Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
32/12.6TBSBG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CATARINA GONÇALVES
Descritores: DIREITO DE PROPRIEDADE
DEFESA
ACÇÃO DIRECTA
ÁRVORE
PRÉDIO CONFINANTE
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 01/21/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE SABUGAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE ALTERADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 483º, 493º E 1366º/1 DO CCIVIL
Sumário: I – O art. 1366º, nº 1, do C.C. limita-se a conceder ao proprietário do prédio a faculdade – e não a obrigação – de defender o seu direito, mediante recurso a “acção directa” e independentemente da verificação ou não de qualquer prejuízo, arrancando e cortando as raízes, troncos e ramos das árvores existentes em prédio vizinho e que se introduzam no seu prédio, desde que previamente o solicite ao dono das árvores e este o não faça dentro do prazo ali referido.

II – Se o proprietário do prédio invadido, podendo cortar – facilmente e sem grandes custos – as raízes, ramos e troncos que se introduzem no seu prédio, omite tal actuação, não poderá exigir ao dono das árvores qualquer indemnização dos danos que aquele facto lhe venha a causar, porquanto podia e devia ter actuado com vista a evitar a sua verificação.

III – O mesmo não acontece nas situações em que o proprietário não tem a possibilidade de cortar as raízes, ramos ou troncos que se estendem para o seu prédio, de forma a evitar a produção do dano, bem como nas situações em que essa actuação – apesar de possível e apesar de permitida pela norma acima citada – não lhe é exigível, designadamente, por ser demasiada onerosa; nestas situações, recairá sobre o dono das árvores a obrigação de indemnizar os danos que por elas sejam causados no prédio vizinho, seja por força do disposto no art. 483º do C.C., seja por força do disposto no art. 493º do mesmo diploma.

IV – O citado art. 1366º, nº 1, apenas concede ao proprietário do prédio afectado a faculdade de cortar os ramos, troncos e raízes que se introduzirem no seu prédio, não lhe facultando a possibilidade de entrar no prédio vizinho e arrancar as árvores que neste se encontram plantadas; assim, se o dano apenas podia ser evitado com o arranque das árvores, o proprietário lesado nada poderia ter feito para evitar a sua verificação e, como tal, tem o direito de exigir ao dono as árvores a respectiva indemnização.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

A... , residente no (...), Sabugal, intentou acção, com processo sumário, contra B... e mulher, C... , residentes na (...), Sabugal, alegando, em suma, que: é dono de um prédio urbano em cujo logradouro tem um cabanal, construído pelo seu pai, a uma distância de cerca de 30 cm da extrema do logradouro do prédio de que os Réus são proprietários; há cerca de 20 anos, os Réus plantaram duas cerejeiras nas estremas dos prédios, que cresceram em altura e largura do tronco; o tronco dessas cerejeiras ocupou terreno do A., desnivelou a parede do cabanal e criou abaulamento e fissuras; o crescimento das raízes contribuiu para a queda do cabanal e espalharam-se no subsolo partindo o cimento que cobria o chão; a força imprimida pelo crescimento dos troncos e raízes também fizeram fissuras numa parte de parede de cimento sobre o qual se ergueu a parede em blocos do A. virada para o prédio dos Réus; não obstante os diversos avisos do pai do Autor para que cortassem as cerejeiras, os Réus nunca o fizeram, causando diversos prejuízos ao Autor que, durante anos, ficou impedido de usar o cabanal para guardar máquinas e equipamentos de lavoura, além de ter sofrido graves dissabores e incómodo, desassossego, aborrecimentos, medo e sentimento de perigo eminente de queda do muro.

Com estes fundamentos, pede que os Réus sejam condenados a:

a) procederem ao imediato arranque das duas cerejeiras plantadas no seu prédio junto à extrema do prédio do Autor;

b) pagarem ao Autor a quantia de 2.500,00€ a título de indemnização pelos danos não patrimoniais descritos no art. 14º da petição inicial;

c) pagarem ao Autor a quantia imposta pela reposição do canal que vier a ser fixada em execução de sentença.

Os Réus contestaram, alegando, em suma, que o cabanal a que alude o Autor foi construído muito depois da plantação ou sementeira das cerejeiras e da edificação do muro existente no prédio dos Réus que delimita ambas as propriedades, além de que tal cabanal foi construído com aproveitamento da sustentação do muro dos Réus e sem guardar a devida distância. Alegam ainda que as cerejeiras em causa têm mais de 50 anos e a lei não autoriza nem contempla o arrancamento de árvores quando as respectivas plantações ou sementeiras sejam anteriores às edificações, não ocorrendo nenhuma das situações previstas no art. 1366º, nº 2, do C.C. e, impugnando os danos alegadamente provocados pelas cerejeiras, sustentam que o Autor nunca teria direito a qualquer indemnização, uma vez que poderia ter evitado esses danos, exercendo o direito de as cortar, como lhe era permitido pelo art. 1366º, nº 1, do CC.

Concluem pela improcedência da acção.

O Autor replicou, reafirmando os factos já alegados na petição inicial e alegando que as cerejeiras ainda não existiam quando, há 45 ou 50 anos, foi construído o cabanal.

Foi proferido despacho saneador e foi efectuada a selecção da matéria de facto assente e base instrutória.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou os Réus a procederem ao arranque das duas cerejeiras em causa e absolveu-os do demais que era peticionado.

Discordando dessa decisão, o Autor interpôs o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

I - O Autor interpelou os R. R. para cortarem as duas cerejeiras.

II - Os R. R. responderam negando o direito do A. cortar as cerejeiras.

III - Na Contestação os R. R. no Artigo 14.º dizem, embora erradamente, que a lei não autoriza nem contempla o arrancamento das árvores …do que se conclui que também não autorizam o Autor a entrar no seu prédio para cortar as cerejeiras, o que também não é possível sem entrar no prédio, uma vez que existe entre as cerejeiras e o prédio do autor uma parede de um cabanal, embora parcialmente derrubada.

IV - O Autor tem direito a ser indemnizado pelos danos patrimoniais que o crescimento das arvores dos R.R. provocou no prédio vizinho ( do A. ) a liquidar em execução de sentença.

V - O Autor tem direito a ser indemnizado pelos danos não patrimoniais no valor de 2.500,00 Euros como é pedido.

VI - A Sentença viola ou interpreta erradamente o disposto nos Artigos 1366.º, 334.º, 798.º, 562.º, 566.º do Código Civil, disposições legais que devem ser interpretadas no sentido exposto.

Assim, conclui, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se na parte recorrida a douta sentença, substituindo-se por outra que condene os R.R. (Apelados) a indemnizarem o Autor pelos danos patrimoniais a liquidar em execução de sentença e não patrimoniais no valor de € 2.500,00.

Os Réus apresentaram contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

1. A douta sentença preferida pelo tribunal a quo não deve sofrer qualquer alteração, por ter sido correctamente apreciada.

2. Não assiste ao recorrente qualquer direito de indemnização, uma vez que a lei faculta-lhe o direito de proceder ao respectivo corte, pelo que estava na sua disponibilidade evitar esses prejuízos.

3. Nem sequer o autor demonstrou que não poderia efectuar esse corte, de forma a legitimar a indemnização pretendida.

4. Ao ínvés, o recorrente nunca respondeu à missiva dos recorridos para esclarecer a situação de forma a evitar eventuais prejuízos, deixando arrastar a situação por quase três anos.

5. É entendimento quase unanime, pela Jurisprudência e pela Doutrina, que o artigo 1366º do Código Civil não atribui ao vizinho prejudicado com a invasão de raízes e ramos das árvores, o direito a pedir ao dono das mesmas qualquer indemnização, nomeadamente a destinada a compensar os danos causados por essa invasão no seu prédio.

6. A douta sentença não merece qualquer reparo, pelo que deverá manter-se a decisão proferida.

Concluem pela improcedência do recurso.


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II.

Questão a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações do Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – a questão a apreciar e decidir consiste em saber se o Autor/Apelante tem ou não o direito de exigir aos Réus uma indemnização pelos danos que sofreu em consequência de duas cerejeiras que estão implantadas no prédio destes e cujo tronco se estendeu para o prédio do Apelante, dando origem à destruição de um cabanal que aí se encontrava implantado.


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III.

Na 1ª instância, foi fixada a seguinte matéria de facto:

A. O Autor é dono e legítimo possuidor do prédio urbano situado no x..., nº. 8, em Monte Novo, freguesia de Pousafoles do Bispo, concelho do Sabugal, com a área total do terreno de 1.112,00 m2, área de implantação do edifício de 225,03 m2, área bruta de construção de 490,20 m2, área bruta dependente de 383,62 m2, inscrito na matriz respectiva da freguesia de Pousafoles do Bispo sob o artigo 0....º e não descrito na Conservatória do Registo Predial do Sabugal – alínea A) da matéria de facto assente.

B. O Autor adquiriu o prédio referido em A) por sucessão hereditária de seus pais de quem é o único universal herdeiro, tendo a sua mãe D... falecido em 17 de Agosto de 1994 e o seu pai E.. falecido em 23 de Outubro de 2007 – alínea B) da matéria de facto assente.

C. O Autor, por si e ante possuidores, há mais de 20 anos, tem usufruído o referido prédio, nele habitando, confeccionando as refeições, recebendo os amigos, o correio, cultivando o logradouro com produtos de horta, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que fosse, ininterruptamente, na convicção de que não lesava direitos alheios e de que exercia um direito próprio de proprietário – alínea C) da matéria de facto assente.

D. Os Réus são possuidores de um prédio urbano para habitação localizado na y..., lugar do Monte Novo, freguesia de Pousafoles do Bispo, concelho do Sabugal, a confrontar do Norte com F..., Sul com proprietário, Nascente com G... e Poente com proprietário, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1...º - alínea D) da matéria de facto assente.

E. O imóvel referido em A) tem no logradouro um cabanal construído pelo pai do Autor, a uma distância de cerca de 30 centímetros da estrema do logradouro dos Réus – resposta ao ponto 1º da base instrutória.

F. O referido cabanal foi construído há cerca de 40 anos – resposta ao ponto 2º da base instrutória.

G. O cabanal tem uma área rectangular, tendo de comprimento 7,50 metros na parte voltada para o logradouro dos Réus, de largura 4,70 metros e de altura 5 metros – resposta ao ponto 3º da base instrutória.

H. Foram plantadas duas cerejeiras no terreno dos Réus, junto à estrema dos prédios do Autor e Réus, há cerca de 50 a 55 anos – resposta aos pontos 4º e 13º da base instrutória.

I. As referidas cerejeiras cresceram em altura e largura do tronco, tendo este ocupado o terreno do Autor, levando a parede do cabanal a desnivelar-se, criando abaulamento e fissuras na parede de blocos de cimento, acabando por derrubá-la – resposta ao ponto 5º da base instrutória.

J. O Autor, por intermédio do seu Mandatário, interpelou os Réus para procederem ao corte das cerejeiras através de uma carta por estes recebida pelo menos em 11/09/2009 – resposta ao ponto 8º da base instrutória.

K. O Autor utilizava o referido cabanal para guardar máquinas agrícolas, lenha e outros utensílios e produtos, tendo deixado de o fazer devido à queda da parede – resposta ao ponto 9º da base instrutória.

L. Estando as cerejeiras em constante crescimento, podem derrubar novamente a parede do referido cabanal – resposta ao ponto 11º da base instrutória.


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IV.

Analisemos, então, a questão suscitada no presente recurso, que, como decorre das alegações, apenas se prende com a indemnização que o Autor havia peticionado para reparação dos danos que teria sofrido por força de duas cerejeiras plantadas no prédio dos Réus, já que, apesar de ter condenado os Réus a arrancar tais cerejeiras, a sentença recorrida considerou não haver lugar a qualquer indemnização.

Dispõe o art. 1366º, nº 1, do C.C. que “é lícita a plantação de árvores e arbustos até à linha divisória dos prédios; mas ao dono do prédio vizinho é permitido arrancar e cortar as raízes que se introduzirem no seu terreno e o tronco ou ramos que sobre ele propenderem, se o dono da árvore, sendo rogado judicialmente ou extrajudicialmente, o não fizer dentro de três dias”.

Seguindo os ensinamentos de Pires de Lima e Antunes Varela e da jurisprudência que cita, considerou a sentença recorrida que o vizinho prejudicado pelas árvores não tem direito a ser indemnizado pelos danos delas decorrentes, a não ser que estivesse impedido de usar da faculdade que lhe é concedida pela norma acima citada.

Referem, efectivamente, Pires de Lima e Antunes Varela[1], que “…parece claro que o artigo 1366.º não atribui ao vizinho, prejudicado com as árvores, o direito de pedir uma indemnização ao dono delas (até porque o direito de corte ou de arranque não está dependente da existência do dano em concreto e pode, por conseguinte, ser exercido, em princípio, antes de tal dano se verificar) ou de obrigar este a fazer os cortes”.

E é também nesse sentido que tem decidido a nossa jurisprudência maioritária[2], embora, por vezes, com algumas nuances ou restrições, como acontece com o Acórdão da Relação do Porto de 09/03/2010[3], onde se admitiu a existência de um direito de indemnização, nos casos em que o proprietário lesado está impedido de proceder ao corte dos ramos ou raízes, nos casos em que o dono do prédio lesado não pode aperceber-se do desenvolvimento dos danos ou nos casos em que o dono das árvores não cumpre a sua obrigação de proceder ao respectivo corte quando tal lhe é solicitado pelo proprietário vizinho.

O legislador reconheceu claramente, na norma acima citada, a licitude da plantação de árvores e arbustos até ao limite da linha divisória, não impondo, portanto, qualquer distância relativamente a essa linha. Tê-lo-á feito por razões económicas, como referem Pires de Lima e Antunes Varela[4] e tendo em vista a máxima rentabilidade dos terrenos. Mas, consciente dos riscos de invasão do prédio vizinho que tal situação implicava – já que o normal crescimento das árvores determina, com muita probabilidade, a extensão dos ramos, troncos e raízes para além da linha divisória do prédio onde foram plantadas – e não pretendendo impor ao proprietário vizinho a obrigação de tolerar a invasão do seu prédio, o legislador concedeu a este proprietário um meio expedito e rápido de defender a sua propriedade, estabelecendo, no citado art. 1366º, nº 1, que este poderia arrancar e cortar as raízes que se introduzissem no seu terreno e o tronco e ramos que sobre ele propendessem, se o dono da árvore, sendo rogado judicial ou extrajudicialmente, o não fizesse dentro de três dias.

Concedeu, portanto, o legislador ao proprietário do prédio vizinho a faculdade de auto-tutelar o seu direito, mediante o recurso a “acção directa”, sem restrições e independentemente da verificação ou não de qualquer prejuízo, bastando, para o efeito, que, previamente, solicite ao dono da árvore a actuação pretendida e que este o não faça dentro de três dias.

Por regra, a concessão dessa faculdade será, efectivamente, bastante para prevenir e evitar que aquelas árvores possam causar qualquer prejuízo ao prédio vizinho, por isso se entendendo que o proprietário lesado não terá direito a qualquer indemnização pelos prejuízos que tenha sofrido, sendo certo que os poderia ter evitado mediante o exercício da faculdade que, com essa finalidade, lhe foi concedida. Em tais situações, poder-se-á dizer que o prejuízo deriva directamente da omissão do proprietário lesado, não se justificando, portanto, a atribuição de qualquer indemnização.

Mas, a verdade é que existem situações onde não é razoável e não é legítimo impor ao proprietário vizinho o dever de exercer aquela faculdade e a consequente impossibilidade de ver ressarcidos os danos que sofreu por força de uma árvore que não é sua, da qual não retira qualquer benefício e que está a interferir com o seu direito de propriedade.

Não nos parece, desde logo, justo e razoável que o proprietário do prédio vizinho – que não retira qualquer benefício da árvore – tenha que assumir o ónus e encargo de estar em permanente vigilância sobre a evolução da árvore e de suportar os custos inerentes à remoção de raízes, troncos e ramos que se introduzam no seu prédio para evitar qualquer dano (custos que, em determinados casos, poderão ser elevados), enquanto o dono da árvore – que, em princípio, deveria ser o responsável pela sua vigilância e pela prática dos actos que se revelassem necessários para evitar danos a terceiros – se alheia dessa situação, à sombra e a pretexto da licitude da plantação da árvore junto à linha divisória.

Por outro lado, também existem situações em que o proprietário não pode actuar pelo modo que seria necessário para evitar o dano no seu prédio, o que acontecerá, designadamente, quando tal dano não pode ser evitado sem o corte da árvore, já que – temos como certo – o citado art. 1366º, nº 1, não concede ao proprietário vizinho o direito de entrar no prédio vizinho para cortar a árvore que, pelo menos em parte, se encontra em prédio que não lhe pertence.

  Mas, sem prejuízo de se apelar, em algumas dessas situações, ao abuso de direito, como se fez no Acórdão da Relação de Coimbra de 21/03/2006[5], parece-nos que o citado art. 1366º não poderá ser lido com o alcance e a amplitude de retirar, em todo e qualquer caso, o direito do proprietário vizinho à reparação dos danos que sofreu.

A este propósito e embora não se refira ao direito de indemnização, mas sim ao direito de o proprietário exigir que o corte seja feito pelo dono da árvore, refere Henrique Mesquita[6] que, apesar de ser normalmente entendido que este direito não existe, esse entendimento nem sempre proporciona a solução mais razoável, como acontece nos casos em que o proprietário vizinho não tem a possibilidade de proceder ao corte (como poderá acontecer quando as árvores estão plantadas junto de muros ou prédios urbanos). Assim, refere o citado autor, “em situações com esta configuração parece-nos razoável entender que ao proprietário lesado assiste o direito de impor ao dono das árvores a prática dos actos necessários a evitar os referidos danos. Com vista à justificação legal deste entendimento poderá dizer-se que o art. 1366º se aplica apenas quando ao proprietário do prédio vizinho seja fácil proceder ao corte das raízes, valendo, para as outras hipóteses, os princípios gerais sobre violação da propriedade alheia; ou que aquele preceito tem apenas por objectivo legitimar a acção directa do proprietário lesado, mas sem excluir que ao dono das árvores se possam exigir os actos necessários a remover ou impedir agressões ao direito de propriedade dos vizinhos, que é um direito exclusivo (cfr. o art. 1305.º); ou ainda que a infiltração de raízes em prédio alheio, por isso que é susceptível de originar, nas hipóteses que vimos analisando, prejuízos substanciais para o proprietário vizinho, se traduz numa emissão a que poderá aplicar-se por analogia o disposto no art. 1346º, senão mesmo o preceituado no artigo seguinte”.

  Acompanhando, de algum modo, a doutrina de Henrique Mesquita, parece-nos que o citado art. 1366º teve em vista duas coisas: estabelecer que é lícita a plantação de árvores e arbustos até à linha divisória do prédio sem necessidade de respeitar qualquer distância e conceder ao proprietário do prédio vizinho a possibilidade de recorrer à acção directa com vista a eliminar as raízes, troncos e ramos que estão a invadir o seu prédio.

Sem se pronunciar, sequer, na norma citada, sobre possíveis danos causados pelas árvores em prédios vizinhos e sobre a possibilidade (ou não) de eles serem indemnizados, não parece que o legislador tenha pretendido eliminar em absoluto o direito do proprietário vizinho a ser ressarcido por esses danos (isso não resulta – pelo menos claramente – da letra da lei); o legislador terá apenas pretendido solucionar, de forma rápida e expedita, o conflito de vizinhança que, com muita probabilidade, iria surgir com a plantação de árvores junto à linha divisória, reconhecendo ao proprietário vizinho o direito de não tolerar a invasão do seu prédio pelas raízes, ramos e troncos das árvores e concedendo-lhe o direito (mas não a obrigação) de atacar de imediato essa invasão, independentemente de a mesma lhe causar ou não qualquer prejuízo.

Naturalmente que, concedendo a lei ao proprietário vizinho, a faculdade de reagir àquela invasão em prazo muito curto – actuando ele próprio se o dono da árvore, depois de tal lhe ter sido solicitado, o não fizer em três dias – dever-se-á considerar que os prejuízos causados por tal invasão se devem à sua própria omissão, já que, podendo actuar e evitar o dano, não actuou, permitindo que o dano se produzisse. E, nesse caso, não se justificará, efectivamente, que possa vir a exigir ao proprietário das árvores a respectiva indemnização, tal como vem entendendo a doutrina e jurisprudência maioritárias.

Mas, na nossa perspectiva, uma tal solução apenas se justificará quando o proprietário vizinho tem a possibilidade efectiva de actuar, ao abrigo do citado art. 1366º, de forma a evitar o dano e quando tal actuação lhe é exigível, como sucederá nos casos em que as raízes, ramos ou troncos podiam ser cortados facilmente e sem grandes custos. Só nessa situação se poderá dizer que o proprietário do prédio vizinho omitiu o dever e a actuação que lhe era permitida e que lhe era exigível, dando causa ou contribuindo, com culpa, para a produção do dano o que excluiria a eventual responsabilidade civil do dono da árvore, por força do disposto no art. 570º do C.C.

Mas tal já não acontece nas situações em que o proprietário não tem a possibilidade de cortar as raízes, ramos ou troncos que se estendem para o seu prédio, de forma a evitar a produção do dano, bem como nas situações em que essa actuação – apesar de possível e apesar de permitida pela norma acima citada – não lhe é exigível por ser demasiada onerosa e por não ser razoável fazer impender sobre o proprietário vizinho o ónus de suportar os custos inerentes (que, eventualmente, até podem ser superiores ao valor do dano que se pretende evitar), quando é certo que a árvore não é sua e dela não retira qualquer proveito.

Nessas situações, valerão, como refere Henrique Mesquita (cfr. excerto acima citado) os princípios gerais sobre violação da propriedade alheia e, portanto, o dono das árvores terá a obrigação de indemnizar os danos que por elas sejam causados no prédio vizinho, seja por força do disposto no art. 483º do C.C., seja por força do disposto no art. 493º do mesmo diploma.

A lei reconhece, claramente, ao proprietário o direito de gozar de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas (art. 1305º, do C.C.); a lei não impõe ao proprietário qualquer restrição emergente da plantação de árvores no prédio vizinho, no sentido de ser obrigado a tolerar a invasão do seu prédio pelas raízes, troncos ou ramos dessas árvores, reconhecendo-lhe claramente (como decorre do art. 1366º, nº 1) o direito de não tolerar tal invasão; portanto, tal invasão – não podendo ser imposta ao proprietário do prédio – configura uma lesão ou violação do seu direito de propriedade, pelo menos, a partir do momento em que manifesta a sua oposição; embora se deva considerar que, em princípio, o proprietário do prédio invadido não pode exigir qualquer indemnização ao dono das árvores pelos danos decorrentes do prolongamento das raízes, ramos e troncos, na medida em que, tendo a faculdade de proceder ao seu corte, estava na sua disponibilidade evitar a produção do dano, não poderá deixar de lhe ser reconhecido o direito à indemnização dos danos quando não lhe era possível actuar de forma a evitar a sua verificação ou quando tal actuação, apesar de lhe ser permitida, não lhe era exigível.

Ainda que seja lícita a plantação das árvores naquelas circunstâncias (ou seja, até à linha divisória), o dono das árvores não deixará de responder pelos danos que elas causem a terceiros, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 493º do C.C. e, portanto, se as suas raízes, ramos ou tronco invadirem prédio alheio e se o proprietário do prédio invadido estiver impossibilitado de proceder ao respectivo corte, ao abrigo do disposto no art. 1366º, nº 1, ou se não lhe for exigível tal actuação, recai sobre o dono das árvores a obrigação de indemnizar os danos causados com tal invasão.

Vejamos o que se passa no caso sub judice

Com decorre da matéria de facto provada, os Réus têm plantadas duas cerejeiras no seu terreno e junto à estrema com o prédio do Autor. Tais cerejeiras cresceram em altura e largura do tronco, tendo este ocupado o terreno do Autor, provocando desnivelamento, abaulamento e fissuras na parede de blocos de cimento de um cabanal que existia no logradouro do prédio do Autor, acabando por derrubar tal parede.

Os Réus já foram condenados a arrancar as referidas cerejeiras (sendo que, nessa parte, a decisão transitou em julgado) e o que agora se discute é se o Autor tem ou não direito a ser indemnizado pelos danos que sofreu.

O Autor peticionava uma indemnização por danos morais, no valor de 2.500,00€ e peticionava a indemnização que viesse a ser liquidada em posterior liquidação, correspondente ao custo de reposição do cabanal.

O pedido de indemnização por danos morais terá, naturalmente, que improceder, já que nenhum facto se provou que permita concluir pela existência de danos dessa natureza e muito menos com a gravidade que seria necessária para que, ao abrigo do disposto no 496º, nº 1, do C.C.; merecessem a tutela do direito e justificassem a sua indemnização.

Mas terá o Autor direito à indemnização pelos danos patrimoniais emergentes da destruição do cabanal?

A sentença recorrida considerou que não, argumentando que estava na disponibilidade do Autor evitar aquele prejuízo, na medida em que a lei lhe faculta o corte, acrescentando que “…não foi alegada, nem provada, qualquer situação que, com segurança, nos permita considerar que o Autor estava impedido de proceder ao corte das árvores, circunstância que…já poderia, em tese, legitimar a indemnização pretendida”.

Mas será mesmo assim?

Refira-se que a sentença recorrida não se limitou a ordenar o corte das raízes, ramos e tronco que se encontravam no prédio do Autor; a sentença recorrida ordenou o arranque das cerejeiras, considerando que não estavam em causa meros ramos ou raízes (mas sim os troncos das cerejeiras) e que o arranque das árvores seria a única forma de evitar a invasão do terreno do Autor e de evitar novos estragos em qualquer construção que viesse a ser efectuada no logradouro. Importa notar que, nesse segmento, a decisão não foi objecto de recurso e transitou em julgado.

Mas, se era necessário cortar as cerejeiras – por ser a única forma de evitar a invasão do prédio do Autor e a produção de danos no cabanal – como poderia o Autor proceder a esse corte?

Ao que nos parece, o art. 1366º do C.C. não facultava ao Autor a possibilidade de entrar no prédio dos Réus e arrancar as árvores que a estes pertenciam; o Autor apenas podia cortar o tronco, ramos e raízes que estivessem a invadir o seu prédio e nada mais e, como se reconheceu na sentença recorrida, isso não teria aptidão para evitar a invasão do prédio e a verificação do dano.

Refira-se que – como decorre da matéria de facto provada – o que está a invadir o prédio do Autor não são – ou não são apenas – os ramos ou raízes das cerejeiras; o que está a invadir o prédio do Autor é o tronco das árvores, já que, apesar de terem sido plantadas em terreno dos Réus, o tronco alargou (engrossou), passando a ocupar parcialmente o prédio do Autor. Ora, ao abrigo do disposto no art. 1366º, o Autor apenas poderia cortar (na vertical) a parte do tronco que está no seu terreno.

Já sabemos que, na perspectiva da sentença recorrida, tal corte (que era consentido ao Autor pelo citada norma) não seria bastante para evitar o dano, porquanto os Réus não foram condenados a cortar o tronco nesses termos, mas sim a arrancar as cerejeiras.

Mas, não obstante o que se considerou na sentença, poder-se-ia afirmar que o Autor, caso actuasse em tempo oportuno, cortando parte do tronco logo que ele invadiu o seu terreno – como lhe consentia o art. 1366º -  poderia ter evitado o dano?

Na verdade, a matéria de facto não fornece muitos elementos a esse respeito, mas parece-nos que, ainda que tal fosse possível, uma tal actuação não seria exigível ao Autor. Desde logo, porque o obrigava a efectuar tais cortes com alguma frequência e sempre que o tronco, por via do seu normal crescimento e alargamento, começasse a entrar no seu prédio. Por outro lado, como se depreende da matéria de facto (embora de forma pouco clara) e das fotografias juntas aos autos, as cerejeiras estavam encostadas à parede do cabanal e tal circunstância dificultava, naturalmente, a realização desses cortes sem causar danos no cabanal e, além do mais, implicaria a realização de despesas, na medida em que tais actos, não estando ao alcance de qualquer pessoa, obrigariam, com alguma probabilidade, à contratação de terceira pessoa.

Ora, não nos parece que tal actuação fosse exigível ao Autor.

De facto, tal como referimos supra, o proprietário não é obrigado a tolerar a invasão do seu prédio pelas raízes, ramos ou troncos das árvores que pertencem a outrem e nenhuma justificação encontramos para impor ao proprietário o ónus de praticar todo e qualquer acto que seja necessário – e com a frequência que seja necessária – para evitar que tais árvores causem dano efectivo no seu prédio e independentemente da natureza e da onerosidade desses actos, quando é certo que nenhum benefício retira daquelas árvores. A ser de outro modo, o proprietário em causa sofreria duas agressões no seu direito de propriedade, já que, além de o seu direito de propriedade estar a ser objecto de uma interferência que não é obrigado a tolerar, ainda teria que suportar os custos dos actos necessários para evitar que tal circunstância causasse danos efectivos no seu prédio. O que determina o citado art. 1366º, nº 1, é que o proprietário tem o direito de praticar esses actos; mas não se determina que tenha a obrigação de os praticar sob pena de arcar com os danos que aquelas árvores lhe venham a causar, ainda que se considere, como acima se mencionou, que, podendo fazê-lo, sem grande esforço e sem grandes custos, actua com culpa e contribui para a verificação do dano, se omitir tal actuação e nada fizer para evitar o dano.

No caso sub judice, e tal como se considerou na sentença recorrida, a salvaguarda dos direitos do Autor apenas se consegue, de forma eficaz, com o arranque das cerejeiras e, como já se referiu, a prática desse acto não está incluída no âmbito da faculdade prevista no art. 1366º e, como tal, não era permitida ao Autor e, ainda que se considerasse que o dano poderia ser evitado com o corte da parte dos troncos que invadia o seu prédio (apenas isso lhe era consentido pela norma citada), tal actuação não lhe era exigível, pelas razões acima mencionadas e, como tal, nenhuma razão existe para que não deva ser indemnizado pelos danos que sofreu e que decorreram das cerejeiras existentes no prédio dos Réus.

Os Réus estão, pois, obrigados a indemnizar o Autor pelo prejuízo emergente da destruição do cabanal.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

I – O art. 1366º, nº 1, do C.C. limita-se a conceder ao proprietário do prédio a faculdade – e não a obrigação – de defender o seu direito, mediante recurso a “acção directa” e independentemente da verificação ou não de qualquer prejuízo, arrancando e cortando as raízes, troncos e ramos das árvores existentes em prédio vizinho e que se introduzam no seu prédio, desde que previamente o solicite ao dono das árvores e este o não faça dentro do prazo ali referido.

II – Se o proprietário do prédio invadido, podendo cortar – facilmente e sem grandes custos – as raízes, ramos e troncos que se introduzem no seu prédio, omite tal actuação, não poderá exigir ao dono das árvores qualquer indemnização dos danos que aquele facto lhe venha a causar, porquanto podia e devia ter actuado com vista a evitar a sua verificação.

III – O mesmo não acontece nas situações em que o proprietário não tem a possibilidade de cortar as raízes, ramos ou troncos que se estendem para o seu prédio, de forma a evitar a produção do dano, bem como nas situações em que essa actuação – apesar de possível e apesar de permitida pela norma acima citada – não lhe é exigível, designadamente, por ser demasiada onerosa; nestas situações, recairá sobre o dono das árvores a obrigação de indemnizar os danos que por elas sejam causados no prédio vizinho, seja por força do disposto no art. 483º do C.C., seja por força do disposto no art. 493º do mesmo diploma.

IV – O citado art. 1366º, nº 1, apenas concede ao proprietário do prédio afectado a faculdade de cortar os ramos, troncos e raízes que se introduzirem no seu prédio, não lhe facultando a possibilidade de entrar no prédio vizinho e arrancar as árvores que neste se encontram plantadas; assim, se o dano apenas podia ser evitado com o arranque das árvores, o proprietário lesado nada poderia ter feito para evitar a sua verificação e, como tal, tem o direito de exigir ao dono as árvores a respectiva indemnização.


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V.
Pelo exposto, concede-se parcial provimento ao presente recurso e, em consequência, condenam-se os Réus a pagar ao Autor a quantia que vier a ser apurada em posterior liquidação e correspondente ao valor necessário para a reposição do cabanal, com as dimensões e as características que possuía e que estão descritas na matéria de facto, confirmando-se, no mais, a sentença recorrida.
Custas a cargo do Apelante e dos Apelados em partes iguais.
Notifique.

Maria Catarina R. Gonçalves (Relatora)

Maria Domingas Simões

Nunes Ribeiro


[1] Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed. Revista e actualizada (reimpressão), pág. 231.
[2] Cfr., designadamente, a jurisprudência citada na decisão recorrida.
[3] Proferido no processo nº 2899/05.5TBOAZ.P1, disponível em http://www.dgsi.pt.
[4] Ob. ct., pág. 230.
[5] Colectânea de Jurisprudência, Ano XXXI, tomo II, pág. 18
[6] Direitos Reais, Sumários das Lições ao Curso de 1966-1967, págs. 160 a 162.