Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
744/20.0T8FND-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
IMPUGNAÇÃO
PRAZO
MULTA
PRESUNÇÃO DE NOTIFICAÇÃO
PRESUNÇÃO IURIS TANTUM
Data do Acordão: 09/07/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO COMÉRCIO DO FUNDÃO DO TRIBUNAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 17.º-D DO CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESA (DL N.º 53/2004, DE 18 DE MARÇO).
ARTIGOS 139.º, N.º 5, 249.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: I) Em processo especial de revitalização os prazos deverão ser contados de forma uniforme para todos os credores, existindo um prazo único para a reclamação de créditos – vinte dias a contar do anúncio a publicar no portal Citius, seguidos e independentemente de qualquer notificação pessoal aos interessados.

II) O prazo referido em I) é seguido de um prazo de cinco dias para o Administrador Judicial provisório elaborar a lista de créditos, a qual é imediatamente publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias, dispondo o juiz, em seguida, de prazo idêntico para decidir sobre as impugnações formuladas.

III) As reclamações de créditos e correspondentes impugnações não beneficiam da faculdade da prática do acto num dos três dias úteis seguintes mediante o pagamento de uma multa, restrição que não é inconstitucional.

IV) O reconhecimento dos créditos pelo Administrador Judicial provisório e a decisão sobre as impugnações da lista provisória de créditos não produzem efeitos fora do PER, servindo apenas para a determinação do universo de créditos e para a aferição da base de cálculo das maiorias necessárias à aprovação do plano de recuperação.

V) A presunção do artigo 249.º, n.º 1, do CPC é, por regra, ilidível pelo notificado, mediante prova de que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por motivos que não lhe sejam imputáveis.

VI) Em PER, tendo o juiz concedido um prazo de resposta ao credor cujo crédito tenha sido impugnado, não beneficia o credor da possibilidade de demonstrar que recebeu tal notificação em momento posterior ao decorrente da presunção referida em V).

Decisão Texto Integral:           



                                                                                     

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

Nos presentes autos de processo especial de revitalização respeitante a A… , Lda.,

o Administrador Judicial Provisório (AJP) apresentou a lista provisória de créditos nos presentes autos a 15 de janeiro de 2021, publicada no portal Citius nesse mesmo dia, 15-01-2021;

a 26 de janeiro de 2021 veio a devedora impugnar a lista provisória de créditos apresentada nos autos, requerendo a exclusão ou a redução dos créditos reconhecidos a B…, Lda., à C…, CRL, ao D…, S.A., ao Ministério Público, ao Grupo E…, S.A., à F…, Lda., à G…, S.A., ao Instituto da Segurança Social, I.P. e à H…, S.A..

Os credores C…, CRL, H…, S.A. e o Grupo E…, S.A. invocaram a extemporaneidade da impugnação apresentada pela devedora.

Juiz a quo foi proferido:

- Despacho a não admitir, por extemporânea, a impugnação da lista provisória de créditos apresentada pela devedora A…, Lda., e ainda,

 - Sentença que termina com o seguinte dispositivo:

 “Nestes termos e em face do exposto, para efeitos de futura contabilização de votos neste PER, nos termos do disposto no artigo 17.º-F n.º 5 do CIRE:

1. Julga-se totalmente procedente a impugnação apresentada pela C…, CRL e, em consequência, determina-se a exclusão dos créditos reconhecidos à sociedade I…, Unipessoal, Lda. e a J….

2. Declaram-se verificados todos os demais créditos não impugnados e reconhecidos pelo Sr. Administrador Judicial Provisório, nos termos constantes da lista provisória de créditos apresentada nos autos.

3. Sem custas.”

A credora I… Unipessoal, Lda., vem, alegando que, ao contrário do que foi feito constar da sentença, a credora respondeu no curto prazo que lhe foi dado para a resposta – notificada a 08-02-2021, a 10.02.2021 enviou resposta ao tribunal, requerer a correção do lapso e a respetiva anulação da sentença certifica que a sua impugnação foi entregue no tempo concedido pelo tribunal e, nesse sentido, ser admitido o crédito desta sociedade.

Pelo juiz a quo foi proferido Despacho no sentido da extemporaneidade da impugnação da credora I…, Unipessoal, Lda., indeferindo o requerido.


*

Inconformada com a decisão de não admissão da sua impugnação, a devedora A…, Lda., dela interpôs recurso de Apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões[1]:

(…)


*

Por sua vez, inconformada com a decisão de não admissão da sua impugnação, também a credora I…, Unipessoal, Lda., dela interpôs recurso de Apelação[2], concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões:

*

Não foram apresentadas contra-alegações.
Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº4 do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
*
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir são a seguintes:
A. Apelação da devedora A…, Lda.
1. Se a devedora se podia socorrer do disposto nos ns. 5 e 6, do artigo 139º CPC, apresentando a sua impugnação à reclamação de créditos no 2º dia útil seguinte ao termo do prazo
2. inconstitucionalidade da interpretação que o considere não aplicável o disposto no nº6 do artigo 139º do CPC
B. Apelação da credora I…, Unip., Lda.
a. Se o credor pode afastar a presunção do artigo 249º do CPC, provando ter recebido a carta em momento posterior ao 3º dia útil seguinte ao do registo da carta.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
A. Apelação da devedora, A…, Lda.
1.a. Se na contagem do prazo era de aplicar o disposto nos ns. 5 e 6 do artigo 139º CPC.
O Tribunal a quo teve em consideração os seguintes factos para a decisão de rejeição da impugnação da devedora, por intempestividade:
- O Sr. Administrador Judicial Provisório apresentou a lista provisória de créditos nos presentes autos a 15/01/2021;
- A referida junção foi objeto de publicação no portal Citius no mesmo dia 15/01/2021;
- A impugnação da devedora A…, Lda. foi apresentada nos autos a 26/01/2021.
Com base em tais factos, a decisão recorrida, considerando que o disposto nos ns. 5 e 6 do artigo 139º do CPC não é aplicável ao processo de insolvência, conclui que os cinco dias para a dedução de impugnações acabaram a 22/01/2021, pelo que a impugnação da devedora, apresentada a 26/01/20021, é extemporânea.
A Apelante insurge-se contra o decidido, argumentando que o artigo 17º do CIRE determina a aplicabilidade do disposto no CPC, não sendo de afastar a aplicação do disposto nos ns. 5 e 6 do artigo 139º CPC, pelo que, deveria ter sido notificada pela secretaria para o pagamento da multa, nos termos do nº6 da citada norma, sendo inconstitucional o nº3 d art. 17º-D CIRE por violação dos princípios da segurança jurídica, do acesso aos tribunais e da tutela jurisdicional efetiva, consagrados no artigo 20º do CRP, quando interpretado no sentido de não ser aplicável ao prazo previsto na mencionada disposição legal o disposto no nº6 do artigo 139º do CIRE.
Cumpre decidir.

Dispõe o nº3 do artigo 17º-D, do CIRE: “A lista provisória de créditos é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias uteis e, dispondo, em seguida, o juiz de idêntico prazo para decidir sobre as impugnações formuladas”.

Contando-se o referido prazo de cinco dias úteis, a partir da publicação no portal Citius da lista provisória de credores, o referido prazo terminou a 22 de janeiro de 2021.

Vindo a devedora apresentar a sua impugnação a 26 de janeiro, 2º dia útil após o termo do prazo, sustenta que se poderia socorrer do nº6 do artigo 139º CPC, pelo que a secretaria deveria tê-la notificado para o pagamento da multa aí prevista, invocando ainda a seu favor os Acórdãos do TRE de 11-09-2014, relatado por Alexandra Moura Santos, e de 5-11-2015, relatado por Manuel Bargado.



Tem sido largamente debatida a questão de saber se, no âmbito do PER, há lugar à faculdade de prática do ato num dos três dias uteis seguintes ao termo do prazo, mediante o pagamento da multa prevista no artigo 139º do CPC[3].

O Processo Especial de Revitalização, sendo um processo judicial, é um processo híbrido (negocial e judicial), composto por uma forte componente extrajudicial, temperada com a intervenção do juiz em processo chave, indispensável ao carater concursal do processo[4].

Como salienta Catarina Serra[5] trata-se de um novo processo, dito “leve”, “informal” e “expedito”. Destinando-se a criar as condições necessárias para se estabeleçam negociações extrajudiciais com o propósito de conseguir um acordo, cuja celebração efetiva continua na dependência da vontade dos credores, a intervenção do tribunal reduz-se ao mínimo e é justificada pela necessidade de tornar o plano aplicável a todos os credores.

É certo que o PER não deixa de constituir um processo judicial especial, ao qual serão aplicáveis, em primeiro lugar, as disposições que lhe são próprias, de seguida as disposições introdutórias do CIRE e, por fim, as disposições gerais e comuns do Código de Processo Civil (artigo 17º do CIRE).

E é precisamente ao nível dos prazos que os artigos 17º-A a 17º-Iº do CIRE introduzem maiores especificidades, quer relativamente ao regime consagrado no CIRE, quer relativamente ao regime geral do CPC, derivadas, quer da especial urgência do procedimento em causa, quer da circunstância de se tratar de um procedimento com um vincado peso extrajudicial.

Com efeito, para além da opção por prazos curtos, das regras constantes dos artigos 17º perpassa a ideia de que os prazos deverão ser contados de forma uniforme para todos os credores – eliminação da dilação no anúncio a publicar no portal do Citius; o momento determinante para o início da contagem do prazo para a reclamação de créditos é o da data de publicação do anúncio e não o momento em que cada um dos credores se considera notificado, sendo irrelevante para a contagem do prazo a comunicação feita pelo devedor nos termos do art. 17º-D, nº1 –, existindo um prazo único para a reclamação de créditos – vinte dias a contar do anúncio a publicar no portal Citius –, sendo os prazos seguidos, e independentemente de qualquer notificação pessoal aos interessados: o prazo para apresentação das reclamações de créditos é seguido de um prazo de cinco dias para o Administrador Judicial provisório elaborar a lista de créditos, “imediatamente” publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias, dispondo o juiz, em seguida, de prazo idêntico para decidir sobre as impugnações formuladas (nº3 do artigo 17-D).

Ou seja, o prazo é um só para todos os reclamantes e um só para todos os impugnantes, convertendo-se a lista provisória de imediato em lista definitiva, na ausência de reclamações (nº4 do artigo 17º-D), o que pressupõe que a contagem do tal prazo único possa ser feita previamente e sem atender a situações particulares, não se compaginando com a faculdade de prática do ato num dos três dias úteis seguintes mediante o pagamento de uma multa, prevista no nº5 do artigo 39º do CPC[6].

Assim, no sentido de que este prazo suplementar não vale no PER, com fundamento na desjudicialização do processo, no facto de o ato não ser tributado em taxa de justiça e de os prazos serem curtos, se pronunciou Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis[7].

Também Fátima Reis Silva[8] sustenta que, dadas a natureza do processo e a sua finalidade e a previsão expressa do art. 17º-D, nº3, não se aplica a este tipo de processos e a este prazo em concreto, o disposto no artigo 139º, nº5 do CPC, atento o disposto no artigo 17º do CIRE.

Quanto ao acórdão do TRE de 11-09-2014, relatado por Alexandra Moura Santos, que a Apelante invoca a seu favor, por respeitante à invocação do disposto no artigo 139º para a prática de um ato meramente processual (interposição de recurso), não se move dentro da mesma ordem de razões que envolvem a situação em apreço.

Com efeito, é nosso entendimento as considerações aqui despendidas não são de aplicar aos comuns prazos processuais, como é o caso do prazo para interposição do recurso que incide sobre a sentença homologatória (ou de recusa) do plano de revitalização aprovado.

Quanto ao Acórdão do TRE de 05-11-2015, relatado por Manuel Bargado, igualmente citado pela Apelante, onde se afirma que “a celeridade porque se deve reger o PER apenas determina que o processo em causa tenha carácter urgente e goze de precedência sobre o serviço ordinário do tribunal, nos termos do art. 9º, nº 1, do CIRE”, não podemos com ele concordar, face à análise que acima fizemos relativamente às especificidades previstas quanto à contagem dos prazos constantes dos ns. 1 a 5 do art. 17º-D do CIRE, afastando-se expressamente do regime geral do CIRE e do processo civil.

Concluindo, como vem sendo entendido pela doutrina e jurisprudência maioritárias[9], nega-se, em regra, a aplicabilidade do expediente previsto nº5 (e consequentemente, no seu nº6) do artigo 139º, do CPC no âmbito do PER, confirmando-se o juízo de extemporaneidade das impugnações deduzidas pelos aqui apelantes, formulado pelo juiz a quo.
1.c. Se o disposto no art. 17º-D, nº3 do CIRE, quando interpretado no sentido de no PER se encontra afastada a aplicação do disposto no artigo 139º, nº6 do CPC, se encontra ferida de inconstitucionalidade
   Segundo a Apelante, tal interpretação violaria os princípios da segurança jurídica, do acesso aos tribunais e da tutela jurisdicional efetiva, consagrados no artigo 20º da CRP: não sendo o nº6 do artigo 139º do CPC contrário a qualquer disposição prevista no CIRE, a sua não aplicação, para além de impercetível, cria no cidadão uma expectativa de aplicabilidade que tem de merecer acolhimento na ordem jurídica.
Mais uma vez, não podemos dar razão à Apelante.
Não pode a mesma alegar que as suas expetativas possam ter saído goradas com a não aplicabilidade da referida norma, uma vez que, apresentando a sua impugnação no 2º dia útil após o termo do prazo, caso estivesse a contar usufruir da possibilidade de praticar o ato num dos três dias seguintes, poderia ter desde logo invocado o disposto no nº5 do artigo 139º, CPC, e pagar a respetiva multa, e não o fez.
Por outro lado, atentar-se-á em que o reconhecimento dos créditos pelo AJP e a decisão sobre as impugnações da lista provisória de créditos não produzem efeitos fora do PER, servindo, tão só, para à determinação do universo de créditos e à aferição da base de cálculo das maiorias necessárias à aprovação do plano de recuperação, havendo mesmo autores que sustentam não haver lugar a resposta às impugnações[10].
Assim, embora os referidos desvios às regras da contagem de prazos contidos nos arts. 17-A a 17º-I, e que sustentam a não aplicabilidade da faculdade constante dos ns. 5 e 6 do artigo 139º CPC, impliquem restrições ao princípio do contraditório, implicando que os credores se mantenham especialmente atentos ao desenrolar do processo a fim de não deixar passar os prazos, entende-se que o afastamento de tal regra não se afigura inconstitucional.
  A Apelação da Devedora/Apelante é de improceder.

*
B. Apelação da credora I…, Unip., Lda.
À pretensão da credora I…, Unipessoal, Lda., de que, ao contrário do que foi feito constar da sentença, respondeu no curto prazo que lhe foi dado para a resposta – notificada a 08-02-2021, a 10.02.2021 enviou resposta ao tribunal, requerendo a correção do lapso e a respetiva anulação da sentença, certificando que a sua impugnação foi entregue no tempo concedido pelo tribunal e, nesse sentido, ser admitido o crédito desta sociedade,
veio juiz a quo a dar resposta negativa, no sentido da extemporaneidade da impugnação, com os seguintes fundamentos:
(de facto)
- no dia 26/01/2021 foi proferido despacho a conferir aos credores impugnados o prazo de 2 dias para se pronunciarem quanto ao teor das impugnações apresentadas;
- o referido despacho foi notificado à sociedade por expediente elaborado a 26/01/2021 e remetido à impugnada por carta registada expedida a 27/01/2021.
(de direito)
- não se encontrando a credora representada por mandatário, às respetivas notificações é aplicável o disposto no artigo 249º do CPC (aplicável por força do art. 17º CIRE), segundo o qual, sendo efetuada por carta registada, “se presume feita no 3º dia posterior ao do registo da carta ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando não o seja”, pelo que, relevante será, não o da efetiva receção do expediente postal mas antes o do registo da expedição da carta de notificação, presumindo a lei processual que esta notificação se concretizará ao terceiro dia posterior ao registo ou, coincidindo com dia não útil, presume a lei que se concretizará no dia seguinte;
- tendo o expediente sido enviado a 27/01/2021, a notificação presume-se efetuada a 01/02/2021, pelo que o prazo se inicia no dia 2 e teve o seu termo final no dia 3/02/2021, pelo que a resposta remetida no dia 10/02/2021 é extemporânea.
Insurge-se a Apelante contra o decidido, com fundamento em que a presunção do artigo 249º pode ser ilidida mediante a prova da data em que a parte foi efetivamente notificada, remetendo para um doc. dos CTT, comprovativo de que:
- no dia 1 de fevereiro, às 9.43, a carta não foi entregue por destinatário ausente, ficando disponível na Loja CTT Zona Industrial Castelo Branco, para levantamento a partir das 18:48;
- foi entregue a 08 de fevereiro, às 12:26, na Loja CTT Zona Industrial Castelo Branco.
Cumpre decidir.
Temos de concordar com a Apelante quando sustenta que a presunção contida no artigo 249º do CPC é, por regra, ilidível.

O atual artigo 249º, sob a epígrafe “Notificações às partes que não constituíram mandatário” corresponde ao anterior 255º, que dispunha no seu nº1 que “Se a parte não constituir mandatário, as notificações ser-lhe-ão feitas no local da sua residência ou sede ou no domicílio escolhido para o efeito de as receber, nos termos estabelecidos para as notificações aos mandatários”.

E relativamente aos mandatários, dispunha o artigo 254º que os mesmos fossem notificados por carta registada para o escritório ou domicilio escolhido (nº1) e que a notificação postal se presumia feita no terceiro dia posterior ao do registo ou o primeiro dia útil seguinte, mesmo que o expediente viesse a ser devolvido ou no caso de a carta não ter sido entregue por ausência do destinatário (ns. 2 e 3).

E, em especial, relativamente ao que aqui se discute, dispunha o seu nº6 que “As presunções estabelecidas nos números anteriores só podem ser ilididas pelo notificado provando que a notificação não foi efetuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não sejam imputáveis”.

Quanto aos mandatários, são atualmente notificados nos termos definidos na Portaria nº 280/2013, de 26 de agosto (por transmissão eletrónica de dados), “devendo o sistema informático certificar a data da elaboração da notificação, presumindo-se esta feita no 3º dia posterior ao da elaboração ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando o não seja (artigo 248º CPC).

Apesar de a atual lei ser omissa quanto à possibilidade de elisão desta presunção, a doutrina e a jurisprudência continuam a entender tratar-se de uma presunção (iuris tantum) de entrega da carta ao destinatário, que pode ser ilidida pelo notificado, mediante prova de que a notificação não foi efetuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por motivos que não lhe sejam imputáveis[11].
Trata-se de uma presunção iuris tantum, que pode ser ilidida pelo notificado, mediante prova de que a notificação não foi efetuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por motivos que não lhe sejam imputáveis[12].
Tal questão deve ser suscitada no momento em que a parte pratica o ato fora do prazo fixado em função da data da notificação presumida[13].
E a lei exige a alegação e prova de que não seja imputável ao notificando o facto de a receção da notificação ter ocorrido em data posterior à presumida, pelo que se o funcionário do serviço postal, por não encontrar o notificando proceda ao levantamento da carta dentro de um determinado prazo e vier a proceder ao seu levantamento dentro desse prazo, o mesmo presume-se notificado dentro do prazo legal, isto é, no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte, quando essa não o seja, mas tal não impede o notificando de demostrar que, por facto que lhe não seja imputável (por ex., ausência por motivos profissionais), só teve conhecimento efetivo em data posterior à legalmente presumida[14].
No caso em apreço, não tendo sido possível a entrega no dia 1 de fevereiro, por motivo de “destinatário ausente”, e tendo-lhe sido deixado aviso para levantamento, só pelo mesmo veio a ser levantada na Loja CTT no dia 8 de fevereiro, 7 dias depois, sem que alegue que este atraso no levantamento se tenha devido a motivos que lhe “não são imputáveis”.
Ou seja, a aplicar-se tal regime não se mostra justificado por que motivo só veio a proceder ao levantamento da carta 7 dias depois, quando respeitava a um processo urgente.
De qualquer modo, sempre tenderíamos a negar que, no caso de concessão pelo juiz, de um prazo de resposta ao credor cujo crédito tenha sido impugnado, este se possa socorrer da possibilidade de demonstrar que recebeu tal notificou em momento posterior, sob pena de se pôr em causa o regime especial de prazos contido no artigo 17º-D CIRE, relativamente à apresentação, impugnação e verificação de créditos – prazo único para todos os credores, para reclamação e posterior impugnação dos créditos, bem como o prazo de cinco dias para o juiz proferir decisão sobre os créditos (nº3 do artigo 17º-D).
Por outro lado, como defende a doutrina maioritária, no PER inexiste um efetivo contraditório relativamente aos créditos reclamados, desde logo porque, ao contrário do que sucede no processo de insolvência – não se prevê a possibilidade de deduzir resposta às impugnações –, não tendo por finalidade dirimir litígios sobre a existência, natureza ou amplitude de créditos[15].
Concluindo, confirma-se o juízo de extemporaneidade da resposta do Apelante exarado pela decisão recorrida.

A apelação será de improceder.


*

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordando os juízes deste tribunal da Relação em julgar improcedentes ambas as Apelações, da devedora A…, Lda., e da credora I…, Unip., Lda., confirmam-se as decisões recorridas.

Cada uma das Apelantes suportará as custas da sua Apelação.              

                                                                Coimbra, 07 de setembro de 2021                                                                  


(…)


[1] Que se reproduzem por súmula face ao incumprimento do dever de sintetizar os fundamentos do recurso prescrito no artigo 639º, nº1, CPC.
[2] A Apelante recorreu igualmente da sentença de verificação de créditos, recurso que não foi admitido.
[3] Cfr., entre outros, em sentido afirmativo, Acórdão do TRE de 05.11.2015, relatado por Manuel Bargado, disponíveis in www.dgsi.pt.
[4] Maria do Rosário Epifânio, “O Processo Especial de Revitalização”, Almedina, pág. 14.
[5] Direito da Insolvência e Tutela Efetiva do Crédito”, III Congresso de Direito da Insolvência, Coordenação de Catarina Serra, Almedina 2015, pág. 13.
[6] Bastaria que um dos credores se socorresse de tal faculdade aquando da reclamação de créditos, para se alterar a data final de conversão da lista provisória em definitiva.
[7] “PER – O Processo Especial de Revitalização – Comentários aos artigos 17º-A a 17º-I do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas”, Coimbra Editora, pág. 49. Em igual sentido, Fátima Reis Silva, “Processo Especial de Revitalização, Notas Práticas e Jurisprudência Recente”, Porto Editora, pág. 41.
[8] “A Verificação de Créditos no Processo de Revitalização”, in “” Congresso de Direito da Insolvência”, coordenação de Catarina Serra, Almedina, 2014, p. 259.
[9] Cfr., Acórdão do STJ de 08-09-2015, relatado por Fonseca Ramos, onde se afirma que o Tribunal não pode considerar, oficiosamente, a prorrogação do prazo judicial previsto no art. 139.º, n.º 5, do CPC, Acórdão do TRC de 13-07-2020, relatado por Emídio Santos, Acórdão de 02-02-2016, relatado pela aqui também relatora, Maria João Areias, onde se sustenta que a faculdade de apresentação da peça processual nos três dias seguintes, prevista no artigo 139º, nº5 do CPC, não é aplicável ao prazo para dedução de impugnações à lista de credores provisória no âmbito do PER.
[10] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 2ª ed.,Quid Juris, pp.157 e 159.
[11] Cfr., José Lebre de Feitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1º, Artigos 1º a 361º, 3ª ed., Coimbra Editora, p.486, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, I volume, 2013, Almedina, pp.223-224, e nota 87, Marco Carvalho Gonçalves, “Prazos Processuais”, 2ª ed., Almedina, p.128.
[12] Cfr., José Lebre de Feitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1º, Artigos 1º a 361º, 3ª ed., Coimbra Editora, p.486, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, I volume, 2013, Almedina, pp.223-224, e nota 87, Marco Carvalho Gonçalves, “Prazos Processuais”, 2ª ed., Almedina, p.128.
[13] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, I Vol., Almedina, pp. 285.
[14] Marco Carvalho Gonçalves, “Prazos Processuais”, pp. 128-129.
[15] Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, “PER, O Processo Especial de Revitalização”, Coimbra Editora, pp. 78-79, e quanto à inexistência do direito de resposta às impugnações, cfr., ainda, Luís Miguel Pestana de Vasconcelos, “Recuperação de empresas: o processo especial de Revitalização”, Almedina, pp. 55-56.