Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
337/05.2GATBU.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 03/03/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TÁBUA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: 56º ,Nº1, AL.B) DO CP 61ºE 495º DO CPP
Sumário: 1.Tendo o arguido no período de suspensão da execução da pena cometido novo crime pelo qual foi condenado em prisão efectiva, aquela suspensão deverá ser revogada se, em concreto, se mostrar que as finalidades que estiveram na base da referida suspensão não forma alcançadas.
2.No caso concreto, mostra-se que as finalidades que estiveram na base da suspensão não foram atingidas, já que o arguido, tendo sido condenado por prática de crime de condução de veículo motorizado sem habilitação legal em pena de prisão cuja execução foi suspensa, no período desta suspensão, indiferente ao juízo de prognose favorável que havia sido emitido pelo tribunal relativamente à sua conduta posterior, continuou a conduzir veículo motorizado sem estar legalmente habilitado pelo que veio a ser condenado em pena de prisão efectiva.
Decisão Texto Integral: 9

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

R. inconformado com o despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão de sete meses vem dele interpor recurso para este tribunal, sendo que na respectiva motivação formulou as seguintes conclusões:
1- O arguido não se conforma com a douta decisão do Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo" que revogou a suspensão da execução da pena de prisão.
2- Não resulta dos autos que as exigências de prevenção geral e especial não possam ser acauteladas com a modificação de deveres que condicionam a suspensão da execução da pena.
3- O arguido encontra-se presentemente a trabalhar e empenhado em cumprir os deveres que lhe sejam fixados, designadamente e se tal for atendido de, comprovadamente, frequentar Escola de Condução e obter habilitação legal para conduzir no prazo que lhe seja determinado.
4- A imposição de um tal dever ao arguido realizaria no entender da defesa as finalidades da punição.
5- Não se encontra, pois, demonstrado que as finalidades da punição não podem ser alcançadas por meio da suspensão da execução da pena de prisão aplicada.
6- O arguido, ora recorrente, é um jovem.
7 - Trabalha como operário no Grupo … em Tábua,
8- Vive com os pais.
9- Encontra-se socialmente integrado na vida familiar, profissional e social.
10- Não se encontram, pois, esgotadas as medidas disponíveis para garantirem a integração do arguido ora recorrente em liberdade, sendo que o cumprimento de uma pena de prisão pelo arguido se revelaria altamente estigmatizante e desajustado das exigências de prevenção.
11- Por outro lado a manutenção da suspensão da execução de pena com imposição de deveres realizaria de forma adequada as necessidades de prevenção
especial e geral a afastando arguido da prática de futuros crimes e simultaneamente respeitando a necessidade de confiança da comunidade na validade das normas jurídicas infringidas.
12- Nos presentes autos, revela-se assim adequado apontar ao arguido o rumo certo no caminho da valoração do seu comportamento de acordo com o direito, ao mesmo tempo que a ameaça de execução da pena o demoverá de voltar a delinquir, reforçando-lhe a capacidade de pautar a sua vida pelo cumprimento das regras legais, o que será obtido com a manutenção do arguido em liberdade sujeitando-o a deveres ou regras de conduta.
13- Violou a Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo" o disposto nos arts. 40 n.º 1, 50 , 56.º ,70.º e 71.º todos do Código Penal da Republica Portuguesa.
Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se o despacho que determinou a revogação da suspensão da execução de pena e determinou o cumprimento de sete meses de prisão pelo arguido, assim se fazendo
Sã, SERENA e OBJECTIVA JUSTIÇA

O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

O arguido R. foi condenado, por sentença de fls. 57 e ss., pela prática de um crime de condução de veículo motorizado sem habilitação legal p. e p. nos termos do disposto no art. 3.º, n.ºs 1 e 2 do D.L. n.º 2/98 de 03.01, em concurso com uma contra-ordenação p. e p. pelo art. 13.°, n.ºs 1 e 4 e 145.° al. a) do Código da Estrada, na pena de sete meses de prisão e na coima de € 120,00.
Esta sentença foi objecto de recurso, em sede do qual foi proferido douto Acórdão transitado em julgado em 05.02.2007 no qual foi decidido que a aludida pena de prisão (7 meses) seria suspensa na sua execução pelo período de três anos sujeita a regime de prova nos termos do disposto nos arts. 50.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 53.º do Código Penal (cfr. fls. 124 a 135).
Após descida dos autos à primeira instância, por despacho de fls. 141, datado de 14.03.2007 logo foi determinado que se oficiasse ao IRS (hoje DGRS) para os efeitos do disposto no art. 494.° do C.P.P. (elaboração do plano individual de reinserção social - PIRS).
Sucede que, o plano apenas veio a ser realizado em 12.02.2009 em virtude de se não lograr notificar o arguido, frustrando-se as notificações com vista a que o arguido colaborasse na elaboração do dito plano. O paradeiro do arguido foi algo incerto nesse lapso temporal, ausentando-se o mesmo da morada constante dos autos (cfr. diligências de notificação de fls. 175,176, 181, 195, 196,224).
Foi junta a estes autos certidão de sentença transitada em julgado em 10…..2009, extraída do Proc. n.º …/08.7PQLSP, na qual o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo disposto no art, 3.°, n.ºs 1 e 2 do D.L. n.º 2/98 de 03.01 na pena de 9 meses de prisão efectiva, estando em causa factos de 21 de …. de 2008 - cfr. fls. 232-243.
Determinou-se a audição do arguido conforme decorre dos arts. 56.° do Código Penal e arts. 61.°, n.º1 al. b) e 495.°, ambos do C.P.P . o que ocorreu, conforme acta de fls. 265 a 267.
Ouvido o mesmo sobre as razões determinantes das dificuldades de notificação aludidas, alegou que se ausentou para Lisboa e aí permaneceu a trabalhar, sendo que a sua ida para tal cidade se prende com a tentativa de deixar os consumos de heroína, consumos esses que diz que agora são esporádicos.
Perguntado sobre a sua conduta relacionada com a condução ilegal referiu que costuma deslocar-se de carro nos dias de folga e que tencionar tirar a carta e que andava a dar uma volta perto do bairro da sua namorada.
Cumpre decidir:
A questão a decidir prende-se com a violação do art 56 do Código Penal.
Dispõe o art Artº 56º do Código Penal:
1 - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que no seu decurso o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social;, ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
2 - A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado”.

Sustenta o recorrente que “a manutenção da suspensão da execução da pena com imposição de deveres realiza, ainda, de forma adequada as necessidades de prevenção especial e geral afastando o arguido da prática de futuros crimes e simultaneamente respeitando a necessidade de confiança da comunidade na validade das normas jurídicas infringidas”.
Antes de mais é de assentar que a revogação não é automática. Na verdade, estando em causa a privação da liberdade do arguido, o Tribunal deve ser cauteloso e ponderado antes de tomar qualquer decisão, impondo-se como a lei manda, ouvir sempre o arguido e proceder á recolha de prova.
O tribunal e estando em causa a revogação da suspensão de execução de pena que apenas deve ser decretada, em último caso, verificando-se que o incumprimento da obrigação imposta deve-se a uma atitude de indiferença, de negligência grosseira, deve reunir todos os elementos necessários para tomar uma decisão que vai afectar a liberdade do arguido. E dos autos verifica-se que o Tribunal ouviu o arguido, analisou todos os elementos trazidos aos autos e só depois decidiu.
Para além de podermos dizer que a situação do arguido também se encaixa na al a) do art 56 do CPenal na medida em que o arguido apesar de saber que o Tribunal confiou nele e na possibilidade que ainda havia de o recuperar para a sociedade, o facto é que o arguido “desapareceu” durante uns tempos e não foi possível a realização de qualquer plano de reinserção social.
No entanto, o que aqui está em causa é a análise da al b) do nº 1 do artº 56º do CPenal.
O acórdão de condenação nos presentes autos transitou em julgado em 5/…/2007.
O arguido após trânsito em julgado da decisão proferida nos presentes autos, veio a ser condenado pela prática de um crime da mesma natureza da dos autos, na pena de 9 meses de prisão efectiva por factos praticados a 21/../2008.
Ou seja, em pleno período da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada nos presentes autos, o arguido cometeu um novo crime, pelo qual veio a ser condenado, com trânsito em julgado.
Portanto, o primeiro pressuposto do artº 56 nº 1 al b) do CPenal encontra-se preenchido no entanto, é necessário verificar se as finalidades que estiveram na base da suspensão ainda podem ser alcançadas.
No acórdão desta Relação a fls 134 escreveu-se:
Porém, pensamos que, sendo certo que o arguido já deu mostras de tal ser insuficiente e inadequado para o dissuadir da prática de futura de crimes semelhantes ainda assim, devemos confiar nele, uma última vez, crendo que se afastará definitivamente da delinquência (evitando-se ainda, por esta vez, criar nele e na própria comunidade um nefasto sentimento de impunidade).
No sentença condenatória e por factos ocorridos em 21/../2008 o tribunal faz as seguintes considerações: “Ora, antes destes factos o arguido já havia sido condenado 5 vezes, sendo uma por roubo praticado em 2005 e 3 delas pela prática deste mesmo crime. As condenações foram em duas penas de multa e três penas de prisão suspensas na sua execução, sendo que duas dessas suspensões se encontravam a decorrer quando o arguido praticou os factos objecto do presente processo. Mostram-se, pois, esgotadas as virtualidades pedagógicas e ressocializadoras que as penas não detentivas poderiam ter tido sobre este arguido. (. .. ) Dir-se-á, ainda, que o facto de o arguido se ter inscrito numa escola de condução e de ter sido emitida licença de aprendizagem não faz diminuir as exigências de prevenção especial, pois nunca chegou a iniciar aulas e, ao invés, praticou os factos objectos deste processo. A conduta recalcitrante deste arguido que insiste em praticar ilícitos, não só estradais, mas também outros, como o de roubo na forma tentada, e que com apenas 21 anos alcançará a sexta condenação, sem conseguir afastar-se do sistema de justiça (. .. ) aponta no sentido de que não temos factos onde possamos ancorar um juízo de prognose favorável ao arguido”.
Assim, atendendo à personalidade do arguido, à sua conduta habitual e ao contrário do que esta Relação já decidiu não pode a suspensão da pena ser concedida mais uma vez que pois, em concreto, nada nos permite concluir por um prognóstico de que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para satisfazer os fins de prevenção geral e especial e a necessidade de punição.
Nada nos autos nos permite concluir por essa prognose social favorável, ou seja, permite uma esperança fundamentada quanto ao futuro bom comportamento do arguido. Já foram dadas diversas oportunidades ao arguido e este insiste em delinquir. O arguido já não é merecedor de confiança.

Pelo exposto, acordam os Juizes desta Relação em manter o despacho recorrido, julgando improcedente o recurso.

Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 4 uc (artº 513 do CPP e artº 8º nº 5 e tabela III do RCP)

Coimbra,
Alice Santos

Belmiro Andrade