Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
132/11.0TACDN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: CRIME DE VIOLAÇÃO DE IMPOSIÇÕES
CRIME DE DESOBEDIÊNCIA
INIBIÇÃO DE CONDUZIR
NÃO ENTREGA DA LICENÇA DE CONDUÇÃO
Data do Acordão: 11/07/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE CONDEIXA-A-NOVA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 69º E 353º CP, 500º CPP
Sumário: O condenado em pena acessória que não cumpre a decisão judicial entregando a licença de condução no prazo que lhe foi fixado não comete, designadamente, o crime de violação de imposições ou o crime de desobediência, ficando sujeito apenas a que o tribunal ordene que seja apreendida a licença de condução.
Decisão Texto Integral: Relatório

Pelo Tribunal Judicial da Comarca de Condeixa-a-Nova, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal singular, o arguido
A..., residente na Rua … , Pombal,
imputando-se-lhe a prática de factos pelos quais teria cometido um crime de violação de imposições, p. e p. pelo artigo 353.º do Código Penal.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 24 de Maio de 2012, decidiu julgar procedente, por provada, a acusação do Ministério Público e, em consequência, condenar o arguido A... pela prática de um crime de violação de imposições, p. e p. pelo artigo 353.º do Código Penal, na pena de 6 ( seis) meses de prisão.

Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido, concluindo a sua motivação do modo seguinte:
I - O recorrente foi condenado pela prática de um crime de violação de imposições , p. e p. pelo art.353.º do C.P., na pena de 6 meses de prisão efectiva.
II - O Tribunal formou a sua convicção pelos documentos juntos aos autos.
III - Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo puniu severamente o recorrente.
IV - A pena a que foi condenado o arguido é desproporcional face à moldura penal do crime de que vem acusado, violando o art.27.º, n.º 1 e 2 da C.R.P..
V - A condenação é em muito superior à medida da culpa, pelo que face à culpa do agente a punição deveria ser mais atenuada.
VI - Ao condenar o arguido em prisão efectiva não se está a ter em conta a ressocialização do arguido, nem a sua reintegração na sociedade.
VII - Face ao crime de que vem acusado e condenado não se considera necessário prender o arguido para efeitos de exigências de prevenção especial ou individual.
VIII - Trata-se de pequena criminalidade pelo que prender efectivamente o arguido por seis meses, é completamente desproporcional face ao crime que cometeu.
IX - A pena de prisão efectiva só deve ser aplicada em última razão de ser, pois caso contrário está-se a violar a dignidade da pessoa Humana.
Em suma, nos presentes autos, ficou provado que o arguido cometeu o crime de que vem acusado, mas condená-lo em pena de prisão efectiva é desproporcional face ao crime de que vem acusado e face à sua culpa, pelo que deve ser condenado mas numa pena que não o prive da liberdade.
Termos em que e nos demais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele ser revogado o acórdão recorrido, tudo com as legais consequências.

O Ministério Público na Comarca de Condeixa-a-Nova respondeu ao recurso interposto pelo arguido pugnando pela sua improcedência.

O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá improceder e ser confirmada a douta sentença recorrida.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do C.P.P..

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação

A matéria de facto apurada e respectiva motivação constante da sentença recorrida é a seguinte:
Factos provados
1. O arguido foi condenado, por sentença datada de 16 de Abril de 2008, transitada em julgado em 6 de Maio de 2008, proferida no processo comum singular n.º 177/07.4GACDN que corre termos neste Tribunal Judicial de Condeixa-a-Nova, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 9 meses.
2. O arguido notificado para, em 10 dias, após o trânsito em julgado da sentença, entregar a carta de condução no tribunal ou em qualquer posto policial.
3. Nos 10 dias após o trânsito em julgado da sentença e até ao dia 6 de Julho de 2011, o arguido não entregou a sua carta de condução.
4. O arguido agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que estava obrigado a proceder à entrega da sua carta de condução a fim de cumprir a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados.
5. O arguido estava ciente de que a sua conduta era proibida e punida por lei.
6. O arguido foi condenado:
- por sentença datada de 12-10-2000, transitada em julgado, pela prática, em 01-01-2000, de um crime de ofensa à integridade física, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de 1.000$00, declarada extinta pelo pagamento;
- por sentença datada de 07-11-2000, transitada em julgado, pela prática, em 18-09-1998, de um crime de ofensa à integridade física, na pena de 120 dias de multa, declarada extinta por prescrição;
- por sentença datada de 06-02-2001, transitada em julgado, pela prática, em 18-09-1997, de um crime de ameaça, na pena de 160 dias de multa, à taxa diária de 500$00, declarada extinta pelo pagamento;
- por sentença datada de 17-02-2001, transitada em julgado, pela prática, em 16-02-2001, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de 1.500$00, declarada extinta pelo pagamento;
- por sentença datada de 27-11-2002, transitada em julgado, pela prática, em 27-08-1999, de um crime de desobediência e de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, na pena única de 200 dias de multa, à taxa diária de 2,00€, declarada extinta por prescrição;
- por sentença datada de 09-02-2004, transitada em julgado, pela prática, em 27-08-1998, de um crime de ofensa à integridade física qualificada e, em 11-11-1999, de um crime de ofensa à integridade física, na pena única de 200 dias de multa, à taxa diária de 4,00€, declarada extinta pelo pagamento;
- por sentença datada de 04-06-2004, transitada em julgado, pela prática, em 07-11-2001, de um crime de falsidade de depoimento ou declaração, na pena de 12 meses de prisão, suspensa pelo período de 2 anos, extinta pelo decurso do prazo;
- por acórdão datado de 13-01-2005, transitado em julgado, pela prática, em 06-2001, de um crime de furto, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 5,00€, declarada extinta pelo pagamento;
- por sentença datada de 26-06-2006, transitada em julgado, pela prática, em 12-12-2002, de um crime de desobediência, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 2,00€, declarada extinta pelo pagamento;
- por sentença datada de 16-04-2008, transitada em julgado, pela prática, em 17-05-2007, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, com sujeição a regime de prova, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 9 meses;
- por sentença datada de 21-10-2008, transitada em julgado, pela prática, em 01-01-2007, de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 12 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período correspondente;
- por sentença datada de 02-12-2010, transitada em julgado, pela prática, em 09-10-2008, de um crime de desobediência, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano.
7. O arguido vive sozinho, numa habitação pertencente ao seu filho, que se encontra em estado de degradação e abandono, devido essencialmente à ausência de cuidados de manutenção, conservação e higiene.
8. O arguido tinha dois filhos, um já falecido e outro com quem está de relações cortadas e que reside em Espanha, onde mantém actividade profissional.
9. O arguido não estabelece relações de vizinhança nem de amizade no meio onde vive, permanecendo à margem de qualquer convívio social.
10. No meio onde vive não existe ninguém que confie qualquer trabalho ao arguido.
11. Ocupa os seus dias nos pinhais, em zonas distantes da sua residência, não sendo visto na localidade.
12. O arguido tem ideias persecutórias, com desejos de vingança acentuados.
13. Mantém ligações a curandeiros e espíritas, que frequenta com alguma regularidade.
14. Consome diariamente bebidas alcoólicas em excesso.
15. Frequentou o “Programa STOP - Responsabilidade e Segurança”, com diminuta adesão, não tendo ocorrido qualquer melhoria no seu comportamento.
Factos não provados
Não ficou por provar nenhum facto com relevo para a decisão da causa.
Motivação
A convicção do tribunal alicerçou-se no conjunto da prova produzida, globalmente considerada, baseando-se fundamentalmente numa apreciação crítica dos documentos dos autos.
Assim e para prova dos factos descritos nos pontos 1. a 3., o tribunal teve em consideração a certidão judicial de fls. 2 a 26.
A prova da factualidade descrita nos pontos 4. e 5. sendo do foro subjectivo, resultou essencialmente da conjugação das regras da experiência com a demonstração de outros factos exteriores susceptíveis de os revelar, concretamente do facto de o arguido ter sido advertido das consequências da não entrega da sua carta de condução.
No que concerne aos antecedentes criminais do arguido foi valorado o teor do certificado do registo criminal de fls. 89 a 104 e, a respeito das suas condições vivenciais, foi tido em consideração o relatório social elaborado pela DGRS.

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O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98. e de 24-3-1999 Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247. e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350. , sem prejuízo das de conhecimento oficioso .
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do arguido A... as questões a decidir são as seguintes:
- se a pena em que o arguido foi condenado é desproporcional face à moldura penal do crime de violação de imposições, p. e p. pelo artigo 353.º do Código Penal, pelo que a sentença recorrida violou o disposto no art.27.º, n.º 1 e 2 da C.R.P.; e
- se a pena de prisão efectiva é desproporcional face ao crime de que vem acusado e à sua culpa, pelo que deve ser condenado numa pena que não o prive da liberdade.
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Passemos ao conhecimento do recurso.
O arguido A... vem condenado pela prática de um crime de violação de imposições, p. e p. pelo art.353.º do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão.
Como bem se menciona na sentença recorrida a conduta imputada ao arguido A... é passível, de acordo com as várias posições jurisprudenciais, de integrar um crime de violação de imposições, um crime de desobediência, ou de não integrar qualquer crime.
No sentido de que uma conduta idêntica à imputada ao aqui arguido preenche o crime do art. 353º do C. Penal, na redacção que lhe foi dada Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, podem encontrar-se, entre outros, neste Tribunal da Relação de Coimbra, os acórdãos de 24 de Fevereiro de 2010, proc. n.º117/09.6TAVNO.C1, de 30 de Junho de 2010, proc. n.º 149/08.1TAVGS.C1, de14 de Julho de 2010, proc. n.º 48/09.0TAVGS.C1, de 25 de Janeiro de 2012, proc. n.º 433/11.7TAPBL.C1, e de 20-06-2012, proc. n.º 123/10.8TAAGN.C1 ( com um voto de vencido).
No sentido de que esta será uma conduta penalmente atípica, podem encontrar-se, entre outros, os acórdãos de 12 de Maio de 2010, proc. nº 1745/08.2TAVIS.C1, de 6 de Outubro de 2010, proc. n.º 24/09.2TAVGS.C1, de 12 de Julho de 2011, proc. n.º 295/09.4TAVIS.C1, de 9 de Novembro de 2011, proc. n.º 984/09.3TAVIS.C1, de 09-05-2012, proc. n.º 1230/10.2 TAVIS.C1, de 30-05-2012, proc. n.º 13/11.7TAAGN.C1, e de 26-09-2012, proc. n.º 171/11.0TASCD.C1. in www.dgsi.pt.
Também na doutrina não se encontra consenso nesta matéria.
Enquanto para o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, o alargamento da previsão do art. 353º do C. Penal, operado pela Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, teve o propósito de nele integrar estes casos de incumprimento de imposições resultantes de penas acessórias designadamente, a entrega do título de condução, para o Dr. António Tolda Pinto a situação integrará a prática do crime de desobediência, pois a previsão do tipo do crime do art. 353º do C. Penal só se preencherá com a condução de veículo já no decurso do período de execução da pena acessória. Cfr. “Comentário do Código de Processo Penal”, UCE, pág. 1278 e e “Comentário das Leis Penais Extravagantes”, Vol. I, UCE, pág. 402.
O Tribunal da Relação, constituído por este relator e adjunta, já decidiram no acórdão datado de 6 de Outubro de 2010, supra referido, que o art.353.º do Código Penal não consente a integração nele de comportamentos processuais prévios à execução da sanção acessória, mas tão só comportamentos ou proibições que a integrem.
Não encontrámos ainda motivos para alterar a posição, no sentido da atipicidade criminal da conduta de quem tendo sido condenado por sentença na pena acessória de conduzir veículos com motor, não entrega a licença de condução na secretaria judicial ou em qualquer posto policial no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, como estabelecem os artigos 69.º, n.º 3 do C.P. e 500.º, n.º2 do C.P.P..
Continuamos a entender, pelos motivos que constam da jurisprudência que segue esta orientação, que o condenado em pena acessória que não entrega a licença de condução naquele prazo não comete, designadamente, o crime de violação de imposições ou o crime de desobediência, ficando sujeito apenas a que o tribunal ordene que seja apreendida a licença de condução.
Embora a redacção da Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, tenha ampliado a previsão do crime de violação de imposições, p. e p. pelo art.353.º, do Código Penal, passando a abranger, além da violação de proibições ou interdições, de conteúdo negativo, ainda a violação de imposições, que são obrigações de conteúdo positivo, continua a exigir-se que a sentença condenatória as determine como pena acessória ou medida de segurança não privativa da liberdade.
A imposição de entrega do título de condução não integra o conteúdo da pena acessória em causa, nem com ela se confunde.
O conteúdo da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor é constituído apenas pela própria proibição de conduzir veículos com motor e apenas a violação desta proibição, traduzida, necessariamente, na acção de conduzir veículo motorizado, preenche o tipo do art. 353º do Código Penal.
No caso em apreciação, deu-se como provado que no processo comum singular n.º 177/07.4GACDN, do Tribunal Judicial de Condeixa-a-Nova, foi o arguido A...condenado, por sentença datada de 16 de Abril de 2008, transitada em julgado em 6 de Maio de 2008, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 9 meses.
O arguido notificado para, em 10 dias, após o trânsito em julgado da sentença, entregar a carta de condução no tribunal ou em qualquer posto policial e nos 10 dias após o trânsito em julgado da sentença e até ao dia 6 de Julho de 2011, o arguido não entregou a sua carta de condução.
Uma vez que em face dos motivos supra expostos, se entende que a conduta do arguido não preenche os elementos objectivos do crime de violação de imposições, p. e p. pelo art.353.º, do Código Penal, pelo qual o mesmo foi condenado, impõe-se revogar a douta sentença recorrida e absolver o arguido do crime pelo qual está acusado e foi condenado.
Consequentemente a esta decisão, fica prejudicada a questão de saber se a pena de prisão aplicada ao arguido o foi em medida excessiva e se o Tribunal a quo deveria ter optado pela aplicação ao mesmo de uma pena não privativa da liberdade, em detrimento da pena de prisão efectiva.

Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em declarar que a conduta do arguido A... não integra a prática do crime de violação de imposições, p. e p. pelo art.353.º, do Código Penal, de que vinha acusado e, consequentemente, revogando a douta sentença recorrida absolve-se o arguido da prática do crime de que vinha acusado.
Fica prejudicado o objecto do recurso.
Sem custas.
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(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.).
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Coimbra,