Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
290/12.6GCLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: INÁCIO MONTEIRO
Descritores: IN DUBIO PRO REO
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
Data do Acordão: 06/24/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - INSTÂNCIA LOCAL DE LEIRIA, SECÇÃO CRIMINAL - JUIZ 3.
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 32.º, N.º 2, DA CRP; ART. 410.º, N.º 2, AL. C), DO CPP
Sumário: I - Há erro notório na apreciação da prova quando se dão factos como provados que, face às regras da experiência comum e a lógica normal da vida, não se poderiam ter verificado ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsidade: trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciada pela simples leitura do texto da decisão, erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, pois as provas revelam um sentido e a decisão recorrida extrai ilação contrária, incluindo quanto à matéria de facto provada.

II - A existência de duas versões contraditórias (a do ofendida, acolhida pelo tribunal a quo que conjugou com outros elementos de prova e cujas lesões foram apreciadas e relacionadas de forma crítica com as circunstância em que os factos ocorreram e a versão do arguido que negou ter sido o autor da lesão) não implica necessariamente a aplicação do princípio in dúbio pro reo, dando como não provada a autoria do crime imputado ao arguido.

III - O princípio in dubio pro reo tem de resultar de um juízo positivo de dúvida resultante de um impasse probatório.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra

No processo supra identificado, o arguido A... , casado, empresário, nascido a 16/10/1964, natural de (...) - Leiria, filho de (...) e de (...) , titular do BI n.º (...) , residente na rua (...) , Leiria, foi julgado pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143.º, n.º 1 do Cód. Penal.


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A fls. 100, a demandante B... , deduziu pedido cível contra o demandado, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 9.593,00€, acrescida de juros de mora, sendo 593€ a título de danos patrimoniais e 9.000€ a título de danos não patrimoniais.

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O tribunal julgou procedente a acusação e parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela e, em consequência condenou o arguido A... :

a) Por um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art. 143.°, n.º 1 do Código Penal (CP), na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à razão diária de 7,00€ (sete euros), o que perfaz a quantia de 1.050,00€ (mil e cinquenta euros), a que correspondem 100 (cem) dias de prisão subsidiária.


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b) A pagar à demandante B... a quantia de total de 4.125,00€ (quatro mil, cento e vinte e cinco euros), sendo 4.000 €, (quatro mil euros) a título de danos não patrimoniais e 125,00 € (cento e vinte e cinco euros) a título de danos patrimoniais.
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Da sentença interpôs recurso o arguido, formulando as seguintes conclusões:

«A. O Arguido não praticou o ilícito penal de que vem acusado.

B. A prova produzida nos presentes autos foi incorrectamente valorada e apreciada, designadamente a prova gravada.

C. Não tendo ainda sido respeitado o princípio do in dúbio pro réu.

D. A Meritíssima Juiz do Tribunal ad quo não valorou devidamente as declarações do Arguido, partindo do princípio de que se existem más relações, entre aquele e a assistente não é coerente nem credível que o arguido tenha apenas reagido com um gesto de libertação. O mesmo princípio não foi aplicado ao depoimento da assistente.

E. A Meritíssima Juiz do Tribunal ad quo também não valorou devidamente as declarações da testemunha C... , o único sujeito imparcial a todo este processo, tendo considerado o seu depoimento tendencioso e incoerente,

F. Ouvido aquele em sede de audiência de julgamento (no depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, consignando-se que o seu inicio ocorreu pelas 15: 15:44 e o seu termo pelas 15:27: 16) esclareceu o mesmo que no dia dos factos pelas 8h00 aquele encontrava-se a efetuar trabalhos na residência situada em frente da residência da ofendida quando surgiu o Arguido.

G. Logo em seguida surgiu a ofendida que questionou o arguido sobre se foi este quem havia danificado/partido o muro da residência daquela, ao que o arguido respondeu que não tinha conhecimento sobre tal facto.

H. O arguido volta então as costas à ofendida e prepara-se para abandonar o local e ir para o seu armazém, situado ao lado da casa da ofendida,

I. Tendo esta pegado num braço daquele, pretendendo obriga-lo a deslocarem-se junto do muro danificado.

J. O arguido tirou a mão da ofendida do seu braço, dizendo a esta para que o deixasse ir embora.

K. O Arguido abandonou o local e a ofendida sentou-se no chão/estradal alcatrão.

L. Após, a ofendida solicitou ajuda à testemunha, tendo esta auxiliado aquela a levantar-se do chão.

M. A ofendida dirigiu-se em seguida para a sua habitação.

N. Mais disse a testemunha que a ofendida em seguida foi limpar o seu jardim.

O. A testemunha C... , foi a única testemunha visual dos factos em apreço nos presentes autos, contrariamente ao consignado na douta sentença de que se recorre.

P. A qual, firmou toda a sua convicção no essencial, nas declarações da Assistente, que não julgou tendenciosas, e bem assim no depoimento da neta desta.

Q. A qual alegadamente também presenciou os factos ocorridos entre o arguido e a ofendida.

R. Todavia, atentando no teor do auto de ocorrência de folhas 34 e 35 dos autos, elaborado pelo Guarda D... , testemunha também inquirida nos presentes autos e que confirmou ter sido o mesmo quem elaborou o auto em causa, temos que do mesmo resulta identificada como testemunha visual dos factos denunciados, exclusivamente a pessoa do Sr. C... ,

S. A ser verdade que a neta da ofendida também presenciou os factos, questiona-se sobre a razão pela qual a mesma não foi naquele momento indicada pela ofendida ao Guarda D... , como testemunha ocular dos acontecimentos.

T. Por outro lado, o modo e termos em que ocorreram os factos em julgamento nos presentes autos, é aquele que resulta das declarações do arguido e do depoimento da testemunha C... , e já não da versão apresentada pela assistente e pela sua neta E... , porquanto os depoimentos desta enfermam de várias incongruências e contradições,

U. O Arguido nunca teve qualquer intenção de empurrar a ofendida e de a fazer cair no solo.

V. Aquele apenas tentou soltar-se, dado que foi agarrado pela ofendida por um dos seus braços (dele arguido).

W. Por outro lado, não resulta certo e inequívoco que a ofendida quando o arguido tenta soltar-se da mesma, caia de imediato ao chão.

X. É a própria que admite que anda alguns metros para trás.

Y. Facto corroborado pelo depoimento do Sr. C... .

Z. Após o que se senta (afirmação da própria) e somente depois de estar sentada cai para trás.

AA. Aqui também tem de ser suscitada a dúvida no depoimento da neta da ofendida que alega ter visto o arguido a dar um empurrão na sua avó e esta a cair de imediato ao chão

BB. Suscitando-se a dúvida quanto à forma, modo e termos em que os factos ocorreram, designadamente quanto ao facto de a ofendida ter caído ao solo (tendo aquele sentado-se no chão tal como a própria admite), tal dúvida deve ser valorada em favor do arguido.

CC. Impondo-se a sua absolvição de acordo com o Principio do In Dubio Pro Reo, o que se requer a V/ Exas.

DD. A Meritíssima Juiz do Tribunal ad quo fundamentou os factos dados como provados nos pontos 1.º 8.º da sua douta sentença com base na análise crítica dos documentos juntos e bem assim da prova testemunhal produzida.

EE. Prova essa que é contraditória entre si e que suscita a dúvida quanto ao modo, termos e circunstâncias em que os factos ocorreram.

FF. Tendo tal dúvida de ser valorada em proveito do arguido, o que se requer, absolvendo-se em consequência o mesmo dos factos de que vem acusado.

GG. Do teor dos documentos juntos aos autos, não é possível concluir de forma clara, objetiva e inequívoca sobre qual a causa que em concreto determinou para a ofendida as lesões descritas no documento de fls. 36 a 38 dos autos.

HH. Do referido relatório médico de folhas 36 a 38 dos autos, apenas se pode extrair uma afirmação da ofendida e não uma conclusão em termos médico-legais.

II. De toda a documentação médico-legal constante dos presentes autos, nomeadamente do relatório junto a fls. 36 a 38, do relatório junto a fls.54, do relatório junto a fls. 67 a 77, em momento algum se retira de uma conclusão médico-legal quanto aos antecedentes pessoais/familiares/contexto familiar, aí descritos.

JJ. Sendo a informação aí vertida resultado de uma afirmação da ofendida, sem qualquer outro meio de prova, ou seja, tudo o que aí existe resulta única e exclusivamente de afirmações prestadas pela ofendida quando questionada relativamente a tais matérias.

KK. Alias, sempre se questionará: não padeceria já a ofendida de lesões a nível da coluna, anteriores à ocorrência dos factos julgados nos presentes autos? Se sim, quais? Quando terão sido produzidas? A tais questões não foi dada nenhuma resposta, nem qualquer prova foi produzida.

LL. Terá sido a queda descrita nos presentes autos, a única e exclusiva causal efeito das lesões descritas nos mesmos?

MM. Ou, já teria a ofendida tais lesões? Não se sabe.

NN. Por que razão o citado relatório médico-legal não delimita em termos temporais o momento em que a lesão contraída em 31.03.2012 pode ter sido provocada.

00. A dúvida subsiste. E, uma vez mais, em caso de dúvida, aplicar-se-á o princípio de in dúbio pro reo, nos termos e fundamentos já supra explanados.

PP. Subsiste assim um erro notório de apreciação da prova e bem assim o desrespeito pela aplicação do Principio do in dúbio pro reo, impondo estes a necessária absolvição do Arguido relativamente aos factos constantes da douta pronúncia, o que se requer.

QQ. O tipo legal de crime não se encontra preenchido, pois preenche o tipo subjetivo de crime em questão quem representa como resultado da sua conduta a produção de uma ofensa na integridade física de outrem - seja no seu corpo, seja na sua saúde -, quer obter esse resultado e age com vista à sua consumação, ou age, conformando-se com tal resultado, o que in casu não se verificou.

RR. Analisando a factualidade vertida nos autos, o Arguido não teve qualquer intenção de empurrar, fazer cair ou desequilibrar a ofendida.

SS. E sendo assim, não se encontram verificados os elementos integrantes do tipo legal de crime, devendo o Arguido ser absolvido do mesmo o que se requer.

TT. Finalmente e quando ao pedido de indemnização cível, não pode o Arguido/ demandado ser responsabilizado civilmente pela indemnização de um dano que não teve como causa nenhum ato praticado pelo Arguido.

00. Pelo que se impõe nesta matéria (Pedido de indemnização cível), absolvição do demandado do valor do Pedido de indemnização cível a que foi condenado.

vv. Todavia, ainda que assim não se entenda, o que apenas por mero efeito de raciocínio académico se concebe, sempre se dirá que o valor indemnizatório arbitrado a título de danos não patrimoniais é excessivo, atentos os factos em apreço.

WW. A douta sentença de que se recorre fixou um valor indemnizatório pelos danos não patrimoniais, que se reputa como desproporcional, injusta, excessiva e exagerada.

xx. Dos autos resulta que em 15.06.2012 a ofendida não apresenta défices neurológicos dos membros superiores e inferiores (folhas 36 a 38 dos autos).

YY. Em 10.08.2012 a Ofendida não apresentava queixas álgicas a nível lombar e apresentava-se radiologicamente bem (fI.54);

ZZ. Em 15.10.2012 - exame objetivo, a fIs.67 - a ofendida apresentava-se consciente, orientada, colaborante, com bom estado geral, idade aparente de harmonia com a idade real. Apresenta marcha normal, sem apoio nem claudicação.

AAA. Em 17.12.2012 - fIs.77 a 79, consolidação das lesões foi fixada em 30.08.2012, nesta data a ofendida apresentava-se bem-disposta e sem queixas espontâneas nem défices neurológicos, sem perda da posição consolidados, e analgésicos em caso SOS.

BBB. A ofendida refere danos, não tendo todavia sido apurado o respectivo quantum doloris.

CCC. O período de internamento de 153 dias com afetação da capacidade geral para o trabalho - fIs.77

DDD. Á data dos factos a ofendida tinha 66 anos e era doméstica.

EEE. Não resulta após alta clínica qualquer incapacidade para o trabalho.

FFF. Com exceção do período do internamento, não ficou a ofendida impossibilitada de efetuar as suas actividades diárias, pessoais, ex: vestir, calçar-se, pegar em pesos, tratar do jardim, lavar, estender ou engomar roupa - nenhuma prova foi efetuada no sentido da sua incapacidade.

GGG. O único ato da vida pessoal que a ofendida alega ter ficado impossibilitada de praticar, segundo esta, foram as duas viagens anuais a Espanha, o que não é verdade.

HHH. Até 30.03.2012, poderia tê-lo feito e após 30.08.2012 igualmente.

III. Os factos dados como provados no ponto 17.º da douta sentença, resultam de queixas da ofendida e não de exame direto e objetivo efetuado àquela - vide fls. 67 dos autos.

JJJ. A matéria de facto apresentada espelha um reduzido contexto de sofrimento, apenas verificável durante o período de internamento.

KKK. Assim, a intensidade do sofrimento físico e anímico apurados, vivenciados pela demandante impõem o arbitramento de uma indemnização por danos não patrimoniais de valor inferior ao fixado.

LLL. Também em matéria de pedido de indemnização cível foi incorretamente valorada a prova produzida nos presentes autos, designadamente a prova documental,

MMM. A qual impõe um arbitramento de um valor indemnizatório abaixo daquele que foi arbitrado, designadamente num montante que se reputa como justo e adequado de 500,00 €,

NNN. E que se requer seja arbitrado, por V/ Exas.

OOO. Tudo com o que se fará a COSTUMADA JUSTIÇA»!


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Respondeu o Ministério Público na 1.ª instância ao recurso interposto, nos termos do art. 413.º, do CPP, sustentando que a sentença recorrida não sofre de erro notório na apreciação da prova, não há violação do princípio in dúbio pro reo e não há violação de qualquer disposição legal, concluindo pela improcedência do recurso, mantendo-se a decisão recorrida nos precisos termos.

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Respondeu igualmente a assistente defendendo que se devem manter os factos na forma em que foram dados como provados, o enquadramento jurídico-penal dos factos conforme consta da sentença e o montante atribuído em sede de pedido de indemnização cível.

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Nesta instância, após vista do art. 417.º, n.º 2, do CPP, a ilustre Procuradora-geral Adjunta, acompanhando de perto os trilhos da resposta do Ministério Público na 1.ª instância, emitiu douto parecer no sentido que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se integralmente a sentença recorrida.

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Vejamos pois a factualidade que consta dos autos e respectiva motivação.
Factos provados:

«1 - No dia 30.3.2012, pelas 8 h, na Rua Principal, em A-da-Barbas, Maceira, Leiria, B... , dirigiu-se ao arguido e questionou-o acerca da identidade da pessoa que partiu uma pedra que se encontrava colocada sobre o muro que cercava um terreno pertença daquela.

2- Ao que o arguido respondeu que não tinha sido ele e que não sabia quem foi.

3 - Dado que a resposta se revelou insatisfatória para a B... , esta insistiu junto do arguido pelo esclarecimento da situação.

4 - Ao que o arguido reagiu, colocando as mãos no peito de B... e empurrou-a para trás com força.

5 - Fazendo-a cair ao chão.

6 - Posto o que, A... disse a B... : "Agora chama a polícia e a ambulância!...".

7 - E abandonou o local, deixando a B... caída no chão;

8 - Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, resultou para B... as seguintes lesões:

Traumatismos da coluna lombar e de membro superior esquerdo, com fractura achatamento da vértebra lombar IA com retropulsão do muro vertebral posterior;

Dores na coluna, que se agravavam quando ficava deitada ou sentada durante períodos prolongados de tempo, com limitações da mobilidade da coluna devido às dores e à utilização de colete, necessitando B... de ajuda de terceira pessoa para realizar a higiene pessoal ou se vestir;

Dificuldades em se manter na posição ortostática mais de 43 minutos ou sentada mais de 1 hora;

Limitação da flexão e da extensão da coluna lombar, com contratura muscular paravertebral, que condicionava a realização de algumas das actividades da vida diária, tais como vestir e calçar, pegar em pesos, tratar do jardim, lavar, estender ou engomar roupa.

9 - As lesões supra referidas determinaram, directa e necessariamente, em B... 153 dias de doença, com igual período de tempo de incapacidade para o trabalho em geral;

10 - O arguido agiu consciente, livre e deliberadamente.

11 - Com o propósito de molestar fisicamente B... .

12 - Sabia que a sua conduta era proibida por lei.

13 - O arguido não tem antecedentes criminais.

14 - A demandante foi conduzida ao Hospital Santo André de Leiria e posteriormente, ao Centro Hospitalar de Coimbra, onde esteve internada desde 31.3.2012 a 20.5.2012.

15 - A demandante esteve retida, em repouso, no leito durante seis semanas.

16 - Após alta clínica, a demandante foi seguida nas consultas de ortopedia do Hospital dos Covões em Coimbra.

17 - Em 15.10.2012 a demandante apresentava dificuldade em se manter na posição ortostática mais de 45 minutos ou sentada mais de uma hora, bem como dificuldade na flexão e extensão da coluna vertebral que condiciona algumas das actividades da vida diária, como vestir e calçar-se, pegar em pesos, tratar do jardim, lavar, estender ou engomar roupa, o que levou a que necessitasse de acompanhamento diário das suas filhas ou de terceira pessoa.

18 - A demandante sofreu 153 dias de doença com incapacidade para o trabalho.

19 - A demandante usou colete metálico JEWET, após a alta clínica, que importou em 125 €.

17 - A demandante sentiu dores, ficou triste e angustiada.

18 - O marido da demandante é diabético e deixou de poder contar com a ajuda da demandante para se vestir, calçar, deitar e levantar.

19 - A demandante tem família em Espanha que visitava regularmente e devido às lesões e dores sofridas deixou de poder fazer longas viagens e visitar os seus familiares.

20 - O arguido aufere 900 € mensais e vive com a mulher que trabalha com ele e aufere 800 € mensais, em casa própria para aquisição da qual contraiu empréstimo bancário pelo qual paga 600 € à banca.

21 - O arguido tem o 6.º ano de escolaridade.

Factos não provados:

Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa, constantes da contestação de fls. 239 e v. do pedido de indemnização civil de fls. 100 e ss, nomeadamente que:

1.A demandante se deslocou ao Hospital de Coimbra pelo menos seis vezes, indo em carro da filha, custeando as despesas de deslocações, no valor de 336 € a que acresce 66 € de portagens.

2.A demandante comprou uma cinta própria para protecção da coluna que importou em 66 €.

Motivação da decisão de facto:

Á luz das considerações supra expostas temos que, in casu, a convicção do Tribunal se formou a partir das declarações do arguido, que negou a prática dos factos e afirmou que se encontrava a conversar com C... e ter sido B... , sua vizinha no estabelecimento, com quem se encontra de relações cortadas há vários anos, que o agarrou pelo braço esquerdo e ao tentar libertar-se dela, esta desequilibrou-se e caiu, tendo-se, de imediato, levantado e dirigido para casa.

Sopesado o depoimento da testemunha B... , que confirmou ter abordado o arguido, com quem se encontra de relações cortadas, no sentido de saber se tinha sido ele que lhe partiu o muro, ao que este respondeu que não sabia e deu-lhe um empurrão com ambas as mãos, e com força, que fez com que ela recuasse, perdesse o equilíbrio e caísse ao chão, de costas na estrada. Acrescentou que o arguido não a socorreu, tendo sido o Sr. C... quem lhe deu a mão e a ajudou a levantar. Teve, em consequência, que ser consultada no H.S.A e posteriormente no C.H.C, onde ficou internada. C... confirmou que se encontrava a conversar com o arguido e que a ofendida agarrou este por um braço e se sentou no alcatrão no meio da estrada onde permaneceu cerca de um minuto. No mais afirmou não ter visto mais nada. D... , militar da GNR quando chegou ao local a ofendida encontrava-se na rua e queixava-se com dores nas costas. E... , neta da ofendida, afirmou peremptoriamente ter visto o arguido dar um empurrão na sua avó, levando a que esta caísse, e tivesse que ser assistida no hospital. F... , filha da ofendida, não assistiu aos factos, mas acompanhou o processo de hospitalização da mãe que esteve sete semanas sem se poder mexer em consequência da queda e descreveu os incómodos e incapacidades que esta sofreu, acrescentando que deixou de se poder deslocar a Espanha, de onde é natural, apara visitar a família e teve que permanecer dois meses em casa de uma das filhas o que levou a que estivesse incapaz de cuidar do seu pai, marido da ofendida, pessoa que por razões de saúde necessita de vigilância e de apoio de terceiros. G... , filha da ofendida, corroborou o depoimento da testemunha anterior, sua irmã, e confirmou que a mãe esteve em sua casa durante longo período a fim de poder ser auxiliada. Com efeito a versão do arguido, não logrou convencer o Tribunal, uma vez que não se mostra coerente que, encontrando-se ele e a ofendida de relações cortadas, esta o tenha agarrado por um braço e interrogado acerca do dano no muro e aquele apenas tenha reagido com um gesto de libertação, tão inócuo, que levasse a que a ofendida caísse estatelada na estrada e viesse a sofrer as lesões descritas. Por outro lado, a testemunha com quem o arguido conversava, C... , fez um depoimento tendencioso e incoerente, uma vez que não faz qualquer sentido que a ofendida se atire para o meio da estrada, de costas e ali fique, sentada, durante algum tempo, cerca de um minuto, na afirmação da testemunha e a nada mais tenha assistido. Consequentemente, o Tribunal não deu credibilidade ao depoimento da testemunha pelas razões apontadas. Por seu turno, o depoimento da ofendida, corroborado pela sua neta, faz sentido e mostra-se consentâneo com as lesões que sofreu, considerando a sua idade, 66 anos. Os depoimentos das demais testemunhas, filhas da ofendida, relevaram, essencialmente, para a convicção do Tribunal no que tange ao pedido de indemnização civil.

Os factos não provados resultaram de falta de prova quanto aos mesmos.

Na análise critica de fIs. 8 e 9 e fls. 36 a 38, 54,59,66,67, 76 a 79; de fls. 106 e 107, (no que tange à quantia despendida pela demandante);certificado de registo criminal junto a fls. 206, no que se refere aos antecedentes criminais».

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O Direito

Apenas o arguido recorreu da sentença, centrando a motivação na credibilidade que o tribunal deu às declarações da ofendida, em oposição à versão do arguido, pelo que fazendo apelo ao princípio in dubio pro reo devia ter sido absolvido.

As conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o âmbito do recurso.

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, as quais deve conhecer e decidir sempre que os autos reúnam os elementos necessários para tal.

Antes de mais importa sublinhar que é patente a confusão do arguido quanto aos fundamentos em que pretende alicerçar o recurso.

Não estamos perante recurso da matéria de facto, pois o arguido não atacou a decisão, com base em erro de julgamento, ao abrigo do art. 412.º, n.º 3, do CPP, mas sim com base na violação do princípio in dúbio pro reo e erro notório na apreciação da prova, por em seu entender, não devia a senhora juíza ter dado credibilidade aos elementos probatórios em que alicerçou a decisão para condenar o arguido.

Por outro lado, para além de pugnar pela absolvição do crime por que foi condenado e do pedido de indemnização, questiona também o montante arbitrado à ofendida.

Questões a decidir:

a) Apreciar se foi violado o princípio in dúbio pro reo e se a decisão recorrida sofre do vício de erro notório na apreciação da prova.

b) Aferir da adequação da indemnização atribuída à ofendida por danos não patrimoniais.

a) Do princípio in dúbio pro reo e erro notório na apreciação da prova.

O recorrente confunde a diferente valoração que o tribunal fez da prova, relativamente à versão do arguido, com violação do princípio in dubio pro reo.

Sustenta o arguido, que as declarações da ofendida, em seu entender deveriam ter sido valoradas de forma diferente, isto é, perante duas versões contraditórias, o tribunal, por respeito àquele princípio de presunção de inocência, deveria ter absolvido o arguido.

Importa apreciar se tem de ser assim mesmo.

Nos termos do art. 32.º, n.º 2, da CRP todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado.

Este princípio de inocência in dubio pro reo, deve estar sempre presente na mente do julgador, mas este, em cada caso concreto, designadamente quando está em causa a mediação e oralidade da prova, pautado princípio da livre apreciação da prova, cabe-lhe a apreciação crítica que fez dos vários elementos probatórios e em que termos os conjugou, valorando e credibilizando uns em detrimento de outros.

Ora, de acordo com o disposto no art. 127.º, do CPP, o princípio da livre apreciação da prova, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador.

Porém, o julgador, obedecendo a estas regras, não aprecia a prova de forma arbitrária, pois os factos dados como provados e não provados, com base neste princípio, devem ter fundamentação suficiente com apoio na indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção, como um dos requisitos da sentença, exigidos pelo art. 374.º, nº 2, do CPP.

A apreciação em sede de recurso da eventual violação do princípio in dúbio pro reo encontra-se dependente de critério idêntico ao que se aplica ao conhecimento dos vícios da matéria de facto, designadamente erro notório na apreciação da prova, isto é, deve ser da análise da decisão que se deve concluir pela violação deste princípio, seguindo o processo decisório, evidenciado pela análise da motivação da convicção, se se chegar à conclusão que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido.

Há erro notório na apreciação da prova quando se dão factos como provados que, face às regras da experiência comum e a lógica normal da vida, não se poderiam ter verificado ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsidade: trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciada pela simples leitura do texto da decisão, erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, pois as provas revelam um sentido e a decisão recorrida extrai ilação contrária, incluindo quanto à matéria de facto provada.

No caso dos autos o arguido e ofendida têm versões contraditórias.

Mas tal será bastante para se concluir pela ofensa do princípio in dúbio pro reo?

Necessariamente que não.

Aquele princípio não funciona de forma automática, perante duas versões contraditórias.

Isso seria negar a função do julgador.

O juiz deve procurar a verdade material, que tem de ponderar, de forma sensata com a observância daquele princípio constitucional.

A existência de duas versões contraditórias (a do ofendida, acolhida pelo tribunal a quo que conjugou com outros elementos de prova e cujas lesões foram apreciadas e relacionadas de forma crítica com as circunstância em que os factos ocorreram e a versão do arguido que negou ter sido o autor da lesão) não implica necessariamente a aplicação do princípio in dúbio pro reo, dando como não provada a autoria do crime imputado ao arguido.

Tal tem de resultar de um juízo positivo de dúvida resultante de um impasse probatório.

Em conclusão diremos que a violação do in dúbio pro reo se pode traduzir em erro notório na apreciação da prova.

No seguimento das conclusões a que chegámos para enquadrar a motivação de recurso do arguido se pronunciou a seguinte jurisprudência: Ac. do STJ, de 12/03/2009 – Proc. 07P1769, in http://www.dgsi.pt; Ac. do STJ, de 3/04/2003 – Proc. 975/03, in http://www.pgdlisboa.pt/iure/stj; Ac. do TRC de 30/09/2009 – Proc. 195/07.2GBCNT.C1 e de 6/09/2009 – Proc. 363/08.00GACB.1, in http//www.trc.pt.

Do texto da sentença constas como provado, designadamente o seguinte:
Fundamentou a senhora juíza a sua convicção para dar como provada aquela matéria de facto que importa considerar, designadamente com a conjugação dos seguintes elementos probatórios:
Foram tidas em consideração as declarações do arguido e da demandante B... e os depoimentos das duas testemunhas C... e E... , únicas que presenciaram os factos.
Tanto o arguido como a ofendida confirmaram que andavam de relações cortas e a desavença havida naquele dia, hora e local, a pretexto de danos causados num muro da B... , tendo ambos confirmado o teor dos pontos 1 a 3, dos factos provados.
Para dar como provados os factos constantes dos pontos 4 a 7, dos quais constam a forma e circunstâncias em que o arguido agrediu a ofendida, o tribunal valorou decisivamente as declarações desta, complementadas pelas declarações de uma das testemunhas presenciais ( E... , neta da ofendida) que confirmou ter visto o arguido “dar um empurrão na avó, levando a que esta caísse e tivesse que ser assistida no hospital”.
Estas declarações foram corroboradas pelo depoimento da testemunha D... , militar da GNR, que se deslocou ao local onde ainda se encontrava a ofendida queixando-se “com dores nas costas”, o que está em consonância com as declarações da ofendida e da testemunha E... , isto é, foi empurrada pelo arguido, quando estava de frente para este, o que a levou a cair para trás de costas e que levou à factualidade do ponto 4:
“Ao que o arguido reagiu, colocando as mãos no peito de B... e empurrou-a para trás com força”. 
A versão do arguido não faz sentido, que justificou as lesões com o facto desta se ter desequilibrado e caído ao chão, quando o arguido se tentou libertar da ofendida que o tinha agarrado pelo braço.
E muito menos sentido fazem as declarações da testemunha C... , que não se quis comprometer no seu depoimento, pois não podia ignorar a forma como ocorreram os factos e relatá-los com rigor. É o que se conclui quando refere que quando se encontrava a conversar com o arguido “a ofendida agarrou este por um braço e se sentou no alcatrão no meio da estrada onde permaneceu cerca de um minuto”. É nitidamente um depoimento de quem não quer contar a verdade.
Em conclusão as versões do arguido e da ofendida convergiram quanto ao facto de terem contacto físico um com o outro e depois divergem quanto à autoria e nexo causal das lesões apresentadas pela ofendida.
As lesões e gravidade das mesmas estão demonstradas nos autos, não sendo consentâneas com as declarações do arguido e da testemunha E... .
Finalmente, os relatórios médicos e documentos juntos aos autos de fls. 8 e 9, fls. 36 a 38, fls. fls. 54, fls. 59, fls. 66 e 67, fls. 76 a 79, que serviram também para a convicção do tribunal confirmam a versão da ofendida, sendo irrelevantes em termos de prova as considerações que constam dos mesmos com base em declarações e que são postas em causa na motivação de recurso.
O relatório de urgência de 30/3/2012 (fls. 59), comprova apenas que deu entrada no hospital, em consequência das lesões ocorridas, sendo irrelevante em termos probatórios as declarações da ofendida dele constantes, quando refere “ter sido empurrada por um vizinho com queda para trás”.
Está documentada nos autos a transferência do Hospital de Leiria para os HUC (fls. 8).
Conforme relatório da perícia de avaliação do dano corporal de fls. 36 e 37.
A natureza e gravidade das sequelas evidenciadas, consequências e tempo incapacidade de trabalho geral, constantes dos pontos 8 e 9 estão de acordo com o relatório da perícia de avaliação do dano corporal de fls. 76 a 79, que tratando-se de prova pericial só pode ser posta em causa, consubstancia um juízo científico e presume-se subtraído à livre apreciação da prova do julgador, nos termos do art. 163.º, n.º 1, do CPP.
Por sua vez as testemunhas F... e G... , ambas filhas da ofendida, que nessa qualidade acompanharam o processo de hospitalização da mãe e por isso viveram de perto e sentiram os incómodos e incapacidades daquela.
Foram as mesmas testemunhas, enquanto filhas, que foram o amparo da ofendida e lhe prestaram assistência, contribuindo assim para sua recuperação.
O nexo causal entre as lesões apresentadas pela ofendida e a conduta do arguido ficara por sua vez demonstrado com a prova pericial, cuja natureza e incapacidade causada estão em consonância com a prova oral produzida em audiência de julgamento, à qual o tribunal a quo deu credibilidade apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, conforme o disposto do art. 127.º, do CPP.
Ora, sendo apreciada a prova segundo os princípios da livre apreciação da prova, com base na mediação e da oralidade, não pode o recorrente pôr em causa a valoração da prova e credibilidade que o tribunal deu a determinados depoimentos em detrimento de outros.
A dúvida do tribunal face à versão do arguido e ofendida foi dissipada, pois o tribunal interpretou e apreciou a prova com senso e ponderação, segundo as regras da experiência comum e da normalidade das circunstâncias, concluindo assim por imputar ao arguido a autoria das lesões apresentadas pela ofendida, cuja versão mereceu credibilidade, por ter apoio lógico nos elementos probatórios, designadamente da ofendida e testemunha presencial E... e dos elementos clínicos juntos aos autos, em detrimento da versão do arguido.
E nesta conformidade a senhora juíza, no dever de procurar a verdade material, removeu a dúvida perante duas versões, quanto ao nexo causal das lesões apresentadas pelo ofendido, formulando um juízo de certeza, cujo processo lógico a que chegou devidamente fundamentou.

Como dissemos o recorrente não pode questionar a matéria de facto com base na credibilidade que o tribunal deu à prova que em seu entender deveria ter sido valorada de forma diferente, pois o vício de erro notório na apreciação da prova, não tem a ver com a credibilidade que o tribunal a quo deu à prova em que baseou a decisão, não podendo deste modo, e por si só, pôr-se em causa a factualidade dada como assente.

Como já referimos a apreciação da prova pelo julgador é livre, embora a discricionariedade na apreciação da prova tenha o limite das regras da experiência comum, utilizando como método de avaliação e aquisição do conhecimento critérios objectivos, genericamente susceptíveis de motivação e de controlo, nos termos do art. 127. ° do CPP.

Neste sentido se pronunciou o Tribunal Constitucional em Acórdão de 19-11-96, in BMJ, 461, 93.

Sendo o tribunal soberano na apreciação da prova, o vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, só pode servir de fundamento à motivação do recurso, desde que resulte do texto do acórdão recorrido, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum.

Os contornos da figura jurídica do vício de erro notório na apreciação da prova aparecem recortados na jurisprudência dos tribunais superiores como sendo o erro segundo o qual na apreciação das provas se constata o mesmo de tal forma patente que não escapa à observação do homem de formação média, ao comum dos observadores, mas que tem de ser observado a partir do texto da sentença recorrida nos termos sobreditos.

Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção não tem uma justificação lógica e é inadmissível face às regras da experiência comum.

A sentença recorrida está bem fundamentada quanto à apreciação crítica que fez da prova, credibilizando a versão do ofendido, apoiada noutros elementos probatórios circunstanciais, que soube apreciar e conjugar de forma lógica e coerente, de acordo com observância das regras da experiência e da livre convicção, dando como provada a factualidade imputada ao arguido, integradora da prática de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art. 143.º, n.º, do CP, fundamento do recurso que nos incumbia sindicar.

Nesta conformidade, concluímos não se verificar o vício de erro notório da apreciação da prova, a que alude o art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP e não foi violado o princípio da inocência ou in dúbio pro reo, constante do art. 32.º, n.º 2, da CRP, e consequentemente se dá como definitivamente assente a matéria de facto nos termos da sentença recorrida.


*

b) Dos danos não patrimoniais

A demandante B... deduziu pedido cível contra o arguido/demandado, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 9.593,00€, acrescida de juros de mora, sendo 593€ a título de danos patrimoniais e 9.000€ a título de danos não patrimoniais.

O tribunal a quo condenou o arguido a pagar à demandante a quantia de total de 4.125,00€ (quatro mil, cento e vinte e cinco euros), sendo 125,00 € (cento e vinte e cinco euros) a título de danos patrimoniais e 4.000 €, (quatro mil euros) a título de danos não patrimoniais.

Alega o recorrente que não pode ser responsabilizado civilmente pela indemnização, por não haver nexo causal entre as lesões apresentadas e a conduta do arguido.

Não se discutem os pressupostos da indemnização, mas apenas o montante atribuído a título de danos não patrimoniais.

A questão do nexo causal já está decidida na questão anterior ao darmos por definitivamente assente a matéria de facto, nos termos em que foi fixada pela senhora juíza e com o enquadramento legal constante da condenação.

Importa pois apenas pronunciarmo-nos sobre o montante da indemnização atribuído, a título de danos não patrimoniais, únicos questionados na motivação e conclusões do recurso (conclusões VV a MMM) que o arguido considera de montante excessivo, reputando como justa a quantia de 500,00€.

A matéria de facto dada como assente com relevância para a determinação dos danos não patrimoniais em discussão é a seguinte:

«8 - Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, resultou para B... as seguintes lesões:

Traumatismos da coluna lombar e de membro superior esquerdo, com fractura achatamento da vértebra lombar IA com retropulsão do muro vertebral posterior;

Dores na coluna, que se agravavam quando ficava deitada ou sentada durante períodos prolongados de tempo, com limitações da mobilidade da coluna devido às dores e à utilização de colete, necessitando B... de ajuda de terceira pessoa para realizar a higiene pessoal ou se vestir;

Dificuldades em se manter na posição ortostática mais de 43 minutos ou sentada mais de 1 hora;

Limitação da flexão e da extensão da coluna lombar, com contratura muscular paravertebral, que condicionava a realização de algumas das actividades da vida diária, tais como vestir e calçar, pegar em pesos, tratar do jardim, lavar, estender ou engomar roupa.

9 - As lesões supra referidas determinaram, directa e necessariamente, em B... 153 dias de doença, com igual período de tempo de incapacidade para o trabalho em geral;

(…)

14 - A demandante foi conduzida ao Hospital Santo André de Leiria e posteriormente, ao Centro Hospitalar de Coimbra, onde esteve internada desde 31.3.2012 a 20.5.2012.

15 - A demandante esteve retida, em repouso, no leito durante seis semanas.

16 - Após alta clínica, a demandante foi seguida nas consultas de ortopedia do Hospital dos Covões em Coimbra.

17 - Em 15.10.2012 a demandante apresentava dificuldade em se manter na posição ortostática mais de 45 minutos ou sentada mais de uma hora, bem como dificuldade na flexão e extensão da coluna vertebral que condiciona algumas das actividades da vida diária, como vestir e calçar-se, pegar em pesos, tratar do jardim, lavar, estender ou engomar roupa, o que levou a que necessitasse de acompanhamento diário das suas filhas ou de terceira pessoa.

(…)

19 - A demandante usou colete metálico JEWET, após a alta clínica, que importou em 125 €.

17 - A demandante sentiu dores, ficou triste e angustiada.

18 - O marido da demandante é diabético e deixou de poder contar com a ajuda da demandante para se vestir, calçar, deitar e levantar.

19 - A demandante tem família em Espanha que visitava regularmente e devido às lesões e dores sofridas deixou de poder fazer longas viagens e visitar os seus familiares.

20 - O arguido aufere 900 € mensais e vive com a mulher que trabalha com ele e aufere 800 € mensais, em casa própria para aquisição da qual contraiu empréstimo bancário pelo qual paga 600 € à banca».

A indemnização civil que se pretende ver efectivada nos autos funda-se na responsabilidade civil emergente de crime contra a saúde e integridade física da ofendida, fundada na responsabilidade subjectiva do demandado, nos termos dos art. 71, do CPP e 129.º, do CP, sendo nesta conformidade regulada pela lei civil.

Conforme dispõe o art. 483, n.º 1, do Cód. Civil, aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.

Nos termos do art. 70.º, n.º 1, do Cód. Civil, a lei protege todos os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.

Nos termos do art. 496.º, n.º 1, do Cód. Civil, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

“A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada); por outro lado, a gravidade apreciar-se-à em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado” - Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 2.ª Edição, pág. 486 e 489.

Não há fórmulas concretas ou tabelas para de uma forma matemática se determinar o “quantum” indemnizatório. Aliás a própria natureza dos danos não se quadunam com tais critérios, o que se conclui de uma simples leitura dos art. 496, n.º 3 e 494.º, do Cód. Civil.

No primeiro preceito acabado de citar, consagra-se que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias relevantes do caso concreto.

O facto de se tratar de um julgamento de equidade não impede que se deva atender à justa medida da gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras que o juiz deve seguir, com motivação adequada, o processo lógico através do qual chegou à liquidação equitativa do dano.

A ofendida, como resulta da matéria de facto provada, sofreu danos não patrimoniais, que se traduzem nas dores que sofreu, nos incómodos e aborrecimentos com as deslocações, no período relativamente prolongado de internamento a que esteve sujeita e ainda em 153 dias de doença com incapacidade para o trabalho em geral.

O tribunal a quo atendeu à gravidade e consequências dos danos causados, ao grau de culpabilidade do arguido, o qual agiu com dolo directo, à condição social e económica do arguido e da lesada, sendo de realçar que à data da sentença (1/10/2014), cujo montante dos danos não patrimoniais deve ser fixado actualizado àquela data, a mesma tinha 68 anos de idade.

Foram variáveis que a senhora juíza teve em consideração, de acordo com o disposto nos art. 496.º, n.º 1 e 2 e 494.º, do CC, mostrando-se assim justa e adequada, a quantia de 4.000.00 € (quatro mil euros), fixada equitativamente para o ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos pela ofendida.


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Decisão:

Pelo exposto, decidem os juízes da Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra, negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, confirmando-se a integralmente a sentença recorrida.

Custas pelo arguido, cuja taxa de justiça se fixa em 5 UCs de taxa de justiça.


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NB: Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art. 94.º, n.º 2 do CPP. 

Coimbra, 24 de junho de 2015



 (Inácio Monteiro - relator)


 (Alice Santos - adjunta)