Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
94042/19.5YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
PROIBIÇÃO DE RECEBER REMUNERAÇÃO DE CLIENTES E DESTINATÁRIOS DO MESMO NEGÓCIO
Data do Acordão: 02/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DA FIGUEIRA DA FOZ DO TRIBUNAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 2.º, 17.º, N.º 2, ALÍNEA A), DA LEI Nº 15/2013, DE 8 DE FEVEREIRO.
Sumário: I) O circunstancialismo de alguém ver um anúncio para venda de um imóvel, contactar a imobiliária anunciante, que lhe mostra o imóvel e, em seu nome, apresenta uma proposta ao encarregado da venda ou ao vendedor, não envolve necessariamente a celebração de qualquer contrato entre o interessado na compra e a imobiliária.

II) O acordo entre o vendedor ou encarregado da venda e a imobiliária intermediadora no sentido de que esta deveria cobrar os seus honorários ao comprador viola a proibição legal da mediadora receber remuneração de clientes e destinatários do mesmo negócio.

Decisão Texto Integral:            




                                                                                    

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

A – Mediação Imobiliária, Unipessoal, instaurou procedimento de injunção, atualmente a prosseguir como Ação Especial para Cumprimento de Obrigações Pecuniárias, contra AA,

Pedindo:

a condenação do Réu no pagamento da quantia de 5.000,00 € a titulo de capital, mais 569,59 € a título de juros de mora, acrescido da quantia de 1.150 €

Alegando ter sido contratada pelo Réu para que o representasse na negociação de compra e venda de um imóvel penhorado em processo de execução, imóvel que veio a ser adjudicado por 130.000 € por negociação particular.

O Réu apresentou Contestação pugnando pela improcedência da ação, com os seguintes fundamentos:

tendo visto um anúncio de que o referido imóvel se encontrava à venda através de B -Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda., o réu contactou tal empresa que lhe transmitiu que o mesmo poderia ser visitado através da A;

a autora acompanhou-o numa visita ao apartamento e sugeriu-lhe que apresentasse uma proposta de valor não inferior a 130.000 €, dirigida ao encarregado da venda;

o agente de execução emitiu a declaração em como o imóvel lhe iria ser adjudicado pelo valor de 130.000,00, e enviou ao Réu certidão a conceder poderes à M..., Lda., para a representar na escritura, na qual veio a ser declarado que interveio como mediadora imobiliária a identificada M..., Lda.;

do preço de 130.000 € saiu já a verba para pagamento da comissão a que teve direito a mediadora imobiliária, sendo que nenhum contrato escrito ou verbal foi celebrado entre a autora e o ora réu.

A convite do tribunal, veio a autora apresentar requerimento de aperfeiçoamento do requerimento inicial, alegando que o Réu a contratou para que o representasse na negociação e compra do imóvel penhorado em processo de execução, tendo-lhe sido explicado que as despesas e honorários a pagar à A. seriam da exclusiva responsabilidade do R., e que os trabalhos compreendiam contactos com o encarregado da venda, a informação sobre a evolução do processo da venda, o envio da proposta para aquisição do imóvel e o acompanhamento do réu até final do negócio, condições que o Réu aceitou, bem como o preço proposto de 5.000,00 € acrescido de IVA.

O Réu apresenta nova Contestação, mantendo a posição já por si anteriormente assumida e alegando não ter sido celebrado qualquer contrato escrito ou verbal entre a autora e o Réu.

Realizada audiência final, foi proferida Sentença a julgar presente ação totalmente improcedente, por não provada, absolvendo o Réu do pedido.


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Inconformada com tal decisão, a autora dela interpõe recurso de Apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões, que aqui reproduzimos apenas parcialmente(…):
(…)
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir são as seguintes:
1. Questão prévia: rejeição do recurso por falta de conclusões
2. Impugnação da decisão proferida em sede de matéria de facto
3. Se é de alterar o decidido
*
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

(…)


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A. Matéria de Facto

São os seguintes os factos dados como provados na sentença recorrida, com as alterações aqui introduzidas na sequencia da procedência parcial da impugnação deduzida pela Apelante:

1. A autora é uma sociedade comercial que desenvolve a atividade comercial de mediação e avaliação imobiliária, bem como de consultoria para os negócios e a gestão a empresas particulares e outras entidades.

2. O réu, após ter visualizado um anúncio na internet a publicitar a venda de um imóvel  – um apartamento do tipo T2, na zona da ... –, no dia 02-11-2017, dirigiu-se ao escritório da autora com a finalidade de o visitar.

3. A autora nesse mesmo dia realizou a visita com o réu.

4. A autora tinha publicado um anúncio na sua página da internet, relativo ao imóvel em causa.

4.1. A autora foi diretamente contactada pelo réu, em virtude do anúncio que esta tinha publicado na sua página da Internet, relativo ao imóvel em causa.

4.2. Foi neste âmbito, que a autora recebeu a visita do réu a quem foi explicado, que tal imóvel se encontrava penhorado à ordem do tribunal e como tal, teria que se apresentar proposta nas instâncias competentes, para a sua aquisição.

5. Tal anúncio existia com o conhecimento e autorização de BB encarregado da venda judicial do imóvel, com o objetivo por parte da autora poder instruir, acompanhar e representar eventuais interessados, nas negociações e posterior compra de tal imóvel penhorado, atendendo ao facto do encarregado da venda se encontrar sediado em ....

6. A autora efetuou os seguintes trabalhos: contactou com o encarregado da venda, com o vendedor, realizou visita ao imóvel, manteve o réu informado sobre a  evolução do processo de venda, enviou a proposta para aquisição do imóvel e acompanhou o réu até final do negócio.

7. Tendo o réu demonstrado interesse na sua aquisição, os consultores imobiliários da autora aconselharam-no a apresentar uma proposta de compra de valor não inferior a € 130.000,00.

8. A proposta foi dirigida ao senhor BB, gerente da sociedade designada como encarregada da venda judicial no Processo de Execução nº 1483/14...., que correu termos na Secção de Execução - Juiz ... da Comarca ....

9. A autora, através da sua colaboradora CC, trocou emails com o sr. BB no dia 3 de novembro de 2017.

10. Através destes emails foi recebida a minuta para apresentação da proposta de compra, foi enviada a proposta de compra e foi confirmada a receção da mesma pelo sr. BB.

11. No dia 22/11/2017, o encarregado da venda judicial, BB e gerente da imobiliária M..., Ldª, informou a colaboradora da autora, CC,  que a proposta de compra apresentada pelo réu tinha sido aceite.

12. Nesse mesmo dia, 22/11/2017, a representante da autora, DD, enviou ao réu um email a confirmar a aceitação da proposta.

13. No dia 19/01/2018, o senhor agente de execução, nomeado no Processo ... nº 1483/14...., EE, emitiu a declaração em como o imóvel iria ser adjudicado ao Réu pelo preço de € 130.000,00.

14. O imóvel foi adjudicado ao réu pelo valor de € 130 000,00, em janeiro de 2018, por negociação particular.

15. E por email de 26/01/2018 (12h15m), o referido agente de execução enviou à encarregada da venda “M... Unipessoal, Ldª” a certidão que concedeu poderes à referida sociedade para outorgar  a escritura de compra e venda do imóvel a favor do proponente, ora réu.

16. A escritura foi outorgada no dia 15/02/2018, no Cartório Notarial a cargo da Drª FF.

17. Da escritura consta a intervenção do encarregado da venda por negociação particular, portanto, a firma “M..., Unipessoal, Ldª”, representada pelo seu sócio gerente, BB.

18. Na referida escritura os outorgantes declararam que a sociedade “M..., Unipessoal, Ldª” interveio como mediadora imobiliária.

19. A autora emitiu e enviou ao réu a fatura nº ...74, no valor de € 6 150,00, com data e vencimento em 16/02/2018, que este recebeu e não devolveu.

20. O réu ao receber a referida comunicação, acompanhada da fatura, enviou à autora e esta rececionou, em 21/02/2018, carta registada com aviso de receção, onde nela escreveu o seguinte “consequentemente peço-vos que revejam a fatura que me endereçaram (talvez erradamente, uma vez que os encargos da comissão foram cobrados por outra via), e de discriminar e quantificar o montante exato das vossas prestações para a endereçar diretamente à pessoa que vos confiou o mandato para vender este apartamento”.

21. O valor constante da fatura nº ...74 encontra-se vencido e não liquidado.

22. A mediadora imobiliária encarregada da venda recebeu uma comissão de 3% acrescido de IVA sobre o preço da venda, valor pago a título de honorários ou comissão.


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B. Subsunção dos factos ao direito

3. Se é de alterar a decisão recorrida.

A Autora instaura a presente ação alegando que o réu a contratou para que esta o representasse na negociação e compra de um imóvel penhorado, pedindo a condenação do réu no pagamento dos seus honorários, no valor de 5.000,00 € mais IVA, e respetivos juros de mora.

A sentença recorrida considerando que, apesar de ter resultado que a autora prestou os serviços descritos no ponto 6., “não logrou fazer prova da factualidade essencial e que consistia em provar que os serviços e o valor descrito da fatura foram serviços acordados e aceites pelo réu”, veio a julgar a ação improcedente.

 As divergências com a decisão recorrida que a Apelante exprime em sede de direito têm como pressuposto a procedência da pretensão por si formulada em sede de impugnação da matéria de facto – de ver dado como provado que a sua intervenção no processo de negociação do imóvel tivesse resultado da celebração de um contrato com réu, nomeadamente para “o representar na negociação e compra do imóvel”, contrato esse que se presumira oneroso – pretensão que viu soçobrar.

Assim sendo, temos que a intervenção da autora se limitou aos seguintes atos e ocorreu no âmbito do seguinte circunstancialismo de facto:

- nomeada a empresa M..., Lda. como encarregado da venda pelo tribunal, esta autorizou a A, aqui autora a instruir, acompanhar e representar eventuais interessados, nas negociações e posterior compra do imóvel penhorado, atendendo ao facto de o encarregado da venda se encontrar sediado em ... (ponto 5. da matéria de facto);

- a autora publicou um anúncio na sua página da internet, relativo ao imóvel em causa;

- o réu viu tal anúncio e dirigiu-se à A com a finalidade de visitar o apartamento;

- a autora nesse mesmo dia realizou a visita com o réu, aconselhando o réu a apresentar uma proposta não inferior a 130.000 € (valor que constava do anúncio por si publicado a publicitar a venda do imóvel);

- a autora enviou ao réu uma minuta pra apresentação da proposta de compra e depois de preenchida enviou-a por email ao encarregado da venda;

- tendo recebido do encarregado da venda a comunicação de que a proposta do réu havia sido aceite, comunicou tal facto por email ao réu;

- na escritura interveio a M..., Lda., com poderes que lhe haviam sido concedidos pelo Agente de Execução, aí se declarando que aquela sociedade interveio como mediadora imobiliária.

O circunstancialismo dado como provado – de alguém ver um anúncio para venda de um imóvel, contactar a imobiliária anunciante e esta mostrar-lhe o apartamento e em seu nome, apresentar uma proposta ao encarregado da venda (ou ao vendedor, quando não se trate de venda judicial), não envolve por si só, necessariamente, e não envolve nas situações comuns, a realização de qualquer contrato entre o interessado na compra e a imobiliária.

Envolverá sim, desde logo e necessariamente, um qualquer acordo entre o vendedor (ou alguém em sua representação) e a imobiliária que promove a venda do imóvel, o que nos remete para o regime da mediação imobiliária.

Dispõe artigo 2º da Lei nº 15/2013, de 8 de fevereiro, relativamente à definição de atividade de mediação imobiliária:

1. A atividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis.

2. A atividade de mediação imobiliária consubstancia-se também no desenvolvimento das seguintes ações:

a) Prospeção e recolha de informações que visem encontrar os bens imóveis pretendidos pelos clientes;

b) Promoção dos bens imóveis sobre os quais os clientes pretendam realizar negócios jurídicos, designadamente através da sua divulgação ou publicitação, ou da realização de leilões.

(…)

4. As empresas de mediação imobiliária podem ainda prestar serviços que não estejam legalmente atribuídos a outras profissões, de obtenção de documentos e de informação necessários à concretização dos negócios objeto dos contratos de mediação imobiliária que celebrem.

 Ora, os atos praticados pela autora e dados como provados inserem-se no âmbito das atividades descritas sob o nº1, ou seja, em que o cliente é o vendedor (ou quem o represente), sendo que, no caso em apreço foi este que lhe “entregou” o imóvel para os fins de publicitação da venda, mostra aos potenciais interessados e, como é obvio, recolha das respetivas propostas, caso os mesmos se mostrassem interessados.

Anunciar a venda de um apartamento por determinado preço, atender potenciais interessados, mostrar-lhes o apartamento (do qual são detentores da chave para o efeito), são atos que integram atividade de mediação imobiliária, constituindo atos de mediação entre o dono e os potenciais interessados na compra.

E, ao contrário do sustentado pela autora, o fornecimento de um formulário ao réu para a apresentação da sua proposta relativamente ao imóvel penhorado e o envio de tal proposta ao encarregado da venda, bem como as subsequentes comunicações entre a autora e o réu, relativamente a tal venda, não integram, por si só, a celebração de qualquer contrato autónomo com o promitente comprador.

Esta “intermediação”, no decurso da qual, até uma certa fase, todos os contatos havidos entre o réu e o encarregado da venda o foram através da autora, significam, tão só, que o encarregado da venda se serviu da autora para o exercício das funções que lhe haviam sido cometidas pelo tribunal, enquanto encarregado da venda.

E, por tal atividade, enquanto encarregado da venda (e apesar de grande parte dos atos terem sido executados através da autora), veio a M..., Lda. a receber do tribunal os respetivos honorários – uma comissão de 3% acrescido de IVA sobre o preço da venda.

Concluindo, se é verdade que a autora prestou serviços de promoção e angariação de clientes relativamente ao imóvel penhorado, fê-lo a solicitação do encarregado da venda e não do réu, ao qual não é oponível qualquer acordo (a nosso ver ilegal) celebrado entre o encarregado da venda e a aqui autora, no sentido de que esta deveria cobrar os seus honorários ao aqui réu.

Com efeito, a ilegalidade de tal acordo residiria no facto de o mesmo integrar uma violação ao disposto no art. 17º, nº1, do Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária, que veda à empresa de mediação, receber remuneração de clientes e destinatários no mesmo negócio.

A apelação é necessariamente de improceder.

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a Apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.

Custas a suportar pela Apelante.                   

                                                                            Coimbra, 15 de fevereiro de 2022
(…)