Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
209/14.0T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARVALHO MARTINS
Descritores: COMPRA E VENDA
COOPERATIVA
MORA
JUROS COMERCIAIS
Data do Acordão: 07/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - INST. CENTRAL - SECÇÃO CÍVEL - J5
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.102 C COMERCIAL, DL Nº 32/2003 DE 17/2, 805, 806 CC
Sumário: 1.- Do regime jurídico instituído pelo DL n.º 32/2003, de 17.02, se retiram decisivos elementos no sentido de que o legislador, nas sucessivas alterações que tem vindo a introduzir ao art.º 102º, do Código Comercial, e regulamentação conexa, tem demonstrado o intuito de abranger, apenas, as verdadeiras empresas comerciais, ou seja, as que efectivamente praticam actos de comércio e não aquelas às quais nega a qualidade de comerciais ou comerciantes.

2.- Neste enquadramento, conclui-se que a taxa de juros moratórios relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais não é aplicável às cooperativas, quer surjam na qualidade de entidade credora, quer na de entidade devedora.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

M (…) SA com sede em Rua (...) Bombarral, instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Cooperativa Agrícola do T (…) C.R.L, com sede na Av. (...) Moimenta da Beira pedindo a condenação desta no pagamento de € 90.016,19 acrescida de juros vencidos no valor de € 28.854,53 e vincendos à taxa de 7,15% ou de outra que sobrevir e ainda no pagamento de custas, procuradoria e mais legal.

Para tanto alegou, em síntese, que em 2010 vendeu à ré maçã Royal Gala de dois pomares, tendo ficado acordado o valor de € 0,35/por quilo de maçã de toda a fruta que os pomares produzissem e viesse ser apanhada, sendo a colheita a cargo da autora e o levantamento e transporte por conta da ré.

Mais alega que os carregamentos foram efectuados de 17.08.2010 a 19.09.2010, correspondendo o total fornecido a 242.739,00 Kg.

A ré, no entanto, após ter levantado em 08.10.2010 o último carregamento de maçãs enviou à autora uma carta com um aviso de lançamento no valor de € 43.592,13 invocando a existência de maçã sem calibre e de refugo, sendo certo que nada foi acordado quanto ao calibre das maçãs ou outras características.

Por esta ordem de razões, tendo sido enviado por parte da ré, em 04.02.2011. um cheque no valor de € 43.464,06, a autora devolveu o mesmo.

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Regularmente citada, contestou a ré a fls 98 ss requerendo a parcial improcedência da acção, porquanto foi acordado com a autora que só seria comprada a maçã com calibre acima dos 60 mm.

Assim, após a colheita, a maçã seria classificada pela ré e após a mesma seriam verificadas as quebras a deduzir e, só após, o pagamento efectuado.

Mais alega que a operação de classificação não é feita no momento da entrada nas instalações da ré, mas vai sendo efectuada à medida das necessidades comerciais e da disponibilidade comercial.

Foram enviados os mapa resumo de calibragem e os mapas de refugo à autora, devidamente elaborados, incumbindo à ré tão somente o pagamento no valor de € 46.464,04, correspondente ao valor da fruta que foi vendida deduzidas as quebras verificadas.

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A autora respondeu, mantendo o alegado em sede de petição inicial, designadamente que vendeu e a ré comprou toda a fruta que os pomares produzissem e viesse a ser apanhada, independentemente do calibre ou defeitos.

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Oportunamente, foi proferida decisão onde se consagrou que

«Em face do exposto e sem outras considerações, julgo a acção parcialmente procedente e condeno a ré a pagar à autora a quantia de € 90.056,16 (noventa mil e cinquenta e seis euros e dezasseis cêntimos) acrescida de juros de mora desde a data da citação à taxa de 7,15% até 31.12.2014, à taxa de 7,05% desde 01.01.2015 até 30.06.2015, á mesma taxa de 7,05 % desde 01.07.2017 e a partir daqui, à respectiva taxa legal até efectivo e integral pagamento (Aviso DGTF 8266/2014 de 1 de Julho, Aviso DGTF nº 563/2015 de 2 de Janeiro, Aviso DGTF 7758/2015 de 2 de Julho).

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Custas pela autora e pela ré na proporção de 1/4 para a autora e 3/4 para a ré (artº 527 nºs 1 e 2 do CPC)».

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Cooperativa Agrícola do T (…) C.R.L., com sede em Moimenta da Beira, melhor identificada no processo em epígrafe, não se conformando com a sentença de fls., dela veio interpor Recurso de Apelação, alegando e concluindo que:

(…)

M (…) S.A., Autora nos autos à margem identificados, tendo sido notificada do recurso interposto por Cooperativa Agrícola do T(…), C.R.L., e das respectivas alegações, veio em sede de recurso de Apelação, apresentar as suas Contra-Alegações e requerer a ampliação do âmbito do recurso (artigo 636°, nº 1 do C.P.C.), concluindo que:

(…)

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Veio, em sequência, Cooperativa Agrícola do T (…), C.R.L., apresentar Resposta, por sua vez alegando e concluindo que:

(…)

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Matéria de Facto assente na 1ª Instância e que consta da sentença recorrida:

Factos provados

1- A autora tem como objecto social a produção, comercialização, importação, exportações de frutas e produtos hortícolas, valorização das mesmas adquiridas aos seus accionistas e nos mercados nacional e internacional, através da concentração, embalagem, transformação e sua comercialização, preparação e conservação de frutos e de produtos hortícolas por outros processos.

2- A ré tem como objecto social:

- A recolha, a concentração, a transformação, a conservação, a armazenagem e o escoamento de bens e produtos provenientes das explorações dos seus membros;

- A instalação e a prestação de serviços às explorações dos seus membros, nomeadamente de índole organizativo, técnica, tecnológica, económica, financeira, comercial, administrativa e associativa;

- A promoção da prática da protecção e ou produção integrada das culturas.

3- No exercício das actividades referidas em 1 e 2, no ano de 2010, a autora vendeu à ré e esta comprou-lhe a maçã Royal Gala de dois pomares de fruta da Quinta (...) , com a fruta ainda na árvore, tendo o preço, sem IVA incluído, acordado sido € 0,35 por quilo.

4- O negócio foi feito pelo Presidente do Conselho de Administração, J (…) em representação da autora, e pelo Presidente da Direcção, J (…), em representação da ré, na presença de H (…).

5- Conforme acordado a colheita foi feita por conta da autora e a ré procedeu ao levantamento da mesma, nas instalações da autora sitas em Delgada, Bombarral e transportou a para as suas instalações sitas em Moimenta da Beira.

6- Os carregamentos efectuados pela ré tiveram início no dia 17.08.2010 e terminaram no dia 16.09.2010, em número de 14, sendo a carga acompanhada da respectiva factura e CMR, totalizando a quantidade de 242.739,00 quilos, nas quantidades, qualidades, preços e datas constantes das facturas de fls 56 a 69, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

7- O procedimento habitual da ré após a aquisição de maçã e recepção da mesma nas suas instalações é armazenar as mesmas em câmaras de transição, sendo a sua classificação efectuada à medida das necessidades comerciais e elaborado um mapa de calibragem e mapa de refugos.

8- A ré enviou à autora carta datada de 06.10.2010 do seguinte teor:

Somos a enviar resumo da calibragem e mapa de refugos referente às galas das diversas facturas.

Anexamos também Aviso de Lançamento com o acerto final das contas.

9- No aviso de lançamento referido na carta mencionada em 8, a ré contabiliza a seu crédito o valor de € 43.592,13 tendo em consideração o mapa de calibragem e mapa de refugos que enviou em anexo.

10- Em resposta à carta referida em 8, a autora enviou carta datada de 26.10.2010, devolvendo-lhe o aviso de lançamento por entender que o mesmo não tinha fundamento contratual.

11- Por carta datada de 04.02.2011, a ré enviou à autora o cheque nº 622505 s/ CGD no montante de € 43.464,06 mencionando que o mesmo se destinava para liquidação total da fruta entregue pela v/firma depois de deduzida a Nota de lançamento enviada por nós em 06.10.2010, referente a quebras verificadas na referida maçã, na sequência do n/ acordo de compra (…).

12- A autora por carta registada com aviso de recepção, datada de 15.02.2011 devolveu o cheque referido em 11, bem como o aviso de lançamento enviado.

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Para além de factos irrelevantes ou manifestamente conclusivos, não se provou que:

a) Nas circunstâncias referidas em 5 foi acordado que a ré compraria toda a fruta que os pomares produzissem;

b) Nas circunstâncias referidas em 5 o representante da autora, perante a evidência do excesso de “pedrado” nas maçãs existentes nos pomares e perante a percentagem de calibre abaixo de 60 mm, propôs ao representante da autora que à ré só interessava a maçã que não apresentasse “pedrado” e que só seria comprada maçã com calibre superior a 60 mm, pelo preço mencionado em 3;

c) Nas mesmas circunstâncias ficou acordado que a maçã seria classificada na secção fruteira da ré e que, após tal classificação, se verificariam as quebras que haveriam de ser deduzidas ao preço final e os resultados enviados à autora;

d) Ficou acordado que o preço das maçãs seria feito de acordo com os usos neste tipo de negócio, após a verificação das quebras;

e) O pagamento das facturas referidas em 6 deveria ser efectuado na data de emissão constante das mesmas;

f) Até à recepção da carta referida em 10, a ré nunca tinha levantado a questão ou reclamação quanto ao tipo ou natureza da fruta que comprou e veio a carregar.

*

Nos termos do art. 635º NCPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente, sem prejuízo do disposto no art. 608º do mesmo Código.

Das conclusões, ressaltam as seguintes questões elencadas, na sua formulação originária, de parte, a considerar na sua própria matriz holística:

1.

A - Os pontos 1 e 2 da matéria dos temas de prova foram incorretamente julgados.

B -As declarações da (…), como resulta da gravação ora apresentada, impunham decisão sobre os pontos 1 e 2 da matéria dos temas de prova diversa da recorrida, os quais, assim, foram incorretamente julgados.

C- Houve erro na apreciação das declarações da testemunha (…)

D- Torna-se, assim, necessário esclarecer as declarações da testemunha Humberto Rodrigues, de forma a extrair das mesmas toda a verdade.

E- Para tanto, de harmonia com o disposto no artigo 662º, nº 1 do código de processo civil, tendo em conta as declarações da testemunha (… sobre os pontos 1 e 2 da matéria dos temas de prova, dando-se como provado o ponto 2 da matéria dos temas de prova e como não provado o ponto 1 da mesma matéria, deve ser alterada a decisão proferida.

F - Se assim não se entender, tendo sempre como base as declarações da testemunha (…) sobre os ditos pontos 1 e 2 da matéria dos temas de prova, deve ser ordenada a renovação da produção da prova por haver dúvidas sobre o sentido do seu depoimento – artigo 662º nº 2, a) do código de processo civil -.

G – Se ainda assim não se entender, o que só academicamente se concede, tendo em conta a falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, deve a sentença ser considerada nula ao abrigo do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea b) do código de processo civil.

Termos em que, nos melhores de direito e com o suprimento de V. Exas., deve a decisão do tribunal de 1ª instância ser alterada, ou caso assim não se entenda, ser ordenada a renovação do depoimento da testemunha Humberto Rodrigues, ou ainda, em última instância, ser declarada a nula a sentença, por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que a justificassem.

Apreciando, diga-se, pressuponentemente, tendo em consideração o perfil das questões formuladas, que

«o Direito é o justo, é a coisa devida, é o seu, o suum cuique. Ora não tenhamos dúvida. O suum de cada um é o que lhe é conferido por um título, um modo sócio-juridicamente admitido de ter a propriedade. O meu é o que comprei, ou me foi dado, etc .. Não tenho direito à lua, nem a nada que não tenha já adquirido legitimamente. Só por extensão ou analogia o Direito adquire os demais significados. Assim, o meu direito é aquilo a que tenho direito, é o objecto justo. E a justiça jurídica é a justiça de o atribuir correctamente.

(…)

Os actos humanos têm explicações diversas; cada um pode ter a sua versão dos acontecimentos e as motivações para o agir são as mais díspares. Apenas um terceiro independente, o juiz, ouvindo as razões de uns e de outros, poderá decidir, dizer o direito.

Para isso testam-se os argumentos, os tópicos, elaborados de molde a persuadir (retoricamente).         

(…)

O juiz é, por excelência, um homem dotado da virtude da prudência, e capaz de uma (cor)recta deliberação. O livro VI das Éticas a Nicómaco explicita estas questões. Não olvidemos, porém, que os juristas são juris-prudentes, devendo partilhar, portanto, desse dom, e exercitar-se nessa senda.

O Direito é uma prudente partilha de bens, de direitos, de coisas, por um terceiro independente - daí a importância do in jure, da fase judicial, a qual faz que alguns seguidores de Aristóteles restrinjam até as questões jurídicas às situações em que intervenha um tribunal (Cf. Paulo Ferreira da Cunha Pensar o Direito, I. Do Realismo Clássico à análise mítica, 1990, pp. 50-51).

Assim o prosseguindo, diga-se que, na reapreciação dos factos, o Tribunal da Relação altera a decisão proferida sobre a matéria de facto se a prova produzida, reapreciada a pedido dos interessados, impuser decisão diversa (art.662, nº1, do Código de Processo Civil).

Este tribunal forma a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos impugnados (Abrantes Geraldes, Recursos, 3ª edição, 2010, Almedina, pág.320.)

Mas não deixa de ser pertinente, como assinala o acórdão de 3.12.2013, desta Relação, no processo 194/09.0TBPBL.C1, em www.dgsi.pt. "quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas - nomeadamente prova testemunhal -, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela” (Cf. Ac. RC nº70/14.4T8PBL.C1, de 17.05.17, Relator: Fernando Monteiro, in www.dgsi.pt.).

No âmbito do n.º 1 deste artigo integram-se as eventuais violações das regras do direito probatório material, designadamente o desrespeito, pelo tribunal recorrido, da força plena de certo meio de prova "o que ocorre quando, apesar de ter sido junto ao processo um documento com valor probatório pleno relativamente a determinado facto (arts. 371.°, n.º 1, e 376.º, n.º 1 do CC), o considere não provado, relevando para o efeito prova testemunhal produzida. Ou, quando tenha sido desatendida determinada declaração confessória, constante de documento, ou resultante do processo (art. 358.º do CC e arts. 484.º, n.º 1, e 463.º do CPC), ou acordo estabelecido entre as partes, nos articulados, quanto a determinado facto (art. 574.º, n.º 2, do CPC), optando por se atribuir prevalência à livre convicção formada a partir de outros elementos probatórios (v.g. documento particular sem valor confessório ou prova pericial). Ou, ainda, nos casos em que tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente (v.g presunção judicial ou depoimento testemunhal, nos termos dos arts. 351.º e 393.º do CC), situação em que a modificação da decisão da matéria de facto passa pela aplicação ao caso da regra de direito probatório material (art. 364.º, n.º 1, do CC)" (ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, ps. 225 e s.). Com o princípio da livre apreciação de provas consignado no art. 655.°, n.º 1, do Cód. Proc. Civil (607º NCPC), a só ceder perante situações de prova legal que fundamentalmente se verifiquem nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares e por presunções legais (arts. 350.°, n.1, 358.°, 371.° e 376.°, todos do Cód. Civil) (Ac. RE, 20-9-1990: BMJ, 399.°-603).

Na circunstância, reproduzida a prova na sua integral dimensão, designadamente, no renovo, de outiva, pelo Tribunal da Relação dos depoimentos prestados, pelos intervenientes processuais referenciados, não pode inferir-se - declaradamente -, que

«B -As declarações da (…) (, como resulta da gravação ora apresentada, impunham decisão sobre os pontos 1 e 2 da matéria dos temas de prova diversa da recorrida, os quais, assim, foram incorrectamente julgados.

C- (e que) Houve erro na apreciação das declarações da testemunha Humberto Rodrigues».

Com efeito, do seu confronto, o que deriva é que expôs aquilo que só pode ser tomado pela sua “percepção” da realidade que “testemunhou” e expôs através da expressão narrativa que, correspondentemente, a consagrou, assim revelando numa específica “coerência”.

O que se revela, necessariamente, também, observado, para os demais intervenientes processuais, no seu perfil de sintonia com o presente universo problemático.

Em particular, no que é assumido como elemento de antagonismo de “leitura” dessa mesma “realidade”, por parte da testemunha (…)(encarregado geral da parte agrícola na M (…), que foi quem “fez o contacto entre uma parte e a outra”).

Sendo que, um e outro, se clangoraram como observadores, directos e participantes, nos pomares, dos termos que assumidos no acordo negocial pelas partes assumido, por isso se pretendendo como testemunhas fiduciárias de tal. A diferença está no desencontro das próprias conclusões, ínsitas aos seus discursos narrativos. A saber, quanto a quem estaria, no momento, presente e do alcance do acordado abranger toda a fruta produzida colhida nos pomares em referência, ou em função de específica calibragem (+60), considerando, também, a percentagem de maçãs atingidas por “crepa” e com “pedrado”.

As respostas foram, efectivamente díspares, expressando uma radical não confluência, que o discurso das demais testemunhas – que permaneceram fiéis, em convencimento, que se não questiona, mesmo em função do interesse (aquilo que inter est) e da geografia processual, onde se enquadraram.

Com este quadro factual, quid inde?

Incontornavelmente, como se preanunciou, e em função da revelação dos Autos, estando disponíveis, no Tribunal de Relação, para reapreciação, os mesmos elementos que foram apreciados o valorados no Tribunal recorrido, está aquela em condições de repercutir na matéria de facto o resultado dessa reapreciação integrada ainda, se necessário, pelas regras da experiência. Representando, sempre, a afirmação da pessoa de um certo facto, o resultado da formulação de um juízo humano, uma vez que este jamais pode basear-se numa certeza absoluta, o sistema jurídico basta-se com a verificação de uma situação que, de acordo com a natureza dos factos e/ou dos meios de prova permita, ao tribunal, a formação de uma convicção assente em padrões de probabilidade, que permita afastar a situação de dúvida razoável. As presunções judiciais constituem um instrumento precioso a empregar, quando necessário e tal for legalmente admitido na formação da convicção que antecede a resposta à matéria de facto, o que se toma premente quando se trata de proferir decisão em que os factos se tomam dificilmente atingíveis através de meios de prova directa (Cf. Ac. RL, 25-3-2003: CJ, 2003, 2.°-91).

Não caso, pois, assumem-se, decisoriamente, como elementos determinantes de veredicto, no contexto em causa, tratar-se - como afirmou o (…)em narrativa, notoriamente de maior proximidade, física e cognoscitiva, que lhe permitiu maior número de pormenores -, assim a consentir a referência de se tratar de:

“toda a fruta que lá estava (no pomar); aquilo até foi um ano de pouca fruta, a fruta até era boa nesse ano…”; “ não havia lá, assim, nada de anormal”; “o negócio foi feito à sua frente e concluído, foi!”; “o negócio foi concluído lá, lá no próprio pomar”; “…porque se então, se a fruta fosse assim, quando eles recebiam o primeiro carregamento não viam, se fosse 50%? 50% é metade, e eu acho que não houve reclamação nenhuma, pelo menos que eu soubesse não houve reclamação nenhuma. Além de a minha parte ser no campo agrícola, mas se houvesse alguma reclamação, eu era sabedor, acho eu”; “(…) então se é 50%, como eles dizem, é uma coisa visível, 50% é metade”; “o negócio foi feito sem condições de ...”; “o negócio foi 35 cêntimos”.

Como elemento que se toma por em absoluto determinante, e que, assim, se não pode deixar de conceder, a circunstância de:

“Sendo ainda estranho e avesso às regras da experiência que o negócio deste montante (cerca de 90.000,00 €) não tenha sido reduzido a escrito se tivessem sido acordadas determinadas qualidades para a maçã, objecto do mesmo.

Já o mesmo é perfeitamente admissível e compreensível para o negócio de compra e venda de todas as maçãs ainda pendentes existentes nos pomares (…)».

À qual se atribui virtualidade e efectividade suficientes para ultrapassar a “oposição de contrários” assumida, no impossível categórico de os Autos se não poderem quedar por qualquer tipo de aberrante “non liquet” processual.

Tanto mais que, do mesmo modo, se não pode perder de vista a consideração de que "a prova de um facto assenta, em processo civil, num juízo de preponderância em que esse facto provado se apresente, fundamentalmente, como mais provável ter acontecido do que não ter acontecido, como no caso vertente se evidencia (neste sentido, Ac. RC, de 06.03.2012, disponível em www.dgsi.Pt; também Ac. RC. 25.02.2014 (Relatara Maria José Guerra), no Processo com o Nº 1712.12.1 YIPRT.C1).

 

Consequentemente - e ao invés do que vem alegado -, não “houve erro na apreciação das declarações da testemunha Humberto Rodrigues”.

Sendo que a nulidade do acórdão decorrente da alínea c) do n.º 1 do art. 668.° do CPC (615º NCPC) pressupõe que os fundamentos de facto e de direito nele invocados conduzam logicamente ao resultado oposto àquele que integra o respectivo segmento decisório, e as questões previstas na alínea d) do n.º 1 daquele artigo são os pontos essenciais de facto ou direito em que as partes centralizam o litígio, incluindo as excepções, o que nada tem a ver com a sua argumentação em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos (Ac. STJ, de 13.S.2004: Proc. 04B1683.dgsi.Net). Não devendo confundir-se a contradição lógica, formal, entre fundamentos e decisão prevista na aI. c) do n.º 1 do art. 668.º do CPC (615º NCPC) com o erro de julgamento, isto é, com a errada interpretação e/ou aplicação da lei, circunstancialmente, também, inexistentes (Ac. STJ, de24.6.2004: Proc. 04B 1969.dgsi.Net).

O que se deixa consignado, por sua vez, afasta “a renovação da produção da prova por haver dúvidas sobre o sentido do seu depoimento – artigo 662º nº 2, a) do código de processo civil”. Em tais termos, pois, enquanto, no regime anterior, a renovação dos meios de prova produzidos em 1.ª instância só podia ser ordenada pela Relação quando tal se mostrasse absolutamente indispensável ao apuramento da verdade (n.º 3 do art. 712.°), a actual al. a) do n.º 2 deste art. 662.°, vai muito mais longe, ao impô-Ia - "a Relação deve ( ... ), mesmo oficiosamente" ( ... ) - "quando houver dúvidas sérias (a) sobre a credibilidade do depoente (b) ou sobre o sentido do seu depoimento".

Em todo o caso, estamos perante conceitos indeterminados, sendo que, circunstancialmente, as testemunhas, particularmente em causa, ao serem ouvidas em 1ª instância, foram já objecto de acareação (arts. 523.º e 524.º), permitindo aquilatar do seu sentido de depoimento, alcance intrínseco e razão sustentada de ciência. O que voltou a ser, no Tribunal da Relação, objecto de renovo probatório adrede, na forma legalmente convencionada. Por sua vez, em análise e apreciação de conformidade, expressa nos termos transactos.

Tal equivale a dizer que, em sede de recurso, suscitada a questão da sua credibilidade, na equivalência desse pretender (apenas) questionar a razão por que o tribunal atribuiu eventualmente maior crédito a uma dada testemunha, em detrimento de outra ou outras, dentro da margem da formação da sua livre convicção, a sua apreciação, no universo da prova integral produzida, foi considerado como permitindo a inferência específica expressa.

Tanto mais que, quanto ao "sentido do depoimento", aí devem funcionar – como se fizeram funcionar -, as regras gerais das declarações (arts. 236.º e ss., do Cód. Civil), devidamente adaptadas, por não se tratar de declarações negociais, mas de declarações de ciência (cf. ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, ps. 225 e s.); J. P. REMÉDIO MARQUES, Um breve olhar sobre o duplo grau de jurisdição em matéria de facto, em CDP, n.º especial 01/Dez. de 2010, pp. 80 a 90).

 Confronta-se, também, como elemento de sufrágio do que, assim, se consagrou em decisório e sobre o sentido e alcance do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 607º NCPC, a pertinência do delineamento noticiado pelo Trib. Constitucional no Ac. n.º 198/2004 (DR. II, de 2.6.2004, págs. 8545 e s.), embora formulada com referência ao processo penal, mas transponível para o processo civil, segundo o qual

 

«O acto de julgar é do tribunal, e tal acto tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção.

Tal operação não é pura e simplesmente lógica-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formação lógico-intuitiva (...).

Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).

Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência, a da percepção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e oralidade), a da dúvida inultrapassável (regras do ónus da prova).

A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz (melhor) perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova.

(...).

É pela imediação, também chamada "princípio subjectivo", que se vincula o juiz à percepção, à utilização, à valoração e à credibilidade da prova.

A censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação, ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção».

Acresce que a sentença preferida em processo judicial constitui um verdadeiro acto jurídico, a que se aplicam as regras regulamentadoras dos negócios jurídicos. A interpretação da sentença - enquadrável na esfera de competência do STJ – exige, pois, em qualquer circunstância, que se tome em consideração a fundamentação e a parte dispositiva, factores básicos da sua estrutura (Ac. STJ, de 28.1.1997: CoI. Jur./STJ 1997, 5.º-83). Com efeito, a interpretação de uma sentença (ou acórdão), como acto jurídico que é, deve obedecer, por força do disposto no art. 295.° do CC, aos critérios de interpretação dos negócios jurídicos. Significa isto que a sentença deve ser interpretada, de acordo com o que dispõe o n.º 1 do art. 236.° do mesmo código, com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do seu contexto. A correcta interpretação da parte decisória duma sentença exige a análise dos seus antecedentes lógicos, que a tornam possível e a pressupõem, dada a sua íntima interdependência. Exige, assim, que se tome em consideração a fundamentação e a parte dispositiva, factores básicos da sua estrutura (circunstancialmente, em perfeita adequação à prova produzida, por isso sem nenhuma profanação de sentido ou alcance). Embora o objecto da interpretação seja a própria sentença, nessa tarefa há que ter em conta outras circunstâncias, mesmo que posteriores, que funcionam como meios auxiliares de interpretação, na medida em que daí se possa retirar uma conclusão sobre o sentido que se lhe quis emprestar (Ac. STJ, de 5.12.2002, Rev. n.º 3349/02-2.ª. Sumários. 12/2002). No caso, pelas razões invocadas, por adequação, sem outra alternativa de correspondência.

Verificando-se, pois, que na sentença recorrida constam os factos e as razões de direito em que o tribunal alicerçou a sua decisão e esta é consequência lógica daquela fundamentação, é evidente que aquela peça processual não está inquinada de qualquer nulidade (art. 668º, nº1, alíneas b), c) e e) do CPC - 615º NCPC).

O que conforma como negativa a resposta às questões em 1.

2.

Ampliação do âmbito do recurso

L - Estando em causa, no caso, transacções entre comerciantes/empresas (na definição do art. 3.° do DL 32/2003), não se pode dizer que sem se provar o prazo) ... os juros devidos são só desde a citação.

M - Hoje e continua a ser assim no vigente DL 62/2013. (mais exactamente, desde 18/02/2003) é inexacto dizer-se - quando, como é o caso, estão causa transacções entre comerciantes/empresas - que se não foi acordado/provado prazo de pagamento, a obrigação em causa não tem data certa ou que na determinação dos prazos de pagamento, o ónus da prova está do lado de quem faz a invocação.

N - Hoje, em transacções entre comerciantes/empresas, há uma regra supletiva legal, "especial", que é a de que, nada dizendo o contrato, a obrigação de pagar o preço se vence automaticamente, sem necessidade de interpelação, passados 30 dias; não valendo a regra geral do art. 805.°/1 do CC, segundo a qual, nada dizendo o contrato, a obrigação de pagar o preço só se vence após a interpelação do credor (regra esta ínsita na argumentação da sentença recorrida)."

O - Significa isto que, mesmo sem novos factos, mesmo sem se ter provado a data de vencimento de cada uma das facturas de fls. 56 a 69 - cujo teor foi dado como integralmente reproduzido no ponto nº 6 dos factos provados, nomeadamente quanto às quantidades, qualidades, preços e datas delas constantes - os juros pedidos até à citação sempre serão devidos.

P - Pelo exposto deverá ser admitido o pedido de ampliação do recurso e, apreciado este, julgar-se o mesmo procedente e revogar-se a absolvição da Autora, aqui apelada, respeitante aos juros de mora até à citação, em função do que deverá condenar-se a Ré, aqui apelante no pagamento dos juros calculados a partir do trigésimo primeiro dia da data de cada uma das facturas e até à citação no valor de 28.696,62 €, no mais se mantendo a condenação em juros desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

Neste segmento, vincula que o art. 684.º-A do CPC, sob a epígrafe, "ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido" (reproduzido sem alterações no art. 636º NCPC) permite o conhecimento, pelo tribunal de recurso, do fundamento da acção ou da defesa em que a parte vencedora decaiu (n.º 1), bem como da nulidade da sentença ou da impugnação da matéria de facto (n.º 2), desde que o recorrido formule tal pretensão na respectiva alegação (Ac. RP, de 9.7.2007: JTRP00040507.dgsi.Net). Sendo que, perante o teor do n.º 1 do art. 684.º-A do CPC (art. 636º NCPC) nos casos em que se coloque em causa, não fundamentos (ou causas de pedir) de uma única pretensão, mas sim uma pretensão principal e uma pretensão deduzida a título subsidiário, certo é que, mesmo numa tal perspectiva, sempre incumbirá ao Tribunal ad quem curar da pretensão subsidiária (Cf. Ac. STJ, de 6.2.2008: AD, 558.°-1304, e Proc. 07S2620.dgsi.Net).

Fazendo-o, acolhe-se a orientação expendida, segundo a qual - diversamente da sustentada em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido -, como, de resto, vem sustentado em “resposta”:

«1ª A taxa de juros moratórios relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais não é aplicável às cooperativas.

2ª A dispensa de interpelação do devedor prevista no artigo 805º, nº 2, alínea a) do CC, pressupõe que a obrigação tenha, de antemão, um prazo certo, correspondendo este à fixação de um lapso de tempo calendarizável, em termos de tornar inequívoco ao devedor o momento exacto (o dia) em que deve cumprir;

3ª Não corresponde à fixação de um prazo certo, não dispensando a interpelação, a referência a um evento ou acontecimento, determinável mas não determinado (v. g. depois de verificada a conformidade dos bens);

4ª Todavia, e bem, a sentença considerou que, in casu, não estando presentes nenhuma das situações tipificadas no nº 2 do artigo 805º do C.C só eram devidos juros desde a data da citação.

5ª Juros civis e não comerciais dado que a recorrente é uma cooperativa».

Em tais termos, pois que - tal como já decidido em Acórdão desta Secção, com o Nº Convencional:902/10.6TBCBR.C1,JTRC, de 09.01.2012, Relator: FONTE RAMOS -, «a taxa de juros moratórios relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais não é aplicável às cooperativas».

Desde logo, levando em consideração, no caso sub judice, que a recorrente, desde 30 de Abril de 1972, é uma entidade cooperativa sem fins lucrativos e que não faz do comércio profissão - artigos 12,42 e 52 dos seus estatutos publicados no DR 133, III série, 12-06-1986 e com o código da certidão permanente 4668-3263-1868, como os documentos junto aos Autos revelam. O que determina, assim, do mesmo modo, no presente circunstancialismo, se afigurar correcto

«(…) concluir, por um lado, que as cooperativas não têm escopo lucrativo e que também a Ré desenvolve a sua actividade tendo como principal objecto/finalidade a satisfação dos interesses dos respectivos cooperadores (a satisfação das necessidades dos seus membros, a cooperação e a entreajuda dos seus membros), e não a obtenção e distribuição de lucros, e, por outro lado, quer se considere que a empresa em sentido objectivo é a unidade jurídica fundada em organização de meios que constitui um instrumento de exercício relativamente estável e autónomo de uma actividade de produção para a troca [Vide J. M. Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, Vol. I, Almedina, 1998, págs. 242 e seguinte], quer se veja o estabelecimento comercial ou industrial/empresa como uma organização concreta de factores produtivos como valor de posição no mercado [Cf. Orlando de Carvalho, Direito das Coisas, colecção Perspectiva Jurídica/Universidade, Coimbra 1977, pág. 196 – nota.], uma cooperativa que prossiga a actividade que a Ré desenvolve (e deverá desenvolver) dificilmente poderá ser qualificada como uma empresa no sentido e contexto do mercado e da actividade económica nele desenvolvida, ainda que a lei lhe atribua essa qualidade sob o ponto de vista organizacional e/ou, sobretudo, para efeitos contabilísticos e fiscais.

Se o que fica dito vai no sentido da solução defendida pela recorrente, cremos que, do regime jurídico instituído pelo DL n.º 32/2003, de 17.02, se retiram novos e decisivos elementos no sentido de que o legislador, nas sucessivas alterações que tem vindo a introduzir ao art.º 102º, do Código Comercial, e regulamentação conexa, tem demonstrado o intuito de abranger, apenas, as verdadeiras empresas comerciais, ou seja, as que efectivamente praticam actos de comércio e não aquelas às quais nega a qualidade de comerciais ou comerciantes.

(…)

Neste enquadramento, e reafirmando-se o devido respeito por entendimento em contrário, conclui-se que a taxa de juros moratórios relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais não é aplicável às cooperativas, quer surjam na qualidade de entidade credora [Cf. F. Correia das Neves, Manual dos Juros, Almedina, 1989, pág. 117], quer na de entidade devedora e, como tal, sendo a Ré uma mera cooperativa (…), e não uma entidade empresarial, não está obrigada ao pagamento dos juros comerciais reclamados, devendo pagar os juros civis moratórios», tal como fixados.

No mais, continuando a manter validade a circunstância de se haver, em adequação, apreciado, em decisório, que:

«No que se refere aos juros, é consabido que o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido (art° 804° n° 2). Tratando-se de uma obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora (artº 806° nº 1).

ln casu, a prestação que impende sobre a ré tem natureza pecuniária e é ainda possível, mas para que o devedor se considere constituído em mora é necessário que haja sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir, salvo quando ocorra alguma das situações tipificadas no n° 2 do artº 805, nas suas diversas alíneas, o que não sucede na situação(cf alínea e) dos factos não provados) pelo que são devidos juros apenas desde a data da citação».

Assim, igualmente, pois que, de harmonia com o disposto no art. 805.º do Cód. Civil (momento da constituição da mora), o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir, sendo a citação um dos modos de fazer a interpelação. Mesmo sendo o crédito ilíquido, o devedor fica constituído em mora a partir da citação, no caso de responsabilidade por facto ilícito (Ac. STJ, 9-4-1997: AD, 430.º-1218).

O que determina resposta negativa para as questões em 2.

*

Podendo, deste modo, concluir-se, sumariando (art. 663º, nº7, NCPC), que:

1.

Na reapreciação dos factos, o Tribunal da Relação altera a decisão proferida sobre a matéria de facto se a prova produzida, reapreciada a pedido dos interessados, impuser decisão diversa (art.662, nº1, do Código de Processo Civil). O que, no caso sub judice, não acontece.

2.

A prova de um facto assenta, em processo civil, num juízo de preponderância em que esse facto provado se apresente, fundamentalmente, como mais provável ter acontecido do que não ter acontecido, como no caso vertente se evidencia.

3.

A nulidade do acórdão decorrente da alínea c) do n.º 1 do art. 668.° do CPC (615º NCPC) pressupõe que os fundamentos de facto e de direito nele invocados conduzam logicamente ao resultado oposto àquele que integra o respectivo segmento decisório, e as questões previstas na alínea d) do n.º 1 daquele artigo são os pontos essenciais de facto ou direito em que as partes centralizam o litígio, incluindo as excepções, o que nada tem a ver com a sua argumentação em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos. Não devendo confundir-se a contradição lógica, formal, entre fundamentos e decisão prevista na aI. c) do n.º 1 do art. 668.º do CPC (615º NCPC) com o erro de julgamento, isto é, com a errada interpretação e/ou aplicação da lei, circunstancialmente, também, inexistentes.

4.

O que se deixou consignado, por sua vez, afasta “a renovação da produção da prova por haver dúvidas sobre o sentido do seu depoimento – artigo 662º nº 2, a) do código de processo civil”. Em tais termos, pois, enquanto, no regime anterior, a renovação dos meios de prova produzidos em 1.ª instância só podia ser ordenada pela Relação quando tal se mostrasse absolutamente indispensável ao apuramento da verdade (n.º 3 do art. 712.°), a actual al. a) do n.º 2 deste art. 662.°, vai muito mais longe, ao impô-Ia - "a Relação deve ( ... ), mesmo oficiosamente" ( ... ) - "quando houver dúvidas sérias (a) sobre a credibilidade do depoente (b) ou sobre o sentido do seu depoimento".

5.

Em todo o caso, estamos perante conceitos indeterminados, sendo que, circunstancialmente, as testemunhas, particularmente em causa, ao serem ouvidas em 1ª instância, foram já objecto de acareação (arts. 523.º e 524.º), permitindo aquilatar do seu sentido de depoimento, alcance intrínseco e razão sustentada de ciência. O que voltou a ser, no Tribunal da Relação, objecto de renovo probatório adrede, na forma legalmente convencionada. Por sua vez, em análise e apreciação de conformidade, expressa nos termos transactos.

6.

Tal equivale a dizer que, em sede de recurso, suscitada a questão da sua credibilidade, na equivalência desse pretender (apenas) questionar a razão por que o tribunal atribuiu eventualmente maior crédito a uma dada testemunha, em detrimento de outra ou outras, dentro da margem da formação da sua livre convicção, a sua apreciação, no universo da prova integral produzida, foi considerado como permitindo a inferência específica expressa.

7.

Tanto mais que, quanto ao "sentido do depoimento", aí devem funcionar – como se fizeram funcionar -, as regras gerais das declarações (arts. 236.º e ss., do Cód. Civil), devidamente adaptadas, por não se tratar de declarações negociais, mas de declarações de ciência.

8.

É pela imediação, também chamada "princípio subjectivo", que se vincula o juiz à percepção, à utilização, à valoração e à credibilidade da prova. A censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação, ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.

9.

Verificando-se, pois, que na sentença recorrida constam os factos e as razões de direito em que o tribunal alicerçou a sua decisão e esta é consequência lógica daquela fundamentação, é evidente que aquela peça processual não está inquinada de qualquer nulidade (art. 668º, nº1, alíneas b), c) e e) do CPC - 615º NCPC).

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10.

Do regime jurídico instituído pelo DL n.º 32/2003, de 17.02, se retiram decisivos elementos no sentido de que o legislador, nas sucessivas alterações que tem vindo a introduzir ao art.º 102º, do Código Comercial, e regulamentação conexa, tem demonstrado o intuito de abranger, apenas, as verdadeiras empresas comerciais, ou seja, as que efectivamente praticam actos de comércio e não aquelas às quais nega a qualidade de comerciais ou comerciantes.

11.

Neste enquadramento, conclui-se que a taxa de juros moratórios relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais não é aplicável às cooperativas, quer surjam na qualidade de entidade credora, quer na de entidade devedora e, como tal, sendo a Ré uma mera cooperativa (…), e não uma entidade empresarial, não está obrigada ao pagamento dos juros comerciais reclamados, devendo pagar os juros civis moratórios, tal como fixados.

12.

De harmonia com o disposto no art. 805.º do Cód. Civil (momento da constituição da mora), o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir, sendo a citação um dos modos de fazer a interpelação. Mesmo sendo o crédito ilíquido, o devedor fica constituído em mora a partir da citação, no caso de responsabilidade por facto ilícito.

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IV. A Decisão:

Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto, e, também, no que respeita à ampliação do âmbito do recurso (a requerimento da Recorrida), mantendo-se a decisão.

Custas respectivas, pelos recorrentes, em proporção, fixando-se a taxa de justiça, individualizada, para cada uma das partes, em 3 UC..

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António Carvalho Martins ( Relator)

Carlos Moreira

Moreira do Carmo