnização pela IPG (dano biológico) com que a A. ficou, revoga-se parcialmente o decidido (reduz-se o montante indemnizatório de € 8.000,00 para € 5.000,00); julgando-se assim, neste ponto, parcialmente procedente o recurso.

Quanto à indemnização pelos danos não patrimoniais “clássicos” sofridos pelo A..

É costume observar-se que a indemnização, no caso dos danos não patrimoniais, reveste uma natureza acentuadamente mista, uma vez que visa reparar os danos sofridos pela pessoa lesada e, além disso, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.

Isto ponderado, sendo indiscutível que estamos perante danos não patrimoniais que pela sua gravidade merecem a tutela do direito, afigura-se-nos ajustado e equilibrado (cfr. 496.º/1 e 494.º, ambos do CC) – numa perspectiva que não pode nem deve ser miserabilista – compensar com € 12.500,00[13] todas as dores, receios e angústias (passados e futuros), tratamentos hospitalares e de fisioterapia (todo o quantum doloris, fixado no grau 3 numa escala de 7) e toda a espécie de limitações e sequelas que o A., com 52 anos à data do acidente, sofreu; que os factos deste acórdão detalham – os diversos e variados traumatismos, intervenções e sequelas, típicos do atropelamento dum peão que é projectado para dentro do porta bagagens do seu próprio veículo – e de que, aqui, se respiga e salienta em termos de “gravidade” merecedora da tutela do direito (cfr. 496.º/1) o seguinte:

Em consequência do atropelamento, o Autor foi projectado violentamente para o interior do porta bagagens onde estava a colocar a sua ferramenta de trabalho, tendo sofrido ferimentos graves, designadamente na perna e tornozelo direitos, ombro direito com lesões do rebordo inferior da glenoide e coluna cervical com estreitamento da C5-C6 e C6-C7;

Após o acidente, foi transportado para o Hospital Distrital da Figueira da Foz, onde foi submetido a tratamento adequado nos serviços de urgência, e daí foi submetido a tratamento ambulatório no Centro de Saúde de Cabeceiras de Basto, tendo sido transferido posteriormente por ordem e conta da ré seguradora para o Hospital da Trofa, onde estão instalados e funcionam os seus serviços clínicos, onde andou em tratamento até à alta clínica, que ocorreu em 28 de Maio de 2007, dada por esses serviços da Ré;

Foi submetida a tratamentos de fisioterapia desde 2 de Janeiro de 2007 até dia 27 de Maio de 2007, ou seja, durante 4 meses e meio na “Clínica de Fisioterapia de Basto, Lda.”, sita no Pinheiro, Refojos;

Ficou afectado, em consequência das lesões sofridas no acidente, das seguintes sequelas: no pescoço, flexão até 25º, extensão até 20º e lateralização até 35º; no membro superior direito, ligeira hipotrofia da região deltoideia, limitação da retropulsão do membro superior e ligeira dificuldade em colocar a mão na nuca e trás das costas;

Em consequência das lesões sofridas no acidente em apreço, sentiu dores, que se prolongaram durante o período em que esteve de baixa médica, sendo o quantum doloris de grau três numa escala crescente até sete pontos;

Mostrava-se triste e transtornado durante o período de tratamento.

Significa tudo o que se acaba de dizer, em síntese, que os € 12.500 atribuídos na sentença recorrida constituem um montante que a “justiça do caso concreto” – equidade – demanda (não perdendo de vista, insiste-se, que tal montante foi actualizado à data da sentença de 1.ª Instância: 12/07/2012).

Concluindo, quanto a esta questão, da indemnização pelos danos não patrimoniais, mantém-se totalmente o decidido (o montante indemnizatório de € 12.500,00); julgando-se assim, neste ponto, totalmente improcedente o recurso.


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Em síntese, reduz-se, em termos globais, a indemnização fixada na 1.ª Instância em € 3.000,00, revogando-se/substituindo-se nesta medida o sentenciado[14].

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IV - Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se o decidido quanto à indemnização condenatória de € 8.000,00 pelo dano biológico, que se substitui pela indemnização condenatória de apenas € 5.000,00, mantendo-se em tudo o mais o decidido, em função do que se substitui a decisão recorrida – incorporando toda a condenação – pela condenação da R. a pagar ao A a quantia de € 18.159,45, a título de danos de natureza patrimonial e não patrimonial por este sofridos, quantia essa acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação sobre o montante de € 5 659,45 e desde a data da sentença da 1.ª Instância sobre o restante montante.

Quanto a custas: da apelação, a cargo do A. e da R. na proporção de 1/4 e 3/4, respectivamente; da 1.ª instância, a cargo do A. e da R., em partes iguais.


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Coimbra, 05/11/2013

 (Barateiro Martins - Relator)

 (Arlindo Oliveira)

 (Emídio Santos)



[1] Seguimos de perto o que já escrevemos nos diversos recursos em que apreciámos e decidimos esta mesma questão.

[2] Preambulo da Portaria em que, vale a pena aqui mencioná-lo, se diz que “só há lugar à indemnização por dano patrimonial futuro quando a situação incapacitante do lesado o impede de prosseguir a sua actividade profissional habitual ou qualquer outra”, para logo a seguir se acrescentar que “ainda que o lesado não tenha direito à indemnização por dano patrimonial futuro, em situação de incapacidade permanente parcial o lesado terá direito à indemnização pelo seu dano biológico, entendido este como ofensa à integridade física e psíquica”.
[3] J. Álvaro Dias, in Dano Corporal, pág. 138/139.
[4] J. Álvaro Dias, in Dano Corporal, pág. 395.

[5] A expressão “dano biológico”, traduzindo o dano à saúde, terá surgido jurisprudencialmente em Itália, o que, segundo alguns, aconteceu por o art. 2059.º da lei italiana apenas permitir (ao contrário do nosso art. 496.º do C. Civil) o ressarcimento do dano não patrimonial “nos casos determinados na lei”; ou seja, terá surgido em Itália para ampliar o conceito de dano patrimonial e permitir a indemnização de danos e lesões que doutro modo não seriam abrangidos pelo referido art. 2059.º.

Assim, segundo Calvão da Silva (in Compra e venda de Coisa Defeituosa, pág. 215), “em face do art. 496.º do nosso C. Civil, o jurista português não precisa de qualificar o dano à saúde em si e por si como dano patrimonial: Em si e por si, no seu aspecto essencial e na sua estática, o direito à saúde é um direito fundamental, um direito de presonalidade (art. 64.º). E, como em todas as lesões dos direitos de personalidade, os danos resultantes da sua lesão são de natureza não patrimonial e os danos patrimoniais são indirectos ou consequenciais, pelo que o jurista português não tem de lançar mão do expediente de considerar um membro do corpo humano bem patrimonial em si e por si, coisificando-o, para ressarcir a utonomamente a sua perda”.

Seja como for, sem qualquer menosprezo pelos tradicionais conceitos de dano patrimonial e não patrimonial, não se pode deixar de reconhecer toda a pertinácia às observações feitas no Ac. do STJ de 01/07/2010, in CJ, STJ, Tomo II, pág. 75/8, em que se diz: I - A perda relevante de capacidades funcionais - mesmo que não imediatamente reflectida nos rendimentos salariais auferidos na profissão exercida - representa uma verdadeira capitis diminutio do lesado (uma substancial restrição ou limitação às possibilidades/oportunidades profissionais à sua disposição), constituindo assim fonte actual de futuros lucros cessantes, a indemnizar como verdadeiro dano patrimonial. II - Ao mesmo tempo, tal perda relevante de capacidades funcionais representa ainda uma degradação do padrão de vida do lesado - quer nos aspectos não directamente associados ao exercício da profissão, quer na maior penosidade que a actividade profissional passou a representar - a compensar como dano não patrimonial. III - É pois nesta dupla vertente que a ressarcibilidade do dano biológico - independentemente do seu enquadramento ou qualificação jurídicas (ou como dano patrimonial ou como dano não patrimonial ou, ainda, como um "tercium genus", como um dano de natureza autónoma e específica) - consistente na perda genérica de potencialidades laborais e funcionais, deve ser perspectivada e satisfeita.
[6] Como claramente consta do facto 21 deste acórdão e das conclusões do Relatório do INML – fls. 154 dos autos.
[7] O que não significa ou impede que se lance um olhar pela Portaria 377/2008, de 26 de Maio (alterada pela Portaria 679/2009, de 25 de Junho) – mesmo nos casos em que tal diploma legal não cubra temporalmente os factos em análise (como é o caso: o acidente ocorreu em 22/11/2006 e a Portaria foi publicada em 26/05/2008) – sem embargo de se entender, como começa a ser uniformemente decidido nos nossos Tribunais (Cfr., v. g. Ac. STJ de 26/01/2012, in CJ Online Ref. 308/2012; de 25/03/2012, in CJ Online, Ref. 4254/2010; de 11/03/2010, in CJ Online, Ref. 4241/2010; de 26/01/2012, in CJ Online, Ref. 308/2012), que a Portaria só vale, só contém regras juridicamente vinculantes e obrigatórias, numa fase anterior, de regularização amigável e extra-judicial dos danos, uma vez que – será, a nosso ver, o sentido útil da Portaria – a mesma pode funcionar como standard mínimo indemnizatório, ou seja, como o limite mínimo de indemnização de que os tribunais não devem baixar.
[8] É certo que a idade da reforma ainda não “regressou” aos 70 anos, porém, tratando-se duma IPG, dum dano biológico, o dano no corpo, na saúde, na integridade física – os esforços acrescidos – irá por certo perdurar para além da vida activa, bem até ao termo da esperança de vida.

[9] Acrescentando-se, como é hoje mais ou menos pacífico, que tais fórmulas devem garantir, ano após ano, a manutenção em termos reais da prestação (e não em termos meramente nominais), para o que é forçoso que as fórmulas contemplem a inflação anual, os ganhos de produtividade e as evoluções de rendimentos.

C = capital a depositar logo no 1º ano;

P = prestação a pagar no 1º ano;

N = Número de anos (18) porque a prestação se há-de manter

r = taxa de juro nominal líquida das aplicações financeiras (4,0% - taxa ajustada à média ponderada dum relativamente longo período temporal);

k = taxa anual de crescimento de P (2 % - taxa de crescimento que, no longo prazo – pese embora as vicissitudes do momento – se afigura razoável/expectável para o crescimento do PIB).

Fórmula esta que, salienta-se, é a mesma que a Portaria 377/2008 utiliza (assim como, v. g., o Ac. desta Relação de 1995, in CJ, Tomo II, pág. 23); porém, com a seguinte diferença: em vez da taxa de 5% da Portaria, utilizamos a taxa de 4% como taxa de juro nominal líquida das aplicações financeiras (sem prejuízo de reconhecermos que, nos últimos 13 anos, desde a nossa entrada no euro, tal taxa de 4% poder pecar por algum excesso; dizemos “excesso”, uma vez que, quanto maior é a taxa, menor é o valor do capital a que se chega a final).
[11] Pires de lima e Antunes Varela, C. C. Anotado, 4ª ed., Vol. 1º, p. 501.

[12] O Acórdão Uniformizador n.º 4/2002 não estabeleceu – na compatibilização dos artigos 805.º/3 e 566.º/2, ambos do CC – que, na indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco, os juros são sempre devidos apenas desde a decisão. Diferentemente, veio tão só estabelecer que “sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º/3 (interpretado restritivamente), e 806.º/1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”. Pelo que, em relação à indemnização pelos danos não patrimoniais, tendo-se feito na sentença recorrida a actualização (cfr. 566.º, n.º 2, do CC), condenou-se em juros desde a data da sentença; e, em relação à restante indemnização, em que não houve actualização e em que o cálculo foi reportado à data da PI, condenou-se em juros desde a citação.

[13] Um montante algo inferior – € 10.000,00 – não constituiria um montante sem significado, desajustado ou que ferisse a equidade; há, porém, uma recorrência que nos faz considerar os € 12.500,00 como a melhor justiça do caso concreto: o acidente ocorreu em 20/11/2006 e só passados cerca de 6 anos (em 12/07/2012, data da sentença a quo) tal dano foi “liquidado”, dizendo-se (em obediência ao art. 566.º/2 do CC) que a sua liquidação/fixação é actualizada à data da sentença, o que significa que a sua fixação, para ser inteiramente justa e equitativa, deve também incorporar uma reparação pelo tempo em que o A. (entre o acidente e a data da sentença) não pôde dispor do montante que lhe era devido.

[14] Observa-se que o 3.º montante indemnizatório (parcelar) concedido – € 659,45, de salários não recebidos – não é colocado em crise e não faz parte do objecto do presente recurso.i = taxa de juro, sendo i = [10]